sábado, 13 de janeiro de 2018

CAPÍTULO 25: LIÇÃO 21 – PERMITA-SE SER CUIDADA DE VEZ EM QUANDO

Desembarcamos em Noronha no dia 30 de dezembro, Clarisse logicamente, levou sua namorada, Samara. Ed e Cris eram os mais animados, pareciam os chefes da excursão, e eu, recém saída de um episódio do The Walking Dead, só que fantasiada com um chapéu e óculos de sol, os adereços segundo Ed, iam fazer as pessoas me confundirem com alguma celebridade.


O resort era realmente fantástico, estava muito afundada na minha obscuridade para me preocupar com meu cartão de crédito, mas, no fundo eu sabia o quanto eu estava ferrada no ano novo. Mesmo sendo um zumbi, ou a versão feminina de “Um morto muito louco”, eu não estava totalmente cega: o lugar estava lotado de gente bonita, era tanta beleza e riqueza que eu me sentia um peixe fora d’água, uma “Dory” no meio dos tubarões, mas com a diferença básica que eu tinha minha memória intacta.


Dividi quarto com a Cris, e Ed logicamente ficou com uma suíte só para ele, com as regalias que ele conseguiu como o novo blogueiro celebrity, e Clarisse como estava com a namorada, era meio óbvio.


-- Primeira coisa a fazermos, é mostrar essa cara de mármore para esse sol maravilhoso, Luiza! – Cris falou espalhando as roupas da mala.

-- Tenha dó, Cris! A gente está viajando há quase 14 horas, eu preciso de umas horinhas descanso!

-- Só um passeio, só um passeiozinho, comemos alguma coisa, e depois descansamos para sair à noite, não seja chata, vai, olha esse paraíso, Lu!


A paisagem era encantadora, e eu sabia que a Cris não desistiria, e logo chamaria reforço, e o Ed era praticamente o BOPE. Tomei um banho, e com uma saída de banho, comprada lá mesmo no hotel, porque segundo o Ed, todas as que levei eram bregas e muito “2010”, tive que pagar uma fortuna por meio metro de tecido para esvoaçar no vento da praia.


Paraíso talvez seja a melhor definição para a ilha de Fernando de Noronha, e olha que nem caminhamos muito. E por mais, perfeita que a natureza se apresentasse, até mesmo ela me traía, por que toda beleza me remetia a Marcela. Olhei para o mar, e lembrei do primeiro dia que a vi na praia, toda linda, leve, falando sobre me ver no centro de uma roda de samba, no mesmo dia que dei carona para ela, nem estava me dando conta que estava nascendo meu amor por ela, talvez, se eu soubesse, teria fugido a tempo, seria possível?


Se era, não sei, mas agora, pensar em Marcela era tão natural como respirar, comer, dormir... Era parte da minha rotina, e no momento era doloroso, eu carregava uma a mágoa de te der sido rejeitada por ela mais uma vez. Exorcizar aquela “rotina” não era tarefa fácil, meus amigos, ao menos Cris, sabia que precisava ser em grande estilo, então, chamou a agora, elegante assessoria de Ed, o blogueiro celebridade, para me produzir para um lual no resort, com uma badalada lista de convidados confirmados, além das atrações.


Definitivamente, eu não nasci para aquele mundo. Estava zonza com tantos flashes, jornalistas, tanta gente fazendo selfies com outras pessoas que eu nunca tinha visto na minha vida, e para meus amigos, eram pessoas super famosas, de repente, parecia que estava saindo de uma caverna dos anos 90, e a única pessoa famosa que eu encontraria ali poderia ser o Bel Marques, por afinal, ele mantem a mesma aparência desde sempre.


-- Onde a gente vai sentar? – Quase gritei no ouvido do Ed

-- Cruz credo! Está pior que minha avó, Luiza! A gente nem chegou e você já quer sentar? Vamos circular!

-- Lu, vamos andar por aí, ver gente nova, Ed, nos apresenta aí um pessoal legal... – Clarisse foi mais dócil.

-- Vamos ao estrelato!


Ed se sacudiu todo, como se exalasse purpurina, e quando nos demos conta, estávamos no olho do furação, entre nos os convidados VIPS, trocando cumprimentos, com modelos, celebridades instantâneas, vlogers, atrizes (deviam ser de Malhação, eram novinhas demais), funkeiras. Eu, não sabia para onde olhar, se para as pessoas, ou para o Ed em sua nova personalidade famosa. Talvez eu devesse olhar para a Cris, que já lançava sua teia de mulher aranha para todos os lados, para poupar minha amiga de pagar alguns micos.


Ao longo da noite, o nível das atrações foi ficando melhor, e convidados mais importantes foram aparecendo, e aquela porção de fã que existe em nós mortais também ia surgindo, enquanto Ed tratava com naturalidade seus novos contatinhos de redes sociais, nós ficávamos atônitas, escoradas nos cantos. Todavia, bastava uma morena de cabelos longos, escuros, eu me voltava a Marcela.


Isso aconteceu dezenas de vezes naquela noite, até que uma hora não aguentei ficar ali, precisei sair daquele ambiente e respirar um pouco, andei por uma ponte de madeira, e fiquei ali recostada, contemplando o píer ao longe. Lembrei dos momentos bons com Marcela, seus beijos, suas mensagens me chamando de “meu bem”, seu sorriso, mas todas essas lembranças tinham o fel da mágoa da nossa última conversa.


-- Oi? Atrapalho seus pensamentos?


Ouvi uma voz que parecia longe, por que meu pensamento estava distante, mas o perfume estava tão próximo, virei meu rosto e encarei simplesmente uma das mulheres mais sexys que já vi em toda minha vida, por alguns momentos eu acreditei firmemente que me drogaram com aquela bebida, era uma alucinação, certeza.


-- Oi! Não atrapalha em nada.

-- Eu gosto desse som, das ondas quebrando, Noronha me revigora, nem gosto de vir essa época, mas, com tanto tempo fora do Brasil...

-- É a minha primeira vez aqui. – Respondi quase que hipnotizada pela morena, que eu conhecia, não sabia de onde.

-- Jura? Garota, você é brasileira? Os gringos aproveitam mais isso aqui do que nós...

-- Talvez você tenha razão, eu demorei a vir mesmo.

--Nossa, como sou mal educada! Nem perguntei seu nome.

-- É, Luiza. E o seu?

-- Cléo. E o que você faz, Luiza, desculpa, não sou muito boa com essas coisas de reality show...

-- Ah Meu Deus! Nem eu! Eu sou professora universitária.

-- Ufa!


Eu sou lenta mesmo, até eu juntar o nome Cléo, até aquela beleza exuberante e o poço de sensualidade, demorou uns cinco minutos.


-- Ah Meu Deus, de novo! Você é a Cléo, a Cléo? Cléo, aquela?


Ela abriu o sorriso inconfundível. Meu Deus, era ela! Cléo Moraes, bem ali na minha frente.


-- Não sei quem é aquela Cléo, mas sou aquela atriz, é essa que você se refere?


Dei um tapa na testa para atestar minha lerdeza.


-- Cara, eu sou muito estúpida, agora eu vou agir como uma idiota completa, por que eu sou completamente sua fã.

-- Fã? Luiza, tenho uma professora universitária como minha fã?

-- Olha, você tem um fã clube de mulheres como eu.

-- Mulheres como você? Como assim? Uma liga de professoras, cientistas, pesquisadoras, nerds?

-- Lésbicas. – Fui direta.

-- Ah! Você é lésbica? Nem desconfiei, juro. Sabe que nunca beijei uma mulher?

-- Jura? Ouvi isso em uma entrevista, mas não acreditei muito...

-- Acho que esse é um momento que eu poderia mudar isso...


Com certeza eu estava em uma viagem legal, LSD, êxtase, sei lá o que me deram, mas logicamente não era a Cléo Moraes na minha frente flertando comigo, minha alucinação estava muito real. Tão real que senti o corpo dela contra o meu se apoiando na ponte roçando o nariz no meu e beijando o canto dos meus lábios, e como eu não queria fazer o papel do Selton Melo no filme da Mulher Invisível, fiquei paralisada.


-- Nossa, parece que vou continuar sem beijar uma mulher... Então vou ter que conquistar esse beijo, vem dançar!


A minha alucinação me puxou pela mão até a pista de dança onde estava o Ed e outros amigos deles em comum, e eles berrando conversaram:


-- Você ganhou a aposta! Ela não me beijou! – Cléo falou para Ed.

-- Eu conheço minha rachinha! Ela achou que estava sonhando no mínimo!

-- Ei! O que está acontecendo aqui? – Perguntei sem nada entender.


O Ed nos puxou no barulho e me explicou:


-- Conheci a Cléo no curso em Nova Iorque, fui o maquiador dela em uma campanha da Vogue, ficamos amigos, e enfim, te vi lá na ponte e desafiei a Cléo, apostei que ela não conseguiria te arrancar um beijo. E ela perdeu.

-- Ah, eu fui uma aposta?

-- Não Luiza, não foi bem assim. – Ed, tentou explicar.

-- Luiza, isso foi antes de te conhecer, não menti quando falei que...

-- Chega, desculpa, já deu essa festa pra mim.


Sai em direção ao resort e fui seguida por ninguém menos que a Cléo Moraes, ela segurou minha mão, e disse com honestidade:


-- Desculpe-me, de coração, eu agi errado.


Apenas acenei em acordo, estava mesmo era cansada daquela festa, queria sair de tudo aquilo e ficar reclusa. Não tinha toda essa raiva do Ed, muito menos da Cléo, que além de linda, era uma fofa. Uma olhada naquele maldito face fake, e vi fotos de Marcela em alguma praia com uma turma de jovens e ao seu lado, Laura. Acorda Luiza, seu imbecil, só tem uma pessoa sofrendo e perdendo nessa história, você!

******************


O dia inteiro foi uma maratona de passeios, fantásticos aliás, mergulhos, paisagens dignas de marcar a memória para sempre. Nem preciso dizer que a Cris não acreditou quando narrei meu encontro com a Cléo Moraes, ela disse com todas as letras que o Ed me drogou, e essa bicha nem para confirmar a história.


-- Ow sua doida! Acha mesmo que eu vou dizer a Cris que eu sou amigo da Cléo? Fiz a brincadeira com você, por que você é uma dama, meu bem!


-- Ah! Não me chama assim, por favor!

-- Deu a louca na doida... Mas, enfim, se a Cris souber ela vai me enlouquecer para conhecer a Cléo, e eu não vou deixar minha amiga fina e sexy ficar suja de graxa!

-- Que exagero, você trata a Cris como uma cadela no cio.

-- Quase isso! Mas, deixa eu te dizer... Você tem mel viu... A Cléo te adorou, perguntou se você estava bem, se ainda estava chateada.

-- Parou a zuação tá? Não tem mais graça.

-- Eu não estou de zuação, mais autoconfiança bee!


Aquela informação ficou martelando em minha cabeça, não mais do que as fotos que vi no perfil de Marcela, pelo meu perfil fake. Minha autoestima estava tão baixa, que a suposta preocupação da fantasia sexual da metade das mulheres (e homens suponho) do país, comigo, não era suficiente para me fazer superar a rejeição de uma menina de vinte e poucos anos.


De qualquer forma, por pressão dos amigos, por uma necessidade de gostar do que via no espelho ou para aparecer bem nas fotos, pois é, eu desejava por míseros momentos que Marcela fuçasse alguma rede social e visse que eu estava vivendo também, por essas razões mais uma vez, deixei meus amigos cuidarem de mim, e partimos em grande estilo para um réveillon estrelado, no paraíso de Fernando de Noronha.


Tudo perfeito: a melhor iluminação, o melhor buffet, as melhores bebidas, a melhor música, a melhor iluminação, tudo para uma linda festa, e eu não podia reclamar das companhias, eu tinha do meu lado os melhores amigos, mas, ainda assim, me sentia solitária, vazia. Em meio aquela explosão de fogos, naquele mar de gente se abraçando, casais se beijando, e depois todos correndo para o mar, cumprindo as simpatias para atrair boas energias para o novo ano que chegava, eu só conseguia ficar ali, sentada na areia, chorando, lembrando de Marcela, e em tudo que poderíamos ter sido juntas.


Voltamos à festa, mas, eu não conseguia socializar, peguei uma taça de champanhe e voltei à ponte de madeira da noite anterior, a visão agora era diferente, muitas pessoas na praia, juntas, fazendo farra, e eu, sozinha, como eu me sentia de fato.


-- Qual a graça de tomar champanhe sozinha?


Aquela voz já era familiar, e rapidamente me voltei com um sorriso natural no rosto. Aquela beldade estava ali, de novo na minha frente, a própria: Cléo Moraes.


-- Na verdade, eu estragaria qualquer bebida, melhor que eu faça sozinha.

-- Bad vibes, garota! O ano acabou de começar, me dá sua taça.


Cléo estava com uma garrafa na mão, cheia e encheu minha taça.


-- Um pouco para você, e o resto para mim, para não estragar tudo. Brindemos, feliz ano novo!


Ela bebeu na garrafa, de uma maneira tão sensual, que me fez suspirar, e certamente abrir a boca, igual a adolescente na puberdade olhando uma mulher gostosa.


-- Então, você costuma vir sempre aqui, ou ainda tem esperança de ganhar a aposta que fez com o Ed?

-- Aposta? Ah, você não me perdoou ainda não é? O que eu posso fazer para apagar isso, e você não ter essa impressão ruim ao meu respeito?

-- Relaxa! Como eu poderia perdoar o Ed, e não perdoar você? No fundo foi divertido, apesar de todos acharem que eu estava drogada e alucinei, que nunca tive um encontro com a Cléo Moraes.

-- Ué, por que? Eu estou aqui, sou gente que nem todo mundo, você é uma pessoa super legal, por que não nos conheceríamos e conversaríamos?

-- Por que eu sou só a professora Luiza, e você, ah, Cléo, você é você!

-- Esqueceu de dizer que é minha fã.

-- Isso! Sua fã também!

-- Então, vem comigo, todo mundo vai saber que somos amigas agora.


Cléo me pegou pela mão e me arrastou para a pista de dança eletrônica. Fiquei surpresa e logicamente muito tímida, e logo o Ed se juntou a nós, e com mais duas doses de vodka ou tequila, não discerni muito bem, já dançava sensualmente com a Cléo, sendo fotografada no mínimo por sites e revistas de fofocas. Não encontramos nem Clarisse, nem Cris, mas, naquela altura, eu só queria me divertir na companhia da Cléo e do Ed que estavam elétricos, rindo como dois adolescentes.


No meio daquele jogo de luzes, Cléo pegou na minha mão e sumimos na multidão. Ela me levou para a praia, carregava duas garrafas de água, e me ofereceu.


-- A melhor bebida do mundo: água, vai, bebe, a gente precisa.


O vento batendo nos cabelos dela, aqueles lábios carnudos, aquele mar, pouca luz em nossa volta, nem nas minhas fantasias mais loucas poderia imaginar estar ao lado daquela mulher, a sós, em Noronha.


-- Que, que foi? Bebe, Luiza!


Ela deve ter percebido minha cara de boboca olhando para ela. Fazer o que, bebi como ela mandou, beberia até água do mar se ela mandasse. Ela se sentou, e eu fiz o mesmo.


-- Daqui a pouco o sol nasce, quer esperar comigo?

-- Claro, deve ser um espetáculo.

-- É, deve ser, eu ainda não vi isso, vai ser a primeira coisa que farei com você. Poderia ser outra coisa, mas, já vi que você não vai acreditar em mim, depois da brincadeira do Ed.

-- Outra coisa? Que coisa?

-- Luiza, você é mesmo tão inocente? Ou vocês lésbicas, jogam assim?

-- Eu sou péssima em jogos, Cléo, acho que vou ter que pagar de inocente mesmo.

-- Eu te disse que nunca beijei uma mulher. Adoraria que meu beijo em uma mulher fosse com você.


Eu certamente devo ter mudado de cor, mas olhar aquela boca de tão perto, depois de me dizer aquilo, despertaria até defunto. Ajeitei os cabelos que cobriam seus lábios e a beijei lentamente, saboreando seus lábios sem pressa, passeei com minha língua pela sua e aos poucos me afastei para ver aquele sorriso largo, e gostoso, uma mordida no lábio inferior me deixou curiosa:


-- O que foi, Cléo?


-- Seus lábios, são macios... Pode ser mais de um primeiro beijo?


Sorri, e a beijei no rosto, ela encostou a cabeça no meu ombro e testemunhamos o nascer do sol.

************

No almoço, a ressaca estava na cara de todos, Ed estava com a mesma roupa, estávamos em uma mesa perto da piscina, quando a Cris soltou um sonoro:


-- Puta que pariu!

-- Boca suja! Estamos em público! Não me faz passar mais vergonha! – Clarisse exortou

-- Falem baixo suas rachas, pra que esse escândalo? – Ed mostrava seu mau humor

-- Luiza! Você está pegando a Cléo Moraes? - Cris continuou falando alto.


Eu me engasguei com a água de coco, praticamente cuspi a Clarisse inteira.


-- Oi?! – Não sabia o que falar.


Cris mostrou o celular e rapidamente, todos da mesa pegaram o celular abrindo na página que Cris indicou. Estavam lá todas as fotos minhas com a Cléo: na ponte de madeira, na pista de dança, o beijo e a romântica foto de nosso testemunhar do nascer do por do sol. Ed tirou os óculos de sol, e me disse:


-- Luiza, como vocês dão essa bobeira?


-- Mas... Eu...


Não conseguia falar nada, Ed recebeu mensagem, e sem explicar nada me tirou dali e me levou para o quarto dele, em menos de dois minutos, Cléo chegou no quarto.


-- Luiza, me desculpe, por alguns momentos do seu lado eu esqueci de tudo, fui só uma pessoa normal, não tinha o direito de te expor assim, desculpe-me.


-- Cléo é melhor você não dar declarações, deixa seu assessor de imprensa falar algo...


-- Ed, eu não tô nem aí para a imprensa, eu estou preocupada com a Luiza, que não tem nada com essa porcaria de mídia e está no meio desse mar de fofoca.


Cléo se abaixou se apoiando nos meus joelhos, eu estava sentada em uma poltrona, olhando ainda as fotos no celular.


-- Luiza, fala alguma coisa...

-- Cléo, ninguém sabe quem eu sou, e não se preocupe, ninguém se interessa em saber.

-- Gata, eles vão descobrir tudo e vão te incomodar pra caralho nos próximos dias.

-- Não se preocupe, não ligo, eu não vou dizer nada, não interessa a ninguém o que aconteceu entre nós, não é?


Cléo sorriu, beijou minhas mãos e disse para o Ed:


-- Você tinha razão, ela é a mulher mais fantástica que você poderia ter como amiga.

-- Ah bobinha, isso foi antes de te conhecer!


Ed brincou, e nós rimos.


-- Falando sério, agora, esses dias serão um inferno, vão te seguir para todos os lugares, como você vai curtir seus dias de folga aqui? – Cléo indagou preocupada.


-- Essa ilha está lotada de celebridades, a gente dá um jeito. – Tranquilizei Cléo.


A verdade é que não foi mesmo fácil, o mais engraçado era a Cris querendo aparecer em todas as fotos, com isso, a maioria dos fotógrafos tiveram a cara dela na câmera ou o dedo no foco, isso quando ela não me abraçava ou me jogava contra a parede ou em cima de mim na areia.


Consegui encontrar a Cléo por duas vezes só, no quarto dela, foram só duas vezes, mas, maravilhosas, únicas. Na nossa primeira noite, nunca imaginei um mulherão daqueles tão nervosa:


-- Luiza, eu estou me sentindo uma virgem. Isso é ridículo, não é?


-- Na verdade, não. Mas, Cléo, não temos que fazer nada, eu estou amando estar com você, nem imagina o quanto.


-- Mas, eu quero, quero que seja também a minha primeira mulher.



E assim foi, no dia seguinte, ela me dominou completamente, ela não foi nada passiva, e foi nossa despedida também. Trocamos telefones, mas, ela passaria outra temporada fora do Brasil. Para minha surpresa naquele mesmo dia, a postagem dela no instagram, foi uma foto da ponte de madeira, com uma legenda falando de saudade. Sabia que aquele encontro marcara nossas vidas de uma maneira bastante positiva, Cléo me devolvera minha autoestima, era hora de voltar e encarar a realidade.

CAPÍTULO 24: LIÇÃO 20: QUANDO VOCÊ BAIXA A GUARDA, PODE SANGRAR

Se Marcela já tomava de conta dos meus pensamentos mesmo sem eu querer, sem ter esperanças vivas, imagina depois da chama acesa por nossa aproximação e o melhor, a proximidade do início concreto de nossa história? Eu sonhava dormindo e acordada com os momentos que dividiria com ela, em nenhuma hipótese eu imaginava intemperes, tudo daria certo.

Não poupei sorrisos, distribui bom humor, Clarisse atribuía esse comportamento a minha suposta volta de namoro com Celina, Ed acabara de voltar de Nova Iorque e cobrava explicações sobre a nova lady que fazia “minha periquita cantarolar”, e quanto a Cris, bem, ela já tinha certeza sobre o que poderia ter acontecido, pediu prioridade para conhecer os detalhes, tão logo chegasse de uma viagem de trabalho.

Eu, estava tão abobada, que não percebi o tempo passar e a conversa que Marcela teria com Laura para que enfim o namoro delas chegasse ao fim acontecesse. Continuávamos a trocar mensagens carinhosas, com menos frequência, e nossos encontros eram muito raros, atribui isso a loucura de final de semestre. Melhor do que ninguém eu entendia o que era isso para os alunos, por que tanto quanto eles, quanto para os professores, ambos praticamente entravam em colapso nesse período.

Beatriz parecia um zumbi. Lembrava muito meu estado quando ela me deixou. As vezes eu sentia compaixão, até tentei conversar com ela uma ou duas vezes, mas, ela foi categórica em me dizer que não precisava da minha piedade. Paciência, eu também não ia querer no lugar dela.

Chegara enfim a última reunião semestral do GRUFARMA, uma lista de tarefas para os bolsistas desenvolverem nas férias, mas, nada que atrapalhasse o descanso merecido, a cobrança maior era com os mestrandos, especialmente os que estavam perto da qualificação. Encerrada a reunião, esperava que Marcela ficasse, era uma desculpa para que conversássemos sem despertar maiores suspeitas, entretanto, para minha surpresa, a vi saindo junto com os demais, meio atordoada intervi:

-- Marcela, por favor, pode ficar um pouco mais, preciso repassar uns artigos para seu artigo de revisão.

Com um carinha de desconfiada, Marcela acenou em acordo, e me seguiu até o gabinete. Aproximei-me dela, e a abracei, beijei sua testa demoradamente e disse:

-- Que saudades suas... Então, está de férias?

-- É... Estou, quer dizer, falta sair uma nota ainda, mas, acho que passei.

-- Já sabe quando vai para a cidade dos seus pais? Na verdade, sua mãe e seu padrasto, não é isso?

-- É, isso. Meu pai, morava aqui, comecei a morar aqui com ele quando vim no começo do semestre, mas ele foi embora também. Eu não sei ainda, estou esperando aí uma definição...

-- Por falar em definição... Como estão as coisas com a... Laura, é esse o nome?

A face de Marcela mudou. E eu senti um gelo percorrendo minha corrente sanguínea. A sensação não era boa, aquele olhar furtivo nunca me trouxe boas perspectivas.

-- Marcela? Há semanas você me falou sobre conversar com ela, que estava tudo praticamente terminado, faltava só oficializar, e então?

-- Aconteceu que... Bem, a gente conversou sim, Luiza. Uma conversa franca, honesta, e a gente se acertou.

-- Vocês se acertaram? Isso quer dizer o que exatamente? Que está tudo certo? Cada uma pra seu lado, e vão seguir a vida? Está livre para nossa história agora?

-- Não, Luiza. A gente, vai tentar mais uma vez, ela me pediu uma chance...

-- O que? E eu? O que você está fazendo comigo, Marcela?

-- Eu queria ter conversando com você antes, mas, não tive coragem, eu sou uma covarde, me desculpa, Luiza.

-- Ah, você é mesmo! Uma tremenda covarde. Quis me manter presa a você, e continuar com sua namorada, parabéns! Você conseguiu me enganar direitinho, não que seja um grande feito, por que eu, sou uma grande idiota, qualquer uma me faz de boba.

-- Você acha que fiz de caso pensado?

-- Não fez? Você me pediu para te esperar! Pediu um pouco mais de paciência para fazer as coisas do jeito certo, esse é seu jeito certo de fazer as coisas? Ludibriando as pessoas? Traiu sua namorada, me enrolou e agora pede desculpas e acha que está tudo bem?

-- E você que estou bem? Acha que não estou sofrendo com isso? Acha que quero te fazer sofrer? Não imagina o quanto dói saber que estou te machucando.

-- Você é que não imagina o que está causando. Quer ficar com as duas? Não dá, uma você vai perder, mas, na verdade, você já fez essa escolha mais de uma vez... Eu nunca fui sua escolha.

-- Vou perder as duas... – Marcela disse com o rosto banhado em lágrimas.

-- Como eu pude me enganar tanto com uma pessoa como me enganei com você? Amei você sem ter nada, sem impor uma condição, de coração limpo e livre, tinha tanto a perder e me coloquei em suas mãos, Marcela. E eu não fui suficiente para você.

-- Você não sabe o que está falando. O problema é o contrário, você é muito pra mim. Muito mais do que eu posso dar, não tenho nada pra te oferecer.

-- Só te pedi uma coisa: para que ficasse comigo. E mais uma vez, você escolheu ela. Quer saber Marcela? Fica no seu namoro acertado, com sua namoradinha perfeita, ela não pode ser magoada, mas a mulher que é muito, essa aguenta mais um solavanco, só mais um percalço. Esquece que eu existo, finge que eu sou só uma professora, por que a partir de hoje, de mim, você será vista unicamente como aluna, orientanda do grupo de pesquisa, possivelmente eu te transfira para outro pesquisador.

-- Nossa, você está sendo cruel... Luiza, essas palavras doem.

-- Doem? Faz quanto tempo que você está de boa com sua namorada, e continua me mandando mensagem me chamando de “meu bem”? Você ia me dar um fora por mensagem também, quando estivesse no interior na casa de seus pais? Espera, essa definição que você estava se referindo, é por que está esperando para ir com ela para a cidade de vocês?

-- Os pais dela estão vindo, vou de carona...

-- Ah meu Deus! Quem está sendo cruel?!

-- Estou sendo honesta, não preciso mentir para você!

-- Sabia que omitir as vezes é misericordioso, Marcela?

Eu já estava descontrolada, chorava a ponto de quase perder o fôlego. Aquela conversa me destruía a cada palavra, a cada lágrima. Não me lembro de uma discussão tão dolorosa quanto aquela, tão intensa, a que mais se assemelhava, foi quando Beatriz me deixou, mas, naquela ocasião, eu não esbravejei, eu só afundei. Diante de Marcela, eu lutava, mostrava minha ferida exposta, era minha mágoa falando, quando dizem que ódio e amor estão em uma linha tênue, talvez esteja no campo da intensidade, da mesma forma que eu tinha forças para gritar que amava Marcela, eu queria berrar minha dor, por ela me deixar de novo.

-- Eu não queria que as coisas fossem assim, Luiza, eu merecia mesmo ficar sozinha, se tem alguém que tinha que sofrer era eu, só eu...

-- Mas, você vai seguir sua vida com sua namorada, e eu vou ficar na merda! Basta, Marcela! Some, vai embora, não tem mais problema de consciência, já se livrou do problema que atormentava seu namoro, não teremos mais contato.

-- As coisas não precisam ser assim, Luiza, nunca falei que você é um problema pra mim... Não coloque palavras na minha boca.

-- Marcela, vai embora!

-- Você está nervosa, não posso te deixar assim...

-- Não sou mais uma preocupação sua.

Abri a porta do gabinete e fiz o gesto para que ela saísse dali. Marcela pegou a mochila e limpando o rosto das lágrimas abundantes, deixou a sala, e eu fechei aquela porta com tanta força que os vidros dos armários estremeceram. Joguei-me no chão, devo ter chorado por mais de uma hora seguida, ignorei as chamadas de Ed, e quase sem forças, liguei para Cris:

-- Cris, você pode vir aqui na universidade me pegar? Estou precisando de você.

A lealdade de Cris era inquestionável. Sabia que ela me entenderia. Sem fazer muitas perguntas, ela me levou para casa, e me colocou no colo, esperando que eu chorasse tudo que eu tinha para chorar, até que eu conseguisse desabafar em palavras o que acontecera.

Antes que meu amigo rivotril, administrado pela Cris, fizesse efeito, uma notificação de mensagem chegou ao celular, era dela:

“Eu não queria causar tanto sofrimento a você, não estou imune à dor. Não me odeie, eu não suportaria isso. Cuide-se.”

Eu não conseguia enxergar nenhum afeto nas palavras de Marcela, entendia tudo como egoísmo, covardia, decepção, frustração. Aliadas a todas essas más companhias eu tinha minha fértil imaginação, que realizava cenas, construía situações, supunha como seria o comportamento dela com Laura, no meio social que era comum às duas, um meio que não me cabia, a história delas, o passado que eu não pertencia, e que ela demonstrara com atitudes que não cabia no presente também.

O que eu experimentava agora era um poço profundo, escuro de mágoa. Cris, por mais compreensiva que fosse, e por mais que me apoiasse se minha situação com Marcela fosse favorável, não conseguiu ficar passiva vendo meu estado, que se estendeu por dias. Nem sabia mais o que responder ao Ed, que insistia em marcar a festa de “Returned” e eu com mil desculpas adiando minha presença que ele fazia questão.

Encerrei o semestre com ajuda de Clarisse, que por ela mesma deduziu que meu “namoro” com Celina havia acabado. Ela ficou responsável por preencher notas no sistema, entregar relatórios, e providenciou um atestado médico com um amigo nosso do hospital universitário.

Mas, aí, veio a intervenção: Ed, Cris e Clarisse, no meu quarto, tomando da minha mão a terceira garrafa de vinho do dia, e ainda era 11 da manhã de sábado.

-- O que a patrulha do AA está fazendo aqui essa hora? Ou será a liga da justiça? – Disse com a língua embolada.

-- Já chega não é, Luiza? Vai ser um festival de autodestruição por semestre? – Clarisse foi a primeira a falar.

-- Você estava tão bem Amapô, qualquer uma vai te derrubar assim? Fizemos progressos maravilhosos esse ano, não volta pra merda, racha, não quero pisar lá de novo pra te arrastar! – Ed foi mais dramático.

-- Luiza é o seguinte, não vamos deixar você se afundar de novo, a gente te ama demais pra ver você se torturando por causa de quem não te merece. Vamos começar com uma viagem para um paraíso, primeiro, você vai pisar no inferno, vai passar o natal com seus pais, e eu com os meus, vamos juntas, não se preocupe, depois, um luxo de viagem de Réveillon em Fernando de Noronha, pacote comprado, vamos os quatro!

-- Vocês estão loucos? Isso é uma fortuna!

--O Ed conseguiu um desconto bom, por que agora é blogueiro das estrelas, está todo patrocinado pelas maquiagens caras. – Clarisse retrucou

-- Super vale a pena o investimento gata! Só gente linda, como... Eu, claro. – Ed, fez bico.

-- Nem adianta nos contrariar, não tem reembolso, amanhã vamos às compras! – Cris decretou.

CAPÍTULO 23: LIÇÃO 19 – O PASSADO É UMA ROUPA QUE JÁ NÃO SERVE MAIS

Em cada canto da sala da minha casa estava eu e Marcela. Um silêncio de ansiedade, medo, mesclado a uma vontade gigantesca de abraça-la e sentir o gosto dos seus lábios nos meus de novo. Era um vulcão de sensações fervilhando, e os pensamentos mais diversos. A esperança de que algo enfim tivesse mudado e Marcela estivesse ali para mudar minha vida com um sim para mim, seja qual fosse as consequências que iríamos enfrentar.

-- Marcela, aceita algo para beber, um suco, uma água?

-- Água, aceito água, por favor.

Marcela bebeu a água com avidez, disfarcei para não deixá-la sem graça, mas, percebi que não era só eu que experimentava o caldeirão de sensações fervendo.

-- Então, quer se sentar um pouco? Você disse que precisávamos conversar, estou ouvindo.

-- Você está namorando? Aquela médica da palestra, a Dra. Celina?

Marcela não fez rodeios, não se sentou, nem ao menos terminou me devolveu o copo vazio que segurava. Foi direta, como se colocasse para fora algo engasgado.

-- Nossa, mais direta, impossível. -Tentei ganhar tempo.

-- A pergunta é simples, resposta simples, sim ou não.

-- Posso te devolver com outra pergunta: você ainda está namorando?

-- A sua resposta depende da minha? Por que eu te perguntei primeiro, é tão complicado me responder isso?

-- A questão é: por que eu deveria te responder isso, Marcela? Por que você falou que precisávamos conversar? Se era isso que tinha para me perguntar, poderia me perguntar lá na faculdade mesmo.

-- Poderia? Por acaso você se lembra de como me trata naquela universidade?

-- Como uma aluna? Não é assim que deveria te tratar? Você não me deu escolha, Marcela, eu me dei a você, me coloquei em suas mãos, pedi que me escolhesse, e você disse que não podia.

-- E não tem um meio-termo nisso?

-- Quer que eu seja “a outra”? Sério, Marcela?

-- Para com isso! Eu não sou assim, não faria isso com você, e nem...

-- Ah claro, nem com a sua namorada perfeitinha, ela não merece isso, aquilo que nem merece ser denominado, você definiu como “isso”.

-- Você se apega em cada detalhe, super dimensiona uma bobagem, piora tudo. Eu me referia a amizade, por que eu adoro sua companhia, foi o que me segurou aqui no inicio do semestre, você me inspira, me fez sorrir, cuidou de mim...

-- Não dá Marcela, eu não te quero só como amiga, te quero como mulher.

Eu não sei se fui eu, ou se foi ela, ou se foi algum imã invisível, mas, depois dessa frase, minha boca já estava devorando os lábios de Marcela, beijei-a com todo desejo contido, na minha cabeça uma estrofe de uma música do Charle Bronw Jr fazia todo sentido:

“Eu vou fazer tudo que eu puder, eu vou roubar essa mulher para mim(...) Se não eu, quem vai fazer você feliz?”

Nossos beijos não cessavam, queria sentir o sabor, o cheiro que vinha do seu pescoço quando eu levantava seu cabelo e roçava o nariz ali, ela retribuía, e ali, deitadas no sofá, excitadas, parecia que não havia outro caminho a percorrer pelo nosso desejo. Mas, lá vem o “mas”, aquele fantasma sabia meu endereço, e tocou meu interfone.

-- Abre essa porta, Luiza, saí de casa, deixei Alicinha, voltei para você meu amor.

-- Beatriz, nada mudou nas duas últimas horas, não tem volta entre nós.

Rapidamente liguei para o porteiro e alertei que não deixasse a Beatriz subir, que podia chamar a segurança do condomínio se necessário. Se Beatriz subisse e encontrasse Marcela ali o dano seria desastroso.

-- Você mandaria prender sua ex-namorada?

-- Marcela, você não sabe nada da Beatriz, não sabe da minha história com ela... Além do mais, ela não está no juízo perfeito dela, chega de passado atrapalhando minha vida.

-- Mas, você voltou com outra ex-namorada sua, não é passado também?

-- Danadinha, você! Tudo isso foi jogo para arrancar essa informação?

Brinquei com Marcela abraçando-a por trás, beijando seus ombros. Ela sorriu e insistiu:

-- Voltou ou não?

-- Não.

-- Mas, vocês, ficaram?

-- Marcela... O que está acontecendo aqui hoje? Você ainda está namorando a Laura?

-- A gente não está bem, por vários motivos, e você é um deles.

-- Eu?

-- Sempre foi... Desde que te conheci as coisas mudaram, mas não podia deixar que você fosse a culpada... Mas, eu estou sofrendo, Luiza, do jeito que as coisas estão... Você praticamente me ignorando, saindo com essa Celina, devem ter ficado, pelo jeito que a Beatriz estava irritada...

-- E agora? O que acontece?

-- Preciso ficar livre para vivermos esse sentimento que existe entre nós, pode esperar um pouco mais?

Abracei-a, se ela soubesse que eu já a esperava sem ela saber...

-- Acho melhor te deixar em casa, tenho medo da Beatriz louca estar lá em baixo esperando, e quer saber? Vou pedir o carro de um colega que mora no andar de cima, assim ela não vai seguir o carro.

-- Sério? Ela está assim?

-- Está, ela fez isso no final de semana, foi meio tenebroso sabe, não quero te traumatizar, bebê.

Assim feito, usei o carro emprestado para deixar Marcela em casa. No trajeto, estávamos desarmadas, contive minha vontade de acaricia-la, temi que qualquer gesto do tipo, desrespeitasse a espera que ela me pediu. Mas, ao parar de frente ao prédio dela, em um endereço que eu ainda não conhecia, a iniciativa foi dela de segurar a minha mão e beijar a palma, e em seguida coloca-la em seu rosto, deslizei meus dedos com delicadeza, enquanto ela fechava os olhos, saboreando aquele momento. E no mesmo ritmo selou meus lábios com um beijo doce, encostou sua testa na minha, e sussurrou:

-- Eu te quero muito, de verdade.

-- Eu também te quero, Marcela, de verdade.

Minha alma estava leve enfim. Não fazia a menor ideia de como eu iria agir na universidade, como manter nosso relacionamento em segredo, como seria no grupo de pesquisa, teríamos que esconder de muitas pessoas, mas, o que era o mais importante para mim, era viver aquele sentimento que me tomava inteira, estava me dando conta, que valia a pena arriscar minha zona de conforto para mergulhar em um novo amor, inédito, cheio de novas experiências, e sensações que me enchiam de esperança.

Retornar a universidade tinha um dilema chato: reencontrar Beatriz, no momento louca de pedra, possuída pelo personagem da Glen Cloose em Atração Fatal, e rever minha menina, do sorriso mais lindo e doce do mundo: Marcela. Nessas horas, a gente sabe o valor do amor, ele ganha de todos os percalços menores, Beatriz era um deles.

Até a hora do almoço não vi Marcela, mas, bastou uma mensagem de bom dia, me chamando de “meu bem”, já me fez flutuar pelas nuvens como um duende encantado. Já a Beatriz, essa me achou, na sala dos professores, e pediu que a secretária me convocasse para uma reunião.

-- Pois não, professora, o que deseja falar comigo? – Fui, formal.

-- Que palhaçada foi aquela ontem, Luiza? Fui na sua casa e você não autorizou sequer que eu subisse para conversarmos, eu tinha acabado de deixar a Alicinha, e você, pediu ao porteiro que ele não deixasse eu subir? Acha que sou uma ameaça a você?

-- Sim, você é. Uma ameaça à minha tranquilidade. Beatriz, você precisa entender, não há mais uma história a ser continuada entre nós duas. Tudo que aconteceu entre nós, está no passado.

-- Luiza, eu terminei com a Alicinha, tomei uma atitude. Não era isso que a gente precisava? Não estou te propondo para que tenhamos um romance escondido, eu tive coragem, planejei tudo, demorei por isso.

-- Muita coisa aconteceu nesse tempo, Beatriz, acho que você declarou nosso fim, quando me deixou pela primeira vez. E depois aquela sequência de humilhações com a Alicinha. Sabe aquela roupa que você insiste em usar, antiga, por mais que você reforme, não te cabe mais, não cai bem, você não se reconhece mais. Eu mudei, as coisas mudaram.

-- Está falando da Celina, esse namoro à distância com ela? Luiza, ela vai te trair na primeira oportunidade!

-- Beatriz, você me traiu e nem foi morando em outra cidade. Eu só quero uma coisa de você: paz. Podemos ser maduras, e agir como adultas e profissionais?

-- Não vou desistir tão fácil.

-- Essa é sua escolha, a minha já está tomada.

Sai da sala de Beatriz e recebi uma mensagem daquelas que te arrancam um sorriso dos lábios:

-- Laboratório vazio, capuccino com pão de queijo quentinho no seu gabinete, posso te esperar, meu bem?

-- Voando pra te encontrar

Mal abri a porta do meu gabinete e abracei Marcela, como se não a visse há semanas.

-- Saudades...

-- Eu também, meu bem.

-- Acho que posso me acostumar com isso, que tal virar rotina?

-- Eu ia gostar.

Marcela sorriu, e me serviu os pacotes de pão de queijo, e nos trancamos no gabinete para trocarmos uns beijos antes das aulas da tarde.

-- Você já conversou com a...

-- Calma, Luiza, não estamos bem, é questão de tempo, ainda não nos encontramos por questão de horário de trabalho e faculdade.

-- Não vejo a hora de poder te sequestrar para algum lugar que possamos namorar à vontade, sem medo, livres,

-- Namorar?

-- Acha que sou uma mulher de aventuras?

-- Acho que não mereço uma mulher como você.

-- Eu já acho que te esperei a minha vida toda.

CAPÍTULO 22: LICÃO 18 – ESCOLHA AS BATALHAS QUE VALEM A PENA LUTAR



Uma nova semana se iniciava, e eu bem sabia que ainda teria que enfrentar a repercussão dos ataques de pelanca de Beatriz com a visita de Celina. Mas, eu estava serena para enfrenta-la, isso não queria dizer que não me desgastaria da mesma forma. Ainda no estacionamento, uma figura rara de se ver nos últimos tempos me surpreendeu: Clarisse, que me interpelou:

-- Ei, sumida! Agora só tem tempo para palestrantes importantes, senhora dos artigos A2?

-- Olha só quem fala, aquela que quando namora, é engolida por um buraco negro, lá não pega sinal de celular?

-- Que injustiça, te mandei os parabéns quando vi a publicação do seu artigo mais bam bam bam.

-- Clarisse, você me mandou um GIF, do Chandler do Friends batendo palmas.

-- Ah, que chata, não tem bom humor?

-- Eu não valho dez segundos de toque no teclado do seu celular? Não tem justificativa.

-- Tudo bem, aceito, minha culpa! Vamos almoçar juntas então? Colocar a fofoca em dia? Soube pelos corredores que teve um bafo aí com a Beatriz e a Celina, verdade?

-- Estão falando? Ai meu Deus...

-- Luiza, claro que iam falar, cheio de alunos e professores fofoqueiros, tem até vídeo viu, não duvido colocarem no Youtube.

-- Era só o que me faltava! A Celina não merece isso!

-- Hum... Preocupada com a Celina... Rolou um remember então?

-- Sou uma dama, não vou falar dessas coisas assim em público. – Brinquei.

Enquanto conversávamos, não nos dávamos conta de quem estava perto de nós, só quando Marcela nos ultrapassou nervosa, derrubando os livros pelo chão. Rapidamente nos prontificamos a ajuda-la, e ela falando baixo, sem me encarar:

-- Obrigada, mas, já recolhi tudo, bom dia.

Saiu correndo como um bichinho do mato assustado. Aquilo me doeu de maneira insana, a acompanhei com os olhos até vê-la entrar na sala de aula.

-- Lu, então fica certo nosso almoço?

-- Claro... nos encontramos aqui no estacionamento. – Respondi distraída.

Passado o almoço, falei superficialmente o que acontecera na visita de Celina, focando nos escândalos de Beatriz, e deixei claro que ficamos, não queria que Clarisse desconfiasse de nada em relação a Marcela, por que ela a tinha visto em minha casa. Depois da reunião com o GRUFARMA como sempre fiquei dando orientações para alguns alunos, sempre me estendia até a noite nas segundas. Quando enfim eu pronta para sair do meu gabinete, o encontro que evitei o dia todo se fez bem ali na minha frente: Beatriz estava à porta do meu gabinete, exigindo uma conversa.

-- Não aceito recusa, nós vamos conversar aqui e agora, Luiza.

-- Bom, como você não aceita recusa, não adianta eu dizer que o gabinete é meu e aqui você não manda em nada não é mesmo?

-- Não adianta, a não ser que você queira que seus alunos que estão aqui fora escutem meus gritos.

-- Golpe baixo, está adorando essa fase barraqueira heim? Sabe que odeio esse comportamento, quanto mais age assim, mais me afasta.

-- No amor e na guerra, vale tudo, não é o que falam?

-- É, e para você, isso se transformou mesmo em uma guerra não é Beatriz?

-- Não, você não está entendendo nada, Luiza!

Beatriz praticamente se jogou nos meus pés, imediatamente eu afastei minha cadeira.

-- Opa, que é isso? Beatriz, para de cena! Basta!

-- Cena? Estou enlouquecendo, não percebeu? Luiza, eu não posso te perder! O que foi que nós combinamos meses atrás? A gente se daria uma chance, eu disse que iria te reconquistar...

-- Calma aí... Combinamos? Eu achei que você estava perturbada, mas, agora eu tenho certeza, você tem razão, está enlouquecendo mesmo. Nós não combinamos nada, você me disse que iria me reconquistar, e tudo que fez foi me mandar umas rosas, umas mensagens, trocamos uns beijos, e pelo que sei continua lá com a Alicinha.

-- Estou indo com calma, para que a Alicinha não venha se vingar de você. Aí você simplesmente, volta com sua ex-namorada, a que eu mais odeio! Desde quando estão juntas?

-- Poupe-me dessas suas desculpas esfarrapadas, você não me enrola mais, Beatriz. E quanto a Celina, não é da sua conta.

-- Não? Então é isso, Luiza? Está desistindo de nós?

-- Beatriz, eu já desisti faz muito tempo. Só você não percebeu. Sai da minha sala por favor.

-- Não saio até você me ouvir, eu vou deixar a Alicinha, eu já aluguei um apartamento...

-- Não vai sair? Saio eu, não quero mais te ouvir. Vai deixar a Alicinha, certamente é por sua causa, não por minha causa, eu te conheço, Bia. Vou pedir para um dos seguranças do campus vir fechar a sala, é melhor você sair.

Saí da sala sem olhar para trás, pelo menos por hora, estava encerrada aquela batalha. O que eu não podia supor é que ao sair do laboratório encontraria Marcela, parecia estar sendo pega em flagrante delito, se esquivando atrás de um painel de avisos.

-- Marcela?

Como um meliante que se entregava a uma autoridade, Marcela saiu da pequena penumbra, com a mochila pendurada de um lado só do ombro, com uma mão no bolso da frente da calça:

-- Oi, professora.

Os olhos vermelhos, ainda um pouco ofegante, o buço suado, denunciavam seu nervosismo.

-- Você estava no laboratório?

-- Desculpa professora, eu estava no banheiro, ouvi uns gritos, fiquei sem saber o que fazer, e depois...

Eu não sabia se ria, se ficava constrangida, preocupada ou feliz pelo fato de Marcela ter ficado lá no laboratório pela curiosidade em ouvir o meu bate-boca com Beatriz.

-- Tudo bem, Marcela. Beatriz não estava preocupada com discrição.

-- Ela estava fazendo o que podia para não te perder, cada um faz o que pode...

Marcela falava baixo, me olhando com ar de tristeza, e isso me apertava o coração de uma maneira indescritível, queria colocá-la no colo e abraça-la e não soltar mais. No entanto, o velho instinto de autodefesa deu o ar da graça:

-- “Fazer o que pode” -fiz o gesto das aspas com os dedos - tem parâmetros diferentes para cada pessoa. – Deixei minha mágoa falar.

-- Muito fácil apontar o dedo, para quem está em uma posição confortável com mulheres brigando por você, e você podendo escolher com quem ficar.

-- Duro é não ser escolhida por quem você quer!

Minha batalha com Marcela não houve vencedora, mas eu bati em retirada, fugi do olhar dela que de repente marejou, junto com minha voz embargada. Andei rápido, quase corri para o estacionamento, por pouco não dei conta de achar as chaves do carro na minha bolsa, estava trêmula, joguei as coisas no banco de trás e ao me sentar ao volante, desabei, em um pranto que parecia não ter fim.

Qual não foi minha surpresa quando a porta do carona se abriu, e no banco, Marcela se sentou, limpou o rosto molhado de lágrimas e pediu:

-- Por favor, me leva para algum lugar, a gente precisa conversar.