quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

CAPÍTULO 20: LIÇÃO 16 – SAIBA RECONHECER SEUS ALIADOS

Eu não sabia o que responder a Cris, ela estava certa. Eu estava mesmo fazendo uma sequência de sandices, e agora ela tinha provas, imaginei, de um suposto relacionamento meu com Marcela. Antes da minha amiga continuar a me xingar de palavras de baixo calão e me dar uma lição de moral, resolvi ser sincera:


-- Não me julgue, Cris. Não sei o que você leu aí, mas... Aconteceu algo que eu nunca esperei que acontecesse na minha vida, perdi o controle, me apaixonei por uma aluna, mas, é mesmo uma loucura, é errado, totalmente errado, antiético, ela tem namorada, eu sei de tudo isso, e também sei que perfil fake é ridículo. Resumi tudo. Não precisa me passar sermão.


-- Você é muito ingênua, Luiza. Eu já desconfiava disso, só joguei a armadilha e você caiu direitinho. Não li nada, quem você acha que sou? Você deixou essa página fake aberta outras vezes, a propósito, eu sou a Maíra Almeida, te adicionei, e papeamos faz uns dois meses, e vi que você tinha a Marcela como sua amiga, e como você curtiu as fotos dela na época. Só o que vi, foi a janelinha aqui com o nome dela piscando, e sua página aberta, eu só confirmei minhas suspeitas.


-- Puta que o pariu, Cris!


-- Ah, quando você ia me falar isso? Qual é, deixa de hipocrisia, Luiza! Pode começar a tagarelar os detalhes sórdidos, por que aí tem coisa, viagem juntas, a menina tem namorada, perfil fake, vamos lá, canta periquita!


E como eu já estava mesmo no inferno, dancei com o diabo. Falei tudo, com todos os detalhes novelísticos, regado as cervejas e pizzas que Cris pediu pelo delivery, cardápio mais versão caminhoneira, impossível!


-- Pronto, agora pode me dar a lição de moral que eu mereço. – Falei bebericando o último gole de cerveja.


-- Lição de moral, eu? Garota você está falando com a amiga errada! Certamente a Clarisse surtaria se ouvisse metade dessa história. Nem seria tão complacente como a Celina foi. Mas, eu? Luiza, eu posso não aparentar ser tão romântica, mas, sempre defendi o amor livre, isso inclui a relação entre professor-aluno, empregado-empregador, seja o que for, desde que seja feito dentro de limites, o que tenho certeza que você conhece bem.


-- O que você está querendo me dizer com isso? Você me apoiaria se eu e Marcela...


-- Se vocês namorassem? Claro! Mas... Se ela soubesse o que quer. Lu, pode ser a idade, ou sei lá, ela gosta dessa menina, ou sente culpa... Ou pior, se julga inferior a você. O mais importante nisso que eu acho é que, ela não sabe o que quer, por isso, nesse momento, eu não encorajaria você a tomar nenhuma decisão a respeito dela.


-- Cris, eu não tenho nada a decidir. Não tem nada nas minhas mãos.


-- Claro que tem! Você está solteira, viva sua solteirice, deixa a garota sentir que você não estará para sempre disponível esperando por ela.


-- Quem disse que estou esperando por ela? – Perguntei indignada.


-- Luiza... Desde que você beijou a Marcela, quem você beijou? Em quem você pensou, ou pelo menos sonhou?


-- Paola Oliveira?


-- Ela, não conta! Você está apaixonada pela menina, eu entendo, mas, não dá pra ficar passivamente, em um voto de celibato, enquanto ela está lá namorando, e você enclausurada em um laboratório e no seu apartamento, atrás de um perfil fake de facebook, o que vem depois? Perfil fake do Tinder?


-- Que horror, Cris! Você tem um?


-- Tenho, um de homem, já deu certo... Peguei umas héteros desconsoladas que deu “match”.


Gargalhamos. Naquela noite, Cris dormiu lá em casa, foi bom ter minha amiga de volta, e agora uma confidente sobre meus sentimentos em relação a Marcela. Sobre viver a solteirice e sair do celibato, isso era outra história. Não me sentia pronta, não me sentia disponível, isso seria doloroso, mas, imaginar Marcela com a namorada, era doído também, precisava mexer com ela, a Cris tinha razão.

*****************


Na quarta-feira fui buscar Celina no hotel pessoalmente, conversamos amenidades no trajeto, evitando o assunto constrangedor do nosso último encontro no congresso. O auditório estava cheio, Celina estava à frente de pesquisas avançadas do HPV, depois de conquistar destaque na melhora da terapia anti-retroviral contra o HIV. Os colegas docentes, e profissionais de saúde estavam lá como convidados, além dos estudantes.


Foi uma explanação fantástica. Celina trouxe dados inovadores, especialmente argumentos que destruíam qualquer contra-indicação à vacinação de crianças contra o HPV. Eu estava na primeira fileira, fazendo as honras de anfitriã da casa, apesar de não ser a chefe do departamento, Celina informalmente me incumbiu da tarefa. Fiquei lá sentada, esperando as dezenas de médicos, residentes e professores, cumprimentarem Celina após a palestra, levantei-me apenas para atender o celular e me afastei do barulho, acabei por avistar Marcela, nos fundos do auditório com Jessica e outros colegas do grupo de pesquisa.


Empalideci certamente. Mas, acenei com a mão, já que os demais também olhavam para mim. Falei rapidamente com a hostess do restaurante que me ligara para confirmar a reserva da noite, e voltei para Celina que já me olhava meio que pedindo socorro para as sessões de fotos sem fim com aqueles que a prendiam por ali.


-- Pessoal, a doutora Celina tem compromissos ainda hoje, temos que ir agora, desculpem.


Falei cordialmente, pegando a bolsa de Celina, e ela me acompanhou, cochichando: “Obrigada” - Vi enquanto subia os degraus do auditório, Marcela nos seguindo com o olhar e saindo intempestivamente, sendo acompanhada por Jessica. Logicamente, tal evento não passou despercebido por Celina, que só observava minhas reações, educadamente, não comentava nada.


À porta do auditório, Marcela estava com o rosto molhado, encostada em uma das colunas sendo consolada por Jessica, apertei os olhos para vê-la, quando avistei na mesma direção, Beatriz chegando a galope com seus saltos quadrados e olhos fumegando raiva.


-- Essa outra volta, e a universidade paralisa, sua vida para, Luiza? Suas aulas foram canceladas hoje, por causa dela?


-- Oi, professora Beatriz, como vai? – Celina foi sarcástica.


-- Beatriz, fala mais baixo. Quer falar comigo, vamos para a sua sala, ou podemos conversar amanhã?


-- Você deveria comunicar a coordenação quando vai cancelar uma aula sua!


-- Você vai continuar nesse tom, no corredor do auditório do campus? Beatriz, acalme-se! – Falei trincando os dentes.


-- Agora, que tal, você me cumprimentar com esse sorriso cheio de botox na testa, para as pessoas perceberem que fizemos as pazes? - Celina prosseguiu com o sarcasmo, estendendo a face para cumprimentá-la.


-- Celina, as coisas mudaram por aqui, eu não sou mais aquela coitadinha que você pisava. – Beatriz retribuiu o cumprimento, cochichando.


-- Pronto, agora, vamos dispersar, Beatriz eu vou deixar a Celina no hotel, a minha aula não foi cancelada, ela será reposta, e o ofício comunicando isso, está no e-mail institucional, você deveria tê-lo acessado, mas, tem coisas que nunca mudam.


Beatriz me olhou com fúria, e Celina sorriu vitoriosa. Fui obrigada a passar por Marcela para ir para o estacionamento, e não pude evitar olhá-la: os olhos vermelhos, inchados, eu já reconhecia aquelas marcas naquele rosto lindo. Doeu, especialmente por supor o que poderia estar passando na cabeça dela, e eu não sei por que cargas d’água, Celina ainda colocou a mão na minha cintura e disse:


-- Meu amor, você arrasou com sua ex!