terça-feira, 20 de março de 2012

LEIS DO DESTINO: 2ª FASE

2.31 Sunt lacrimae rerum
Existem as lágrimas das coisas. Expressão de Virgílio (Eneida, I, 462). Nos grandes infortúnios até os seres inanimados parecem chorar. 



            O cenário de pesadelo para Diana era completo. Tinha som, cheiro e as cores cinza que nublaram os sentidos da fotógrafa. Diana sentiu o mundo girar com violência, perdeu seu equilíbrio caindo na calçada de joelhos, tonta por aquela dor, o ar faltou aos pulmões, no lugar do oxigênio, tudo que tomava seu peito era o pranto desesperado, e o sentimento de impotência que lhe deixou dormente, surda, à beira de um estado catatônico.


            A inércia do seu corpo foi tamanha e a dormência dos sentidos tão intensa que Diana sequer foi capaz de ouvir as chamadas insistentes do seu celular no bolso. Estava entretida demais com sua própria dor da tragédia que se configurava diante dos seus olhos para atender a apelos externos à imensidão da perda que se desenhava em meio a destroços, sirenes, e uma fumaça densa.


            O corpo lacrado naquele saco preto era do amor da sua vida. Não conseguiu chegar a tempo de evitar que se cumprisse a ameaça anônima, que Diana interceptara, uma vez que Natalia esqueceu o celular dela no apartamento da namorada.


-- “Entre no seu carro para seu último destino doutora: sua morte. Sua sentença.”


            Pouco importava quem enviou aquele SMS por uma página da internet. Seu pai poderia ser o culpado, ou seu irmão, ou qualquer outro bandido o qual Natalia era intolerável no cumprimento de seu dever de promotora. O que importava para Diana era que ali não tiraram apenas a vida da representante do Ministério Público, levaram a vida dela junto.
           

            Lucas chegou ao local e o desespero também afligiu o delegado amigo da promotora. Levou as mãos à cabeça, e teve que segurar as lágrimas diante da imprensa que já especulava sobre a vítima. Ligou para Carla imediatamente e esta nada sabia sobre o paradeiro da amiga e chefe.

-- Estou ligando para o celular dela há meia hora, mas, ela não atende. Meu querido o que está acontecendo? Que voz é essa?


-- Cacá... Eu não sei como dizer isso... Estou diante do prédio dela... O carro dela explodiu...


-- Ai meu Deus...


            Carla caiu na sua poltrona em choque.

-- Carlinha... Um corpo foi encontrado no carro...


-- Não pode ser... Eu estou indo até aí...


            Em pouco tempo Carla estava no local do atentado, ao lado de Lucas, a assistente de Natalia não escondia sua revolta e inconformação. Chorando, Carla tentava raciocinar quem seria o responsável por aquela tragédia, olhando em volta, avistou Diana, paralisada sentada sobre os joelhos observando aquela cena completamente submersa em sua dor.


            Carla se aproximou da amiga, compadecida abaixou-se para abraçar Diana.

-- Você está aqui a muito tempo? – Carla perguntou.


-- Eu não sei...

           
            Diana respondeu com a voz fraca.


-- Vamos sair daqui, venha comigo, levo você para casa.


            Carla praticamente carregou Diana até o carro e depois até o apartamento da loirinha e lá ambas ficaram chocadas com a visão que tiveram.


-- Meu amor o que houve?


            Diana e Carla ficaram estáticas. Boquiabertas com Natalia ali parada na sala diante delas.

-- Carlinha eu posso saber o que você faz com minha namorada?


            Carla ainda chocada, falou com a voz trêmula para Diana:


-- Uma vez me disseram que eu era médium, mas eu nunca acreditei por que morro de medo de fantasmas, então me diga pelo amor de Deus que você está vendo a Natalia também Diana.



            Natalia franziu o cenho e indagou surpresa:


-- Carla que conversa é essa? Meu Deus você já bebeu hoje?! Não são nem nove da manhã!


            Diana soltou um suspiro aliviado, e todo aquele pranto que sufocava seu peito jorrou abruptamente quando a loirinha correu para abraçar Natalia com a força que seu coração agradecia aos céus pela vida da sua amada, ali viva em seus braços.


-- Meu amor alguém já te disse que esses seus bracinhos finos enganam?


            O comentário em tom de brincadeira de Natalia não foi suficiente para fazer Diana afrouxar aquele abraço. Carla por sua vez refeita do susto, enxugava o rosto profundamente aliviada e emocionada por ver sua amiga inteira.


-- Alguém pode me explicar o que está acontecendo?


            Natalia disse com a voz entrecortada pela dificuldade de falar dada à força que a namorada lhe abraçava.


-- Di, meu amor, adoro seu carinho, mas estou assustada, você está chorando?


            Diana soluçava, se dividindo entre a felicidade de encontrar Natalia viva e o medo daquele atentado ser apenas o começo de um pesadelo no qual mais uma vez seu pai era o vilão. Lentamente se desvencilhou dos braços da promotora e contemplou o rosto de Natalia com uma emoção que tocou a morena.


-- Se você me olhar por mais dez segundos assim a Carlinha vai testemunhar o porquê de não existir ex-lésbica porque vou te amar aqui e agora...


-- Opa! Vamos parar com isso, que já passei emoções demais por hoje! – Carla disse em tom jocoso.


-- Então...?

            Natalia esperava a explicação de Carla e Diana.


-- Primeiro de tudo você veio de carro pra cá? – Carla indagou.


-- Não, eu vim de taxi. O carro da Miriam está na revisão, ela precisava fazer as compras, deixei meu carro com ela e vim pra cá de taxi, cheguei aqui e não encontrei a Diana, liguei, mas, você não me atendeu amor!


-- Meu Deus... – Diana suspirou aliviada.


-- O que houve? Por que essa pergunta? – Natalia perguntou impaciente.


-- Natalia é uma notícia triste, apesar da nossa felicidade de te ver aqui... Seu carro explodiu na saída do seu prédio, Miriam não sobreviveu.


-- Meu Deus... Mas... Foi uma batida, um acidente? – Natalia perguntou chocada.


-- Não meu amor. Foi um atentado contra você.


            Diana respondeu mostrando a mensagem de texto do celular dela.


-- Você precisa de proteção Nat. Vou comunicar ao Lucas, ele está desesperado, certo que era você no carro. – Carla avisou se afastando da sala.

-- Eu quis morrer quando vi seu carro em chamas... – Diana pausou entregando-se ao choro incontrolado.


-- Ei, meu amor, calma eu estou aqui.


            O temor de Natalia e sua tristeza pela morte de Miriam tomaram a promotora que mais foi consolada por Diana naquele abraço do que o contrário. A sua rotina nos dias seguintes mudaram drasticamente, dificultando os encontros dela com a namorada. Mais do que tal problema, outro fator mais grave estava nas suspeitas acerca do autor do atentado contra Natalia.

            Depois da visita a Feliciano no hospital, Natalia não tinha dúvida da culpa de Acrisio, acreditava que o fazendeiro estava aliado a Douglas e infelizmente esse último não estava implicado no processo, a única testemunha que o citava era seu próprio irmão Danilo, o que na prática poderia ser contestado por qualquer advogado alegando disputa familiar.


            Com essa nova realidade mais conturbada para o casal, e outra vez sentindo a necessidade de proteger Natalia, Diana procurou seu pai na fazenda.


-- Que surpresa maravilhosa você aqui minha filha!


            Acrisio se aproximou para abraçar Diana, mas ela se afastou institivamente.


-- Não estou aqui para uma visita social papai. Vou ser direta. Natalia Ferronato sofreu um atentado, o senhor tem alguma coisa a ver com isso?


-- A promotora? Não! Por que eu faria algo contra ela? Diana eu confessei meus crimes, por que ia querer fazer algo contra a promotora agora? Ela está bem?


-- Pai, por favor, me poupe do teatro. As testemunhas que podem denunciar o Douglas estão simplesmente sumindo, se o senhor quer mesmo protege-lo do processo eliminar quem pode mostrar a verdade é uma ameaça ao seu plano não é?


-- Eu quero sim proteger seu irmão, porque se ele se transformou no monstro que é, a culpa é minha. Quero assegurar que Douglas receba o melhor tratamento médico para essa doença que ele tem, mas não quero mais mortes em volta disso, por isso assumi a autoria dos assassinatos.


-- Desculpa mas não dá pra acreditar no senhor...


-- Diana a essa altura eu não teria porque mentir para você, me diga o que eu ganharia com isso? Eu vou ser julgado e provavelmente condenado, preso, que vantagem eu teria eliminando testemunhas ou a promotora? Eu já confessei...


-- Se não foi o senhor, foi o Douglas, e aí eu pergunto: como o senhor vai freá-lo de dentro da prisão? É assim que o senhor pretende acabar com os massacres que ele promove? Dando imunidade parlamentar a ele e pagando pelos crimes dele?


-- Estou contatando algumas clínicas nos Estados Unidos, indicadas pelo psiquiatra que está acompanhando Douglas, até meu julgamento, quero que ele esteja internado, longe dessa confusão.


-- O senhor não pode ser tão ingênuo assim papai. O Douglas continua descontrolado, e nunca vai aceitar ser internado, enquanto isso vai deixando rastro de mortes. Felizmente a Natalia não se feriu, mas outra pessoa inocente morreu no atentado, eu não sei o que seria de mim se algo tivesse acontecido a ela...


            Diana deixou escapar tal desabafo, contendo a voz embargada.


-- Você ainda gosta dessa moça minha filha?


            Acrisio encarou Diana a fim de ler os sentimentos da filha aguardando sua resposta.


-- Eu a amo papai. Nunca deixei de amar, e nunca vou deixar. Eu daria minha vida para que ela não sofresse um arranhão, por isso, se foi o senhor que fez isso, ou se foi o Douglas, não vou hesitar em fazer qualquer coisa contra vocês para protegê-la.


            A declaração de Diana não foi agressiva e Acrisio reconheceu isso, mas reconheceu também a dimensão dos sentimentos embutidos nas palavras da filha.


-- Sendo assim minha filha, conte comigo para protegê-la também.


-- Como assim?


-- Eu lhe asseguro que me empenharei para manter a doutora a salvo, fique tranquila.


-- O senhor vai proteger a Natalia? A mulher que está lutando para mandar o senhor para trás das grades?



-- Não. Eu estou protegendo você e sua felicidade.


            Incrédula, Diana deixou escapar um riso irônico, mas no fundo de sua alma nascia a ponta de esperança de seu pai estar sendo sincero.


-- Você pode me ajudar nisso? Tudo que preciso é escolher a melhor clínica os melhores profissionais para ajudar seu irmão, o resto deixe por minha conta.


-- Conheço um excelente psiquiatra em Nova Iorque, posso pedir referência a ele. - Diana respondeu reticente.



-- Ótimo. Eu aguardo então. E a exposição minha filha? Li nos jornais, você está famosa! Estou muito orgulhoso...


-- É, está sendo um sucesso. Ficará ainda semana, depois volta para os Estados Unidos, e aí segue para outros países.


-- Sua mãe ficaria orgulhosa, ela sempre dizia que você tinha alma de artista, ela tinha razão como sempre.


            Diana quase sorriu, relembrando as circunstâncias nas quais Alice dizia isso, na maioria das vezes, quando a filha inventava novos personagens para irritar o pai.


            Antes que Acrisio emendasse outro assunto a fim de iniciar uma aproximação da filha, um empregado os interrompeu avisando:


-- Patrão, o doutor advogado chegou.


-- Ah sim, pode pedir para ele entrar Jeremias.


-- O senhor arranjou outro advogado? – Diana perguntou.


-- Pois é, recomendaram um escritório grande da capital, ficaram de mandar hoje o advogado aqui, não o conheço ainda.


            Quando Diana se preparava para deixar a sala, se deparou com o novo advogado do pai entrando, e rapidamente arregalou os olhos quando reconheceu o jovem calvo impecavelmente vestido.

-- Pedro?!


-- Olá Diana.


***********


            Natalia relutou, mas a orientação do procurador geral de justiça era clara: precisava se afastar das atividades no Ministério Público, até o médico liberá-la para o trabalho. A jovem promotora desde o atentado apresentava episódios graves de estresse pós-traumático, afetando seu sono, seu humor e sua produtividade.

-- Natalia uns dias de folga, vá visitar seus pais, pronto! Fazer sua segurança em uma cidade como São Paulo não é tarefa fácil, em uma cidade do interior tudo contribui.


-- Não! Não vou me afastar agora Lucas! Era justamente isso que Acrisio queria, não vou dar esse gosto a ele.


-- Você está sendo infantil. Cabeça dura! – Carla resmungou. – Acrisio quis te matar! Não só te dar umas férias do Ministério Público, acorda Natalia!


-- Pense nisso com cuidado Natalia e me dê uma resposta até o final da semana.


            Lucas se despediu de Carla com um beijo rápido, a assistente insistiu com a amiga e chefe:


-- Nat, nós estamos todos preocupados com sua segurança. Olha estou adorando você lá em casa, mas eu sei que você praticamente não dorme, escuto seus passos pela casa, você se assusta até com o barulho dos escapamentos dos carros na rua.


-- Não quero ficar longe da Diana, preciso dela, e ela de mim.


-- Ué, leva ela!


-- Está louca Carlinha? Na minha cidade qualquer forasteiro é notado, não basta a falação que vai ser a minha chegada com dois policiais fazendo minha segurança, imagina eu chegando acompanhada da filha do ex-senador assassino.


-- É... Acho que não vai rolar... Então vá pelo menos por alguns dias, até concluir essa fase dos depoimentos das testemunhas.


-- Vou pensar e conversar com a Diana primeiro.