sábado, 24 de março de 2012

LEIS DO DESTINO: 2ª FASE

2.32 Ense et aratro
Com a espada e o arado. Designa o cidadão que serve a pátria durante a guerra e cultiva o solo durante a paz. 


           

            Diana abraçou Pedro que retribuiu beirando a formalidade.


-- Que surpresa! O Lucas me disse que você estava em Boston, não sabia que você estava em São Paulo.


-- Estava passando uma temporada por lá mas recebi uma excelente proposta aqui, então aqui estou eu.


-- Mas você é cara do delegado, só que com menos cabelo... – Acrisio comentou inocente.


-- Pai esse é Pedro, irmão gêmeo do Lucas.


-- É, a calvície parece não estar do DNA do meu irmão...


-- Irmão gêmeo! Claro!


-- Eu já estava indo embora Pedro, mas, por favor, apareça para colocarmos o papo em dia, continuo no mesmo apartamento, ainda se lembra onde é?


-- Claro, qualquer hora apareço.


            Diana deixou seu pai a sós com seu novo advogado, e a caminho da capital atendeu uma ligação da namorada.


-- Oi meu amor, tudo bem?


-- Mais ou menos, preciso falar com você, pode me encontrar na casa da Carla?


-- Estou a caminho.


********


-- Mas que demora Diana! Onde você estava?! – Natalia disse nervosa.


-- Calma Nat, eu não estava na cidade.


-- Estava fora da cidade e não me disse nada?


-- Eu não disse nada pra não te chatear meu amor.


-- Ah ótimo! Notícia de última hora: seu esforço foi em vão, adivinha? Estou chateada! Onde você foi?


-- Fui ver meu pai na fazenda. Pronto, está satisfeita?


-- Satisfeita por minha namorada ter ido visitar o pai assassino dela que matou minha colega de quarto tentando me matar? Ah muito satisfeita meu amor.


-- Você nem considera a hipótese de não ter sido meu pai o mandante não é?


-- Não.


-- Você continua a mesma cabeça dura de sempre! Ele não tinha motivos para ordenar o atentado contra você Natalia, ele é réu confesso!


-- Eu não acredito! O que esse homem tem afinal? Poder hipnótico? Você passa uma tarde com ele e volta com a cabeça feita por ele, acho que nessas conversas ele promove alguma lavagem cerebral em você Diana, só pode!


-- Eu não vou discutir com você. Sei que está nervosa, imagino como você está se sentindo pela morte da Miriam, com esse atentado, enfim, vamos mudar de assunto.


-- Não dá pra mudar de assunto Diana, sabe por quê? Por que por causa desse atentado, agora sou a desequilibrada do Ministério Público, e estão me recomendando um afastamento, me mandaram para um médico que me deu um atestado por estresse pós-traumático. Então o assunto é o mesmo meu amor, seu pai!


-- Acho sensato que você se afaste sim. Antes que comece a fase dos depoimentos. Você está mesmo precisando de um descanso.


-- E seu pai vence. Não conseguiu me matar, mas conseguiu me afastar do caso...


-- O quê? Natalia você está mesmo precisando repousar, você não está mais raciocinando direito. Você não está sendo afastada do caso, mesmo que tenha sido meu pai o mandante do atentado, não tem vitória nenhuma dele em você tirar alguns dias para descansar!


            Natalia suspirou alto sentando-se na cama.


-- O Lucas disse que aqui em São Paulo é difícil fazer minha segurança, recomendou que eu passe uns dias com meus pais.


-- E o que você acha da ideia?


-- Não quero ficar longe de você...


            Diana sentou-se ao lado de Natalia, envolveu-a em um abraço carinhoso e disse:


-- Também não quero ficar longe de você. Mas, é para sua segurança meu amor. Além do mais, na próxima semana tenho que ir a Nova Iorque, de qualquer forma, ficaríamos separadas uns dias.


-- Então vou a Nova Iorque com você! Pronto!


-- Meu amor... Você sabe que isso é muito arriscado. Você e eu não estávamos tão expostas como da última vez que viajamos juntas. Basta uma foto, uma postagem em qualquer rede social para a defesa do meu pai acusar você de impedimento, já que você tem envolvimento com a filha do acusado, aí sim você será afastada do caso, considerando o novo advogado do meu pai...


-- Quem é o novo advogado do seu pai?


-- O Pedro.


-- Pedro?!


-- Hurrum.


-- Di... Não quero te deixar ir sozinha pra Nova Iorque... Aquelas mulheres sofisticadas caindo em cima de você, sem contar a Rosana que está só esperando a primeira oportunidade para atacar de novo...


            Natalia disse fazendo bico. Diana puxou o rosto da namorada segurando o queixo da morena levemente até os verdes dos olhos se encontrarem e disse:


-- Não vou sozinha, vou com você no meu coração e na minha alma. Sou sua Nat, não há espaço para outra mulher na minha vida. E você é a mulher mais incrível que conheço, pode não ter a sofisticação que você insiste em enumerar como qualidade absoluta, mas tem o encanto da menina do interior vencedora, inteligente, forte, pesando isso tudo, eu acho sofisticação perde feio... E por último, Rosana não vai me atacar de novo e se ela fizer isso vou usar meus músculos para defender minha honra e fidelidade não se preocupe.



            Diana levantou o braço exibindo seus bíceps nada avantajados.



-- Ah! Eu vou! Se depender desses seus músculos eu corro grandes riscos de Dona Flor se despetalar em cima de você e um belo par de chifres nascer em mim!


            Diana gargalhou.


-- Não vai nascer nada nessa cabeça linda. Ao contrário do que está nascendo aqui do lado da sua cintura.


-- O quê? Acha que estou gorda amor? Sério?


            Diana torceu os lábios e fez suspense.


-- Deixe-me ver aqui se encontro esses pneuzinhos...


            Diana não deu tempo para Natalia se defender caiu sobre a namorada apelando para o ponto fraco da morena: cócegas.


-- Não acredito Diana! Para Diana! Diana!


            Rolando na cama, logo as duas já estavam trocando beijos apaixonados, e se entregando ao desejo que crescia a cada toque hora mais delicado, hora mais ousado. Amaram-se antecipando a saudade que as assolaria em pouco tempo, afastando a tensão que ainda minava a relação delas mesmo latente.


            A condição de filha mantinha Diana em uma posição desconfortável diante do agora réu no processo que Natalia estava à frente e que a cada novo evento se firmava como seu inimigo, pelo menos para a promotora.

            Em contrapartida, Natalia se incomodava profundamente com qualquer passo que Diana dava em direção ao pai. Apesar de compreender até certo ponto a carência paterna que chagava a alma da sua namorada, no fundo não aceitava o fato de Diana aparentemente minimizar o passado recente delas no qual Acrisio as separou de maneira sórdida.


            Mesmo com toda relutância, Natalia aceitou a orientação médica e partiu para a casa dos pais logo após o embarque de Diana para Nova Iorque.
***********

            Mariêta estranhou os dois homens que acompanhavam Natalia quando a promotora chegou à casa dos pais.


-- O cheirinho está bom Mari! O que você preparou para o almoço?


-- A carne de panela com legumes que você gosta. Minha filha eu sei que você agora é da cidade, está toda moderna, mas namorar dois assim ao mesmo tempo? Minha filha isso não tá certo não!



-- Mari não namoro nenhum dos dois, são policiais, estão fazendo minha proteção.



-- Sua proteção? O que está acontecendo Natinha?



-- A mamãe não te contou nada né... Deixa pra lá Mari, o quarto de hóspedes está pronto para acomodar os rapazes?


-- Vou chamar a pirralha que seus pais contrataram pra saber... Como se eu não desse conta dessa casa sozinha!


-- Natinha?  - Dona Fátima, a mãe de Natalia chegou à casa com um sorriso largo.


-- Oi mãe.


-- Chegaram mais cedo! Ai minha menina, que saudades! Como você está?


-- Estou bem, inteira mãe...


            Natalia disse depois abraçar a mãe.


-- Só assim para você vir nos visitar não é?


-- Mãe... Vocês também poderiam ir me visitar não é mesmo? Por favor, tudo que não preciso agora são cobranças ok?


            Os primeiros dias da estadia de Natalia na casa dos pais foram tranquilos. Entretanto, se há quase dez anos a morena já se sentia estranha, incompleta naquela casa naquela situação a sensação era bem pior, especialmente pela saudade de Diana, e por um detalhe na sua relação com sua família: a política do não pergunto, não quero saber, isolava sua orientação sexual da realidade daquela família.

           
            Falava-se sobre tudo, exceto sobre a familiaridade do caso de Acrisio Toledo com o passado de Natalia. O desconforto ficou óbvio quando Vanessa, a irmã caçula, puxou o assunto de maneira casual:


-- Natinha você tem visto a Diana? Soube que ela fez uma exposição de fotografia lá em São Paulo.


            Um silêncio constrangedor se instalou, tanto quando a palidez de Natalia.


-- Vanessa não fale bobagens! Claro que sua irmã não viu essa moça, o pai dela tentou matar sua irmã!



-- Ah isso não é certeza não é mana?


-- Não. Vanessa eu não tenho visto a Diana não.


            Durante o resto do jantar os assuntos foram limitados. Mas mencionar o nome de Diana pareceu carregar ainda mais a saudade de Natalia da namorada. Assim, a primeira coisa que fez ao terminar o jantar foi ligar para a loirinha.


-- Acordei você?


-- Não meu amor. Está tudo bem?


-- Que barulho é esse? Onde você está?


-- Ah estou no Light Rock com o pessoal.


-- Esse é o lugar onde a Rosana canta não é?


-- Cantava meu amor.


-- Diana eu pensei que você tivesse ido a trabalho, agora você está aí na farra?


-- Farra? Meu amor eu vim me encontrar com meus amigos, não estou fazendo nada demais.


-- Diana eu estou isolada aqui, enfrentando o preconceito velado dos meus pais e você está aí farrando como se nada estivesse acontecendo? Não me ligou uma única vez hoje...


-- Meu amor, eu não liguei porque você me pediu que eu não ligasse, mas te enchi de mensagens.


-- Ela está aí não está?


-- Ela quem Nat?


-- A Rosana! Não se faz de doida Diana!


-- Nat se acalme tá? A Rosana está aqui sim, mas se quer me cumprimentou. Por que está tão nervosa meu amor?


-- Não sei Di... Posso até estar segura de ataques do seu pai aqui, mas não da vergonha que meus pais sentem de mim. Estão desenterrando possíveis pretendentes para mim de onde eu menos esperava: uma tortura! Além do mais, você aí...



-- Meu amor nós conversamos sobre isso, não será a primeira viagem que farei a trabalho sem você, você tem que confiar em mim, em nós! Sobre seus pais, Nat eu sei que é difícil, mas já passou da hora de você esperar que eles perguntem algo, tenha uma conversa madura com eles sobre quem você é, e que eles não tem motivo nenhum para se envergonhar de você, e sim para se orgulharem pela mulher incrível que você é.


-- Queria você aqui perto de mim meu amor...


-- Logo estaremos juntas meu amor. Eu te amo, fique bem, descanse e deixa de pensar bobagem, sou sua!


            Natalia não escondeu um sorriso ao desligar o telefone, sorriso que se desfez imediatamente quando Vanessa entrou no quarto indagando:


-- Então você não tem visto a Diana, mas tem falado com ela não é maninha?


-- Vanessa?! Desde quando você entra no meu quarto sem bater?


-- Natinha não adianta escapulir da minha pergunta, vamos lá, descarrega aí esse fuxico!


-- Não tem fuxico nenhum.


-- Maninha não vou te julgar, não vivo na pré-história como o papai e a mamãe. Na verdade eu achava vocês duas um casal muito fofo, diferente daquela Silvana que você namorou... Criatura chata!


-- Ela fez de tudo pra te agradar Vanessa...


-- Mas só conseguiu me fazer ter muita raiva dela.


            As duas sorriram.


-- Van, isso é extremamente sigiloso. Você pode guardar esse segredo?


-- Claro, Natinha.


-- Eu e a Diana estamos juntas de novo.


            O queixo de Vanessa caiu como uma caricatura de desenho animado. Depois a moça bateu palmas freneticamente obrigando Natalia a pedir:


-- Ei essa não é bem minha ideia de sigilo Van!


-- Fico muito feliz por vocês Natinha.


-- Mas não está sendo fácil.


-- Imagino, pesada essa história do pai dela não é? O destino prega cada peça...


-- Ela está em Nova Iorque e eu aqui nesse fim de mundo. Como você ainda aguenta viver aqui Van?


-- Ah você sabe que meus planos eram bem mais ambiciosos maninha... Deixar essa cidade, ser uma grande modelo... Mas... O danado do amor jogou tudo por água abaixo... E olha o que eu sou hoje, uma pacata esposa e contadora competente cujo maior cliente é o próprio pai. E o mais engraçado disso tudo Natinha: sou muito feliz, a minha principal ambição hoje é ser mãe, não me arrependo de ter ficado aqui quando poderia ter ido morar com você na capital, não seria feliz como sou hoje.



            Natalia sorriu comovida.


-- Eu fico muito feliz de ouvir isso Van.


-- Agora eu acho bom você convencer logo o papai e a mamãe do seu gosto pra mulher antes que eles corrompam os coitados daqueles policiais prometendo uma casa própria a qualquer um que aceitar te tirar do caritó.


            As duas gargalharam.


-- Não estou no caritó! Estou noiva!


-- Uma dica: deixe esse detalhe para depois, se não eles aumentarão a oferta e aí nosso estoque da loja vai ao fim com o condomínio que ele vai construir pra seu futuro marido.


-- Eles nunca vão aceitar... Especialmente a Diana.


-- Não conhecia esse seu lado pessimista. Lembre-se maninha: omnia vincit amor.


-- O que deu em você? Falando latim agora?


-- Esqueceu que o Cristian é formado em letras? Só meu marido mesmo pra escolher se especializar em uma língua morta... Mas o que importa é a mensagem: o amor vence todas as coisas.


-- Vou me lembrar disso maninha.


********


            Diana voltava do corredor do clube quando encontrou Julia.


-- Era Natalia no telefone?


-- Era. Ela está uma pilha...


-- Não é de se estranhar analisando o que ela está enfrentando não é?


-- É eu sei.


-- Acha mesmo que foi seu pai?


-- Sinceramente acho que não. Mas não importa, a Natalia tem certeza, e isso já suficiente para desestabilizar nossa relação.


-- Não é nada fácil mesmo essa situação para nenhuma de vocês.


-- É. Mas me fala... A Rosana ainda me odeia?


-- Ela não te odeia Diana e você sabe disso.


-- Ela nem me cumprimentou Julia.


-- Ah... Isso mostra que ela está magoada, não que te odeia.


-- Pelo menos sei que ela está melhor, está com a carreira a todo vapor...


-- A Rosana é uma mulher incrível, forte, está transformando essa dor em algo produtivo, isso é o que se espera de um grande artista.


-- Julia... Você está apaixonada pela Rosana?


-- O que?! Ficou maluca Diana? Só por que elogiei a Rosana agora estou apaixonada por ela?


-- Eu te conheço Julia... Esses olhinhos se estreitando enquanto procura o melhor adjetivo para ela... Está caidinha por ela!


-- Mesmo que isso fosse verdade nunca iria acontecer nada. Ela me vê como uma amiga que a consola da canalhice que você aprontou. Está focada no trabalho, está muito magoada para permitir que outra pessoa entre na vida dela.


-- Isso não vai durar pra sempre. E quer saber: vocês formariam um casal perfeito! São as mulheres mais incríveis que conheço, depois da Natalia claro...


-- Agora a pergunta que não quer calar: por que você não está perto dessa mulher tão incrível que você ama?


*************


            Os dias que deveriam ser de descanso para Natalia estavam se tornando dias de martírio para a promotora com repetitivas discussões entre ela e seus pais. Até mesmo os policiais que faziam sua segurança irritavam a morena. Sentia-se sufocada, o estresse pós-traumático se transformou em uma tristeza praticamente patológica.

            Cansada e vendo sua ansiedade crescer, Natalia decidiu passar alguns dias no velho sítio do seu avô, onde as lembranças de sua infância poderiam amenizar aquela turbulenta fase.

           
            Natalia experimentava a sensação de estar no seu limite. Seu suposto retiro em nada estava ajudando a promotora recuperar seu equilíbrio. Em busca da sobriedade necessária para enfrentar aquele momento, Natalia dispensou os policiais para caminhar pelo sitio e seguiu para seu refúgio secreto, a velha e alta árvore que do seu alto guardava uma das vistas mais belas que sua memória já registrara, além de sempre representar a recuperação de suas esperanças de tudo que ficariam bem ao final.

             Mergulhada naquele momento de reflexão e renovação de sua sobriedade e sensatez típicas, Natalia contemplou o pôr do sol, em meio aquele momento solitário percebeu picadas nas suas pernas, estapeou-as atribuindo o desconforto a algum mosquito, mas picadas na pele aumentaram e junto com elas um assobio.

            Rapidamente Natalia olhou para baixo e lá estava uma visão ainda mais linda do que a paisagem do crepúsculo lhe parecia: o sorriso de sua amada. Diana com as mãos na cintura falou para a namorada:


-- Na falta de atirar pedrinhas na sua janela, o jeito foi atirar pedras em você...


            Natalia balançou a cabeça negativamente, em dúvida se era sonho ou realidade aquela cena.


-- Ainda consegue subir aqui moça da cidade?


-- Na verdade esperava que você descesse, tentei pular o muro de sua casa e se não fosse sua irmã nesse momento eu estaria engrossando a ficha criminal da família Toledo Campos... Teria sido presa por invasão de domicílio, e o saldo disso é lombalgia filha da mãe...


            Natalia gargalhou.


-- Entendo, coisas da idade não é coroa?


-- Eu sei que de efeitos da velhice você entende como ninguém meu amor...


            Natalia apertou os olhos enquanto Diana segurava o riso.


-- Você vai demorar muito pra descer daí? Ou vai precisar que eu comece a balançar essa árvore pra ver se você está tão madura a ponto de cair?


            Tendo a reposta que precisava para reencontrar seu equilíbrio e esperanças: seu amor, Natalia não demorou mais a atender ao pedido da namorada e rapidamente desceu da árvore caindo nos braços de Diana, selando com um beijo apaixonado a certeza que seu melhor sonho se tornara realidade em seus lábios quentes.