quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

LEIS DO DESTINO: 11º e 12º CAPÍTULOS

CAPÍTULO 11 Potestatem Argumentandi
*O poder da argumentação
Por Têmis

                Diana não se conformava com o término da relação com Julia. Tentou falar com sua ex-namorada diversas vezes durante o dia, mas foi ignorada em todas as tentativas. Não suportava lembrar que decepcionara de maneira drástica alguém tão importante em sua vida. Mas, não era só a culpa por magoar Julia que tirou a paz e o sorriso da loirinha naquele dia.
               
                Natália não saia da sua cabeça.

                Diana reviveu cada momento em sua mente, as risadas, as conversas, o sorriso, o olhar, o gosto, o cheiro, os beijos, e pior, a ira, a mágoa dela em cada palavra, nos olhos marejados, calavam fundo os sentimentos confusos da loirinha.

                Evitou o andar do primeiro semestre naquele dia, não poderia ficar imune à presença de Natália, não era capaz de encará-la. Entretanto, na terça-feira, o encontro seria inevitável: aula de IED, não podia perder aula da doutora Dorothea, esse semestre precisava passar nessa disciplina, sua situação acadêmica estava insustentável.

                Sem seu brilho peculiar, adentrou na sala do primeiro período, o primeiro rosto a encontrar foi o que ocupou seu pensamento nos últimos dias: Natália.

                Os olhos se encontraram e se mantiveram fixos, mesmo à custa da razão ditar o contrário, se buscaram se conectaram. Diana sabia que estava sendo lida por Natalia, e esta, detestava entender o que os olhos da outra denunciavam, por que não queria se sentir tão incomodada, tão inquieta com isso, com a presença de Diana.

                Foram apenas segundos, mas foi tempo o suficiente para provocar em ambas a avalanche de respostas fisiológicas que levam o corpo a se questionar sobre duas atitudes: lutar ou correr. Corações acelerados, respirações sobressaltadas, tremores, palidez, suores, voz travada.

                Natália foi a primeira a decidir lutar. Desviou o olhar, abriu um livro e o folheou com dificuldade, disfarçando suas mãos trêmulas. Diana por sua vez, optou pela luta, não fugiria da presença de Natalia, uma vontade incontrolável de ficar perto dela lhe fez escolher a cadeira paralela, uma das primeiras cadeiras da fila.

                Doutora Dorothea entrou na sala e imediatamente notou a presença de Diana, em uma disposição incomum na aula.

-- Não há vida social sem a presença de regras que venham a reger, com rigor, o procedimento das pessoas. É isso que nos difere dos animais, o homem precisa estar submetido a normas de conduta social. Normas de conduta social são regras que disciplinam o agir, o comportamento do homem na sociedade. As regras jurídicas são uma das espécies de normas de conduta social. Quando essas normas são desrespeitadas, cabe ao homem uma sanção, uma punição. Diana, você que já é praticamente uma estudiosa de IED, me diga, quando essas normas de conduta social são passíveis de sanção?

-- Quando as regras jurídicas são contrariadas.

-- E quem cria essas regras?

-- O homem.

-- Então o homem sanciona a ação do próprio homem?

-- Sim, o homem cria as regras jurídicas, que também são regras éticas.

-- Você chegou a um ponto interessante: regras éticas! As normas éticas preocupam-se com os fins da ação humana, com o que o indivíduo pode ou não pode fazer a fim de comportar-se de modo adequado aos padrões socialmente estabelecidos. A ética rege os princípios morais, então, descumprir as regras éticas, se configura em crime?

-- Não. O cumprimento das regras éticas é facultativo.

-- Entretanto, quem não as cumpre, são imorais não concorda?

-- Depende de quem julga a ética de outra pessoa.

-- Moral é algo que deveria ser obrigatório, não facultativo para quem cria e administra às regras jurídicas, a ética no Direito não é pessoal.

-- Concordo. E ainda afirmo que o Direito deve ser instrumento para aplicação da justiça e bem comum, não um meio para obtenção de vantagens individuais.

                O embate entre a professora e Diana se transformaria discretamente em uma discussão de cunho pessoal, deixando claro que a antipatia recíproca não era gratuita, e aquele semestre era um round importante a ser vencido na vida acadêmica de Diana doutora Dorothea não facilitaria, especialmente porque Diana sabia onde e como atingi-la nas discussões.

-- Justiça e bem comum pode implicar em benefícios pessoais, desde que a ética seja respeitada, e preconceitos sejam subjugados, concedendo os benefícios a quem os são por direito. Isso é fazer justiça. – Com as bochechas mais rosadas, a professora tentou rebater.

-- Realizar a Justiça é tratar “os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida em que se desigualam eis o Princípio da Equidade baseado na visão de Aristóteles a respeito da igualdade”. É dar a cada um o que é seu, conforme o seu merecimento. Praticar isso derruba a empáfia, cessa o poder de quem não sabe regê-lo, ou seja, enaltece a ética e suas normas.

                Diana parecia ter se preparado para deixar Dorothea sem argumentação. O resto da sala ignorava o teor da discussão, exceto os alunos, como Natália, que reconhecia o conteúdo da disciplina implícito em cada argumento, por ter se adiantado no estudo da disciplina depois da primeira semana de aula.

-- Vejo que o Direito não lhe é mais tão desprezível como em semestres anteriores Diana.

                Dorothea disse disfarçado sua frustração por não ter conseguido humilhar a aluna na discussão.

-- Nunca achei o Direito desprezível meritíssima, desprezíveis são alguns que o usam como ferramenta de opressão, manobras ilícitas e imorais, a serviço de seus próprios interesses ou de terceiros.

-- Alguém mais concorda com a colega?

                Silêncio na sala. Ninguém teria a coragem de tomar partido contra a professora. Natália que observava intrigada e principalmente, encantada com a desenvoltura de Diana que não se intimidou com a sabatina da professora, num impulso disse:

-- Eu concordo.

                Não só Dorothea fixou os olhos em Natália, Diana também o fez, surpresa com o apoio solitário da moça.

-- Pois muito bem. As duas que acham que concordam nesse ponto, estão responsáveis por trazerem na próxima aula, casos dos últimos cinco anos, nos quais princípios éticos e morais foram desrespeitados em sentenças, ou foi como a digníssima aluna definiu: “manobra imoral, ferramenta de opressão” caracterizaram a prática do Direito no Brasil, para discutirmos em sala.

                Natalia manifestou o arrependimento imediato com uma careta ao ouvir a “sentença” da professora, punindo-a por ir contra suas regras no seu embate pessoal contra Diana, esta por sua vez recebeu com um sorriso a sanção, por que para ela, naquele momento, se configurava como prêmio por ter vencido a argumentação com a professora, teria alguns momentos mais perto de Natália.

                Concluída a aula, o buchicho entre os alunos era um só: a discussão acirrada entre Dorothea e Diana. Protagonista do debate, a loirinha se aproximou de Natália puxando assunto:

-- Quando podemos nos reunir para prepararmos o trabalho?

-- Por mim, você faz sozinha, foi você quem a provocou.

-- Eu posso fazer sozinha, mas sou obrigada pela ética a relatar isso na ocasião da apresentação.

                Natalia bufou. Apertou os olhos e disparou:

-- Sua ética envolve delatar colegas?

-- Não, minha ética envolve ser fiel aos meus desejos, e meu desejo é fazer essa pesquisa com você.

                Natalia não sabia dizer se sentiu mais raiva ou prazer com a declaração, se deu por vencida e disse:

-- Hoje, depois do almoço na biblioteca, não se atrase!

-- Mas, tenho compromisso, não posso hoje.

-- Imagino seus compromissos... Desmarque seu compromisso com sua namorada, e não se atrase, tenho muito que fazer!

                Diana conteve o riso de satisfação, por sentir o ciúme embutido na exigência da moça, nem explicitou que o compromisso não era com Julia, deixando Natalia acreditar que acertara na suposição.

                Quando saía da sala, sendo seguida de longe por Diana, Natalia foi abordada por uma jovem que perguntou:

-- Você é a Natalia não é?

                Ainda descontrolada pelo curto diálogo com Diana, e receosa pelo escândalo que lhe expôs nos primeiros dias como caloura, Natalia foi agressiva na resposta:

-- Por que você quer saber?

                A moça se assustou com o tom da novata e se defendeu:

-- Ei menina, calma aí! O Lucas me pediu pra te procurar, ele me disse que você estava querendo entrar no time de vôlei do curso.

-- Ah! – Natalia se desarmou e pediu constrangida. – Desculpe-me, como sou grossa, perdoe-me, por favor. Você é a Carla?

-- Sim.

-- Estou nervosa com um trabalho que a professora passou, desculpe-me.

-- IED não é?

-- Isso mesmo.

-- Não se estresse tanto no começo, por que vai ficar muito pior! E a Dorothea adora causar o terror.

-- Percebi. – Natalia disse convicta.

-- Bem, sobre o time, treinamos aos sábados no ginásio poliesportivo, a partir das 7 da manhã, apareça por lá, estamos nos preparando para os jogos universitários que acontecerá próximo mês.

-- Estarei lá!
                Diana observou a conversa de rabo de olho e não se conteve quando Carla se despediu.

-- Você andou falando com o Lucas?

                Natalia viu a oportunidade de plantar a desconfiança em Diana, e lhe provocar:

-- Não que isso te interesse, mas conversamos muito sim, e descobri que ele é um cara maravilhoso, além de fofo.

-- Mas... E o Pedro?

-- O que tem o Pedro? Não tenho nada com o Pedro, nem com ninguém, estou completamente livre.

                Visivelmente irritada, Diana retrucou:

-- Você está brincando com os dois não é?

-- Se eu estiver os dois são bem grandinhos pra decidir se querem ou não brincar.

-- Não vou permitir isso!

-- Quem é você pra permitir algo? Além do mais, não tem moral pra falar de quem brinca com os outros, você é especialista nisso.

                Diana sentiu o ataque, baixou os olhos e respondeu:

-- Acho que me enganei a seu respeito.

-- Possivelmente... Não sou nem a moça inocente que todo mundo engana, nem tampouco a menina do interior que se faz de santa.

                Diana percebeu que Natalia usara as mesmas palavras as quais ela mesma a definiu para Pedro.

-- Santa ou não, você não vai usar meus amigos para me atingir, tenha certeza disso.

                Diana saiu a passos rápidos, obrigando Natalia a engolir o discurso que preparara para rebater a acusação da outra, só pode então berrar:

-- Não se atrase!


CAPÍTULO 12 Cooperantur
*Trabalhar em conjunto

Por Têmis 

                Diana entrou na biblioteca depois de conferir seu visual usando como espelho a porta de vidro, encontrou Natalia com aparência emburrada, conferindo a hora no relógio.

-- Você está uma hora atrasada!

-- Eu não! Você marcou depois do almoço, acabei de almoçar!

-- São duas horas da tarde!

-- Ah caipira, dá pra você ser menos chata por alguns momentos?

-- Você é muito abusada, estou te fazendo um favor sabia?

-- Não mesmo! Madimbú passou a trabalho para nós duas!

                Natalia bufou e disse irritada.

-- Vamos terminar logo isso! Achei algumas reportagens, acho que podem render uma boa discussão.

                Diana analisou o material que Natalia organizou, em sua mente, buscava algum defeito na pesquisa da novata, intencionando prolongar a reunião de estudo entre elas.

-- Muito fracos esses casos. Madimbu vai nos massacrar, derrubar fácil nossos argumentos.

-- Fracos? Temos argumentos de sobra de quebra de decoro, de corrupção...

-- Sem nenhuma prova caipira! Com a máxima mais conhecida do Direito ela nos deixará sem qualquer argumentação: todos são inocentes até que se prove o contrário.

-- Mas há uma gravação provando o suborno... Como não há provas?

-- Não autorizada pela justiça, não tem peso como prova porque é ilícita.

-- Então eu passei uma hora aqui trabalhando em vão!

                Natalia se exaltou indignada e ouviu um coro de “shiiiii” dos outros estudantes na biblioteca. Diana riu e disse:

-- Aqui não vamos encontrar o que precisamos, vem comigo.

-- Pra onde?

-- Resposta errada de novo!

                Natalia revirou os olhos.

-- Não vou com você pra canto nenhum sem saber onde!

-- Da outra vez que te levei, te meti em alguma encrenca?

-- Não, mas...

-- Não enrola então caipira, vamos logo!

                Diana levantou-se, colocou as mãos na cintura e repetiu:

-- Vamos logo caipira!

                Feito criança contrariada, Natalia recolheu as coisas resmungando, e saiu pisando firme, seguida de Diana, que continha o riso. Sair mais uma vez com Diana não estava nos planos de Natalia, especialmente estreitando o contato físico inevitável na garupa da motocicleta da loirinha.

                Diana se deliciava com as mãos da novata envolvendo sua cintura, por isso, fazia questão de dar freadas bruscas, obrigando Natalia a se aproximar ainda mais. Chegaram até um pomposo prédio na Praça da Sé.

-- Que lugar é esse?

-- Tribunal de Justiça de São Paulo.

-- Mas o que estamos fazendo aqui?

-- Pensei que nosso trabalho envolvia processos, onde achar mais processos do que aqui?

                O tom sarcástico de Diana irritou ainda mais Natalia, mas a loira não se intimidou.

-- Não fique muito longe de mim, se não você se perde.

                Diana disse evitando encarar Natalia para não rir na frente dela.

                Chegaram até uma sala no fundo de um longo corredor em um dos últimos andares do prédio. Diana cumprimentou uma das funcionárias com intimidade.

-- Oi Lu! Tudo bem lindona?

-- Di! Menina sumida! Tudo bem sim, e você o que faz por aqui?

-- Precisando de um favorzinho seu...

                Natalia observava curiosa e com cara de poucos amigos a proximidade das duas, que trocavam sorrisos, afagos nos braços e ombros uma da outra.

-- Você manda!

                Diana fez questão de cochichar bem perto da moça, tinha certeza de estar sendo vigiada por Natalia, não podia deixar de provocá-la.

-- Você vai ter muito trabalho, mas vou te dar uma força, entre aqui.

                A suposta amiga íntima de Diana trabalhava no setor de arquivos do tribunal, e autorizou a entrada das estudantes para realizar a pesquisa.

-- Nessas prateleiras tem os processos cíveis, naquelas lá de trás, os processos criminais, pra sua sorte, iniciamos a digitalização dos processos, e alguns, os mais bizarros que encontramos, estão separados naquele monte lá no canto.

-- Aquela pilha do meu tamanho? – Natália perguntou assustada.

-- Isso mesmo... Divirtam-se!

                Natalia se aproximou da pilha de pastas e espantada disse:

-- Não sairemos daqui nunca mais!

-- Deixa de exagero caipira. Não somos obrigadas a ler todos! Escolhemos uns dois casos interessantes, depois elegemos o mais adequado e pronto.

-- Você faz tudo parecer tão simples!

-- Porque é simples! Deixa de enrrolação e vamos trabalhar!

                Acomodaram-se no chão mesmo, e começaram a ler as intermináveis pastas com processos igualmente extensos. Natalia franzia a testa ao se deparar com toda aquela linguagem técnica e rebuscada que Diana já tinha aprendido a decifrar.

-- Esse é interessante, olha só: o juiz julgou a favor da requerente, concedendo-lhe o direito de se masturbar três vezes ao dia durante o trabalho, depois de um laudo comprovando a necessidade fisiológica da mulher, portadora de uma síndrome rara que exige uma quantidade mínima de orgasmos diários para manter sua homeostase.

                Diana gargalhou após resumir o que leu.

-- Mas isso pode? – Natalia perguntou com cara de espanto?

-- Pode o que? Masturbar-se no trabalho? Ou o juiz autorizar isso?

-- As duas coisas!

-- Ah sei lá! Mas já imaginou conviver com uma mulher dessas em um ambiente de trabalho? Dá licença, hora do meu cafezinho, e ela responde: dá licença minha hora de gozar!

                Natalia tentou segurar o riso, mas não conseguiu. E o clima de risos entre relatos de processos bizarros ditou as horas de pesquisa entre as duas. As horas avançaram e elas só perceberam o quanto já era tarde, quando a leitura ficou difícil pela pouca luz natural que aos poucos se desfizera na sala.

-- Acho que está muito tarde, precisamos nos apressar. – comentou Natalia.

-- A Luciana virá nos chamar, sossega, acho que encontramos nosso caso, olha só que louco: O juiz estadual Antônio Souto ganhou ação no Tribunal de Justiça de São Paulo para obrigar o porteiro e os condôminos do prédio em que mora, em São Bernardo do Campo, a tratá-lo por "doutor" ou "Excelência". A decisão favorável ao juiz Antônio Souto, em caráter de liminar, foi concedida pelo desembargador Gilberto Dias.

-- Que absurdo! – Exclamou Natália.

-- Bem típico da Madimbú, por ela, seria regulamentado, chamá-la apenas de Meritíssima.

                Natalia gargalhou.

-- Pode ser esse caso então?

-- Sim! – Natalia concordou.

-- Então, vamos embora.

                Ao tentarem abrir a porta, a surpresa, estavam trancadas, e para o desespero de ambas, o silêncio do lado fora, mesmo depois de chamarem muitas vezes a funcionária e amiga de Diana.

Nota de Capítulo 1: Processo baseado em um fato real, modificado apenas os nomes e o lugar. O juiz estadual Antônio Marreiro ganhou ação no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para obrigar o porteiro e os condôminos do prédio em que mora, em São Gonçalo, a tratá-lo por "doutor" ou "Excelência". A decisão favorável ao juiz Antônio Marreiro, em caráter de liminar, foi concedida pelo desembargador Gilberto Dutra. 
O presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, Octávio Augusto Brandão Gomes, se disse estarrecido com a informação divulgada e a considerou esdrúxula.
Notícia publicada no Boletim N.º 222 - em 8/11/2004.

Nota de Capítulo 2: O caso da mulher que conseguiu o direito de se masturbar no trabalho também é verídico, foi registrado em uma Vara de Justiça do Trabalho em Vila Velha –ES. A título de informação, nunca poderia estar nos arquivos do Tribunal de Justiça, mas, nos arquivos do Tribunal Regional do Trabalho.

LEIS DO DESTINO: 10º CAPÍTULO

CAPITULO 10: Faciem aliis
*O rosto do outro
 Por Têmis


                Pedro esperava Natália na porta da biblioteca no final da tarde de segunda-feira. Natalia lhe deu um sorriso insosso e o cumprimentou friamente.

-- Ainda chateada comigo?

-- Não, só estou cansada Pedro, não dormi bem esta noite, e foi um dia puxado.

-- Aceita lanchar comigo, um sorvete talvez?

-- Vai ficar pra outro dia Pedro, desculpe-me.

                Natalia falou apressando os passos saindo do prédio.

-- Posso te acompanhar até em casa?

-- Você mora a quinze minutos daqui e está se oferecendo pra atravessar a cidade em horário de pico pra me acompanhar?

-- Gosto de sua companhia oras!

-- Pedro, hoje eu não sou boa companhia nem pra mim mesma, combinamos qualquer coisa outro dia.

                Natália se despediu de Pedro apressadamente, deixando o rapaz decepcionado, e seguiu para o ponto de ônibus. Como esperado, estava lotado, os ônibus então, impossível enfrentar o desafio de entrar em algum deles.

                Em meio ao tumulto das pessoas tentando se espremer para entrar no ônibus, Natalia foi empurrada, caiu no asfalto, e um trombadinha se aproveitou para afanar sua mochila para o desespero da moça.

                Testemunhas alertaram sobre o assalto, e heroicamente, Lucas derrubou o trombadinha no chão, o rendeu, enquanto uma viatura policial se aproximava. O jovem recolheu a mochila de Natalia e correu em direção à moça para ajudá-la:

-- Você está machucada gatinha? – Lucas perguntou.

-- Está tudo bem, só uma escoriação mesmo.

-- Suas jóias, donzela.

                Lucas brincou entregando a mochila a Natalia.

-- Lucas, nem tenho como agradecer pelo que fez.

-- Fica de boa gatinha, não fiz mais que minha obrigação de defensor da lei.

                O jeito brincalhão de Lucas arrancou um sorriso de Natalia.

-- Vamos dar um jeito nesse machucado? Ali tem uma farmácia. – Lucas indicou.

-- Não é preciso, tenho um band-aid  e água aqui na mochila.

-- Que menina prevenida! Mas não acha melhor lavar com água e sabão? Ou você também tem sabão na mochila?

-- Na verdade tenho... – Natalia exibiu a saboneteira guardada dentro da mochila.

                Lucas tapou o rosto com as mãos, balançando a cabeça.

-- Ai gatinha, você é uma figura. Vou ser seu enfermeiro, e vou cuidar disso aí, me dá o material.

                O rapaz foi atencioso, e durante todo o tempo que prestava o cuidado, fazia Natalia sorrir com alguma careta engraçada ou piada, inclusive soprando no machucado.

-- Prontinho!

-- Quanto devo ao senhor enfermeiro?

-- Deixe-me calcular os custos... – Colocou a mão no queixo, olhando para cima – Exposição a agentes de risco contaminantes, a pagação de mico por fazer isso em público, mais meus honorários... Isso vai dar... Um café na padaria!

-- Ah jura? Vejo que seus serviços são baratos, será que você vai ser um daqueles advogados que recebem galinha, bode, ticket refeição como pagamento?

-- Olha se for de uma cliente linda como você... Aceitarei sim.

-- Sei... Um mulherengo liso basicamente!

                Lucas gargalhou e retrucou:

-- Mas feliz por cumprir meu dever com a justiça.

                Sorriram juntos. Caminharam em direção à padaria, a poucas quadras dali. O mau humor de Natalia se dissipou com o astral contagiante de Lucas.

-- Gatinha, você precisa provar o sonho que tem aqui, um absurdo de recheio de doce de leite!

-- Vou ter que passar fome o resto do dia se comer isso!

-- Por quê? Vai me dizer que você é como essas meninas chatas que vivem de dieta!

-- Não, mas vou ter que começar a ser.

-- Ah para com isso! Com um corpo monumental como o seu, pra quê se preocupar com isso?!

-- Deixa de exagero! Não sou gorda até hoje porque sempre pratiquei esportes, mas, como exageradamente, adoro comer! Mas, aqui, estou completamente sedentária.

-- Que esportes você praticava?

-- No colégio eu nadava e jogava handball. Depois que saí, eu e um grupo de amigas nos encontrávamos pra jogar vôlei uma vez por semana.

-- Ah, porque você não entra no time do curso de Direto da faculdade?

-- Nem sabia que tinha!

-- Ah, mas tem sim, posso te apresentar às meninas do time, uma delas vive lá na república vizinha a nossa.

-- Ai Lucas, eu quero sim!

-- Então fica combinado, falo com a Carlinha, e peço pra ela te procurar na sua sala.

                Lucas tinha a mesma docilidade que Pedro. Mas, era mais simpático, mais descontraído, talvez por isso, fosse mais popular entre os colegas. A conversa bem humorada do rapaz fez Natalia perder a hora, quando se levantava apressada a fim de seguir para o ponto de ônibus, foi surpreendida por Pedro, que num tom irritado indagou:

-- Estava cansada demais pra mim ou já tinha encontro marcado com meu irmão Natalia?

-- Pedro?!

                Natália exclamou desconcertada.

-- Esperava isso do palhaço do meu irmão, que cismou de querer tudo que é meu agora, mas de você? De menina boba do interior você não tem nada!

-- Opa! Que é mano?! Para de ser grosso! Você tá vacilando! – Lucas tentou acalmar o irmão.

-- Cala a boca Lucas! Pensei que nosso papo de ontem tinha esclarecido as coisas, mas vejo que não!

                Lucas acenou em desacordo. Natália que odiava exposição preferiu o silêncio, recolheu sua mochila e saiu do local, sendo seguida pelos gêmeos. Foi alcançada a poucos metros, Pedro insistia em cobrar explicações.

-- Você está ficando boa nisso, em dar mole pro meu irmão e sair sem me dar explicações. – Pedro disse ironizando.

                Natalia ignorou apressando os passos.

-- Bem que a Diana me preveniu sobre meninas como você!

                O fato de Pedro citar Diana chamou a atenção de Natalia, que parou imediatamente e indagou exasperada:

-- O que a Diana disse sobre meninas como eu?

-- Disse naquela noite do trote que essas meninas do interior se fazem de inocentes e santas, mas são muito piores que as da cidade grande! Você beijou o Lucas naquela noite, sabendo que não era eu!

-- É isso que você acha?

-- É!

                Natália agora mais furiosa encarou Pedro nem um pouco intimidada com as ofensas do rapaz. Deu-lhe as costas e caminhou altiva até Lucas que até então assistia a discussão calado, envolveu seus braços no pescoço do rapaz, avançando na sua boca, roubou-lhe um beijo avassalador.

                Pedro apertou os olhos e cerrou os punhos na tentativa de conter sua raiva, quando Natalia se afastou de Lucas, e disse:

-- Agora eu beijei sabendo que não era você, e quer saber? Ele beija bem melhor! E só pra sua informação, nunca dei uma de santa nem de inocente, vocês me rotularam assim, posso ser muito pior do que inclusive, a sua queridinha Diana! E que fique claro de uma vez por todas: NÃO SOU SUA! NÃO LHE DEVO EXPLICAÇÕES!

                Saiu pisando firme, Lucas contendo o riso a seguiu, deixando o irmão mergulhado na própria ira, chutando o que encontrava pela frente.

-- Natalia espera! Vou te acompanhar até o ponto!

-- Não é preciso Lucas!

-- Se estava perigoso aquela hora, imagine agora! Prometo que vou ficar calado, serei apenas seu guarda-costas.

                Natalia consentiu. Enquanto esperava sua condução foi sincera com Lucas:

-- Eu quero te agradecer pelo que fez hoje Lucas, você foi maravilhoso. Desculpe-me pelo beijo, queria ferir seu irmão, que não sei por que tomou posse de mim.

-- Opa gatinha! Sempre que precisar me usar, fique à vontade!

                O rapaz brincou.

-- E outra coisa: não brigue com o Pedro por minha causa, não quero problemas com a tutora de vocês.

-- Você está falando da Diana?

-- Sim.

-- Ah relaxa gata. A Diana é só uma amiga, se sente responsável por nós, mas é bobeira, eu e Pedro sempre encrencamos assim um com o outro, mas sempre nos entendemos, ele é meu companheirão sabe, desde que nosso pai morreu ele assumiu essa postura mais séria, mais madura, está sempre cuidando de mim.

-- Por isso mesmo, não vale a pena se desentender com ele.

-- Sossega ta? O Pedro tem que aprender a te tratar melhor, mereceu essa lição. Agora entendo por que ele está tão encantado por você, não é só linda, é forte, divertida, não é difícil se apaixonar por você.

                Natalia ruborizou e antes que um clima de flerte se configurasse claramente, desviou o olhar para o veículo que se aproximava, enfim, era seu ônibus. Despediu-se do rapaz depois de ganhar um beijo na testa e seguiu para casa ainda mais confusa que no dia anterior.

LEIS DO DESTINO: 9º CAPÍTULO

CAPÍTULO 9 - Culpa in comitendo

Culpa em cometer, agir por imprudência. É a culpa que surge em decorrência da prática de um ato que causa prejuízo. Quando não cuida de algo que pode vir atingir a terceiros ou a própria pessoa.

Por Têmis

                Diana ficou de pé num movimento só. Caminhou em direção à mulher que fulminava Natália com os olhos, com a desculpa mais clichê de todos os tempos:

-- Não é nada disso que você está pensando!

                Natália completamente perdida na situação formulou mil hipóteses sobre quem seria aquela mulher alta, de cabelos ruivos curtos e desfiados, olhos negros, poderia ser alguma tia de Diana, afinal era muito jovem para ser sua mãe, mas velha demais para ser sua irmã.

-- Não insulte minha inteligência Diana! Não estou pensando nada! Eu vi!

-- Mas... Não significa nada...

                Diana parou a justificativa se enrolando com as palavras, sem saber ao certo as conseqüências delas naquele momento.

-- Eu antecipo minha volta por estar preocupada com você que não me dá notícias desde ontem, e olha o que recebo de surpresa! Um belo par de chifres!

                Natalia arregalou os olhos e se sentiu a última das mulheres. Enquanto Diana tentava em vão acalmar a ira da sua suposta namorada.

-- Meu amor, eu posso explicar...

-- Explicar? Diana faça-me o favor! Até demorou pra você procurar uma menininha da sua idade, mas não esperava que você fosse tão vil, trazer outra mulher para dentro da casa que você me chamou para dividir semanas atrás! Como você pode?

                Natalia estarrecida com a situação, e profundamente humilhada, com a declaração de Diana ecoando em sua mente: “não significa nada”, levantou-se e caminhou em direção à porta depois de recolher sua bolsa.

-- Ei mocinha onde você pensa que vai? – A mulher furiosa perguntou.

                Natalia empalideceu, engoliu o pigarro e respondeu altiva:

-- Pra qualquer lugar longe dessa confusão que não significa nada para mim.

-- Você fica, quem vai pra longe dessa confusão sou eu, continuem a se esfregar aí, eu tenho mais o que fazer.

-- Júlia espera meu amor, não sai assim!

                Júlia não esperou, bateu a porta com força, deixando o apartamento de Diana. O clima que se instalou não podia ser mais estranho. Diana se jogou no sofá levando as mãos à cabeça, olhando para o teto, enquanto Natália se perguntava o que ainda fazia ali, na cabeça uma confusão de sentimentos e sensações, na garganta, desaforos e insultos presos, no olhar uma mágoa inédita, inenarrável.

                Abriu a porta, mas, antes de sair, Diana lhe interpelou:

-- Você vai embora?

-- O que você acha?

                Natalia fez menção de sair quando foi impedida mais uma vez por Diana.

-- Ei! Você não precisa ir embora, está louca? Já é madrugada!

-- Perigo maior estou correndo aqui, louca eu fui de confiar em você!

                Natalia saiu, mas, Diana lhe puxou o braço e trancou a porta.

-- Você não vai a lugar nenhum!

-- Quem você pensa que é pra mandar em mim? Afinal não significo nada pra você! Por que você significaria algo para mim?

                Diana baixou os olhos, fugiu da mágoa que jorrava pelos olhar e palavras de Natalia.

-- Eu não quis dizer aquilo, estava nervosa com a presença de Júlia, fiquei atordoada, não sabia o que estava falando. – Diana tentou se justificar.

-- Não queria dizer, mas disse! Quer saber Diana? Não quero olhar na sua cara nunca mais! Quero ficar longe de você! Não sei o que você tem com essa mulher, e nem quero saber! Agora abra essa porta!

-- Entendo que você me odeie e queira ficar longe de mim, mas, não coloque sua vida em risco por minha causa, espere amanhecer, durma no sofá, prometo que não vou te importunar.

                Natalia não respondeu, jogou a bolsa na poltrona, engoliu o choro, não permitiria que Diana visse uma lagrima no seu rosto. Em silêncio Diana deixou cobertor e travesseiro no sofá, enquanto Natalia mantinha seu olhar perdido na réstia de luz que entrava pela varanda.

                Naquele resto de noite, nem Natalia, nem Diana dormiram. Separadas fisicamente por paredes os pensamentos estavam ligados. Uma se martirizava por ter cedido a um desejo inconseqüente, errado, escuso, pecaminoso, quando refletia sua atitude de beijar uma mulher. Martirizava-se ainda mais, por sentir seu corpo queimar ressentindo as sensações daquele beijo, imaginando o que poderia ter acontecido se não fossem interrompidas. E quando pensava na interrupção, o martírio era ainda maior, as imagens se confundiam com o eco da discussão entre Júlia e Diana acentuando o turbilhão de sentimentos contraditórios que inundavam seu interior. A outra se punia pela dupla mágoa que causara, se punia por desejar tanto Natalia, por ter traído Júlia, mas principalmente sofria por saber que Natalia estava tão perto e naquele momento era intocável pra ela.

                Natalia testemunhou o sol nascer, como liberta de um castigo, saiu daquele apartamento disposta a nunca mais retornar.

                Diana amargou a certeza de que Natalia não lhe perdoaria tão fácil, quando percebeu que esta deixara o apartamento muito cedo, sem recados, sem despedidas. Amargou ainda a tarefa de procurar Júlia, e tentar sanar a situação caótica que se instalou no seu namoro com o flagrante da traição.

*******

                Julia não se moveu ao notar a chegada de Diana no seu estúdio. A mulher de seus 35 anos era uma escultora de renome internacional, mas pouco conhecida no Brasil. Mantinha uma relação com Diana há quase um ano e meio, fora responsável por apresentar a loirinha o mundo das artes, indicar cursos e profissionais do melhor gabarito para sua carreira como fotógrafa, além de abrir o olhar da jovem para a sensibilidade de fotos artísticas, em suma, deu ao talento de Diana o molde da arte, talvez por isso, a loirinha além de ter pela escultora uma admiração inabalável, tinha também uma gratidão imensurável.

                Já havia algum tempo que Diana não diferenciava o que sentia por Julia se amor ou uma grande amizade. Verdade seja dita, Julia lhe ensinara muito sobre tudo, sobre arte, história, música, e também sobre a relação entre mulheres, sexo, além de ser de longe a companhia mais agradável para qualquer programa.

-- Oi, precisamos conversar. – Diana falou mansa.

-- Fale em primeira pessoa Diana, você pode precisar conversar, eu não. – Júlia disse sem olhar para Diana.

-- Júlia, eu me sinto péssima pelo que fiz, não tinha o direito de te magoar assim...

-- Você quer que eu lhe conforte por se sentir mal com o que fez?

-- Não é isso Júlia! Eu quero que você me perdoe, foi um deslize, me deixei levar pelo clima, mas não teve importância, foi só um beijo...

-- Diana chega! – Julia se levantou e caminhou em direção a Diana. – Você sabe muito bem o que penso sobre relacionamentos, que não tolero deslealdade nem de amigo, que dirá de namorada. Se não teve importância pra você, isso é ainda pior! Por que você me traiu por algo sem importância.

-- Júlia eu juro foi só um beijo!

-- Diana para! Eu te conheço muito bem, só foram beijos por que cheguei antes que você comesse a menininha! Por que era isso que ia acontecer ontem!

-- Você me conhece, e acha que te trairia despudoradamente assim?

-- É por te conhecer que digo: o que vi ontem, não foi algo sem importância.

-- Como assim?

-- Diana, você sabe perfeitamente do que estou falando.

                Julia lavou as mãos e deu as costas a Diana, em uma atitude metafórica, a escultora encerrou a conversa que não queria ter, apelando para a inteligência e sensibilidade de Diana, fazendo-a entender que era o fim.

*******

                Natalia tentou enganar seus próprios pensamentos, tentando em vão achar uma explicação sensata que justificasse a inquietude do seu corpo, da sua mente, quando revivia involuntariamente os momentos que passara com Diana.

                Passou o dia inteiro para fazer um trabalho bobo de filosofia, a única linha que conseguia escrever, envolvia o conceito que Diana lhe dera, dezenas de folhas amassadas foram o saldo do dia, ao final, um amontoado de respostas sem sentido.

-- Pra filosofia deve servir.

                Pensou sozinha.

                Em lados opostos da cidade, Diana e Natália estavam juntas, se revirando na cama, atestando a insônia como companheira da noite. Natália não conseguia assimilar como sua paz fora abalada tão bruscamente, e o mais estranho de tudo, era que não sentia arrependimento. Era uma afronta á sua sensatez, precisava esquecer o que acontecera e principalmente, banir Diana da sua vida.

Trilha Sonora do Capítulo 8 - Leis do Destino

Essa é a vantagem de postar no Blog, posso colocar a trilha sonora que uso nos capítulos =)
Aí vai o primeiro vídeo da música fofinha de Sandy e Junior, ai ai, minha adolescência kkkkkkkk

LEIS DO DESTINO: 8º CAPÍTULO

CAPÍTULO 8

Permissa Venia


* Com o devido consentimento

Por Têmis





Diana retribuiu a gentileza da noite anterior, oferecendo toalhas e roupas secas enquanto Natalia tomava um banho quente. Não teve pressa. Saiu à procura da dona do apartamento quando foi surpreendida pela própria:

-- Portuguesa ou Siciliana?

-- Ai que susto!

Natália levou as mãos ao peito assustada.

-- O sabor da pizza caipira! Vou logo avisando que não tem de quiabo com carne seca!

-- Ah! Nem de milho?

Diana apertou os olhos e apressou:

-- Fala!

-- Se não tem meus sabores prediletos, tanto faz.

Diana fez careta pra outra, e voltou a falar ao telefone concluindo o pedido da pizza.

-- Minha vez de tomar banho! Você já conhece o espaço, então sinta-se em casa, mas não quebre nada!



Diana brincou deixando Natalia sem graça. Tomou a liberdade de ligar o som, escolheu o CD mais improvável para o gosto da descolada estudante, mas, era um dos seus preferidos: Sandy e Junior. Escolheu a música predileta.

Esse turu,turu,turu aqui dentro
Que faz turu, turu, quando você passa
Meu olhar decora cada movimento
Até seu sorriso me deixa sem graça
Se eu pudesse te prender
Dominar seus sentimentos
Controlar seus passos
Ler sua agenda e pensamento
Mas meu frágil coração
Acelera o batimento
E faz turu, turu, turu, turu, turu, turu tu
Se esse turu tatuado no meu peito
Gruda e o turu, turu, turu, não tem jeito
Deixa sua marca no meu dia-a-dia
Nesse misto de prazer e agonia
Nem estou dormindo mais
Já não saio com os amigos
Sinto falta dessa paz,
Que encontrei no seu sorriso
Qualquer coisa entre nós,
Vem crescendo pouco a pouco
E já não nos deixa sós
Isso vai nos deixar loucos...
Esse turu,turu,turu aqui dentro
Que faz turu, turu, quando você passa
Meu olhar decora cada movimento
Até seu sorriso me deixa sem graça
Nem estou dormindo mais
Já não saio com os amigos
Sinto falta dessa paz,
Que encontrei no seu sorriso
Qualquer coisa entre nós,
Vem crescendo pouco a pouco
E já não nos deixa sós
Isso vai nos deixar loucos...
Se é amor, sei lá...
Só sei que sem você, parei de respirar
E é você chegar
Pra esse turu, turu, turu, turu, vir me atormentar
Se esse turu tatuado no meu peito
Gruda e o turu, turu, turu, não tem jeito
Deixa sua marca no meu dia-a-dia
Nesse misto de prazer e agonia
Eu desisto de entender
… um sinal que estamos vivos
Pra esse amor que vai crescer
Não há lógica nos livros
E quem poderá prever
Um romance imprevisível
Com um turu, turu, turu, turu, turu, turu, tu
Se esse turu tatuado no meu peito
Gruda e o turu, turu, turu, não tem jeito
Nem estou dormindo mais
Já não saio com os amigos
Sinto falta desse turu, turu, turu, turu, turu, tu.
(Quando você passa – Sandy e Junior)


Diana a flagrou acompanhando a música empolgada, até franzindo a testa nos tons mais altos da estrofe.

-- Bem que eu devia ter adivinhado, caipira só pode gostar de caipiras...

Natalia retrucou:

-- Você também gosta dos caipiras... Afinal, o CD é seu.

-- Ah... Ganhei do Pedro, ele é meio sem noção... Não quis jogar fora porque ele perceberia.

-- Sei...

Natalia fez cara de quem não acreditou na desculpa. Diana se jogou no sofá, praticamente colocando sua cabeça na perna de Natalia.

-- Até que você não é tão chata caipira... Exceto quando você puxa o R das palavras.

-- O que tem meu R?

-- As vezes acho que você vai se engasgar de tanto R que fica na sua boca!

-- Boba!

Natália ficou sem graça.

-- Por que você gosta tanto de me irritar Diana?

-- … mais forte que eu!

Diana fez cara de inocente, arrancando um sorriso discreto de Natalia.

-- Você também não é tão chata, acho que você no fundo é muito carente isso sim!

-- Ih... Nem vem com essa de me analisar não, guarde sua psicologia para explorar as testemunhas nos depoimentos, não vai funcionar comigo.

Natalia sorriu.

-- Olha aí seu instinto de defesa! Fica aí se escondendo em ironias, sarcasmo, piadas, pra esconder a vulnerabilidade, a carência que sente. Toda sua pose de segurança, de menina forte é só fachada.

-- Ah caipira, você só passou algumas horas comigo, não me conhece.


-- Minha mãe sempre me disse, que eu sei ler os olhos das pessoas, e seus olhos são muito fáceis de ler Diana.

A loirinha em mais uma de suas tentativas de se esquivar da seriedade do assunto, sentou-se e ficou de frente para Natália encarando-a e em tom jocoso, piscou os olhos e perguntou:

-- Então me diga agora o que meus olhos estão dizendo, pode me dizer o que quero através deles?

As duas se encararam fixamente. Natalia não fugiu daquele par de olhos azuis que cintilavam para ela, e não temeu o que eles lhe revelavam sobre o desejo, assim como, Diana não escondeu daquelas esmeraldas reluzentes que eram os olhos de Natalia para ela o que estava guardado.

Aproximaram seus rostos sem culpa, naturalmente, como se um ímã as atraísse para perto uma da outra.

Inevitável deixar vir à tona a atração. Natalia gostava do que estava lendo nos olhos de Diana, e esta se rendia aos encantos da menina inocente do interior que se quer parecia saber sobre o seu poder de sedução.

Com as bocas quase coladas, desenhando o beijo que se anunciara, foram interrompidas abruptamente pelo barulho da campainha.

Separaram-se ofegantes. Diana se levantou rapidamente, caminhou até a cozinha e atendeu o interfone, deixando Natalia com taquicardia, completamente atordoada.

-- … a pizza...

Diana disse visivelmente desconcertada.

-- Vou lá pegar...

Natália concordou tacitamente.

O silêncio perdurou durante o jantar. Devoraram a pizza como se quisessem manter as bocas ocupadas a fim de não se sentir obrigadas a falar no quase beijo trocado minutos atrás.

-- A chuva já diminuiu, eu vou indo Diana.

-- Eu vou te deixar...

-- Não, não é necessário, obrigada.

-- Eu nem sei te dizer qual ônibus você tem que pegar pra chegar até o fim de mundo que você mora, é perigoso, fico mais tranqüila eu mesma te deixando em casa.

-- Não precisa se preocupar, eu vou pra estação de metrô, de lá me viro.

-- Como é cabeça dura! … perigoso, está tarde!

-- Ora quem está se comportando como uma caipira na cidade grande agora?

Diana não conteve o riso e Natalia a seguiu com um sorriso mais descontraído. O riso foi interrompido pelo estrondo de trovões. Diana olhou pela varanda e confirmou a suspeita.

-- Caipira, acho que você terá que ficar aqui mais tempo, a chuva está aumentando novamente.

Natalia suspirou conformada.

-- Sabe jogar vídeo game? – Diana perguntou. – Aliás, você sabe o que é vídeo game?

-- Ah já ouvi falar, são homenzinhos presos numa caixa mágica controlados por uma máquina do mal.

Diana franziu a testa estranhando a resposta.

-- … só um jogo caipira!

Natália gargalhou.

-- Você é muito boba! Liga aí esse troço, vamos ver se sei jogar.

Natalia não deu chance a Diana, ganhando todos os jogos de esporte e de luta, irritando a loirinha profundamente.

-- Não é possível! Ninguém ganha de mim nesse jogo! Como você sabe desse poder escondido?

-- Coisas da internet...

Natalia sorria vitoriosa, enquanto Diana jogava o controle do jogo no meio das almofadas, fazendo bico de criança contrariada.

-- Vai ficar emburrada a noite toda? – Natalia perguntou.

-- Ai não enche garota!

-- Que evolução! Primeira vez que não me chamou de caipira.

Diana não descruzou os braços, e nem desfez o bico. Natalia usou da mais antiga das armas pra arrancar o riso de alguém, avançou na cintura da moça fazendo cócegas, e imediatamente Diana estava se remexendo gargalhando, implorando:

-- Não! Para! Por favor!

Não demorou até Diana cair por cima de Natalia retribuindo o gesto para se defender, até que sem forças, ambas se propuseram uma trégua. A loira permaneceu sobre o corpo de Natalia, presa ao seu olhar.

Fusão de olhares.

Troca de desejos.

Os movimentos, o ritmo da respiração, das batidas do coração, não estavam mais sob controle das duas. Controle era o que menos elas desejavam ter naquele instante.

O tempo parou para o encontro dos lábios. Diana aproximou sua boca da face de Natalia que nunca sentira um ímpeto tão forte de avançar na boca de alguém. Entretanto, o beijo não foi impetuoso, foi delicado, foi lento, dando a oportunidade de ambas saborearem o gosto dos lábios, o calor da respiração, o som suave dos suspiros de prazer. Não conseguiam separar as bocas, suplicantes por se unirem indefinidamente. Emendaram outro beijo, agora mais faminto, lânguido, acompanhado do percurso envolvente das mãos das duas explorando os corpos quentes que vibravam a cada toque.

Não houve espaço para questionamentos, só a entrega do desejo puro, esse desejo justificava qualquer contrassenso, derrubava qualquer argumento que se levantasse contra a formação tradicional da menina do interior. Os corpos se davam libertos, quando o batido seco de palmas interrompeu o momento de Diana e Natalia:

-- Muito bem Diana, estava demorando até você mostrar sua verdadeira personalidade!


Sociedade Secreta Lesbos: Capítulo 39

Capítulo 39

Foi folheando algumas páginas, nas quais Carmem Gonzalez narrava seus sonhos, falava sobre a saudade de sua mãe, da ligação com seu pai, as expectativas sobre a universidade e o motivo de ter escolhido a Gama-Tau como fraternidade. Esther sentia-se mais próxima de sua mãe lendo aquilo. A jovem se transportou imaginando-a escrevendo aquelas folhas, queria lembrar da voz dela, mas não conseguia... foi buscando nas páginas a época que sua mãe namorava Sandra, até enfim encontrar:

-- Estou ansiosa. Enfim foi deliberada a tarefa para o ingresso na Gama-Tau. Confesso que não sei ainda como fazer para seduzir uma mulher, ainda mais Sandra Williams... hoje a vi na biblioteca, é uma moça linda, muito popular também. Tem olhos ávidos por novidades, e tem uma alegria de viver incontestável. Acredito que logo mais terei oportunidade de encontrá-la, acabei descobrindo por alguns colegas que os estudantes se reúnem no Prescott’s, um bar tradicional aqui próximo ao campus, Sandra Williams me aguarde...

Esther continuou lendo, curiosa porque dessa vez ia conhecer a versão daquele encontro através de sua mãe.

-- Sandra Williams é de fato linda! E que sensação incrível foi tê-la em meus braços... nunca imaginei o quão intenso é tocar, beijar uma mulher. Como imaginei os olhos ávidos da Beta-Lo contribuíram para o sucesso do meu plano. Instiguei o quanto pude a loirinha, nos meus gestos, atitudes e olhares no bar. Senti-me vigiada todo o tempo, confesso que em alguns momentos fiquei tímida. Acabei me comportando como os rapazes ali, bebendo e jogando...  mas estava totalmente atraída pela atenção de Sandra para mim. Arrisquei um momento a sós com ela indo até o banheiro, e para minha satisfação ela me seguiu... me comia com os olhos, não foi sacrifício algum roubar-lhe um beijo, na verdade teria feito o mesmo se não houvesse um objetivo implícito. Não sei o que se passa comigo, mas meu corpo pede Sandra. Desde o beijo não consigo tirá-la do pensamento...

O sentimento de Esther era indescritível, adiantou algumas páginas nas quais sua mãe narrava com detalhes cada roupa usada por Sandra quando a via, cada gesto, cada olhar. Pôde acompanhar o sentimento de Carmem para a outra crescendo, a narração da sua entrada para a Gama-Tau era fato coadjuvante. O mais importante para sua mãe era estar mais perto de Sandra. Estava descobrindo com ela o que era o amor.

-- Descobri uma cabana abandonada perto da estufa do curso de biologia. Amanhã farei uma surpresa para minha loirinha, será nosso recanto secreto. Sandra é a pessoa mais doce, pura e forte que conheço. Sinto-me a pessoa mais feliz e completa ao seu lado, quero apresentá-la ao papa no feriado de ação de graças.

O diário era recheado de declarações de amor de Carmem para Sandra. A descrição da primeira noite de amor do casal chegou a emocionar Esther, que nem via o tempo passar naquela leitura. Foi surpreendida por Amy que apertava e coçava os olhos de sono, interrogando a morena sobre o porquê ela não estar dormindo.

-- Perdi o sono, minha linda... não queria te acordar e vim pra cá –- Esther escondeu o diário por baixo de suas pernas.

-- Mas devia ter me acordado, faríamos algo mais interessante para atrair seu sono...

Amy destilava malícia em suas palavras, foi se aproximando da morena sentando-se com as pernas abertas envolvendo-as no corpo de Esther. A essa altura, a morena já estava convicta de que não conseguiria mais ler nada do diário aquela noite, não resistia às investidas de sua loirinha. Segurou com firmeza os quadris de Amy e a beijou intensamente, fazendo o desejo surgir em profusão no corpo de ambas. A boca de Esther descia pelos seios de Amy enquanto esta enleava seus dedos nos cabelos da morena. Esther deslizava suas mãos pelas coxas e bumbum de Amy despertando arrepios.

Sentiu a umidade invadir a calcinha de sua escolhida, era o sinal que precisava para abrir espaço com seus dedos no sexo de Amy ensopado. Abriu um sorriso de satisfação quando a sua loirinha gemeu e começou a mexer seus quadris intensificando a penetração dos dedos de sua amada. Os movimentos ditavam o prazer que se desenhava na face de ambas. Sequer lembraram-se de que estavam fazendo amor ali na sacada da casa. Qualquer pessoa que passasse pelas ruas das fraternidades aquela hora, testemunharia a cena de sexo explícito do casal.

Esther não ouviu seu celular tocar, totalmente absorta na paixão por Amy, como também não viu o Mercedes de Michelle estacionado do outro lado da rua. A maquiavélica mulher irritada pela morena não atender as ligações foi pessoalmente à mansão e só aí entendeu o motivo de ter tido suas ligações ignoradas. O ódio era visível em seus olhos, que encheram-se de lágrimas de um sentimento amargo e perigoso. Ficou ali por minutos, nutrindo aquele ódio ao ver no rosto do jovem casal o prazer pleno, o gozo evidente. Em seguida arrancou com seu carro maquinando como se vingaria de Esther e agora seu mais novo alvo de maldade: Amy Anderson.

O dia amanheceu e atarefada como estava com os preparativos para receber as visitas na fraternidade, Esther acordou cedo, colocou o diário na sua bolsa a fim de continuar a leitura durante o dia. Despertou Amy com um beijo, depois de se arrumarem, desceram juntas para a cozinha da casa. Continuaram no clima de romance enquanto tomavam café juntas. Durante o dia, Esther se dividiu entre as obrigações da fraternidade e da universidade com a atenção a sua amada, entretanto, guardava a ansiedade em prosseguir com a leitura do diário. Aproveitou a falta de um dos professores e se retirou para um dos jardins do campus mais afastados, aconchegou-se no gramado e continuou a folhear o diário de sua mãe.

-- As coisas estão ficando difíceis para mim e para minha loirinha. Seu noivo William, assim como os pais de Sandra, estão pressionando para marcar a data do casamento. Revelar nossa relação agora terá consequências drásticas, temo por minha bela. Nossos encontros estão cada vez mais complicados. Minha irmã guia, Rebeca, parece ter percebido algo, e tem dificultado minhas saídas da fraternidade, me enchendo de obrigações. A presidente de nossa fraternidade, Michelle, tem sido bastante atenciosa comigo, tem se revelado uma boa amiga, quem sabe posso contar com ela para ajudar a mim e à Sandra no que nos espera no futuro próximo.

Após ler tal trecho, Esther ficou em choque, pensando: "Não pode ser... é muita coincidência de nomes... seria uma grande brincadeira do destino comigo... Michelle antiga presidente da Gama-Tau? Oh não, eu saberia se ela fosse, estaria na galeria da fraternidade... já Rebeca... será Rebeca Travis?"

Prosseguiu então a leitura.

-- O noivo de Sandra reagiu muito mal ao fim do noivado. Apesar de não ter revelado os motivos, Sandra teme que ele tente nos prejudicar. Rebeca cada vez mais me sufoca! Oh Deus ela me odeia! Ontem abri meu coração para Michelle, que agora é nossa grande cúmplice, ela é amiga de William, se necessário intervirá a nosso favor. Quero passar o resto da minha vida com minha loirinha, é o amor da minha vida, nada vai nos separar!

Esther ficou extremamente perturbada com a coincidência de nomes. Interrogava-se se seria mesmo possível se tratar da mesma Michelle. Se assim o fosse, algo de muito errado havia naquela história da separação de Sandra e sua mãe, pois onde tinha o dedo de Michelle, existia também maldade. Nisso ela tinha experiência própria. Enquanto se perdia em deduções, seu celular tocou, era a própria, Michelle Roberts.