domingo, 1 de abril de 2018

CAPÍTULO 30: LIÇÃO 26 – RECONHEÇA QUE SORTE É OPORTUNIDADE CONQUISTADA

Por mais clichê que soe, naquele domingo acordei antes de Marcela, só para ter aquela visão que beirava uma paisagem natural das mais exuberantes: aquela mulher linda, na minha cama, em um sono tão tranquilo que até parecia sorrir com o canto dos lábios. Meu sorriso foi imperativo, afastei uma mecha de cabelos do seu rosto só para sentir a pele quente dela e me assegurar que não era um sonho o que estava diante de mim.

Alguns minutos ali foi tempo suficiente para ressentir o que nossa noite nos reservou: o banho juntas, quando Marcela permitiu que eu sentisse o sabor do seu gozo na minha boca, nossa ceia improvisada no quarto, regada ao Cabernet que eu estava bebendo antes de ir ao encontro dela. O tempo também abriu brechas para questionamentos inevitáveis sobre como seria nossa vida a partir daquele dia, uma coisa era certa: estava ainda mais apaixonada por Marcela e ia viver essa paixão com toda intensidade merecida.

O momento de meditação foi interrompido pelo barulho da campainha acordando Marcela também.

-- Quem é?! – Marcela perguntou assustada.

-- Ei, bom dia! Eu vou abrir a porta, deve ser o porteiro, por certo não ouvi o interfone– Tentei acalmá-la.

-- Bom dia. – Marcela respondeu sem graça, cobrindo o rosto com o cobertor.

-- Ué, está se escondendo por quê? – Tentei puxar o cobertor – Ei, vem cá, me dá beijo...

-- Não! – Marcela falou colocando as mãos no rosto.

-- Está me negando um beijo?

-- Ah, estou com bafo! Não vou te beijar não! – Marcela se curvou na cama.

Sorri e tentei puxar o cobertor para alcançar minha boca na dela, mas foi em vão. Brincamos rolando na cama, até a campainha tocar de novo, dessa vez impaciente, e junto com ela meu celular vibrava na cabeceira da cama. No celular a chamada era o Ed, na porta, eu só podia imaginar que era alguém muito próximo para abusar da campainha daquela forma.

Atendi o celular e o Ed respondeu aos berros:

-- Ah finalmente! Apareceu a margarida! Onde você flor do dia? Estou na sua porta, virando fóssil aqui, com calo no meu lindo dedo de tanto apertar essa campainha.

-- Oi Ed! Mas o que você faz aqui essa hora? E por que não para de apertar a campainha se eu já atendi o celular?

-- Ah desculpaaaaa, talvez seja por que você ainda não abriu a porta!

-- Calma, Ed!

Enquanto falava com Ed, catava o roupão para atende-lo, atenta ao olhar apavorado de Marcela.

-- É só um amigo, não precisa se assustar, vou lá saber o que ele quer.

-- Minhas roupas, onde estão?

-- Meu bem, suas roupas estão molhadas ainda, na parte de cima do closet tem outro roupão limpo, pega um, depois te empresto uma roupa seca.

Aproveitei a distração de Marcela, e roubei o beijo e disse:

-- A propósito, bom dia!


Corri para abrir a porta, e Ed adentrou o apartamento com seu jeito espalhafatoso.

-- Olha você vai pagar viu?

-- Oi meu amigo, estou bem também, obrigada por perguntar. E você? Mas, eu vou te pagar o que ainda? Já te paguei todas as reformas de visual, ou não?

-- Ai, quem falou em me pagar por serviços, para com isso! Você vai pagar o procedimento para tirar as varizes que nasceram hoje, eu ficando plantado aqui na sua porta. Andou abusando do rivotril de novo?

-- Qual é... Hoje é domingo, até Deus descansou no domingo, por que eu não posso acordar um pouquinho mais tarde? E você está vindo da balada? Madrugou? Aconteceu alguma coisa?

-- É quase meio-dia! Pera... – Ed apertou os olhos, como quisesse ler minha mente.

-- Meio-dia?

-- Aaaah Luiza, sua safada!

-- Que?

-- Você de roupão, acordando tarde e com esse bom humor? Transou!

-- Ed, o que você está fazendo aqui?

-- Quem é a da vez? É a Cléo? Ela está no Brasil, aliás, acho que você danificou a mulher, trate de consertar.

-- Oi? Cléo? Não, e não quebrei nada dela não.

-- Não me diz que você está com aquela sampira!

-- Que sampira, que diabos é isso?

-- Luiza, se liga, sapa mais vampira, dá sampira... A Beatriz. – Ed falou fazendo careta.

-- Ai meu Deus, não fala nesse nome que me dá náuseas.

-- Se não é Beatriz, nem a Cléo, então é a Celina?

-- Ed, ainda não me disse o que está fazendo aqui...

-- Esqueceu que marcamos de almoçarmos juntos hoje? Aquele temporal de ontem me deixou preso na casa minha madrinha ontem e era aqui perto, decidi passar por aqui. Mas, não me enrola, quem está aí com você, safadinha?

-- Ed, eu esqueci, juro! Que cabeça!

-- Esqueceu? Luiza, não sabe quem está na sua cama?

-- Que? Claro que sei!

-- Te peguei! Está com alguém sim! Acabou de assumir.

-- Não assumi nada, você está especulando!

-- Parou! Pecado primeiro: esquecer um compromisso marcado comigo há dias. Segundo pecado: esconder de mim a identidade da próxima mulher que vai destruir seu coração e eu vou te consolar. Não sei como te penitenciar.

-- Credo! Não sabia dessa sua frustração sacerdotal aí... Desde quando você acredita em pecado e penitência?

-- Olha Luiza, você está abusando da minha paciência angelical. Já estou sentindo meu botox rachar aqui na minha testa. Desembucha, criatura!

Ed estava visivelmente impaciente, e eu sabia que ele não sairia dali sem as respostas. Eu não tinha o menor problema em falar sobre a Marcela depois daquela noite, entretanto, sequer conversei com ela sobre nossa condição, não sabia como seria nosso status, senti medo de assustar, assumindo um compromisso por nós duas.

-- Ed, a gente pode marcar esse almoço pra amanhã? Ou outro dia que você possa, não é um bom momento para conversarmos.

-- Luiza, você não confia em mim? Se essa mulher for casada, ou famosa, foragida da polícia, eu sei guardar segredos... A não ser que seja de alguma facção de Bangu, ou da máfia, eu não suportaria tortura...

-- Para de falar bobagem! A máfia italiana ou japonesa teria que fazer um intensivão aqui no Brasil para aprender sobre bandidagem.

Gargalhamos.

-- Então você vai continuar escondendo de mim, sua nova aventura?

-- A Marcela não é uma aventura, Ed.

-- Marcela? Por que esse nome não é estranho para mim?

Ed franziu a testa, parecendo um emoticon pensativo. Para minha surpresa, Marcela apareceu na sala, vestida em um roupão com o cabelo preso, parecia ainda mais menina do que era na realidade.

-- Ai meu Deus... é um girino!

Ed pensou alto, e eu não sabia se batia nele, se abraçava Marcela e a apresentava ao meu amigo, ou se ria da reação dele. Na dúvida, caímos na gargalhada, exceto Marcela que parecia não entender a risada.

-- Desculpa Marcela, vem cá meu bem. – Estendi a minha mão. – Este é o Ed, um dos meus melhores amigos. Ed, essa é Marcela.

Tímida, Marcela se aproximou enquanto Ed se recompunha da crise de risos.

-- Oi baby girl! Eu sou mais do que um dos melhores, sou o melhor amigo da Luiza! O melhor em qualidade, por que não vim ao mundo a passeio!

Marcela sorriu, apesar de estar notoriamente desconcertada com a situação, mal se ouvia sua voz.

-- Ed, sobre o almoço, pode ficar pra outro dia? – Quase supliquei com olhar.

-- Não, não pode! Vocês tem que comer não é? Digo, não dá pra viver de amor, é uma oportunidade de conhecer melhor a Marcela.

Ed foi direto, e eu não sabia bem o que responder, olhei para Marcela e acenou em acordo.

-- Então tá, vamos almoçar então.

-- Luiza, pode vir aqui um instante? – Marcela cochichou.

No corredor, Marcela disse preocupada:

-- Não quero ser antipática com seu amigo, mas, é que não tenho roupas para ir, e, acho que é cedo para conhecer seus amigos...

-- Marcela, a gente dá um jeito se o problema for a roupa, alguma que tenho deve servir em você... E sobre ser cedo, bem, não quero forçar a barra, mas, é só um almoço com o Ed, não estou pedindo para casar comigo...

-- A gente tem que conversar, as coisas não são assim tão simples.

-- Tudo bem, se você não quer, não vou te pressionar, me deixa ao menos ir te deixar em casa.

--Não precisa, não quero atrapalhar seus planos com seu amigo. Chamo um Uber, nos falamos depois.

Ed conhecia bem as complicações de uma relação lésbica, e se antecipou:

-- Chamando o brejo... Oie... Meninas, sei que vocês mulheres, adoram uma DR, mas, eu já estou com fome, podemos nos apressar? Baby girl, ninguém diz não a um convite meu, sem dramas, vamos lá!

Para simplificar a discussão, Marcela concordou, e o almoço foi leve, divertido. Ao contrário do que imaginei, Ed não nos sabatinou, apenas narrou suas histórias hilárias da sua epopeia em Nova Iorque, acho que o intuito dele era conquistar a confiança de Marcela, e deixa-la à vontade, o interrogatório seria comigo depois, disso, eu tinha certeza.

Depois do almoço, sem permitir que Marcela se opusesse, fui deixa-la em casa, à porta do seu prédio, estávamos de novo em um impasse, intimidadas talvez pelo que viria no nosso futuro próximo.

-- Então, nos falamos amanhã, quem sabe, pode jantar comigo, lá em casa se você não quiser sair, topa? – Convidei.

-- Luiza, como vai ser isso?

-- Isso? Isso o que?

-- A gente.

-- Marcela, você chama nosso relacionamento de “isso”?

-- Temos um relacionamento? Eu não sei como definir o que há entre nós.

-- Eu estou aqui, com você, depois de meses esperando enfim, uma chance com você, há quase um ano estamos nessa história confusa, e não desisti de você, apesar de seu namoro com aquela menina. Isso não é um relacionamento?

-- Até uma noite atrás, eu era só sua orientanda e aluna.

-- Isso é o que você acha? Não sejamos ingênuas, nunca fomos só aluna e professora.

-- É muito complicado. Você é muito pra mim... O que sinto é muito maior do que já senti por alguém na minha vida, depois dessa noite então, vi o quanto é grande esse sentimento, mas...

-- Mas o que, Marcela?

-- Tenho muito medo de me machucar. Estou me dando conta que sou só uma menina, e você é uma mulher feita. Como isso pode dar certo?

-- O que você está querendo me dizer com tudo isso, Marcela? Você não me quer? Não pode dar uma gente para nosso relacionamento acontecer como ele merece acontecer?

-- Olha o que eu estou te obrigando a fazer, tendo uma DR dentro de um carro, Luiza, você merece mais do que isso.

-- Então, me dá mais.

Marcela me encarou com os olhos marejados.

-- Quero mais de você, Marcela. Você me disse ontem, que me amava, quero seu amor, dentro de um carro, na minha casa, na sua casa, na rua, quero seu amor todos os dias.

-- Não sei se tenho tanto para oferecer.

-- Se acha que não vale a pena, se não reconhece a sorte que tivemos de nos entregarmos uma a outra ontem, eu acho mesmo que você não pode me amar como mereço.

Marcela deixou uma lágrima escorrer no seu rosto, e enquanto isso meu coração palpitava de medo de ser rejeitada mais uma vez.

-- Acho que precisamos pensar direito no que aconteceu, saber se estamos prontas.

-- Eu estou pronta para você há tempos.

-- Você não sabe disso, Luiza. Não mediu as consequências ainda. Sou sua aluna, e sua bolsista, sou um girino, a baby girl...

-- Chega Marcela... Você está aceitando os rótulos e os colocando como desculpa para seu medo. Não estou assustada, mas não posso ter coragem por nós duas, decida o que você quer, mas não vou te esperar a vida toda, tenho pressa em ser feliz.

Marcela continuou derramando lágrimas, mas as palavras não fluíam com a mesma intensidade. Balançou a cabeça positivamente e desceu do carro. Aquela atitude me desestruturou, era mais “um fora” que Marcela me dava, como aquilo consumia minhas energias, estava exaurindo minhas forças para lutar por ela toda aquela argumentação. Por isso, não esbocei esforço que não fosse o de girar a chave do carro para sair dali.

Olhei pelo retrovisor, a essa altura já estava entregue a um pranto dolorido, e avistei Marcela pegar seu celular, e imediatamente olhei para o meu celular que vibrava, era a própria:

-- Eu te amo Luiza, não desiste de mim.

Não respondi. Freei e fiz uma manobra louca, dei a ré no carro, e parei diante de Marcela, desci do carro e lhe falei olhando para seus olhos que brilhavam junto com a noite que caía:

-- Eu nunca desisti de você.

-- Vamos ver se você continua assim, depois de uma noite no meu apartamento.

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