quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

LEIS DO DESTINO: 2ª FASE - Capítulo 13

2.13 Onus probandi
No Direito: Encargo de provar. Expressão que deixa ao acusador o trabalho de provar (a acusação). 

            A suposta alucinação que tivera de Diana perturbou Natalia. A promotora chegou má humorada ao gabinete despertando a atenção de sua assistente e amiga.

- Caímos da cama hoje ou brigamos com a namorada de novo?

- Nenhuma coisa nem outra. Vimos um fantasma ontem!

            Carla arqueou a sobrancelha e Natalia prosseguiu.

- Quando eu acho que estou pronta pra me dedicar à minha relação com Eduarda, quando estamos curtindo o clima de romance puro, essa minha cabeça oca deixa de sonhar com um fantasma e agora a vê nas ruas de São Paulo, é mole?

- A culpa dessa vez não é da sua cabeça oca Nat. Você está se referindo a Diana? Você a viu em frente aquele bar do centro que fomos semana passada?

- Sim, fui lá com a Eduarda ontem depois que saímos do banco... Por que Carlinha?

- Você viu a Diana mesmo. Ela estava no bar comigo.

- O quê?!

- Acalme-se, você está pálida Nat.

- Carla como assim você estava com a Diana ontem?!

- Calma ok? Eu a encontrei na garagem desse prédio ontem. Ela veio te procurar, mas aparentemente desistiu de falar com você, depois que te viu com a Eduarda.

            Natalia levou as mãos à cabeça enquanto a balançava negativamente.

- Ela veio me procurar?

- Sim. Queria te entregar isso.

            Carla colocou sobre a mesa o envelope que Diana lhe entregara.

- O que é isso?

            Natalia perguntou enquanto abria o pacote.

- Diana tirou essas fotos na Verdes Canaviais é da chegada de mais um grupo de homens contratados para trabalhar na fazenda.  Ela roubou de lá esse contrato, pelo que entendi é o que os trabalhadores assinam quando chegam lá para trabalhar.

- Mas porque ela queria me entregar isso?

- Pra ajudar no processo contra o pai. Ela não te procurou só por isso.

- E pra que mais? – Natalia perguntou ansiosa.

- Para te avisar sobre as intenções nefastas de Acrisio Toledo acerca de uma certa promotora que está encabeçando o processo contra ele.

            Carla detalhou a sua conversa com Diana, durante todo o relato o tic nervoso de Natalia, ou seja, seu balanço nervoso de pernas chegou a tirar a concentração da assistente:
- Ai que nervoso! Aquieta-te Natalia!

- Não consigo... Como ela está Carlinha?

- Um pouco abatida, mais bonita, roupas mais femininas, mas, aquele mesmo jeitinho amolecado da época da USP.

- Ela... Perguntou alguma coisa de mim?

- Deeer! Claro né. Já te disse, ela veio falar com você, mas quando te viu com a Eduarda ela desistiu e aí foi quando a encontrei meio desnorteada. Ela me perguntou se você estava feliz.

- E quanto a ela? Ela disse algo?

- Se você está querendo saber se ela falou sobre ela e a Rosana, não, ela não falou e eu não perguntei também. Ela estava muito preocupada com sua segurança, ficou mais tranquila quando falei que o Lucas era o delegado do caso e que pediria proteção para você a ele. Mesmo assim, ela se prontificou a ajudar no que fosse preciso.

- Ela vai ficar no Brasil?

- Não. Ela retorna hoje pros Estados Unidos.

- Que destino filho da mãe esse! Colocar a Diana de novo em minha vida! Diga-me Carlinha, você sabe onde ela está hospedada?

- Natalia, eu sei que conselho não é bom e só serve pros outros, mas mesmo assim vou te dar um: se você quer mesmo investir na sua relação com Eduarda, deixe seu passado com Diana para trás.

- Você acha que não estou tentando? Mas parece uma piada, quando consigo dar um passo a diante, a vida vem e me dar essa rasteira...

- Então continue tentando...

            Carla deixou Natalia pensativa em seu gabinete, e imbuída da tarefa de proteger sua amiga e chefe, procurou Lucas na delegacia a fim de lhe colocar a par dos fatos recentes.

*********

            O outono em Nova Iorque lembrava muito dona Alice. Talvez por isso, Diana parou no Central Park antes de chegar ao seu apartamento no seu retorno à cidade. Perdeu a hora em seu passeio melancólico, que não trouxe à tona só a saudade de sua mãe, mas também a imagem de Natalia.
           
            O rosto de Natalia e a memória recente dela que Diana tinha surgiam em sua mente de uma maneira tão insistente que seria inútil sufocar aquele pensamento. A loirinha nem ao menos sabia se queria suprimi-lo, queria guardar a imagem de Natalia em sua mente mesmo que lhe incomodasse profundamente lembrar-se também da mulher que a abraçava.
           
            Chegou ao seu apartamento à noite, não encontrando mais Rosana lá. Resolveu fazer-lhe surpresa e foi ao Light, onde a namorada se apresentava. Para a cantora, a surpresa não poderia ser mais grata. Ao perceber a presença da loirinha ao lado do palco, Rosana não titubeou em correr para lhe abraçar e beijar-lhe apaixonadamente, confirmando para Dani o que os amigos comentaram sobre o romance das duas.

- Se eu ainda duvidava, Miss Flower acabou com minhas dúvidas. – Dani comentou bebericando sua dose de bebida.

- Dani, se você quer tomar satisfações com ela a esse respeito, dá um tempo, ela perdeu a mãe há pouco mais de um mês, não é o momento. – Liza pediu.

- Não sou esse monstro insensível Liza. Além do mais, eu e Rosana não tivemos nada sério, não por minha vontade, mas por vontade dela, agora entendo o motivo.

            Daniela lamentou com uma expressão insatisfeita observando Rosana abraçada a Diana.

- Não acredito que você está aqui. – Rosana disse.

- Eu te disse que voltaria o mais rápido que eu pudesse não disse? Agora volte para o palco porque a banda já tocou o instrumental inteiro da próxima música...

            Rosana sorriu, beijou Diana mais uma vez e retornou ao palco mais inspirada enquanto a loirinha recebia o carinho e solidariedade dos amigos na mesa, inclusive de Daniela.
*********

            No seu gabinete, Natalia recebeu a visita inesperada de seu antigo amigo Lucas, agora delegado responsável pelas investigações contra Acrisio Toledo.

- É aqui que uma donzela em perigo está precisando da proteção e bravura de um nobre cavalheiro?
            Lucas surpreendeu a promotora abrindo a porta.

- Lucas!

            Natalia levantou-se imediatamente e abraçou o rapaz.

- Desculpe-me, te assustei? Fui entrando porque encontrei Carlinha aqui fora e me pediu que entrasse.

- Não me assustou, não se preocupe, Carla está mais assustada que eu, desde que soube das ameaças de Acrisio.

- É por isso que estou aqui. Ela me colocou a par da situação. E então, o que Diana conseguiu?

- Por melhor que tenha sido a intenção dela, o que ela conseguiu não nos ajuda, quer dizer, nos poupa algumas frustrações e nos deixa mais informados, mas nada que nos ajude no processo. Aquela raposa velha se precaveu muito bem. O contrato que Diana roubou é um termo se associação a uma cooperativa de agricultores, os trabalhadores assinam um contrato de trabalho com essa cooperativa, então não são empregados de Acrisio, porque ele contrata a cooperativa, não o trabalhador diretamente.

- Muito astuto da parte dele, mas  não o livra dos outros crimes.

- É verdade, mas vai ficar muito complicado para descobrirmos algo. O máximo que podemos acusa-lo é de contratar uma empresa que não respeita os direitos dos trabalhadores o FGTS, insalubridade, jornada de 40horas semanais... Apesar de o contrato prever que os cooperados devem renunciar a esses direitos, que na prática não vale nada por que podemos anular esse contrato por conta dessas cláusulas abusivas, mas então, só poderíamos punir o responsável pela empresa terceirizada que presta serviço a Acrisio, ou seja, um laranja que ele colocou lá como testa de ferro da cooperativa.

- É um começo. Quem sabe pressionando-o ele nos dê algo contra o patrão.

- Eu pensei nisso, você precisará chama-lo para depor.

- Farei isso, assim que conseguir uma justificativa, já que não posso intimá-lo por seu nome no contrato que Diana roubou.

- Isso é fácil Lucas. Carla já averiguou, o nome desse laranja e dessa empresa consta nas denúncias do Ministério do Trabalho.

- Ótimo. Mas e quanto à sua proteção doutora? Minha função de herói de moças indefesas ainda é minha prioridade, agora oficialmente!

            Lucas brincou se referindo ao seu passado com Natalia.

- Eu sabia que você teria futuro nessa função. – Natalia retribuiu o tom jocoso.

- Eu sei que de indefesa você não tem nada, mas mesmo assim Natalia, com esse homem não se brinca. Agora entendo a aversão que Diana tinha do pai, ela o conhecia muito bem. Vou deixar dois policiais fazendo sua segurança extra oficialmente.

- Obrigada Lucas, mas não é necessário. Eduarda se apavorou e já contratou dois seguranças que me perseguem praticamente até ao banheiro além do mais, Acrisio não fará nada contra mim, as suspeitas recairiam diretamente sobre ele, isso não seria inteligente, infelizmente ele tem inteligência para não cometer um vacilo desses. Minha preocupação é com outras manobras dele para me prejudicar, riscar minha reputação, ou me pressionar fazendo algo contra minha família.

- É melhor que você esteja preparada para isso então. Alerte sua família também.

- Farei isso. Estou muito feliz por estar trabalhando com você nesse caso, é bom contar com você e principalmente ver que não guarda mágoas nem de mim, nem de Diana.

- No começo eu fiquei muito revoltado com vocês, quando soube que estavam morando juntas e tudo mais, especialmente porque Diana não nos disse a verdade, coube a mim a tarefa de contar ao meu irmão toda a história.

- Foi um erro termos escondido a verdade de vocês, mas a Diana temia perder a amizade de vocês além de querer me proteger da língua do povo, do preconceito...

- Eu entendo hoje, já é fato superado, só lamento ter me afastado tanto de você, da Diana, por imaturidade juvenil.
- Bom, a vida se encarregou de nos aproximar de novo não é?

            Natalia segurou a mão de Lucas e sorriu sincera reiniciando sua relação com o amigo.

********

            Os meses que se seguiram na vida de Diana foram marcados pelo luto e pela saudade, mesclado a tais sentimentos de tristeza, a loirinha amargava secretamente o conhecimento sobre a vida atual de Natalia com Eduarda. Tal mistura de sentimentos jogou Diana no seu estado vulnerável a uma perigosa rotina de bebedeiras que evoluíram para o uso de drogas o que provocou uma crise no seu relacionamento com Rosana que frequentemente passou a resgatar a loirinha de raves badaladas ou de festas particulares das altas rodas de Manhatan nas quais o elemento principal era a oferta de extasy, cocaína e outras drogas mais pesadas.

- Vai ser todo dia isso agora Diana? Aonde vou te buscar da próxima vez? Na delegacia ou em um necrotério? Mas que droga! O que você está fazendo com sua vida?

            Rosana gritava enquanto Diana se refestelava na cama ignorando a preocupação da namorada.

- Diana eu estou falando com você! Essa é segunda vez essa semana que saio desesperada de um show pra te resgatar de uma festa de horror te encontrando sempre assim: chapada! Que merda é essa que você está fazendo? Há semanas você não trabalha se droga e depois passa o dia de ressaca e emenda em outra farra! Você ao menos se deu conta que está atrapalhando meu trabalho com isso? Tudo isso por quê? Pra atingir seu pai, ou para esquecer Natalia?

- Rosana depois nós conversamos me deixa dormir, por favor?

            Diana falou com a voz embolada, cobrindo a cabeça com o cobertor.

- Quer saber? Você quer acabar com sua vida? Faça isso, mas estou caindo fora. A nossa relação você já acabou não vou deixar você destruir minha carreira também.

            Rosana disse isso com a voz embargada, carregada de uma mágoa que corroía sua alma. Abalada se retirou batendo a porta do apartamento de Diana com violência.

            Diana não se deu conta do peso das palavras de Rosana até experimentar todas as recusas da namorada a atender seus telefonemas e responder suas mensagens, assim como se negou a conversar pessoalmente, mantendo-se firme na decisão de não apoiar o novo estilo de vida da fotógrafa.

            O aniversário da loirinha foi a desculpa para seus amigos das últimas farras, promoverem uma festa surpresa no seu apartamento. A festa nos moldes das que Diana frequentara recentemente não podia ter outro atrativo que não fosse um festival de drogas ilícitas, nas quais, Diana abusou do uso sem qualquer controle.

            O resultado não podia ter sido mais desastroso. Pouco antes de Diana ter alucinações nas quais as vozes e rostos se desconformavam, e tudo que ela enxergava era Natalia em sua frente com Eduarda, a loirinha achou uma foto de Natalia que recuperara na visita ao seu apartamento em São Paulo. As alucinações precederam a tontura, a visão nublada, o aperto no peito e por fim a perda dos sentidos.

            Os convidados de Diana sequer perceberam o estado da aniversariante. Para a sorte da fotógrafa, Gerard, seu amigo, resolveu visitar a amiga e cumprimentar lhe pela data, e se horrorizou com o cenário que encontrou. Seu horror se transformou em desespero ao se deparar com Diana tendo espasmos pelo corpo no canto da sala. Ao se aproximar da amiga, Gerard atestou que Diana convulsionava, aflito ligou imediatamente para a emergência.
******
            Diana despertou cercada por rostos apreensivos. Seus amigos: Gerard, Marco, Liza e Dani aguardavam com expectativa que a amiga acordasse.

- Seja bem vinda de volta Diana!

            Gerard saudou a amiga que franziu a testa tentando entender o que se passava.

- Onde estou?

- Em um quarto de hospital.

            Diana arqueou a sobrancelha assustada.

- Você teve uma overdose Diana. O Gerard salvou sua vida, porque aqueles viciados os quais você chama de amigos sequer perceberam que você estava inconsciente no chão do seu apartamento!
            Daniela falou revoltada.
- Dani, calma... – Liza ponderou.

- Não posso estar calma Liza. Diana o que você está fazendo com sua vida? Essas porcarias que você tem cheirado, fumado, injetado, bebido ou sei lá mais o que não são novidades para você! Sabe o efeito delas, já experimentou, até usamos juntas e concordamos que é a pior porcaria da face da terra, o que deu em você para embarcar nessa? Tudo bem você está triste, perdeu sua mãe, está brigada com seu pai, mas que droga você não é mais uma adolescente rebelde!

            Diana não tinha argumentos. Sequer conseguiu encarar os amigos.

- Minha pequena somos seus amigos, não importa o tamanho do seu problema, queremos ficar ao seu lado para te ajudar no que for preciso, você não precisa de drogas para isso. – Marco falou segurando a mão de Diana.

- Você ficará aqui alguns dias para desintoxicação, depois os médicos vão decidir o que é melhor para você, que tipo de tratamento você vai precisar. E nós vamos nos revezar para cuidar de você. – Liza explicou.

- Considere isso como uma intervenção sua louca! – Daniela disse emocionada, abraçando a amiga.

- Eu só posso pedir perdão a vocês.

            Diana não conseguiu prosseguir, se entregando ás lágrimas. Mais calma perguntou com um tom triste.

- Alguém poderia avisar a Rosana que estou aqui?

- Já avisamos. – Gerard disse. – Ela foi a primeira, a saber.

            Diana baixou os olhos, amargando a decepção de não ter Rosana ali ao seu lado.

- Ela tem os motivos dela para não estar aqui. – Diana comentou.

- Tenho, mas os ignorei e estou aqui.

            Rosana disse se aproximando do leito de Diana. As duas trocaram um olhar que falou muito, o suficiente para Gerard dizer:

- Gente, vamos dar um tempo para as duas conversarem a sós.

            A sós com Diana, Rosana desabafou:

- Acho que você chegou ao fundo do poço não é?

- Como nunca imaginei chegar.

- E agora? Vai aproveitar o impulso da queda para sair do poço ou vai continuar se afogando?

            Diana não respondeu. Mais uma vez baixou a cabeça, como se a vergonha pesasse sobre ela.

- Você sabe onde eu estava quando você acordou?

            Diana meneou a cabeça.

- Na capela do hospital. Conheci você em uma, lembra?

- Hurrum.

- Eu me lembrei do nosso primeiro encontro, da menina marrenta e cheia de vida que conheci e demorei a aceitar que era a mesma que estava aqui depois de uma mostra de autodestruição.

- Perdão Rosana.

            Diana desabou no choro. Sem hesitar Rosana acolheu-a em um abraço confortador.
- Não é a mim que você tem que pedir perdão, é a si mesma.

- Eu preciso de você Rosana, fica comigo, não me deixa...

- Diana não é hora de falarmos sobre nós, você tem que se concentrar em se recuperar...

- Essa é a hora, por que preciso recuperar minha vida, e isso inclui recuperar você em minha vida.

- Di, estou aqui não estou? Vou te ajudar no que for preciso.

- Então, vem morar comigo. Quero você do meu lado todo tempo. Quero acordar com você, dormir com você, senti tanta falta disso. Fica comigo, me perdoe pelo que fiz conosco e volta pra mim.

            Rosana não estava convicta que a motivação de Diana era a certa para retomar seu relacionamento com ela, mas pelo amor que sentia, não podia recusar o pedido da loirinha e assim, mudou-se para o apartamento de Diana imediatamente após sua alta.