Aconteceu Você

CAPÍTULO 1: O INÍCIO DO FIM

Sabe aqueles dias que você acorda e acredita com todas as forças que tudo vai dar errado? O despertador não toca você levanta atrasada, de ressaca, tropeçando nos sapatos jogados perto da cama, do chuveiro só sai água fria, diante do espelho você percebe uma espinha monstra que parece ter o poder de canalizar seu cérebro no meio da sua bochecha! Aquele terninho de listras que tem o poder mágico de te emagrecer dois quilos parece simplesmente ter evaporado, no lugar dele, aquela calça que antes te deixava gostosa, agora denuncia seus indesejáveis pneuzinhos, que mais lembram as bordas de catupiry de uma pizza...

Foi mais ou menos assim que o dia que até então eu julgava ser o pior da minha vida começou. Uma reunião importantíssima no jornal que eu trabalhava já devia ter iniciado, enquanto eu me estressava em um engarrafamento típico de segunda-feira. As buzinas dos carros misturadas a gritos desaforados de motoristas revoltados com as “barbeiragens” dos motoboys que faziam zig zag entre os carros aumentavam ainda mais minha dor de cabeça resultante de algumas garrafas de vinho ingeridas na noite anterior. Nem atendi mais às chamadas do meu celular, desculpa típica de funcionário atrasado é o engarrafamento de início de semana no principal acesso ao centro da cidade, preferi poupar meus tímpanos dos gritos da minha chefe implorando para a Márcia justificar meu atraso.

Como eu maldizia interiormente minha amiga Renata pela idéia brilhante do clube das luluzinhas numa noite de domingo. Péssima idéia unir quatro mulheres solteiras, todas magoadas com seus respectivos namorados e ex-namorados e garrafas de vinho a disposição delas. Eu que curtia a forsa pelo bolo dado pelo meu noivo, que mais uma vez como que sugado por um buraco negro sumira todo o fim de semana e inexplicavelmente os dois celulares permaneceram desligados, afoguei minhas suposições no Porto trazido pela Eveline.

Uma hora e meia depois, consegui chegar ao prédio do jornal, equilibrando maleta do laptop, bolsa, e uma pilha de pastas com a pesquisa solicitada pelo meu editor para uma série de reportagens a ser desenvolvida pela equipe de política internacional. Nem preciso dizer que a reunião já havia sido encerrada, Marcinha correu em minha direção trincando os dentes dizendo com os olhos esbugalhados:

- - Onde você estava sua louca? Vou logo dizendo, a Cuca está fumando dois cachimbos pelas narinas!

- - Marcinha preciso me esconder! O que vou dizer a ela? Chefinha minhas amigas resolveram me dar um porre depois do bolo que seu querido sobrinho me deu no fim de semana, acordei de ressaca, perdi a hora e a reunião. Dessa vez a Cuca vai me pegar amiga!

Entre os funcionários, Izabel Carvalho de Alcântara, editora chefe do jornal O Dia, tinha o codinome de Cuca. Pois é, a Cuca, do sítio do Pica-Pau Amarelo, tudo isso por causa do seu humor de cão, unido ao avantajado quadril da senhora de cabelos com franja assanhada, lembrando a primeira versão da personagem do programa infantil da Globo.

Enquanto eu me desesperava no desabafo com Marcinha nem percebi os grandes olhos azuis de minha amiga arregalando-se ainda mais como se quisesse me dar algum sinal.

-- Que foi Marcinha? Fala garota!

-- Alexandra Castro! A senhorita pode me explicar por que não estava na reunião de duas horas atrás?

A voz irritante e cheia de fúria de Izabel surgiu me provocando pavor, apertei os olhos provando o amargo de uma bronca que eu receberia logo mais.

Segui a poderosa Cuca até seu escritório, senti os olhares da redação sobre mim no trajeto, nenhum sinal do meu digníssimo noivo, colunista daquele jornal. No escritório fui acomodando minha bagagem pelas poltronas sob o olhar aterrorizador da minha chefe.

-- Muito bem Alexandra, nem quero ouvir suas explicações absurdas, por que delas estou saturada. Vou ser curta e grossa.

O tom daquela mulher horrorosa não me surpreendia em nada, especialmente o fato de ser curta e grossa isso ela era sempre.

-- Esses anos que você trabalhou aqui me esforcei ao máximo para te dar todas as chances possíveis, fechei os olhos para suas mancadas, ignorei suas trapalhadas, como quando você enviou o nosso repórter policial para cobrir o assassinato de Belchior, quando o tal era ao invés do cantor, um touro de exposições.

-- Aquilo foi um terrível engano Izabel. Mas, eu achava que seria um furo jornalístico, já que ninguém se quer sabia que ele havia morrido.

-- Talvez por que ele continuasse vivo não é Alexandra!

-- …... Pode ser...

-- Continuando, eu mudei você de setor, troquei de cargo, mas não adiantou minha filha pra que você fez jornalismo? Você não nasceu para isso!

-- Izabel, já conversamos o que gosto é de escrever, você não me deixou passar da sessão de obituários.

-- Por que até lá você fez confusão Alexandra! Você trocou a folha de obituários pelos classificados de carros usados, a catedral lotou para a missa de corpo presente do Fusca 76!

-- … foi. Mas, o padre até que gostou, esse dia era missa do dizimista, aumentaram muito as ofertas.

-- Alexandra!

--Desculpe-me chefe, pode continuar.

-- O fato é que fiz tudo que estava ao meu alcance, não por sua causa, mas por causa do meu sobrinho Fernando, já que vocês ficaram noivos, fui déspota, e te mantive aqui. Mas dadas as circunstâncias, não vejo por que mantê-la aqui.

-- Que circunstâncias?

-- As circunstâncias que fatalmente farão meu sobrinho terminar o noivado com você, ou você se tiver um pingo de amor próprio fazer isso.

-- Mas por que eu terminaria o meu noivado com Fernando?

-- Como assim? Você não está sabendo? Que tipo de jornalista desinformada é você Alexandra?

-- Sabendo do que Izabel?

Que pergunta infeliz. Duro foi saber do que a Cuca estava falando, aliás, ela não falou, ela jogou na mesa, a revista de fofocas semanais da editora com uma capa escandalosa: meu viril noivo, o jornalista Fernando Alcântara, flagrado com um famoso cantor trocando carinhos no mínimo estranhos numa romântica pousada em Campos de Jordão.

-- Está nessa revista, e em muitas outras, por isso nem pude impedir a publicação, está na internet, até em programa de fofoca na TV isso foi divulgado.

Eu olhava embasbacada, ainda desacreditando no que estava diante dos meus olhos, e afinal, não era só eu a desinformada, minhas amigas eram tão alienadas quanto eu, já que nenhuma soube da fofoca do momento.

-- Quando essa foto foi tirada?

-- No último sábado, Fernando continua viajando, depois do escândalo, preferi dar uns dias de folga a ele... Vai me mandar por e-mail a coluna dele.

-- Mas ele não vai se quer me dar uma satisfação? Explicar essa foto?

-- Querida que explicação você precisa?

Nesse momento, a secretária de Izabel entra na sala, e avisa:

-- Dona Izabel, é melhor a senhora ligar a TV no canal 5, a senhora vai querer ver isso, e acho que Alexandra também.

Pronto, minha humilhação fora oficializada em cadeia nacional. O famoso cantor de Axé Music, Xandão Lemos, assumira sua homossexualidade e seu relacionamento com meu noivo numa entrevista a uma famosa apresentadora de programas de fofocas diário.

Eu apertava os olhos, ajeitando meus óculos de grau, duvidando dos meus sentidos, visão nunca foi meu forte, mas a audição também estava me traindo, escutar aquilo foi surreal para mim. Nem ao menos tive tempo de me apropriar da dor da humilhação, quando fui sugada pela delicada voz aguda de minha chefe:

-- Explicado o suficiente para você Alexandra?

-- Eu... Eu...

-- Bom, como eu estava dizendo antes de ser interrompida, dadas as circunstâncias, não tenho que dar emprego a ex-noiva de meu sobrinho gay, portanto Alexandra, você está demitida.

-- Hã?

-- É isso Alexandra, passe no departamento de pessoal, recolha suas coisas, e boa sorte para você.



CAPÍTULO 2: Meu mundo caiu

Eu mal tinha forças para me levantar daquela poltrona, de repente me senti uma anã que mal alcançava o chão, afundada naquela cadeira, de tão pequena que me sentia pela dupla humilhação. Lentamente fui tateando minhas coisas, a ponto de pedir que a própria Cuca me beliscasse e me fizesse acordar daquele pesadelo. Saí do escritório da minha ex-editora chefe atônita, meio tonta, ainda assim percebi que cada passo meu era vigiado pelos meus antigos colegas por certo penalizados com minha situação. No fundo do corredor, Marcinha estampando na face um óbvio: “Tadinha...”.

-- Amiga, e aí? Você assistiu? Precisa de ajuda?

-- Eu... Eu... Onde é o departamento de pessoal?

--Ela te deu férias? Enfim alguma bondade nessa bruxa!

--Não... Ela me demitiu.

-- Meu Deus!

-- Eu... Preciso ir Marcinha.

Eu nem ao menos sabia que caminho seguir pelo prédio, que dirá pra minha vida dali por diante. Entrei no elevador deixando cair pastas, e ignorando-as no chão. Caminhando pela calçada mais parecia um zumbi, ironicamente, eu só conseguia ver as pessoas folheando as revistas de fofoca com minha humilhação estampada.

Minha volta pra casa pareceu nem acontecer, dirigi de uma forma automática, pra minha sorte não ultrapassei nenhum sinal vermelho, e suponho que algumas buzinas insistentes e desaforadas eram para chamar minha atenção, mas eu sequer me incomodei. Subi para meu apartamento pelas escadas, para continuar meu dia de cão, o elevador do meu prédio acabara de emperrar. Fingi não perceber os cochichos do porteiro e de algumas vizinhas fofoqueiras que conheciam meu noivo, a essa altura meu ex-noivo.

A repercussão do meu “chifre” teve proporções de Big Brother. Os meus telefones não pararam de tocar um instante, recebi telefonemas de amigos, de revistas de fofocas, e pra meu constrangimento total, de minha família.

Meus pais depois de aposentados resolveram assumir a condição de turistas profissionais, e mesmo numa excussão de pescadores ao Pantanal, souberam da minha tragédia sentimental, minha mãe famosa por falar pelos cotovelos ao telefone só chorava penalizada com minha situação, e meu pai berrava do outro lado xingando o meu ex-noivo Fernando.

Não me faltava nada pior acontecer, ao menos era isso que eu pensava. Afundada entre os travesseiros e o edredom, gastei uma caixa de lenços chorando minha decepção. Exausta acabei dormindo, acordei no susto com a campainha sendo tocada insistentemente. Aos tropeços levantei, e eis que abro a porta pras luluzinhas... O trio das meninas super-poderosas, as minhas melhores amigas desesperadas por notícias minhas:

-- Alex! Menina pensei que você estivesse morta! Imaginei o pior! Que você tinha se afogado no chuveiro, eletrocutada pelo secador, se intoxicado com coca-cola... -- Disse Marcinha enxugando o suor do rosto.

-- Ai falou a exagerada! Amiga como você está? -- Perguntou Renatinha preocupada, me abraçando.

-- Como vocês acham que estou? -- Perguntei já me deitando no sofá.

-- Ai tadinha da minha amiga...

Eveline já se aproximou do sofá me dando colo, as três ficaram levantando possibilidades, variaram do xingamento ao Fernando, até o escracho com a Izabel. Acomodaram-se pelo meu apartamento e naquela noite dormiram comigo. Naquela noite eu precisava mais do que nunca da loucura adorável das minhas amigas para acreditar que o dia enfim precedia outro melhor.

Os dias seguintes ainda me reservaram outra desagradável surpresa. A dona do apartamento que eu morava me ligou comunicando que não renovaria meu contrato de locação, uma vez que precisava do apartamento para seu filho que estava se mudando para a cidade com a mulher. ”timo: traída, sem noivo, sem emprego e sem teto.

Era hora de sair do casulo que se transformou meu apartamento e correr atrás do prejuízo, procurar emprego e agora outro lugar para morar. E quem achava que a notícia de hoje embala o peixe do mercado amanhã quebrou a cara... Descobri que minha humilhação pública ainda era manchete, e minhas entrevistas de emprego se tornaram entrevistas de fofocas, suspeitei também que minha credibilidade como jornalista fora abalada pela demissão do jornal o Dia.

Um mês se passou, e nada na minha vida mudou, exceto a minha despensa, que agora estava vazia, meu estoque de chocolates estava agora depositado na minha cintura, e as caixas de valium, pondera, e todos mais de tarja preta que eu guardava no meu armário não bastavam para devolver meu bem estar.

Até que, recebi um telefonema inesperado:

-- Alexandra?

-- Sim.

-- Não está reconhecendo minha voz?

-- Desculpe-me, mas não, e vou adiantando, se for algum colega de faculdade querendo entrevista, não tenho nada a declarar.

-- Ei sardenta! Calma aí!

O apelido de infância me chamou a atenção.

-- Quem está falando?

-- Pensei que eu fosse mais marcante... Não lembra mesmo Alex?

-- Ai... Não...

-- Sardenta, sardentinha, onde mais você tem essas pintinhas?

O refrãozinho infame me reportou à minha infância no interior, não podia ser outra pessoa que não o meu amigo Daniel.

-- Dandan?

-- Ai finalmente! Eu mesmo Alex! Como vai minha amiga?

-- Se eu te contasse você não acreditaria Dan...

-- Não precisa me contar, sua mãe me falou tudo...

-- Por que não herdei esse talento jornalístico de minha mãe? Ela te achou e ainda atualizou você sobre minha desgraça?

-- Não seja tão maldosa com sua mãe sardenta! Ela está preocupada com você, normal, e nos encontramos num cruzeiro pelo nordeste, só por isso eu estou sabendo do que aconteceu.

-- Ah entendi... Mas então Dandan, por isso você me ligou?

-- Na verdade amiga, estou ligando pra te fazer uma proposta.

-- Que proposta?

-- De trabalho... Não sei se você sabe, mas atualmente sou o secretário de cultura da cidade, e estou com um projeto de abrir um jornal local, e gostaria que você fosse minha editora chefe. O que acha?

A proposta era estranha, mas não poderia ter chegado à melhor hora. Mas mudar-me para o interior nem de longe estava nos meus planos. O interior fora cenário de minha infância, onde meus avós tinham um belo sítio. Daniel era um dos maiores motivos das boas lembranças de lá. Um amigo divertido e leal, não mantivemos contato nos últimos cinco anos, desde o final da minha faculdade, quando visitei o interior para o enterro de minha avó. Entretanto, nada me prendia aquela cidade, e a oportunidade de fugir do escândalo e começar uma vida nova. Meio que de supetão respondi:

-- Acho ótimo! Quando começo?

-- Assim que se fala sardenta!



CAPÍTULO 3: Pé na estrada



Nem me dei conta da decisão que acabara de tomar, mas nem todas as decisões que tomei na vida com toda cautela resultaram em sucesso para mim, não tinha nada a perder mesmo, então era hora de colocar o pé na estrada, rumo à Nova Esperança, o nome da cidade afinal podia representar um sinal para mim, era disso que eu precisava.

Apesar dos protestos infindos de minhas super amigas, arrumei minhas coisas o mais rápido que pude e em uma semana estava com minhas malas no carro, partindo para o interior e para uma vida nova também em Nova Esperança.

Depois de dirigir por cerca de cinco horas, cheguei enfim a meu novo endereço. Como eu esperava, pouca coisa havia mudado desde minha última visita. Nova Esperança era uma cidade pacata, pela forte presença de imigrantes europeus, as casas tinham uma arquitetura clássica, que lembrava o estilo holandês, com casas estreitas e com dois andares no mínimo, dando um charme especial naquela atmosfera de clima ameno e povo tranqüilo caminhando pelas ruas, caracterizando o cenário bucólico de minha infância.

Como orientada pelo Daniel, segui para o prédio da secretaria de cultura, onde ele trabalhava. Na verdade não era um prédio, era uma casa antiga, com um grande jardim à sua frente, varanda espaçosa, localizada no fim da rua central da cidade. Logicamente a chegada de alguém “estrangeiro” à cidade chamou a atenção dos funcionários da secretaria de cultura, ao me dirigir à senhora alva de olhos verdes, sentada atrás de uma mesa, já senti o que me esperava ali:

-- Bom dia, eu gostaria de falar com o Senhor Secretário, Daniel Rosembaur.

-- Bom dia, quem é você?

Meio surpresa com a “sutil” curiosidade da mulher que eu julgava ser a secretária do Daniel, fiquei sem graça, mas, respondi:

-- Alexandra Castro, uma amiga.

-- Então é você!

A senhora levantou-se imediatamente da cadeira, abraçando-me como se recebesse uma velha conhecida, em seguida berrou:

-- Dandan meu filho, a Alex chegou! Desculpe Alexandra, mas você está com fome, deve estar cansada da viagem, perdoe-me devia ter adivinhado que era você, mas só esperávamos sua chegada para a segunda-feira.

Constrangida com a repentina intimidade demonstrada pela mulher, eu apenas sorri enquanto reconhecia o Daniel saindo de uma sala com um sorriso largo e os braços abertos em minha direção:

-- Sardenta!

Daniel estava bem diferente do que eu me lembrava, desde nosso reencontro há cinco anos. O jovem franzino e alto, deu lugar a um homem de músculos mais definidos, e o óculos elegante deu-lhe um ar intelectual, a pele clara, os olhos azuis e os cabelos com poucos fios brancos, transformou-o num homem bonito e atraente, bem parecido com um galã de cinema europeu. Abraçou-me com a saudade sincera de um amigo verdadeiro, aquele acolhimento para mim gerou em mim o sentimento que tinha tomado a decisão certa em aceitar o convite.

-- Fez boa viagem Alex?

-- Sim amigo, fiz, obrigada.

-- Berta vou levar Alex para se acomodar, está tudo pronto lá?

-- Está sim Dandan, tudo como você pediu. Espero que você goste Alex.

-- Obrigada. -- respondi ainda tímida.

Daniel me conduziu até a casa que preparara para me instalar. Um agradável sobrado a algumas ruas dali. Os tijolos vermelhos, e as janelas brancas já conquistaram minha simpatia, esbocei um sorriso quando meu amigo apresentou-me a minha nova residência:

-- Espero que você goste Alex da sua nova casa.

-- Tenho certeza que vou gostar Dandan.

Daniel foi me ajudando com as malas e entramos no sobrado. Decoração caprichada, e uma sala de visitas após um rol de entrada equipado com sofás quadriculados, e uma poltrona aconchegante perto de uma lareira. Ao lado um pequeno corredor que dava acesso a uma sala de jantar conjugada com a cozinha, na lateral uma porta que dava acesso a um lavabo. Depois da cozinha outra porta separando do que seria uma área de serviço que era praticamente o tamanho do meu apartamento inteiro na cidade. O quintal ainda abrigava uma mesa e bancos de madeira debaixo de uma mangueira frondosa. No primeiro andar, meu quarto, espaçoso, com um banheiro enorme, provido com uma banheira com formato clássico, antigo, as cortininhas do box davam o charme. No sótão, Daniel montou um pequeno escritório, o que achei um gesto a mais de carinho, a vista do sótão era linda, minha mesa ele posicionou diante da janela que me mostrava à paisagem de um dos lagos da cidade, cercado por árvores altas e vistosas.

-- Dandan está tudo mais que perfeito!

-- Ah sardenta! Que bom que você gostou! Berta fez algumas compras para você, mas como não conhecíamos seu gosto não compramos muita coisa, mas ao menos café eu lembrava que você gosta, que tal tomarmos um agora para colocarmos o papo em dia? Eu mesmo faço enquanto você toma um banho, deve estar cansada depois de dirigir por tanto tempo.

-- ”tima sugestão Dandan.

Meu banho foi demorado, ao descer encontrei uma mesa posta, além do café, Daniel preparou panquecas, e as recheou com geléia:

-- Que homem prendado meu Deus! Quer casar comigo?

Daniel sorriu e puxou a cadeira para eu me sentar como um perfeito cavalheiro. Depois de escutar o que acontecera comigo, ele tratou de me animar, explanando quais seus planos para o jornal:

-- Alex, minha pretensão é realizar algo diferenciado. Não é só uma publicação interiorana falando das notícias da cidade e da região, quero fazer desse jornal um espaço de cultura e arte, por isso quero que integre a participação das escolas, e da nossa universidade.

-- Acho uma proposta inovadora e desafiadora amigo, e estou animada para começar. Quero me reunir com a equipe o quanto antes, e começarmos com todo gás para publicar o primeiro número rapidamente.

-- ”timo! Preciso de uma edição piloto para o final da próxima semana, para articular patrocinador.

-- O quê! Próxima semana? Está louco?

-- Seu primeiro desafio amiga... Vou reunir a sua equipe e hoje no final da tarde você já os conhecerá.

O café delicioso e as panquecas preparadas desceram amargos, tamanha foi minha preocupação com o prazo que meu novo chefe acabara de me dar. Como combinado no final da tarde, cheguei à secretaria de cultura para conhecer minha equipe. Berta já foi me avisando:

-- Estão na sala do Dandan querida, pode entrar, esperam só por você.

Ao entrar na sala, deparei-me com quatro pessoas e o Daniel, cordialmente cumprimentei a todos depois que meu amigo me apresentou, sentei-me em volta da mesa ali disposta e perguntei:

-- Então, os outros demoram a chegar para iniciarmos a reunião?

-- Outros? Que outros Alex? – Indagou Daniel.

-- O resto da equipe Daniel.

Daniel sorriu, fez uma careta e respondeu:

-- Querida, esta é toda sua equipe.

Arregalei os olhos e pelo susto acabei derramando o copo d’água em cima dos papéis sobre a mesa.

-- Essa é Fernanda, vai trabalhar como repórter. Artur nosso fotógrafo. Luiza, diagramadora e revisora e o Marcos que vai te ajudar na edição, pesquisa, e em tudo mais que for preciso, é nosso estagiário.

-- Mas Daniel, só um repórter?

-- Não se preocupe Alexandra, nessa cidade não acontece muita coisa, eu dou conta. -- Disse Fernanda sorrindo para mim.

Todos da minha grande equipe pareciam animados, e nem um pouco assustados, isso de certa forma me motivou. Definimos uma pauta para nossa edição piloto, já que a cidade se preparava para comemorar a semana do município, nossa edição especial ia retratar toda história, além de enfatizar seu desenvolvimento e prospecções. De acordo com a pretensão do meu chefe e amigo, sugeri que fosse feito na semana um concurso de redações no ensino fundamental e médio nas escolas públicas sobre a cidade, poesias talvez, para publicarmos.

Já à noite concluímos nossa primeira reunião. Daniel me esperava na porta da secretaria com um convite:

-- Alex, hoje é sexta-feira, ninguém merece passar uma noite de sexta em casa...

-- Qual a programação?

-- Aqui não tem muitas opções, então, vou te apresentar a melhor de hoje, vamos?

-- Sim vamos!


CAPÍTULO 4: Novos amigos




O lugar não era muito convencional, no percurso já percebi isso, seguimos por uma estrada de terra por cerca de meia hora, chegando numa espécie de chácara, ao entrarmos pelo portão, o aspecto era de um barzinho normal, estava lotado, as mesas estavam espalhadas dentro da casa e pelo jardim, ao final um palco com uma banda tocando rock dos anos 80, gente bonita e descontraída, desenhavam um agradável cenário para diversão.

De longe Daniel acenou para alguém em segundos um jovem bonito se aproximou, não devia ter mais de vinte e dois anos, músculos bem definidos, mas não exagerados, não era alto, e os traços do seu rosto moreno eram de uma beleza encantadora, especialmente seu sorriso que se abriu sincero para mim:

-- Alex, este é Diego, meu namorado.

-- Muito prazer Diego. Ops... Seu o quê Dandan?

Não consegui disfarçar minha surpresa, apertando a mão do rapaz, arregalei os olhos e quase me engasgo com minha própria saliva. Daniel sorriu, e Diego também.

-- Dan, não é assim que se faz esse tipo de revelação, sua amiga ficou assustada.

-- Gente me desculpe, não tenho nada contra, só me pegou de surpresa a revelação...

Muito constrangida tentei remendar minha reação, caminhamos até uma mesa onde outras pessoas estavam sentadas, entre os dois que me abraçaram na tentativa de me deixar à vontade. Na mesa, todos bebiam, riam de uma maneira leve, ao notarem nossa chegada, as atenções se voltaram para mim, quando Daniel me apresentou:

-- Pessoal essa é a Alexandra, podem chamar essa sardentinha de Alex, chegou hoje à nossa cidade, vai ser a editora chefe do jornal que vamos inaugurar. Minha amiga de infância!

-- Oi gente. -- Falei tímida.

Gentilmente um dos rapazes, deu seu lugar na mesa, oferecendo sua cadeira:

-- Sente aqui conosco Alex, seja bem vinda a nossa máfia! Muito prazer eu sou Leandro.

Sorri agradecida o gesto do rapaz negro que usava um cavanhaque charmoso e cabelo cheio de estilo, que lembrava um cantor de reggae. Sentada, fui escutando o Diego anunciar o nome das outras pessoas da mesa.

-- Alex esse cara chato ali no centro da mesa é o Mário, vizinho a ele a santa da namorada que agüenta ele a Lígia; perto dela as fofas Clara e Isabelle, Paulo e Luís, aí do seu lado: Danielle, Luíza e o Beto.

Todos sorriram uns mais simpáticos que outros, mesmo assim me senti acolhida. Não tive coragem de perguntar se haviam ali mais casais “especiais”, apesar de vir de uma cidade grande, meu meio sempre foi hetero demais, temi não saber agir naturalmente, puro preconceito confesso. Diego e Daniel se esforçaram para me integrar nos assuntos, falando do relacionamento deles e da vida deles na cidade.

-- Sou estudante de medicina Alex, minha família é super tradicional, e pelo fato do Dan ser uma pessoa pública, não tivemos como esconder nosso relacionamento por muito tempo. Mas procuro evitar o choque das pessoas, e nos refugiamos nesses lugares alternativos. Essa chácara é de um casal de amigas nossas, artistas da região sempre promovem eventos aqui, acabou sendo um espaço nosso se é que você me entende.

-- Mas então, se trata de um bar gay? -- Perguntei constrangida.

-- … um bar de gente inteligente Sardenta... Nem todos aqui são gays, mas gostam de boa música, curtem dança, teatro e um clima agradável aqui têm tudo isso. -- Respondeu Daniel.

A noite seguiu leve, senti falta das minhas amigas, àquela altura a Renatinha já estaria bêbada se queixando pelo tanto de homens lindos acompanhado de outros igualmente atraentes. Basicamente fui uma boa ouvinte na mesa, o Leandro tinha um astral maravilhoso e me arrancou muitas risadas enquanto Danielle tratava de aumentar o teor alcoólico do meu sangue me trazendo bebidas diversas.

O intervalo da banda deu lugar a uma apresentação acústica do Beto, a mesa toda se converteu rapidamente no fã clube particular do rapaz magro de aparência nerd da turma. Já meio tonta pedi licença e fui até o banheiro, mal sabia eu o que representava o banheiro em um “bar inteligente” como definiu meu amigo. Ao abrir a porta me deparei com duas mulheres trocando um beijo quente encostadas no espelho, não notaram minha presença, por um momento hesitei em entrar em um dos boxes andando para trás, visivelmente perturbada com a cena, e tonta, tropecei em um tapete, e fui salva de uma queda por braços firmes e ágeis.

-- Bem a tempo donzela!

A voz era suave, o cheiro cítrico que eu senti me arrepiou, virei-me devagar ainda envolvida naqueles braços de pele macia e encontrei os olhos castanhos claros e brilhantes mais lindos que eu já tinha visto em toda minha vida.

Com algum esforço me coloquei de pé ficando de frente para uma mulher tão bela quanto o par de olhos que me encantou, no mesmo momento que o casal que antes se beijava, interromperam o beijo dando atenção às “intrusas” naquele banheiro.

-- Você está bem? – Perguntou a mulher.

Balancei a cabeça afirmando que estava bem, fascinada pelos olhos castanhos brilhantes definidos por sombracelhas bem delineadas, boca bem desenhada, cabelos longos escuros e lisos, seu corpo, vestido num jeans justo e blusa decotada com uma jaqueta curta lhe davam um charme irresistível.

-- Muito prazer, Marisa Becker.

Aquela mulher encantadora estendeu sua mão delicada para mim, inexplicavelmente nervosa retribui o gesto:

-- O prazer é meu, Alexandra Castro

O aperto de mão firme me despertou uma sensação inédita, meu coração acelerou e minhas mãos suaram. Sem graça observei o casal de mulheres saírem do banheiro de mãos dadas, disfarçando meu nervosismo caminhei até a pia onde lavei minhas mãos, embaraçada pela vigilância daquela mulher incrível.

-- Está bem mesmo Alexandra? Você me parece tensa... Posso ajudar?

-- Estou bem obrigada Marina.

-- … Marisa.

Ela disse com um sorriso absolutamente arrebatador.

-- Desculpe-me Marisa... Obrigada pela gentileza, mas estou bem, só meio sem prática com bebida... Acho que já atingi meu limite por hoje.

Devo ter gaguejado em algumas palavras, mas no geral acho que me saí bem na desculpa. Sorri amarelo e saí pela porta esquecendo o motivo de ter ido até ali, apressada pela chegada de outras mulheres. No caminho de volta acabei percebendo que precisava mesmo usar o banheiro, voltei para lá, acabei tropeçando de novo na entrada e como se fosse uma grande piada do destino, outra vez caí nos braços de Marisa, dessa vez de frente, ficando a centímetros de sua boca absurdamente sensual.

-- Acho que tem algum ímã te trazendo pra mim...

Marisa me disse isso de uma maneira tão doce que nem me assustei com o tom de flerte. Certamente em outra situação me chocaria diante da paquera de uma mulher, mas Marisa era tão feminina, que seria hipocrisia de minha parte dizer que não estava lisonjeada pela delicadeza daquela mulher comigo.

-- Acho que é mesmo minha coordenação motora, na verdade a falta dela mesmo... Eu vivo tropeçando, me estatelando no chão, em parede...

-- Então é melhor você me dar seu telefone, você vai precisar muito de mim...

Sorri encantada com cada palavra que Marisa falava, estava impressionada com o charme exuberante e feminino dela, nenhuma mulher me chamara tanto à atenção até aquele dia. Fui caminhando de costas até um dos boxes do banheiro enquanto Marisa saía. Voltei à mesa onde Daniel e Diego estavam preocupados com minha demora.

-- Onde você estava sardenta? – Daniel perguntou.

-- No banheiro oras...

-- Viu passarinho verde por lá? Aliás, passarinho meio difícil por lá não é... -- Daniel disse segurando o riso.

-- Encontrou alguma sandalhinha perdida por lá querida? -- Perguntou Diego.

Olhei para meus pés sem nada entender, o que despertou a risada do casal. Não vou negar que passei boa parte do resto da noite procurando Marisa entre as mesas, sem sucesso. Os amigos do Dan pareciam ter uma fonte inesgotável de energia, altas horas da madrugada, ainda estavam no pique, dançando ao ritmo do rock da banda, ou até mesmo rindo uns dos outros e Marisa parecia ter evaporado entre as árvores dali.

Pouco antes do amanhecer Daniel resolveu vir embora, exausta dormi no banco traseiro do carro mesmo, nem percebi quando o Dan me colocou no colo e me deixou dormindo no sofá de minha nova casa.


CAPÍTULO 5: EU, EDITORA




Meu fim de semana foi inteiro curtindo minha nova casa, além de deixar as coisas mais parecidas comigo, do meu jeito. A Berta muito gentil, mas, muito bisbilhoteira, apareceu por lá com a típica política de boa vizinhança, trazendo uma torta feita por ela mesma, olhou a minha arrumação e deu pitaque em tudo.

Apesar de me manter ocupada, lembrei-me de ligar para meus pais e claro para minhas amigas inseparáveis que ficaram na capital, mas em todo instante minha memória trazia a tona o cheiro, a voz e a imagem de Marisa. Mas que coisa mais estranha, ter uma mulher ocupando meus pensamentos... Acho que a revelação do Dan me afetou mais do que eu pensava, e o ambiente alternativo contribuiu para meu suposto encantamento por Marisa, essa era a única explicação que eu inocentemente me enganava.

Logo na segunda-feira de manhã, minha equipe já me esperava no escritório improvisado dentro da secretaria de cultura. Minha grande equipe era animada, a mesa no centro da sala já estava repleta de guloseimas típicas do interior, e num clima bastante agradável rapidamente traçamos a pauta do que trabalharíamos na nossa primeira edição. Enviei nossa única repórter para fazer um levantamento das personalidades históricas da cidade junto com o Artur nosso fotógrafo, enquanto nosso estagiário, o Marcos, foi às escolas da cidade lançar o concurso de poesias proposto entre os alunos do nível fundamental.

Eu e Luiza fomos à universidade, lançar o desafio para os alunos de jornalismo, enviar uma crônica para nossa redação a fim de publicar na edição especial de estréia, registrando o centenário da cidade.

O campus da universidade era enorme, prédios diferentes para cada área, Nova Esperança tinha a característica de cidade universitária, talvez por isso fosse tão desenvolvida intelectualmente. Seguimos para o departamento de ciências humanas, Luiza já conhecia a maioria dos professores, uma vez que não fazia muito tempo que se formara ali, assim não foi difícil nossa proposta ser logo encaminhada aos últimos semestres dos cursos de jornalismo e comunicação social.

O coordenador do curso de jornalismo para meu constrangimento me reconheceu das revistas de fofoca, e foi colega de faculdade de meu ex-noivo Fernando, talvez por isso, se rendeu em gentilezas, estabanada como sempre fui, acabei derramando café na blusa, saí da sala em direção ao banheiro do andar para tentar minimizar o estrago em minha roupa.

Murphy sempre me perseguiu: fato! Escolhi justamente a pia com defeito, e a torneira liberou um potente jato d’água me banhando, piorando ainda mais a mancha que antes era só de café. Na minha luta corporal com o jato d’ água piorei minha situação, espalhando a água pela calça e pelo rosto, em meio a essa luta, de repente o jato foi cessado, enxuguei meus olhos com as mãos, e quando os abri diante de mim estava ela: Marisa.

Como se fosse possível, ela estava ainda mais linda. Com um sorriso enorme naquele rosto que não saiu da minha mente desde a noite de sexta, Marisa estendeu algumas folhas de papel toalha me dizendo:

-- Parece que estou mesmo conquistando meu papel de super heroína na sua vida... Sempre te livrando de apuros não é?

Peguei as folhas de papel e fui tentando me secar com elas, mas o estrago era grande. Sem graça eu sorri e sem pensar direito disse:

-- E nós precisamos parar de nos encontrar nos banheiros de Nova Esperança.

-- Concordo, quando podemos nos encontrar então?

Arregalei os olhos instintivamente, e quase escorrego na água derramada no chão pelo incidente da torneira, reação que despertou risos de Marisa:

-- Ei Alexandra, calma, foi só uma brincadeira... Não quero sair com você.

-- Não quer?

Minha expressão de decepção deve ter ficado evidente, tanto que Marisa calou-se por segundos sorriu discretamente afirmando:

-- Não. Minha função de super heroína não inclui esse tipo de encontro.

-- Ah... Ainda bem então, por que eu me sentiria obrigada a aceitar em agradecimento, e não quero sair com você também.

-- Então, estamos entendidas.

-- Claro.

Saí pela porta ainda ensopada, e atordoada com o fora que acabara de levar de Marisa, obviamente as pessoas olhavam para mim naquele estado, quando ouvi a voz suave que me marcara chamando meu nome no corredor:

-- Ei moça! Alexandra! Espere um pouco.

Parei irritada:

-- Pois não Marisa!

-- Você vai sair assim que nem um pinto molhado?

-- Acho que não tenho opção não é?

-- Pra que serve uma super heroína como eu se te deixasse assim nesse estado? Venha comigo, vou te emprestar pelo menos uma camiseta.

-- Não obrigada. Não quero mais incomodar você.

Eu estava irritada pela rejeição que meio sem querer recebi de Marisa, estava envergonhada por que supostamente dei a entender que queria me encontrar com ela em outra situação... Queria sumir da frente dela, Marisa me deixava insegura, nervosa, não sabia lidar com essas sensações diante de uma mulher.

-- Não vai me incomodar, vamos, minha sala é aqui no prédio de frente.

A contragosto, a segui, notando o ar de riso do seu rosto, certamente por causa de minha cara emburrada misturada a minha aparência de cachorro na chuva. Entramos no prédio de frente, ali funcionavam os cursos de saúde. No terceiro andar, na sala no fim do corredor, vi na porta: Dra. Marisa Becker – diretora do centro de ciências da saúde.

Seu escritório era elegante, um pequeno armário, uma estante com alguns livros, e na mesa seu notebook e poucos papéis. Um sofá de dois lugares com duas poltronas de couro com uma pequena mesa de centro, na parede clara um quadro com uma pintura de aspecto cubista acenava seu gosto requintado. Abriu o armário, retirou uma bolsa de academia, e me entregou uma camiseta justa de gola pólo.

-- Tome, está limpa e seca, ia usar para jogar tênis ao sair daqui, mas tenho outra guardada. Vista antes que você fique resfriada.

-- Obrigada, mas não quero incomodar, daqui a pouco minha roupa estará seca.

-- Não seja orgulhosa menina! Vista! Ali é um banheiro, pode se trocar lá.

Tímida, peguei a camiseta e fui até o banheiro, e vesti a peça que Marisa me deu, me deliciando o cheiro cítrico que a roupa tinha o cheiro dela... De volta à sala, agradeci a Marisa me comprometendo a devolver o quanto antes a tal camiseta.

-- Não há pressa, é só uma camiseta. Quer tomar alguma coisa? Café, água...

-- Nem café, nem água... Já tive o suficiente dos dois por hoje...

Sentei em uma das poltronas depois do convite de Marisa que me encantava ainda mais com seus gestos delicados.

-- Então, além de conhecer o banheiro da universidade de Nova Esperança, o que mais faz por aqui Alex?

-- Vim lançar uma espécie de concurso de crônicas sobre o centenário da cidade entre os alunos dos cursos de jornalismo e comunicação social para a edição de estréia do jornal de Nova Esperança.

-- Interessante... Você vai trabalhar nesse jornal?

-- Sim, fui convidada pelo secretário de cultura para ser a editora-chefe do jornal.

-- Então você deve ter chegado há pouco tempo na cidade não é?

-- E você é detetive, policial ou jornalista investigativa?
Disse demonstrando indignação.

-- Calma Alex, só estou tentando estabelecer um diálogo, conhecer mais de você.

-- Conhecer mais de mim? Estou me sentindo interrogada desde que entrei aqui.
Marisa balançou a cabeça negativamente e disse:

-- Você reage sempre assim na defensiva?

-- Não estou na defensiva... Mas se é um diálogo, então me fale de você. O que você faz aqui além de salvar donzelas de torneiras inconvenientes no banheiro?

-- Eu trabalho aqui. Estava no prédio de ciências humanas porque lá funciona a rádio do campus, e fui dar uma entrevista em um programa.

-- Interessante... E você é alguma celebridade aqui para conceder entrevistas?

Marisa abriu um sorriso irônico respondendo:

-- Não tão famosa quanto você, mas sou conhecida aqui no campus sim.

Imediatamente percebi a que Marisa se referia, certamente ela conhecia o escândalo que antecedeu minha vinda para Nova Esperança, e isso me irritou profundamente.

-- Deve ser famosa por sua indiscrição! Com licença Marisa, tenho trabalho a fazer.

-- Ei você é esquentadinha heim! Calma...

-- Olha só Marisa, obrigada pela camiseta, pelo salvamento de novo, tenha um bom dia.

Saí da sala de Marisa pisando forte, me enrolando toda na hora de abrir a porta, puxei com tanta força que acabei por me chocar contra ela. Nem deu tempo Marisa se aproximar, saí esfregando minha mão no rosto, certa que a marca da pancada estava evidente na minha testa. Encontrei Luiza na praça do campus de frente ao prédio das ciências da saúde, preocupada com meu sumiço.

-- Onde você estava chefinha? O que aconteceu com sua testa? Onde você conseguiu essa camiseta?

-- Tem certeza que você é diagramadora? Acho que vou aproveitar seu talento investigativo em reportagens! Quantas perguntas Luiza!

-- Nossa... Você está nervosa.

-- Vamos voltar ao jornal, temos muito que fazer por lá.

Luiza tinha razão, eu estava nervosa. Marisa definitivamente me provocava isso. No final do dia, nos reunimos mais uma vez e concluímos que foi um dia produtivo, cumprir o prazo que o Dandan nos impôs seria possível com algum sacrifício.

E a semana passou nesse ritmo, de plantões, de muito trabalho, minha equipe era de fato muito boa, todos se esforçaram para que na sexta-feira, a edição piloto da Folha de Nova Esperança estava nas mãos do Daniel.

A lembrança do meu novo encontro com Marisa volta e meia me distraía, e um misto de sentimentos surgia. Sentia raiva dela, pela rejeição que sofri, e por ela saber da minha fama exposta nas revistas de fofoca nacionais. Mas inexplicavelmente sentia uma vontade imensa de revê-la, de estar perto dela, eu a desejava? Não... Impossível! O que é isso Alexandra? Toma vergonha nessa cara mulher! Você não é lésbica!

O final de semana reservava uma grande festa na cidade. Era o início das comemorações do centenário de Nova Esperança. Daniel aprovou de cara nosso trabalho e a noite foi de trabalho para a gráfica oficial da prefeitura, para no sábado, como parte dos festejos, o nosso jornal fosse lançado.


CAPÍTULO 6: FESTA NO INTERIOR


A cidade estava linda. Decoração interiorana típica, palanque enfeitado na praça principal, povo alegre, bem vestido, a bandinha de música já animava o público, e perto da igreja várias barracas com comida regional foram armadas. Um parque de diversões também estava pronto atraindo centenas de crianças. O clima agradável da cidade contribuiu para o aspecto festivo e o humor de todos ali.

Daniel já estava na praça com alguns funcionários da secretaria de cultura quando cheguei. A Berta fez questão de me elogiar, o que claro levantou minha auto-estima, especialmente porque enfim as minhas calças 38 entraram no meu corpinho depois de meses de tentativas. Depois de alguns minutos de espera, a solenidade foi iniciada no final da manhã com a chegada do prefeito, discursos de autoridades até finalmente o Dan fazer seu pronunciamento, enfatizando o lançamento da Folha de Nova Esperança, nesse momento funcionários da secretaria de cultura além de mim e minha enorme equipe nos espalhamos entre a pequena multidão distribuindo os exemplares.

Não posso negar que me esforcei para ficar perto das pessoas que folheavam o jornal ansiosa pela reação delas. Insegura, não esquecia as palavras da minha ex-chefe ao me demitir, quando afirmou que eu não tinha vocação pro jornalismo. Meu editorial foi lido pelo Daniel no palco, o que me deixou particularmente nervosa, entretanto meu alívio se deu quando os aplausos tomaram de conta da praça.

Minha carreira como editora-chefe estava oficialmente lançada, a sensação de otimismo que me preencheu se tornou visível para minha equipe e especialmente para meu amigo Daniel que me abraçou, demonstrando todo seu orgulho. Diversas atrações da região se apresentaram no palco armado, enquanto as pessoas caminhavam pelas ruas em festa. Daniel me apresentou ao prefeito, a vereadores, todos me parabenizando pela qualidade do jornal.

-- Pronto amiga, agora começa nosso trabalho de fato! Correr atrás de notícias, e próxima semana lançar outro número, quero cobertura completa da festa heim! -- Disse Daniel animado.

-- Pode deixar amigo, minha equipe já está por aí trabalhando.

-- Vamos almoçar na casa do prefeito, depois encontramos o Diego e o resto da turma no Aconchego, para nossa festa de verdade.

-- Aconchego?

-- Sim, é um hotel fazenda, perto da serra, você vai gostar de lá.

E assim aconteceu, para cumprir o protocolo, almoçamos na casa do prefeito da cidade, homem muito simples, assim como sua família, extremamente popular, mas muito culto, nossa conversa sobre grandes escritores foi bastante agradável, especialmente por que o Sr. Joaquim Lopes não poupou elogios para o editorial que escrevi. Depois do almoço seguimos para a serra, para o tal hotel fazenda Aconchego, onde a turma de amigos do Dan estava reunida numa comemoração mais íntima.

O clima serrano do hotel fazenda era maravilhoso, perto de um lago, uma palhoça com uma grande área para churrasco abrigava a turma animada do Dan, todos que estavam na noite que os conheci, e mais alguns rostos conhecidos da secretaria de cultura, inclusive parte da minha equipe do jornal.

O Beto já estava com o violão na mão, tocando seu repertório de muito bom gosto, Leandro fez aquela festa ao me rever, parecia um amigo de longa data, e logo tratou de me deixar à vontade entre os que já estavam lá enquanto Daniel ia ao encontro de Diego que estava numa cachoeira perto dali.

Há muito tempo não me sentia tão leve, dei boas risadas com meus mais novos amigos, já nem me chocava mais com os selinhos trocados entre Clara e Isabelle. No final da tarde, o filho do dono do hotel, namorado do Beto, chegou oferecendo um passeio a cavalo pelos campos da fazenda. Não sei de onde me veio à inspiração de aceitar o convite, afinal há mais de 15 anos não montava. Talvez tenha sido o excesso de otimismo que aquele dia estava me proporcionando.



Eis que meu contato com o campo foi iniciado, montei no cavalo, e segui com Beto, Leandro, Tarcísio o namorado do Beto e a Luísa. Tudo estava muito tranqüilo, até que, excessivamente confiante com meu bom desempenho na montaria, acelerei o galope, e como era de se esperar dada minha destreza sempre “impecável”, perdi as rédeas do animal, quando enfim as tive de volta, puxei o arreio com força e fui lançada por cima do cavalo, caindo por cima de um amontoado de ração.

A última imagem que tenho lembrança foi à vista de cima enquanto eu era lançada pelo ar. Ao cair e bater a cabeça desmaiei imediatamente. Segundo o relato das testemunhas a queda teria sido cômica se não fosse à apreensão que todos sentiram ao me verem cair inconsciente. Chamaram Diego a fim de que ele como acadêmico de medicina, desse as orientações corretas diante do meu estado. Em pouco tempo, Daniel conseguiu que uma ambulância me removesse dali, a essa altura eu já esboçava alguma consciência, percebia que eu estava sendo conduzida numa maca para um veículo, mas não conseguia abrir os olhos, e mesmo ao conseguir, não via as coisas com nitidez.

Não sei exatamente em que momento, nem quanto tempo depois, mas minha consciência retornou aos poucos, e a primeira imagem embaçada que identifiquei diante de mim foi a do rosto de Marisa bem próximo do meu, sua voz que tanto mexeu comigo tinha um som incompreensível, deduzi que pudesse ser algum delírio meu, ou alucinação sei lá... O fato é que fui apertando os olhos e gradualmente minha visão ficava mais nítida, e tive a certeza, não era delírio, Marisa estava ali na minha frente.


Vestida num jaleco justo, cabelos presos, Marisa me perguntava:

-- Alexandra? Você está me ouvindo?

A voz parecia tão longe, e responder era difícil, mas Marisa insistiu:

-- Alexandra, você está no hospital, sofreu uma queda, se você estiver me entendendo, aperte minha mão.

Segui a orientação de Marisa mesmo não entendendo o porquê de ela estar ali, após apertar a mão dela, escutei alguns burburinhos de comemoração, e aos poucos eu começava a voltar a minha consciência, abri os olhos e vi claramente em volta de mim o Dan, Diego, Beto, Leandro e Luiza, além de Marisa ao meu lado.

-- Consegue falar Alexandra? – Perguntou Marisa.

-- Sim.

Notei o suspiro aliviado de todos na sala quando falei.

-- Vou fazer algumas perguntas a você. Qual o seu nome completo? – Perguntou Marisa.

-- Alexandra Alcântara Torres.

-- Que dia é hoje?

-- Não faço a menor idéia... Sei que hoje é sábado, e estamos no mês de maio, mas o dia não lembro.

-- Onde você mora?

-- Em Nova Esperança, interior do estado.

-- Você sabe quem é o presidente do Brasil?

-- Deeer, claro né, sou uma jornalista, não ia saber disso? Luiz Inácio Lula da Silva. O interrogatório terminou? O que mais você quer saber de mim Marisa?

Notei o espanto de todos quando me dirigi a Marisa pelo nome dela.

-- Calma Alexandra, essas perguntas fazem parte do exame neurológico, você sofreu um trauma na cabeça, esses testes são protocolo.

-- E quem é você pra fazer esses testes comigo?

-- Sua médica Alexandra, estou de plantão hoje aqui na urgência.

Que idiota eu sou! Claro que ela era médica! Chefe do departamento de ciências da saúde era isso que estava escrito na placa na porta da sala dela na universidade. Completamente constrangida pela minha estupidez, não consegui me desculpar, notei um sorriso de canto de boca em Marisa, e fui salva daquele momento mico pelo Dan que se aproximou de mim falando:

-- Sardenta você me mata do coração assim! O que deu em você pra sair galopando daquele jeito?

-- Dandan aquele cavalo era maluco! Tudo bem que me empolguei, e perdi as rédeas também... Mas que ele era maluco, isso ele era!


Todos riram do meu jeito desajeitado de me justificar, inclusive Marisa, e foi ela mesma que falou em seguida:

-- Bom você aparentemente está bem, mas para nos assegurarmos vamos fazer uma tomografia cerebral, e um raio x do seu tórax.


-- … preciso mesmo doutora? – Perguntou o Beto.

-- Sim é.

-- Não vai doer nada Alex, tira essa cara de espanto! – Diego disse apertando minha mão.

Diego e Dan ajudaram a me transferir para a maca, e Marisa fez questão dela mesma me levar até o setor de imagens do hospital. Meu comportamento beirava o ridículo, deitada olhava para cima observando Marisa empurrando aquela maca, e ao notar que ela desviava o olhar para mim eu fechava os olhos rapidamente, como se fingisse dormir.

Chegando enfim para fazer os tais exames, Marisa me deixou sozinha, o que claro me assustou, obrigando-me a falar:

-- Você vai me deixar sozinha aqui?

-- Ué, pensei que você estivesse dormindo. – Marisa falou sorrindo.

Fingi ignorar o comentário irônico de Marisa e insisti:

-- Você vai me deixar mesmo sozinha nessa sala branca e fria?

-- Nossa que dramática! Tem certeza que você é jornalista? Tem talento para atriz... Já para amazona...

-- E você tem certeza que é médica? Tem talento para humorista!

-- Eu que não vou ficar aqui nessa sala com uma criatura tão mal-humorada assim!

Marisa saiu da sala me deixando irritada. Entrei naquele tubo que era o tal tomógrafo, ansiosa, ouvi a voz de Marisa me pedindo:


-- Não se mova Alexandra, não vai demorar muito.

Em outro momento eu pensaria que era mais uma alucinação ou delírio meu, mas se assim o fosse, não era bem isso que eu ouviria... Os minutos ali naquela posição pareceram uma eternidade, até enfim a plataforma se mover e eu reencontrar Marisa do meu lado:

-- Você teve muita sorte, eu não estava lá para lhe salvar dessa queda, mas os sacos de ração protegeram essa cabeça dura que você tem, não há lesão no seu cérebro.

Mantive meu bico qual menina mimada fazendo birra. Recusei ajuda dela para me levantar, tonta acabei caindo mais uma vez nos braços de Marisa, por alguns segundos nossos olhos se encontraram, parecia que uma força me atraía para os lábios daquela mulher ainda mais linda tão de perto.

-- Estava me perguntando quanto tempo mais ia demorar até você cair nos meus braços de novo.

Nosso momento de intimidade foi interrompido pelo técnico de radiologia que já me aguardava no setor de raios-X, já trazia uma cadeira de rodas, não era mais necessária a maca. Marisa continuou me conduzindo, e pra contribuir para meu momento constrangimento total, fui obrigada a tirar a parte de cima da minha roupa para realizar o exame, na frente de Marisa.

-- Não precisa ficar tímida Alexandra, não há nada aí que eu não tenha visto antes.

-- Hã! Como assim?

-- Alexandra eu precisei examinar você, esqueceu?

-- Então você se aproveitou de mim enquanto eu estava inconsciente para tirar minha roupa?

-- Alexandra assim você me ofende! Sou médica! Vou chamar um colega para atender você. Célio quero um raio X de tórax posterior, anterior e de perfil, por favor, leve-a ao ambulatório depois que concluir o exame, o Dr. Marcos a atenderá.


CAPÍTULO 7: QUE MULHER É ESSA?



Marisa saiu da sala antes que eu pudesse me desculpar ou relutar qualquer coisa. Percebi o quão mal educada e desagradável eu estava sendo, ao voltar para o ambulatório, não encontrei Marisa me esperando, outro médico me informou que os exames não revelaram qualquer fratura, orientou que eu mantivesse repouso, prescreveu um analgésico e me liberou.

-- Então vamos sardenta! Hoje nós dormimos com você, vamos cuidar dessa paciente. – Disse Daniel.

-- Não é necessário Dan...

-- Claro que é! Você vai ficar sob nossa observação. – Afirmou Diego.

Ainda frustrada por não rever Marisa, saí do ambulatório procurando entre as pessoas transitando no hospital, a médica que me atendeu, em vão, Marisa parecia ter evaporado dali. Beto e Luisa nos acompanharam até minha casa, o Leandro já estava nos esperando, sempre divertido, preparou um cartaz de boas vindas todo enfeitado com a foto de um cavalo e o colou na porta do meu quarto.

Meus novos amigos foram super atenciosos e fofos comigo, Leandro preparou o jantar e comemos todos juntos no meu quarto. Diego e Dan ficaram para dormir comigo depois que os outros foram embora, demorei a pegar no sono lembrando o meu reencontro com Marisa, não só pelo meu comportamento infantil, mas também por que a imagem dela linda, cuidando de mim, a lembrança do seu cheiro, da sua voz, tiravam minha paz de uma maneira inexplicável e inédita para mim.

A noite foi longa, meu corpo doía sofrendo os efeitos da queda acordei com o café na cama trazido por Diego, e com um convite do Dan:

-- Está se sentindo bem?

-- Sim meu amigo, estou bem, vocês dois são enfermeiros maravilhosos!

-- Então ótimo, vamos sair um pouco e aproveitar o sol que abriu hoje. – Convidou Dan

-- Mas vamos pra onde Dandan?

-- A minha sala está promovendo um churrasco no clube da cidade, para arrecadar uma graninha para nossa festa de formatura, vai ter uma banda de pop rock, outra de pagode, enfim, vai ser legal. – Esclareceu Diego.

Não havia como recusar o convite do meu casal de amigos. Pouco antes do almoço, saímos com destino ao clube da cidade.

O clube estava lotado, a banda de pagode já animava os convidados. Diego muito popular me apresentou a vários colegas, a maioria não era de Nova Esperança, a cidade universitária, atraía gente de todos os estados. Estava tudo muito tranqüilo para mim, apesar de ainda experimentar dores no meu corpo conseqüentes da queda no dia anterior. Para sacudir minha auto-estima, ouvi boas cantadas dos acadêmicos de medicina, entretanto, eu sequer dei importância, eles inexplicavelmente não despertavam meu interesse.

Duas horas depois de chegar à festa, fui até o banheiro, cheio de acadêmicas de medicina retocando a maquiagem, algumas já bem animadas pelo álcool, trocavam suas impressões sobre a festa e os meninos de lá. O chão escorregadio contribuía para esbarrões na saída dos boxes, em um desses incidentes a porta do box veio direto na minha cara e junto com ela uma mulher tropeçando caindo nos meus braços.

Nem pude acreditar quem estava ali mais uma vez face a face comigo, os mesmos olhos hipnotizantes, o perfume cítrico: Marisa.

-- Quem é mesmo que tem um ímã para mim?

Eu disse arrancando um sorriso tímido de Marisa. Os segundos de troca de olhares foram interrompidos por uma garota indagando:

-- Dra. Marisa desculpe-me escorreguei e empurrei a porta, machuquei a senhora?

-- Não machucou não graças a cobertura da imprensa...

Sorri com a brincadeira de Marisa, enquanto observava o olhar cheio de volúpia da tal garota para Marisa. Não sei por que aquele olhar da garota me incomodou, a tal ponto que dessa vez fui eu a interromper:

-- … melhor você ter mais cuidado, poderia ter causado um acidente desagradável.

-- Claro, mais uma vez, desculpe-me professora.

A garota saiu do banheiro deixando a sós eu e Marisa:

-- Então doutora, será que nossos papéis estão se invertendo e agora sou eu a lhe salvar de quedas?

-- Se você não estiver montando um cavalo...

Fiz careta para ela o que despertou um sorriso descontraído, deixando-a ainda mais linda.

-- Então, como você está se sentindo? Alguma dor?

-- Sinto dor no corpo, especialmente nas costas, mas nada insuportável.

-- Então você foi bem tratada suponho.

-- … os médicos de Nova Esperança parecem ser competentes...

Marisa sorriu balançando a cabeça positivamente, mais meninas foram entrando no banheiro quebrando aquele clima, disfarcei indo até a pia lavando minhas mãos sob o olhar atento da médica.

Pelo espelho continuei fitando o olhar de Marisa, notando a popularidade dela entre as meninas que entravam no banheiro, algumas a cumprimentavam até com um grau de intimidade maior, mas todas demonstravam respeito com ela.

-- Eu sei que você gosta dos banheiros de Nova Esperança, mas você ainda vai passar muito tempo por aqui? – perguntou Marisa.

-- Se a medicina não der certo, definitivamente você deveria tentar a carreira de humorista.

-- Você nem imagina quantos talentos uma boa médica tem que ter...

Fui me afastando em direção à porta de saída, enquanto Marisa me seguia:

-- Vou voltar para festa, meus amigos devem estar preocupados, achando que caí de novo.

-- Posso acompanhar você? Cuidados médicos... Só uma precaução, no caso de algum cavalo ou amontoado de ração aparecer pelo caminho...

-- Tudo bem doutora, só por isso...

Saímos do banheiro e caminhamos pelo clube, meio tímidas, pelo percurso Marisa parou diversas vezes para cumprimentar alunos, até encontrarmos Diego e Dan:

-- Dra. Marisa! Sabia que a madrinha de nossa turma ia aparecer! – Exclamou Diego.

-- Claro Diego faz parte das minhas obrigações.

-- Viu que cuidamos direitinho da Alex? Do jeito que a senhora pediu! – Diego disse inocente.

Estranhei a colocação do Diego, especialmente quando notei o Dan apertando a mão do namorado enquanto Marisa arregalava os olhos. Fingi nada ter percebido, deixando que eles se confiassem na minha famosa distração.

-- Então doutora há algum problema se eu beber uma cervejinha? – Perguntei.

-- Claro que não Alexandra. Mas não exagere...

-- Então eu vou pegar pra você sardenta! Vamos Diego. – Disse Dan.

Fiquei na companhia de Marisa, enquanto o casal se afastava, e o assédio das alunas dela me incomodava de uma maneira insana. Minha cara de poucos amigos foi notada pela própria Marisa:

-- Aconteceu alguma coisa Alexandra?

-- Não, por quê?

-- Esse bico aí... Roubaram seu doce?

Não sabia sequer o que responder a Marisa, ainda bem que Diego e Daniel apareceram de volta com as cervejas me salvando daquela saia justa. Manter-me perto de Marisa o resto do dia foi difícil, ela era requisitada constantemente nas rodinhas dos alunos, até mesmo para dançar com alguns deles. Meu humor ficou tão alterado que no meio da tarde pedi ao Dan que me deixasse em casa.

-- Mas sardenta, por quê?

-- Estou com dor no corpo Dan, quero descansar.

-- Tudo bem então... Vou avisar ao Diego que estou indo te deixar, vai pro carro e me espera lá.

Sai do clube em direção ao estacionamento, buscando no olhar a localização de Marisa, para minha tristeza não a encontrei. Encostei-me no carro do Dan aguardando-o, quando o meu celular tocou, era a Renatinha. Fofocamos por um tempo colocando os assuntos em dia, naturalmente não deixei de contar minha aventura eqüina, distraí-me no papo e nem notei o tempo passar, nem muito menos estranhei a demora do Daniel, ao desligar o telefone ouvi a voz tão familiar nos últimos dias:

-- Fugindo moça?

Era Marisa, me surpreendendo ao meu lado, com um sorriso diferente, igualmente lindo, mas seu olhar tinha um brilho incomum, ao notar a aproximação dela percebi o forte hálito de álcool, logo deduzi que a respeitada médica já tinha bebido demais.

-- Não estou fugindo não doutora, estou indo para casa descansar, esse churrasco está me deixando exausta.

-- Mas a festa está apenas começando Alexandra...

O brilho do olhar de Marisa tinha um quê de malícia, me dando a certeza que a abordagem dela era um flerte descarado o que provocou em mim reações confusas de medo e satisfação.

-- Para você está mesmo animada a festa... Mas para mim, não estou vendo nada muito interessante.

-- Jura que não está vendo nada interessante?

Inesperadamente, Marisa colocou-se de frente para mim, encostando suas mãos no carro, envolvendo-me entre seus braços. Nervosa com a proximidade do corpo de Marisa, eu gaguejei para responder:

-- Eu... Eu quis dizer que... Que... Não estou me divertindo tanto quanto você.

Marisa não se intimidou com meu sarcasmo atrapalhado, manteve-se perto de mim deixando-me com a respiração ofegante e o coração acelerado. Minhas pernas tremiam, e não conseguia desviar meu olhar do dela.

-- Acho que podemos deixar as coisas mais justas e você se divertir um pouco mais, você está precisando... Vem comigo?

Ela fez um movimento com a cabeça e puxou minha mão gelada:

-- Eu não posso, o Dan vai ficar preocupado, ele vai me deixar em casa.

-- Não se preocupe, já avisei ao Daniel que eu te levaria em casa.

Não contestei em segui-la, exceto quando notei Marisa cambalear ao andar:

-- Tenho uma exigência doutora...

-- Estava demorando... Pois não donzela!

-- As chaves do carro! Eu dirijo você não está em condições de dirigir.

-- Mas você não sabe o caminho!

-- O caminho você pode ensinar...

-- Adoro ensinar...

A malícia na voz suave de Marisa, agora tinha um teor absurdamente sensual que me arrepiava inteira. Entramos no carro, trocando olhares, o meu tímido, o de Marisa era quase indecente.

-- Siga a estrada principal, na primeira bifurcação dobre a esquerda. – orientou Marisa.

Apenas balancei a cabeça positivamente e segui a orientação de Marisa que me olhava fixamente, me deixando mais nervosa:

-- O que foi Marisa?

-- O que foi o que?

-- Está me olhando assim... Está com medo de que eu bata seu carro?

-- A minha menor preocupação nesse momento é com meu carro...

Nesse momento, Marisa tinha um sorriso arrebatador, com muito sacrifício mantive minha concentração no volante, mas quando ela roçou o dorso de sua mão macia no meu braço, senti meu corpo estremecer. Ruborizei, respirei fundo, que espécie de energia tinha aquela mulher que deixava minha sensibilidade tão evidente?

-- Está tudo bem Alexandra?

-- Han?

-- Perguntei se está tudo bem... Você parece nervosa...

-- … que... Sou fraca...

Marisa sorriu discretamente, como se saboreasse uma pequena vitória e avisou:

-- Dobre aí à esquerda e siga pela trilha da estrada de terra.

Dirigi por alguns minutos pela estrada de terra, até encontrar um portão de madeira.

-- Pare aqui, esta é minha casa.

Marisa desceu do carro e abriu o portão. Entrei com o carro avistando uma casa de campo requintada, com um alpendre espaçoso, à frente um jardim muito bem cuidado, e toda propriedade era cercada de árvores frondosas. Desci do carro encantada com a paisagem, ainda sem saber o que eu fazia ali.

-- Venha Alexandra, entre na minha humilde residência.

Tímida, coloquei minhas mãos nos bolsos de frente da calça e segui Marisa até o interior de sua casa. Contemplei a decoração rústica, mas elegante. Marisa convidou-me a sentar no sofá espaçoso e confortável e sentou-se ao meu lado.

Notei Marisa se aproximar de mim, e fiquei apavorada. Quando ela passou a mão pelo meu cabelo e deixou sua boca quase colada na minha, inventei de sentir sede... Se bem que minha boca estava mesmo seca, sedenta de algo que nunca desejei tanto: os lábios de uma mulher.

-- Quero água! Você pode me dar água?

Meio frustrada Marisa se afastou e respondeu:

-- Claro.


Marisa levantou, e eu a segui até a cozinha, bebi o copo d’água com uma voracidade desconcertante. A dona da casa não só me observava, ela me devorava com os olhos. Não tardou mais concretizar o desejo evidente. Marisa se aproximou de mim, pressionando-me contra o balcão da cozinha, acariciou meus cabelos, e tomou minha boca com sofreguidão, me deixando sem forças, sem qualquer defesa no beijo mais excitante que experimentei em toda minha vida.

Seus lábios eram os mais quentes que me beijaram até aquele dia. Um beijo perfeito, na intensidade, na velocidade... Nem muito molhado, nem seco, sua língua parecia massagear minha libido tamanha era a excitação despertada naquele momento.

Nossos lábios se afastaram lentamente, minhas pernas tremiam, e minhas mãos suavam, a respiração quente de Marisa na minha pele provocava em mim uma sensação indescritível de ansiedade misturada a um desejo incontrolável de me jogar nos braços dela e me perder outra vez na sua boca. E como se entendesse o que meu corpo clamava, Marisa segurou minha nuca puxando minha boca para perto da sua, beijando-me com volúpia.

O beijo não deixava espaço para qualquer reflexão, palavras, me entreguei como se fosse o último momento da minha vida. Marisa me conduziu pela casa sem cessar o beijo, me jogou no sofá, e sua língua roçou pelo meu pescoço, colo, despertando meu gemido. Minhas mãos pareciam cumprir a obrigação de explorar aquele corpo tão quente e delicioso. A maciez da pele de uma mulher para mim nunca me inspirou sensualidade, mas os movimentos de Marisa sobre mim roçando nossas peles era o momento mais prazeroso na minha vida até então.

As mãos de Marisa por baixo da minha roupa eriçavam cada pedaço do meu corpo, e nossos beijos eram cada vez mais intensos, e eu não podia acreditar que estava nos braços de uma mulher me derretendo de tesão.


Mas meu famoso talento para confusão deu seu ar de sua graça finalmente... O zíper da minha calça ficou preso no cinto da Marisa, e tentando me desvencilhar, acabei provocando nossa queda no chão.

-- …... Estava demorando... Nós duas juntas e nenhuma queda... – Disse Marisa esfregando a mão na cintura.

Sorri escondendo meu rosto entre minhas mãos:

-- Desculpa Marisa, eu sou muito desastrada mesmo...

Marisa abriu aquele sorriso que me desestruturava... Aproximou-se mais uma vez de meus lábios, beijando-me suavemente:

-- Onde foi mesmo que paramos?

A voz de Marisa bem perto do meu ouvido era suficiente para acender meu desejo, quando estava me entregando em outro beijo, senti minha perna tremer sem parar:

-- Alexandra... Está vibrando...

-- Está sim... Está tudo vibrando mesmo...

-- Alexandra estou falando do seu celular no bolso, está vibrando...

-- Ah!

Sorri sem jeito, pegando meu celular no bolso, era Daniel, tinha que atender.

-- Oi Dan.

-- Alex, onde você está?

-- …... Estou... Estou...

-- Você está com a Marisa?

-- Sim...

-- Amiga preciso dela, o Diego bebeu demais, passou mal, mas não posso levá-lo para o hospital, o pai dele está de plantão hoje.

-- Onde vocês estão?

-- Na minha casa, venham logo!

-- Estamos indo.

Expliquei a situação a Marisa, que se apressou em pegar sua maleta, e seguimos para a casa do Dan, a fim de atender seu namorado. No percurso não trocamos nenhuma palavra, mas meu corpo ainda queimava de desejo olhando para Marisa concentrada mexendo nos itens da sua maleta de médica.

Chegamos à casa do Dan, Diego estava desmaiado, depois de examiná-lo constatou que não era nada grave, Marisa administrou uma ampola de glicose, em minutos Diego já dava sinais de consciência, nos tranqüilizando.

Deixamos a casa do Dan, eu um pouco constrangida, pelo olhar do meu amigo para nós duas. Marisa me deixou em casa, e na porta me senti como uma adolescente que saía com um carinha pela primeira vez, em dúvida sobre como me despedir dela, na verdade, queria mesmo era convidá-la para entrar, e naquele silêncio dentro do carro, falamos ao mesmo tempo:

-- Boa noite.

Fiz menção de sair do carro, mas, minha vontade de beijá-la foi mais forte. Quando me aproximei dela, senti sua mão nos meus lábios:

-- Não faça isso...

Estranhei e não nego, me irritei com o gesto dela, deduzindo que ela poderia estar arrependida pelo que aconteceu mais cedo entre nós. Não esperei justificativas, desci do carro furiosa, batendo forte a porta, deixando Marisa com cara de interrogação.


Capítulo 8: Crise Existencial


Outra noite longa sucedeu o momento mais incrível da minha vida até então. Perdi-me entre dúvidas acerca do comportamento de Marisa e sobre minha própria reação diante do meu primeiro beijo em uma mulher. O que teria acontecido se não tivesse sido interrompida pela ligação do Dan?

Curiosa sobre esse universo lésbico, e movida pela insônia, trouxe meu notebook pra cama e comecei a navegar pela net buscando informações digamos, técnicas sobre o relacionamento de duas mulheres. Li coisas que classifiquei como surreais, achei vídeos bizarros, clipes excitantes de filmes e séries temáticas. Minha navegação esbarrou em sites especializados em contos lésbicos com traços bastante eróticos. A simples leitura me provocou uma excitação inenarrável, unida à lembrança dos beijos e do corpo de Marisa roçando no meu.

Perdi a hora naquela leitura, empolgada até com os comentários de outras leitoras, nunca tive a menor curiosidade nesse tipo de literatura, mas naquela noite parecia mais interessante do que qualquer grande escritor que eu era tão fã. Enfim o cansaço me fez dormir, mas os meus sonhos só tinham uma personagem: Marisa. Revivi cada beijo e cada toque dela na minha pele, e acordei com o despertador, suada e molhada, gemendo o nome da médica mais sensual que eu conhecia.

Meio atordoada, com vergonha de mim mesma pela meu estado, me apressei para chegar cedo ao trabalho e dar início a nova edição da Folha de Nova Esperança. Minha equipe já me esperava Luiza preocupada com minha saúde, já que não havia me visto desde a queda do cavalo no sábado. Meu semblante de cansaço e minha olheiras tinham a justificativa das dores no corpo conseqüentes do acidente, mas a verdade era que eu curtia mesmo eram as conseqüências do domingo com Marisa.

Nossa nova edição já tinha a temática pré-definida, a cobertura da festa de centenário do município. Algumas notícias policiais da região seriam abordadas, e mais uma vez a parceria com a universidade ia ter espaço, dessa vez com uma coluna especial sobre saúde. Definida a pauta, cada um se retirou, rumo a cumprir sua obrigação, eu por outro lado, fui seqüestrada pelo meu “chefe”, que não escondeu a curiosidade em saber como tinha sido meu encontro com Marisa.

-- Conte-me tudo, não me esconda nada!

-- Dan... Não há o que contar...

-- Fala sério sardenta!

-- Estou falando sério... Nada demais...

-- Alexandra Alcântara! Você saiu da festa com a mulher mais linda de Nova Esperança, e detalhe, ela é entendidíssima... E não escondeu interesse por você... Horas depois ligo para você e a senhorita continuava na companhia dela, chegaram com aquelas caras de culpa e você me diz que não teve nada demais?

Sorri sem graça, mexendo nos papéis da mesa, enquanto o Dan continuou:

-- Fala antes que eu ligue pra ela e pergunte a ela!

-- Você não teria coragem Daniel!

-- Duvida?

Daniel perguntou já abrindo o celular. Não paguei pra ver, apavorada disse:

-- Tudo bem, tudo bem, eu falo!

Quase cochichando fui narrando minha primeira experiência lésbica, muitas vezes o Dan me interrompia com um: - Hã?- De tão baixo que eu falava. Ao final da história disse demonstrando decepção:

-- Foi incrível Dan... De longe a experiência mais... Mais... Nem sei te descrever, era como se meu corpo esperasse por aquilo toda vida... Entretanto... Acho que para ela não significou tanto. Ao me despedir dela na frente da minha casa, ela recusou um beijo quando me aproximei.

-- Você ia beijá-la na rua?

-- Mas era tarde, dentro do carro...

-- Alexandra! Está maluca filha? Essa cidade é um ovo! Todo mundo se conhece, e você ia beijar a médica mais conhecida daqui, na frente da sua casa? Ainda bem que ela recusou o beijo, se não hoje você estaria de novo no auge das fofocas, e aqui filha, não tem imprensa pra divulgar isso, é boca a boca mesmo, te garanto que é bem pior.

O comentário de Dan me trouxe à realidade, e me fez enxergar como fui estúpida mais uma vez com Marisa. Minha preocupação em me desculpar com ela tirou minha paz o resto do dia, por várias vezes pensei em pedir o número do telefone dela ao Dan a fim de esclarecer meu comportamento na noite anterior, mas fui tomada de uma insegurança ridícula para minha idade.

Não só a insegurança em ser rejeitada por uma mulher, mas principalmente a insegurança acerca dos meus desejos. Nunca me imaginei em um mundo homossexual, e isso me deixava apavorada. Mergulhei em literatura especializada, questionando minha motivação em estar tão atraída por uma mulher, será que se tratava de um trauma por ter sido trocada pelo meu noivo por outro homem? Estaria eu perdida na minha carência?

Toda minha pesquisa temática não me ajudava em muita coisa, por que meu pensamento viajava para perto de Marisa, não consegui me concentrar sequer no trabalho. E a curiosidade intensificada pela lembrança dos contos e vídeos que assisti na madrugada me deixou como se fosse possível ainda mais distraída.

-- Alexandra? Alexandra?

A voz me parecia tão longe... Até que ficou mais alta:

-- ALEXANDRAAA!

O grito me desequilibrou, no susto virei à cadeira giratória velozmente, derrubando os papéis de cima da mesa, quando ergui meus olhos me deparei com ela, linda, com um embrulho na mão: Dra. Marisa.

-- Faz uns dez minutos que estou aqui te chamando menina! Trouxe um lanchinho para você... Essa torta de morango aqui é a melhor da região!

A visão mais parecia com algum sonho atrapalhado meu. A voz me faltou, enquanto Marisa educadamente colocou o embrulho sobre a mesa e se abaixou para recolher os papéis que caíram no chão. Eu, atônita, sem ação, fiquei na cadeira enquanto Marisa estava ali, literalmente aos meus pés.

-- Veja só... Minha posição diante de você Alexandra...

O sorriso de Marisa pra mim por pouco não me derrubava da cadeira, minhas pernas tremiam, e eu travava uma luta comigo mesma, em um diálogo nervoso - “Fala alguma coisa sua idiota! Você sonhou com ela a noite inteira! Fala Alexandra Alcântara!” – Mas naquele momento, eu não tinha autoridade nem comigo mesma...

-- Então, estou atrapalhando seu trabalho?

Buscando forças para conter meu nervosismo diante de Marisa, apenas balancei a cabeça negativamente, enquanto me abaixava a fim de ajudá-la a recolher meus papéis. Nossas mãos se tocaram e isso foi o suficiente para eriçar minha pele e acelerar ainda mais meu coração. Marisa foi levantando e me ofereceu sua mão para ajudar a me erguer.

-- Você não vai me dar o prazer de ouvir sua voz?

Sorri sem jeito, e disse:

-- Oi Marisa... Não esperava sua visita. E não, você não atrapalha em nada.

-- Bom saber. Vamos lanchar então?

-- Claro. Vamos para mesa.

Marisa colocou o embrulho sobre a mesa de reuniões do meu escritório, desembalou com cuidado, pediu que eu sentasse e logo me preocupei:

-- Vou providenciar talheres e pratos...

-- Não há necessidade... Sente-se.

Marisa tirou de sua bolsa um saco plástico com dois garfos, sentou ao meu lado, e disse:

-- Essa torta só tem graça se for comida assim... Sem desperdiçar nada do recheio e cobertura no prato...

Marisa deu a primeira garfada, e me serviu a torta na boca. Aceitei a oferta, sem graça, enquanto ela disse:

-- E aí? Mas saboreie com delicadeza... Sem pressa... Sinta a maciez dessa cobertura e a suavidade da massa...

Segui as orientações de Marisa, e sem dúvida era a melhor torta do mundo, não sei se pelo sabor da guloseima, ou por estar comendo das mãos de Marisa que aguardava ansiosa minha resposta.

-- Deliciosa, divina, perfeita...


Meus adjetivos obviamente não se restringiam só à torta, Marisa sorriu e provou ela mesma da torta e me encarando, confirmou cada elogio que fiz. Em minutos comemos toda a torta, e conforme a ordem de Marisa, não desperdiçamos nada do recheio e da cobertura, com os dedos mesmo fomos aproveitando o que ficou grudado no embrulho em um clima descontraído nos percebemos lambuzadas pela cobertura de chantilly, tomada de uma ousadia inesperada eu disse:

-- Nada pode ser desperdiçado...

Passei meus dedos pelos lábios de Marisa retirando o excesso do chantilly, e lambi meus dedos sem desviar do olhar daquela médica que me tirava à paz. Marisa foi mais ousada, e disse:

-- Você tem toda razão...

Ela se aproximou de mim, e com a língua limpou o canto dos meus lábios do recheio da torta, fechei os olhos inebriada pelo perfume de Marisa e excitada pelo calor da boca dela tão próxima da minha. Ao se afastar da minha boca, Marisa fixou seu olhar no meu, e eu não resisti, roubei-lhe um beijo demorado, ainda mais delicioso pelo sabor de morango com chantilly nas nossas bocas.

Marisa segurou-me pela nuca, intensificando o beijo, puxando-me para mais perto dela ainda, a ponto de me colocar quase no colo dela. Minhas mãos ganharam vida própria, me perdi pela pele de Marisa, entrelaçando meus dedos entre os cabelos dela, deixando escapar suspiros e gemidos, sentindo meu corpo queimar de tanto desejo.

Eu sequer me preocupava com o risco de alguém nos flagrar ali. Queria mais do corpo de Marisa, mas como tudo na minha vida tem um toque de Murphy, a porta se abre e o Dan nos surpreende do susto Marisa me solta bruscamente e eu me estrebuchei no chão.
-- Desculpe-me meninas... Ai meu Deus, Alex você está bem?

Muito constrangida e amargando a dor da pancada nas costas, eu apenas balancei a cabeça positivamente, enquanto Marisa em ajudava a levantar.

-- Eu tenho que ir, tenho aulas daqui a pouco para ministrar. – Disse Marisa.

-- Mas... Já?

Eu não sabia o que dizer na verdade, mas não queria me afastar de Marisa.

-- …... Alex quando você puder, dá uma passadinha na minha sala... Com licença Dra. Marisa, foi um prazer revê-la.

Daniel saiu da minha sala, deixando eu e Marisa a sós.

-- Eu realmente tenho que ir Alexandra.



Capítulo 9: Explicação nenhuma isso requer...

Antes que eu dissesse qualquer coisa, Luiza entrou na minha sala a fim de tratar assuntos do jornal, e assim, Marisa se despediu me deixando mais uma vez perdida entre as dúvidas sobre minha sexualidade e o desejo absurdo por ela, além da insegurança sobre o teor de nossa relação e sobre a possibilidade de um novo encontro.

Resolvi a questão com Luiza, ainda meio aérea, depois segui para a sala do Dan, já me preparando para a zuação que me esperava do meu amigo.

-- Você quer falar comigo Dan?

-- Sim Alex. Sobre alguns possíveis patrocinadores, que manifestaram vontade de investir no jornal, depois do sucesso da primeira edição.

-- Jura? Que coisa boa!

-- Então, quero que você formule uma proposta, mostrando os espaços que a marca deles será divulgada, para que na próxima edição, já contemos com esse apoio, e também valoriza o jornal.

-- Claro Dan, farei isso agora mesmo.

-- Tenho outro assunto para tratar com você.

-- Eu quero me desculpar pela cena que você viu Dan, não vai se repetir.

-- Não vai? Tem certeza?

-- Sim, não se preocupe.

-- Agora estou preocupado. Por que não vai se repetir? Pelo que vi, há faíscas entre vocês e Marisa é uma mulher incrível.

-- Ah! Eu estava falando sobre nossos amassos aqui no ambiente de trabalho...

Daniel sorriu e disse:

-- Então vai se repetir em outro lugar que não seja sua sala?

Só depois de ouvir a pergunta do Dan, notei o quanto fui descarada ao me referir a meu desejo de que se repetissem os tais amassos com Marisa. Ruborizei e tentei mudar de assunto:

-- Então, eu vou preparar a proposta para os patrocinadores, depois mostro a você.

-- Alexandra... Nós ainda precisamos conversar... Amiga, sei que você deve estar confusa, você nunca esteve com uma mulher certo?

-- Por que você acha isso?

-- Por que você é certinha demais para se permitir isso... Desde que te conheci você nunca fez nada errado, sempre tudo dentro dos padrões! Seus pais são mais liberais do que você amiga.

O comentário de Daniel me irritou, e mais que isso me desafiou. Não queria esse título de mulher certinha e conservadora, mas no fundo, Dan estava cheio de razão. Por diversas vezes fui julgada pelas minhas amigas como reprimida sexualmente.

-- Você está muito enganado! Eu não sou sempre certinha, sei cometer loucuras, e quem disse que nunca estive com uma mulher?

-- Alexandra... Não precisa ficar com raiva, isso não é defeito.

-- Não estou com raiva, pra seu governo já estive com muitas mulheres!

-- Tudo bem, tudo bem, então você sabe como agir com a Marisa...

-- Claro que sei!

Eu não fazia a menor idéia do que o Dan estava falando. Essa era uma grande incógnita para mim, como agir com Marisa? Nem sei por que o comentário de Daniel me irritou tanto! Menti deslavadamente sobre o fato de estar com outras mulheres antes de Marisa.

Saí da sala fumaçando e com mais dúvidas ainda sobre como me comportar em relação à Marisa. Na minha sala eu ainda viajava na lembrança do gosto de Marisa e embriagada pelo perfume que ela deixou no ambiente. Com muito esforço fiz o que o Dan me pediu, e quase ao anoitecer saí do escritório em direção a minha casa.

Mais uma vez me refugiei na internet, dessa vez, navegando pelas páginas de blogs especializados em comportamento lésbico. Encontrei uma multidão de fãs de certo seriado americano temático, não vacilei, e baixei a tal série sobre o Mundo Lésbico.

Encantada e curiosa com as situações mostradas, como era possível o sexo entre duas mulheres? Mesmo sem saber como isso poderia acontecer, como eu queria ser protagonista de uma cena daquelas junto com Marisa... Virei à noite assistindo os episódios, dormi sentada com o notebook sobre as pernas, nos meus sonhos, meu desejo se misturou a ficção do que eu assisti, e numa confusão típica da manifestação do meu inconsciente, eu estava no cenário do seriado, na cama em cima de Marisa.

Acho que nem preciso descrever o estado que acordei... Mais uma vez atrasada, tomei um banho rápido, eu precisava mesmo desse banho... Eu não sabia se me punia por investir tanto do meu tempo e das minhas energias para o pensamento e o desejo por uma mulher e por esse mundo lésbico, ou se me envergonhava pelo comportamento infantil diante do Dan com minhas mentiras.

No jornal, a minha equipe já me esperava, a fim de mostrar os resultados do dia de trabalho. E sobrou para mim a tarefa de inaugurar a coluna sobre dicas de saúde, Luiza colocou sobre minha mesa o telefone de minha suposta entrevistada, e o universo conspirava para mais uma vez eu reencontrar Marisa.

Hesitei em ligar, minha crise de sexualidade me impedia que eu me comportasse como uma mulher adulta. Passei minha manhã inteira discutindo com o aparelho de telefone sobre minha mesa.

“Se eu ligar vai parecer que estou correndo atrás dela... E se ela quisesse que eu ligasse pra ela teria me dado o número do telefone dela! Se eu não ligar ela pode achar que não estou interessada... Mas eu quero que ela pense que estou interessada? Mas Alexandra! Isso é apenas um contato profissional!”

Meu diálogo com o telefone não era silencioso, a ponto do Daniel ao entrar na sala sorrateiramente ter uma crise de risos.

-- O que é isso sardenta?

A surpresa da pergunta do meu amigo me deixou ainda mais nervosa, gaguejei para responder, disfarçando fingindo ajeitar os papéis da minha mesa:

-- Nada ué, só pensando alto.

-- Sei...

-- Quer falar comigo?

-- Na verdade vim só pra dizer que já enviei a proposta aos patrocinadores que você deixou ontem, até o final do dia teremos a resposta.

-- ”timo Dan!

-- Mas você vai ou não ligar para Marisa?

-- Han? Como você sabe?

Nem percebi que mais uma vez acabara de me entregar, o Dan era mestre em me pegar nas minhas trapalhadas.

-- Não sabia, mas acabei de ter certeza...

-- …... Preciso fazer entrevista com ela para a coluna de saúde do jornal...

-- Então você tem que ligar Alex! Por que essa hesitação?

-- Por que, você sabe... Ela pode pensar que isso é só uma desculpa para falar com ela...

-- E não é?

-- Não Dan! Ninguém tem tempo para fazer essa entrevista, por causa da imensa equipe que você me deu!

-- Sabe o que eu acho?

-- Tenho até medo de perguntar... Mas o que você acha?

-- Que se não existisse um motivo para você ligar para ela, você ia ter que criar um... Mas eu não preciso dizer isso, você é experiente em relacionamento com mulheres...

Notei a ironia nas palavras do Dan, disfarcei enquanto ele se aproximava da mesa, pegou o telefone, discou e eu, nem desconfiava para quem ele ligava até ouvir:

-- Dra. Marisa! Olá, como vai? … o Daniel. Estou ligando para saber como está sua agenda hoje... Infelizmente o orçamento não permitiu que eu contratasse uma secretária para editora-chefe da Folha de Nova Esperança, então estou me candidatando a vaga... Alexandra precisa fazer uma entrevista com um profissional de saúde, para inaugurar uma coluna sobre vida saudável na próxima edição do jornal, queria saber se há alguém na universidade que possa participar... Ou você, quem sabe...

Engoli as palavras, atônita com a cara-de-pau do Dan. Mas, ansiosa pela resposta do telefonema:

-- Tudo bem então, no final da tarde então. Comunico a Alexandra, e obrigada doutora.

Dan desligou o telefone fazendo suspense, provocando minha ansiedade:

-- Então, ela vai me dar à entrevista?

-- Não sei se ela pessoalmente, mas ela vai providenciar alguém.

-- Como assim?

-- … isso Alex, se ela não puder dar a tal entrevista, indicará alguém. No final da tarde esteja na universidade com seu gravador. Pronto, cumpri minha obrigação... Boa sorte!

O dia foi longo, as horas demoraram mais a passar, pela expectativa de rever Marisa, e ainda me restava à dúvida sobre reencontrá-la ou não. Preparei as perguntas para a entrevista desejando mudar o teor delas, na verdade queria mesmo era perguntar: - O que você quer comigo? O que você faz comigo que me deixa assim? O que eu tenho que fazer para você me beijar agora? -. Poucas horas antes de sair para a universidade, qual adolescente ansiosa pelo encontro com seu primeiro namoradinho, tive o cuidado de passar em casa e me produzir... Eu sequer sabia o que agradava uma mulher... Devo ter tirado uma dezena de roupas do armário, inventado mil penteados diferentes, e quando me dei conta, eu só tinha meia-hora para chegar pontualmente ao encontro.

Na verdade, nem era um encontro, mas a possibilidade de rever a protagonista das minhas fantasias sexuais transformou o caráter profissional da entrevista em um afrodisíaco compromisso. Optei por um vestido sóbrio, mas de frente única dando aquele toque de sensualidade, os sapatos elegantes deram um toque peculiar no meu visual. No caminho para a universidade eu ensaiava meu cumprimento a Marisa, encarando o retrovisor: - Olá Dra. Marisa, como vai? Incomoda-se se eu usar o gravador? Podemos começar? – Pura ilusão que eu me manteria tão calma e profissional assim, a simples lembrança do cheiro e do gosto de Marisa já fazia minhas pernas tremerem...

Enfim cheguei a Universidade, segui direto para o prédio do Departamento de Ciências da Saúde. À porta da sala de Marisa, a secretária me orientava há aguardar alguns minutos até eu ser atendida. Ao entrar enfim na sala da chefe do departamento, ansiosa por rever a mulher mais linda que eu conhecia, me decepcionei com a presença de um homem calvo de meia idade, sentado no sofá.

-- Alexandra Alcântara? Muito prazer, Dr. Ernani Campos, coordenador do curso de Medicina. A Dra. Marisa infelizmente não chegará a tempo, e pediu que eu respondesse às suas perguntas. Desde já parabéns pelo jornal, vi a primeira edição, muito boa, espero contribuir a altura nessa segunda edição, aliás, a idéia de uma coluna sobre vida saudável é bastante apropriada.

Com um ar meio abobado, mas visivelmente decepcionada, eu apenas sorri amarelo e apertei a mão do médico com um sorriso amarelo. Sentei-me na poltrona de frente para ele e comecei a entrevista de maneira seca, e pouco simpática. O coitado do médico devia se interrogar o motivo do meu notório mau-humor, evidenciado pela minha luta física com as teclas do gravador.

A entrevista não durou mais que trinta minutos, para a surpresa do experiente médico, recolhi meu material apressadamente, irritada pela frustração de não ver Marisa, encarando aquilo como um bolo. Pisando forte pelos corredores daquele prédio, resmungando algo inaudível, saí em direção ao estacionamento, deixando os papéis da minha pasta voarem pelo campus. Essa cena se repetiu até chegar perto do meu carro. Devo ter parado para apanhar os papéis no trajeto pelo menos umas três vezes, aumentando ainda mais minha irritação.

Esqueci de desligar o alarme do meu carro, enfiando a chave na porta, com o susto do barulho do alarme soltei tudo que estava na minha mão, me perdendo entre dois botões para desativar o alarme. Quando enfim consegui fazê-lo, joguei tudo espalhado pelo banco de trás do carro, murmurando palavrões, até escutar risos atrás de mim.


Capítulo 10: A entrevista

Era a própria: Marisa, segurando os risos tapando sua boca, fingindo intimidação com meu olhar irritado. Como ela conseguia ficar mais linda a cada dia? Eu sequer conseguia lembrar o porquê de estar tão mal humorada.

-- O que foi? Está se divertindo?

-- Muito. Você fica ainda mais adorável com esse bico sabia?

O comentário de Marisa me desarmou, ela era sem dúvida uma sedutora. Relaxei os ombros, ajeitei meus cabelos assanhados pela sequência de trapalhadas, abri um sorriso tímido enquanto Marisa prosseguia:

-- Como foi a entrevista?

-- Foi boa, o Dr. Ernani é um médico bastante experiente e careca...

-- Han?

O último adjetivo saiu despercebido, bem típico da minha distração. Nem consegui remendar o comentário descabido, gaguejei, e Marisa interrompeu:

-- Ficou decepcionada com a falta de cabelo do Ernani?

-- Não. Na verdade minha decepção foi por outro motivo.

-- Posso saber qual?

-- Pensei que a entrevista seria com você...

Inesperadamente, Marisa ruborizou, nem sei de onde saiu a coragem para dizer isso, mas a reação de Marisa compensou o risco.

-- Como posso compensar sua decepção?

Essa foi a vez de eu experimentar o rubor na pele. Marisa se aproximou um pouco mais, gesto suficiente para fazer minhas pernas tremerem, os olhos dela provocavam em mim uma espécie de hipnose, eu era incapaz de fugir deles. 

-- Você não vai me dizer como posso compensar você?

-- Eu não sei. Outra entrevista?

-- Eu topo. Mas o lugar da entrevista eu escolho.

-- Eu concordo.

-- Então, me dá a chave do carro. O lugar que vamos é surpresa para você.

Entreguei a chave do carro, e ainda extasiada pela presença de Marisa perto de mim, não desgrudei meus olhos dela, como se não pudesse evitar contemplá-la. Antes de sairmos, Marisa ligou o som do carro, foi mexendo como se procurasse a trilha certa, da sua bolsa tirou um pen drive, e escolheu Maria Gadú:

Todos caminhos trilham pra a gente se ver
Todas trilhas caminham pra gente se achar, viu?
Eu ligo no sentido de meia verdade
Metade inteira chora de felicidade
A qualquer distância o outro te alcança
Erudito som de batidão
Dia e noite céu de pé no chão
O detalhe que o coração atenta
Todos caminhos trilham pra a gente se ver
Todas trilhas caminham pra gente se achar, né?
Eu ligo no sentido de meia verdade
Metade inteira chora de felicidade
A qualquer distância o outro te alcança
Erudito som de batidão
Dia e noite céu de pé no chão
O detalhe que o coração atenta


A qualquer distância o outro te alcança
Erudito som de batidão
Dia e noite céu de pé no chão
O detalhe que o coração atenta
Você passa, eu paro
Você faz, eu falo
Mas a gente no quarto sente o gosto bom que o oposto tem
Não sei, mas sinto, uma força que embala tudo
Falo por ouvir o mundo, tudo diferente de um jeito bate
Todos caminhos trilham pra a gente se ver
Todas trilhas caminham pra gente se achar, viu?
Eu ligo no sentido de meia verdade
Metade inteira chora de felicidade
A qualquer distância o outro te alcança
Erudito som de batidão
Dia e noite céu de pé no chão
O detalhe que o coração atenta


Parecia feita para nós a tal composição da Gadú. Mas afinal o que estava acontecendo comigo? Procurando detalhes românticos entre eu e uma mulher? Mas ficar imune ao jeito sedutor de Marisa, era uma tarefa impossível. Sem contar com a voz da Gadú que soava afrodisíaca naquele momento. No percurso para o local desconhecido para mim, fantasiei várias vezes que Marisa pararia o carro para me tomar com seus beijos ardentes ali mesmo dentro do carro, pela estrada cercada de altas árvores, no clima serrano que inspirava.

Marisa parou num descampado, com uma vista maravilhosa. Parecia um mirante, da lá vimos o anoitecer chegar, e as luzes da cidade lá de cima davam o clima especial, especialmente pelo friozinho que nos obrigava a ficar mais perto uma da outra.

-- Gostou da vista?

-- Sim, é lindo aqui. Você vem sempre?

-- Sim, sempre venho.

-- Acompanhada?

Marisa sorriu e de frente para mim, com aqueles olhos encantadores respondeu com uma indagação:

-- Isso importa?

-- Não quero ser só mais uma...

-- Se isso te tranqüiliza. Quando venho aqui, venho sozinha, para pensar, quando estou precisando de calma, para tomar decisões importantes, para repensar atitudes. … em suma, meu refúgio.

A resposta de Marisa inexplicavelmente me encheu de confiança. Ousei me aproximar ainda mais dela, que estava encostada no carro. Quando parecia inevitável nosso beijo, Marisa perguntou com ar de malícia:

-- Então o que você quer de mim?

Roçando meus lábios na face dela, eu disse bem perto de seu ouvido:

-- Você nem suspeita?

-- Estou me referindo à entrevista que você solicitou. O que você quer saber de mim?

A resposta pareceu um balde de água fria nos meus propósitos que eu julgava tão claros pelo calor de nossas peles grudadas.

-- O que eu quero saber? Você me trouxe aqui para ser mesmo entrevistada?

-- Claro Alexandra.

Como aquela mulher me deixava confusa! Como se fosse possível eu ficar mais atrapalhada ainda, as palavras dela me atordoaram. Afastei-me bruscamente, abri a porta traseira do carro buscando meu gravador. Lancei mão dele, apertei o REC e perguntei:

-- Dra. Marisa, a senhorita está me fazendo de palhaça?

A cara de surpresa de Marisa diante do meu gesto foi impagável. E eu insisti:

-- O que a senhorita pretende comigo afinal?

-- Alexandra, eu não sabia que o teor da sua entrevista era esse...

Tomada de uma irritação surreal, eu me afastei ainda mais de Marisa que me olhava com cara de interrogação, e disse:

-- Já tenho material suficiente para editar, vamos embora.

Entrei no carro, dei partida, e com as mãos na cintura Marisa me olhava com um ar de riso. Dei a ré no carro e fiz sinal para que ela entrasse no banco do carona.

-- Vai ficar aí? Acho que aqui não passa táxi.

-- Alexandra desça aqui! Agora! Vou responder suas perguntas!

Sem me dar chances de escapatória, Marisa abriu a porta, puxou-me pelo braço, me pressionou contra o carro e me beijou de uma maneira tão quente, tão intensa que meus gemidos foram inevitáveis. Minhas pernas não tremiam mais, elas simplesmente perderam as forças. Marisa encaixou uma de suas pernas entre as minhas, e a roçou enquanto sugava meus lábios desejosos de mais da boca, da língua dela saboreando da minha. Eu segurava sua nuca demonstrando minha intenção de não deixá-la se afastar de mim.

As mãos de Marisa já invadiam minhas pernas por baixo do vestido, minha pele eriçava inteira, meu sexo já estava molhado, como eu desejava aquela mulher! Nenhum toque, nenhum beijo me provocou essas reações antes dela. Marisa me suspendeu me colocando em cima do capô do carro, facilitando o acesso aos meios seios, eriçados de prazer. Sentia-me fora do chão, flutuando, até sentia meu corpo de movimentar suavemente, quando subitamente Marisa interrompeu as investidas me perguntou:

-- Você puxou o freio de mão?

-- Não quero frear nada, continua...

-- Alex, o freio de mão do carro, ele está descendo!

Não que as sensações que meu corpo experimentava não pudesse me fazer flutuar, mas os movimentos que senti do meu corpo, era mesmo o carro se movimentando... Marisa soltou-me rapidamente, e saiu correndo atrás do carro a fim de consegui freá-lo, eu sem forças nas pernas escorreguei e me espatifei na grama e do chão, vi Marisa alcançar o carro, e pará-lo antes que ele despencasse serra a baixo.

Ao me ver estatelada no chão, Marisa correu para me ajudar:

-- O que aconteceu? Eu te empurrei?

-- Não, eu só escorreguei, está tudo bem. Ainda bem que você é rápida. Há essa hora meu carrinho teria virado farofa lá em baixo...

Marisa me ajudou a levantar, posicionou seu braço em volta do meu ombro, e me conduziu até o carro, e disse:

-- Vamos pra um lugar menos perigoso, terminar essa entrevista...

Eu me contentei em apenas concordar com Marisa com um sorriso tímido. No trajeto de volta, o olhar hipnotizante de Marisa já não era só sedução, percebi um carinho que me deixava ainda mais encantada por ela. Reconheci a estrada de terra, e enfim chegamos ao lugar da troca do nosso primeiro beijo: a casa de Marisa.

Muito atenciosa, ela me convidou para entrar, pediu licença para acender a lareira, e em poucos minutos apareceu na sala com duas taças de vinho. Sentou-se perto de mim, no sofá próximo a lareira e perguntou:

-- Certeza que não se machucou na queda?

-- Sim, tenho obrigada.

-- Nossos encontros deveriam ser patrocinados pela Gelol...

Sorri confirmando o comentário jocoso de Marisa, beberiquei o vinho, sem me perder do olhar fixo de Marisa.

-- Então, vamos continuar com a entrevista? – Perguntou Marisa.

-- Esqueci o gravador no carro, vou buscar. – Respondi com ar decepcionado.

-- Mas tenho certeza, que as respostas que vou te dar, você vai gravar na mente...

Senti nesse momento a sensação de ter engolido uma centena de borboletas, Marisa até sem querer esbanjava sedução. Meu coração acelerou, a boca ficou seca, entornei a taça de vinho em um só gole com tanta sede que acabei me engasgando, derramando o vinho tinto na minha roupa.

-- Ai que desastrada! Olha só o que fiz com meu vestido!

-- Calma Alexandra, nada que sabão não resolva. Venha comigo, te dou um roupão, e coloco na máquina de lavar agora mesmo seu vestido, logo estará sequinho, pronto para você vestir.

Segui Marisa até seu quarto que como ela, era elegante, sóbrio, com uma cama espaçosa, as paredes em cores claras, uma poltrona de camurça com apoio para os pés, a janela do quarto tinha a vista do jardim lateral da chácara, um closet amplo, com uma porta que dava acesso ao banheiro, nele uma banheira no canto. Observei tudo enquanto me trocava, e Marisa se ocupava em lavar meu vestido.

-- Pronto, daqui a pouco seu vestido está no seu corpo de novo... Se você quiser, claro.

Devo ter ficado mais que vermelha com a sugestão de Marisa, acho que fiquei multicolorida.

-- Vamos para sala, a lareira está acesa, e você vai estar mais aquecida.

Quando voltamos à sala, Marisa tinha colocado na mesinha de centro alguns petiscos, e na lareira, espetos de marshmallow. Sentou-se no chão, perto da lareira, virando os pedaços da guloseima e convidou:

-- Sente aqui perto de mim... Está mais quentinho aqui.

Não hesitei, não tinha dúvidas que meu corpo queimava perto dela, independente do fogo da lareira. Fiquei de frente para ela, esfregando minhas mãos perto do fogo, observando cada gesto dela, até ser flagrada por Marisa, se eu fosse um personagem de desenho animado, ela veria naquele momento dezenas de corações saindo pelos meus olhos.

-- Quer um?

-- Um o quê?

-- Marshmallow... Você está olhando com tanta vontade...

Sorri e balancei a cabeça positivamente. Marisa entregou o espetinho advertindo:
-- Toma, mas cuidado, está quente...

O aviso de nada adianta para uma pessoa “habilidosa” como eu. Mordi o pedaço de mashmarllow, e pelo calor que me queimou a língua, fui obrigada a cuspi-lo, derrubando o resto do espeto quente por cima de mim, e um deles, desceu pelo decote do roupão, provocando uma sucessão de abanos com as mãos e sopros. Marisa por mais que tentasse me ajudar, não conseguia conter os risos.

Depois de enfim conseguirmos controlar o “incêndio”, eu já estava praticamente com o colo desnudo, o que naturalmente atraiu a atenção de Marisa, e como eu gostava disso... Sentir-me olhada e desejada por ela.

-- Você me disse que ia me trazer para um lugar menos perigoso e, no entanto, em menos de uma hora, estou sem roupas e queimada...

-- Concordo com você, nesse momento, você está correndo grande perigo.

Marisa mordeu os lábios, baixando os olhos para meu colo, isso foi para mim, o gesto mais provocativo que eu já tinha sido alvo. Uma gota do marshmallow derretido escorreu pelo meu colo e delicadamente, Marisa deslizou o dedo indicador recolhendo o líquido, se deliciou lambendo o próprio dedo, e isso inexplicavelmente me excitava.




CAPÍTULO 11: UMA VISITA
No dia seguinte, recebi alta, com minha aparência menos parecida com um morango inchado. Marisa foi para universidade, enquanto Dan me deixou em casa, avisando:
- Hoje você fica em casa, qualquer coisa, peço para Marcos organizar e te mandar por e-mail. Ah, a Rosa já está aí na sua casa, vai ficar o dia cuidando de você.
- Você liberou a Rosa pra mim?
- Só hoje! Como não fico sem a comidinha dela, venho almoçar com você!
Antes de sair Daniel se despediu dizendo:
- Quase esqueci, você terá visitas...
- Visitas?
Mal terminei de falar quando ouvi batidas na porta:
- Deve ser as visitas a qual me referi...
- Daniel! Antes que eu tenha outra urticária de curiosidade me fala quem vem me visitar?
Daniel gargalhou, e logo as tais visitas se anunciaram por si sós:
- Xandinha! Filhinha da mamãe!
Não podia acreditar: Dona Angelina e o senhor Alexandre, meus pais, desembarcando de mala e cuia diante dos meus olhos.
Respirei fundo e perguntei:
- Mãe, pai, o que vocês estão fazendo aqui?
- Como assim o que estamos fazendo aqui? Cuidar da nossa sardentinha! O Daniel nos ligou ontem falando que você estava no hospital, a gente nem desfez as malas direito, saímos de madrugada, chegamos há dois dias de um cruzeiro maravilhoso pelo nordeste. – Respondeu minha mãe espalhando a bolsa e sacolas pela mesa e pelo chão.
Olhei para Daniel com um olhar fuzilante.
- Não vai dar um abraço na mamãe?
Meio sem graça abracei minha mãe, que além de não me largar por alguns segundos, sufocando minha respiração entre os braços dela, apertou minhas bochechas, apalpou minha barriga dizendo:
- Mas como minha sardentinha está magrinha!
- Ai mãe...
- Deixa a menina em paz Angelina! Vem cá minha filha, o papai está com saudades, cadê meu abraço?
Abracei meu pai imediatamente, até como fuga dos apertos de minha mãe, mas pra falar a verdade, estava mesmo cheia de saudade deles, só temia quais conseqüências teriam a visita deles naquele momento, afinal de contas, a última vez que eles me viram, eu estava noiva de um homem, agora me reencontram apaixonada por uma mulher...
- Mas o que você teve afinal? O Dandan falou que você estava toda empatacada... Andou comendo porcaria? Alexandra você comeu nozes?
- Não mãe... Foi uma situação de estresse, mas já está tudo bem.
- Como estresse? Filhinha o que você anda fazendo? Trabalhando muito? – Meu pai perguntou preocupado.
- É pai... Muita responsabilidade, mas não precisa se preocupar, já está tudo bem.
- Nós vamos cuidar muito bem de você a partir de agora minha querida...
- Nós? Han? Como assim mãe? Vocês vão passar quanto tempo aqui?
- Alex pelo amor de Deus, isso é pergunta que se faça aos seus pais que você não vê há meses? – Cochichou Dan no meu ouvido.
- Vamos passar o tempo necessário... – Respondeu minha mãe, prestando atenção em cada detalhe da decoração da minha casa.
- Então, vamos acomodar vocês... Devem estar cansados da viagem...
Disse com objetivo de limpar minha barra com meus pais, depois da minha reação estranha à visita deles. Pedi a Rosa que os levasse até o quarto de hóspedes, enquanto eu brigava com Daniel por ter alarmado meus pais acerca da minha saúde.
- Bicha o que foi que te deu na cabeça pra você ligar pra minha mãe falando que eu estava no hospital?
- Ai mona não vem causando comigo não! Só estava preocupado com você!
- Por que eu estava com coceira?
- Coceira ou encosto? Por que parecia mais que tinha baixado um caboclo beiçudo com sarampo em você...
- Dan não seja dramático! O drama maior agora será contar pra meus pais sobre minha nova condição lésbica... Eu não estou preparada para isso.
- Não conta ué!
- Ah você não conhece minha mãe... Ela vai fuçar, interrogar, até me pegar num deslize...
- Alex diz que a Marisa é uma amiga, poxa, ela não é uma caminhoneira, sua mãe nem vai desconfiar de nada.
- Será?
- Controle-se quando estiver com ela, não precisa ficar com esse olhar de Betty Pop quando estiver olhando para Marisa...
Sorri quando ouvi a voz estridente de minha mãe se aproximando.
- Essa casa é maravilhosa minha filha! E esse quintal? Lembra minha infância...
- É da família do Dan mãe...
- Vou adorar passar um tempo aqui... Olha Alexandre, que coisa linda meu filho!
Minha mãe apontou encantada para a vista que eu tinha do meu quintal, de fato, para quem vivia numa capital onde a visão mais comum eram engarrafamentos e uma selva de prédios altos, aquele verde todo era uma visão maravilhosa.
- Vamos sentar ali naqueles banquinhos de madeira fofos, quero saber de tudo que está acontecendo com minha filhinha querida, nos falamos sempre tão rápido pelo telefone, e não me entendo com essas modernidades de falar pelo computador, só seu pai mesmo pra achar boas essas coisas...
- Angelina, a menina chegou agora do hospital, precisa descansar!
- Tudo bem pai... Vamos para o quintal então, nós três.
- Vou deixa a família à vontade, vou trabalhar, volto para almoçar com vocês. – Avisou Dan.
E fiz a vontade de minha mãe, conversamos no quintal de casa sobre meu trabalho, sobre o sucesso do jornal, sobre a visita da Renatinha, sobre meus novos amigos, mas não tive coragem de falar de Marisa, e meu pai, que me conhecia muito bem perguntou:
- Algum amigo especial minha filha?
- Todos são especiais... Mas o Dan tem me ajudado muito, está ao meu lado para tudo!
- Você bem que podia dar um jeito nele filhota! – Disse minha mãe empolgada.
- Jeito? Que jeito?
- Ah, você sabe Alexandra, esse jeito desmunhecado dele...
- Ai mãe...
- Angelina pelo amor de Deus! Que sandice! Alexandra se livrou de um noivo gay e você quer empurrar outro?
Não tive alternativa a não ser rir, até Rosa chegar com um café fresquinho e biscoitos de nata, especialidade dela. A manhã inteira foi mesmo de matar as saudades de meus pais, disfarcei as mensagens de texto que recebi de Marisa como se meus pais tivessem o poder de ler minha mente, sequer consegui ser carinhosa nas respostas à minha namorada.
O almoço chegou a ser cômico com a insistência de minha mãe em fazer propaganda da minha pessoa para o Dan, que obviamente estranhou a atitude de dona Angelina.
- Então Dandan, minha filha não está linda? Estranhei-a magrinha assim, mas, prestando atenção fez muito bem uns quilinhos a menos não foi?
- Ah claro! Arrasou, a sardenta está com um corpo escândalo!
A purpurina jorrou no comentário de meu amigo, de tão gay que ele falou...
- É... Um escândalo... Mas Daniel meu filho, você, um homem tão bonito, bem sucedido, não pensa em casar, ter filhos?
- Claro que penso!
- Filhos seus com minha Xandinha iam ser lindos!
- Mãe!
Meu pai apertava a mão de minha mãe censurando as investidas dela.
- Dona Angelina, também acho viu... Ter essa sardentinha como mãe de meus filhos seria um luxo! Se Alex topar, quem sabe...
- Olha aí! Tá vendo Alexandre! Minha filha, o Daniel é um partidão!
Estranhei a resposta do Dan, franzi as sombracelhas até que ele completou:
- Se a sardenta não se incomodar por seu filho ter dois pais...
- Ai meu Deus como assim meu filho?
- Mãe! Será que a senhora não entendeu que o Daniel é gay?
O silêncio se instalou na cozinha, e o resto do almoço foi regado apenas a elogios à comida da Rosa. Depois de almoço nos sentamos na varanda, meu pai tentando tirar a tromba que minha mãe vestiu depois da chamada de atenção que lhe dei à mesa, contava detalhes das viagens deles pelo mundo. Tudo estava indo bem, até que Marisa chegou de surpresa.
- Marisa! – Eu disse.
- Boa tarde, interrompo alguma coisa?
Empalideci, senti como se estivesse estampado na minha cara que aquela era minha namorada. Dan antecipou-se e respondeu:
- Claro que não doutora! Dona Angelina, Sr. Alexandre, essa é a Doutora Marisa, médica e chefe do departamento de medicina da nossa universidade. Marisa, esses são os pais de Alexandra.
- Pais? Eu não sabia que seus pais estavam aqui Alexandra...
Senti aquele tom de decepção na voz de Marisa, e eu, não conseguia disfarçar minha tensão. Educadamente, Marisa cumprimentou meus pais, e meu pai respondeu:
- Chegamos hoje pela manhã.
- Ai que maravilha! Você é médica minha filha? Que coisa linda, queria tanto que Alexandra tomasse gosto pela medicina, mas não teve jeito... Estava mesmo precisando falar com um médico, estou com um probleminha de intestino preso desde que viajei para o Havaí, uma coisa horrorosa, olha o tamanho da minha barriga, e por falar em barriga, estou com uns carocinhos aqui...
- Mãe pelo amor de Deus! A Marisa não veio aqui consultar a senhora.
Minha mãe a essa altura já tinha levantado a blusa e pegado a mão de Marisa indicando o local que ela queria mostrar. Marisa sem graça amenizou a situação:
- Dona Angelina, é esse seu nome não é? Vamos fazer assim, a senhora pode me procurar no hospital amanhã e aí examino a senhora com calma, peço exames se for necessário...
- Ótimo, amanhã eu vou sim, aproveito e levo Alexandre, ow homem teimoso viu, ele também está com um probleminha...
- Angelina!
Meu pai interrompeu a mulher antes que ela revelasse problemas íntimos seus. Marisa sorriu e aquele sorriso me deixava de pernas bambas. Daniel percebeu o quanto eu estava desconcertada e tomou as rédeas da situação:
- Marisa sente aqui, estamos esperando o café da Rosa, tome conosco, mas você já almoçou?
- Sim Daniel, obrigada, vou aceitar sim o café.
Marisa me olhava estranhamente, e eu, fugia do seu olhar como se me esquivasse de uma culpa. Minha mãe não parou de falar um só instante, recobrando seu estado natural. Graças a sensibilidade gay, Dandan conseguiu convencer meus pais a conhecer a secretaria de cultura com ele, deixando-me a sós com Marisa em casa.
- Mah... Eu não sabia que eles viriam, apareceram de surpresa hoje de manhã depois que o Dan ligou para eles falando que eu estava internada...
- E você não podia ter me avisado? Mandei tantas mensagens para você hoje de manhã...
- Fiquei tão atordoada com a presença deles que... Além do mais, não queria te contar assim por mensagem de texto, estava esperando uma oportunidade pra te ligar... Mas minha mãe não saiu do meu pé desde que chegou.
- E qual o problema de você me ligar na presença de sua mãe? Você não pretendia me apresentar a ela?
- Claro que sim! Mas você não sabe como minha mãe é, imagina que ela estava até me empurrando pro Dan! Falando em filhos e tudo mais...
Sorri sem graça enquanto Marisa se acomodava no sofá com uma expressão séria.
- Mah, você está chateada?
- Pra falar a verdade, um pouco Alexandra, você me acusa de ter segredos, mistérios, mas você parece que quer esconder sua vida de mim, não me deixa participar de coisas fundamentais para você...
- Não Mah, não é isso! Eu quero que você saiba de tudo da minha vida, só sou avoada demais...
- Sei...
- Desculpe-me por favor... Não quero que você pense assim.
- Tudo bem Alex... Está se sentindo bem? Digo, a urticária não deu mais sinais?
- Estou bem sim... Mas uma coisa me incomoda.
- O quê?
- Você ainda não me deu um beijinho sequer!
Sentei-me ao lado dela mexendo nos seus cabelos, e Marisa beijou meus lábios lentamente, como se saboreasse minha boca. Isso foi o suficiente para me acender, avancei na sua boca sugando sua língua com voracidade.
Impus o peso do meu corpo contra Marisa, deitando-me por cima dela sem parar de beijá-la aumentando minha excitação.
- Nossa Alex... Você está... Deliciosa...
- É? E sou toda sua...
As mãos de Marisa se perdiam por baixo de minha blusa enquanto eu beijava seu pescoço macio e com um perfume irresistível:
- Adoro seu cheiro Mah...
Marisa me beijava com paixão, abriu com toda destreza o zíper da minha calça descendo sua mão por dentro dela sentindo meu sexo úmido, sorriu com malícia, e provocou ainda mais minha excitação massageando meu clitóris, despertando meus gemidos.
Nem lembrei que não estávamos sozinhas em casa, Rosa estava na cozinha:
- Minha linda... Você é capaz de gozar em silêncio?
- Han?
- Se Rosa nos ouvir...
- Vamos pro quarto então...
Antes de nos dirigirmos para o quarto, Marisa segurou-me pela cintura invertendo a posição, ficando encaixada entre minhas pernas por cima de mim, mordiscando minha orelha, deslizando sua língua pelo meu ouvido.
Ouvi barulho da porta se abrindo e instintivamente, joguei Marisa no chão e me sentei no sofá me recompondo, no exato momento que meus pais voltavam com Daniel. Marisa estava no chão, meio descabelada com um olhar de fúria para mim.
- Doutora o que houve? – Perguntou minha mãe.
- Acho que sentei onde não devia dona Angelina, o sofá ficou pequeno de repente... – Respondeu Marisa levantando-se do chão, ajeitando os cabelos.
A cara do Dan era um ponto de interrogação gigante, meu pai obviamente também estranhou, especialmente por causa da minha cara de menino que acabou de quebrar um vaso caro da mãe.
- Bom, estão devidamente entregues dona Angelina e Sr. Alexandre, tenho que voltar ao trabalho. Alex, se precisar de qualquer coisa pode ligar.
- Acompanho você Daniel, vou voltar para a universidade. – Avisou Marisa.
Marisa pegou sua bolsa na poltrona, cumprimentou a todos se despedindo em um tom quase formal, evitando olhar para mim, logo deduzi que ela estava furiosa comigo, e reconheço com razão.
Passei o resto do dia angustiada, Marisa desligou o celular, o que normalmente eu entenderia, uma vez que ela fazia isso quando estava dando aulas, mas naquele dia, eu atribui o gesto dela como punição a mim, se recusando a falar comigo. Assim, eu precisava fazer algo para falar com ela e tentar me redimir.
A espera pela noite foi infinita, e eu sem sucesso nas tentativas de falar com minha namorada, escapei de perguntas de minha mãe sobre minhas insistentes ligações, atribuindo a assuntos de trabalho. Praticamente os dopei de chá de camomila e leite quente, na esperança que dormissem logo e eu pudesse ir ao encontro de Marisa.
Quase meia-noite quando consegui sair sorrateiramente de minha própria casa, com destino a casa de Marisa. Certamente ela não estava em casa, pois não abriu a porta nem atendeu ao telefone de casa, eu não queria me arriscar a ser presa novamente, liguei para o hospital me certificando que ela estava de plantão naquela noite, e corri para lá.
A mesma enfermeira que me flagrou em fuga na noite anterior me viu na recepção:
- Olá Alexandra, outra crise de urticária? Ou está procurando um telefone público?
Sorri para ela, no que fui retribuída no gesto.
- Na verdade, estou procurando a Doutora Marisa, você sabe me dizer onde ela está?
- Ah claro... Doutora Marisa... Ela está no repouso médico...
- E... Eu posso ir até lá?
- Bom, existem regras no hospital quanto a isso Alexandra, não é permitido pacientes visitarem o repouso médico...
- Quebra esse galho enfermeira...
Fiz aquela carinha do gato de botas do Sherek, na tentativa de sensibilizar aquela mulher, que prestando bem atenção, era linda.
- Juliana.
- Han?
- Meu nome é Juliana, pra você parar de me chamar pela minha profissão...
- Ah! Desculpa... Então Juliana, preciso falar com a Doutora Marisa...
- Olha, você me promete que não vai se esconder no necrotério? Nem na lavanderia? Nem na cozinha?
Sorri mais uma vez e respondi:
- Prometo!
- Então, venha comigo.
Juliana fez sinal para que eu a seguisse, e assim o fiz. No trajeto, ela me perguntou sobre minha saúde, e me parabenizou pelo jornal. Ela me parecia mais simpática que no dia anterior, também pudera, coloquei a coitada numa encrenca, quando fugi do quarto e fui encontrada com o senhor Gordinho no necrotério.
- Pronto, é aqui, Doutora Marisa tem o sono leve, então não vai ser difícil acordá-la, mas não diz pra ela que eu te trouxe aqui, não tenho nada haver com isso ok?
- Pode deixar! Muito obrigada Juliana!
Beijei sua mão, e notei-a ruborizar. Saiu meio sem graça enquanto eu batia à porta do repouso médico. De fato, não demorou para Marisa me atender, e se surpreendeu ao me ver ali.
- Alexandra? Mas, o que você está fazendo aqui?
- Precisava falar com você, e como você não atendeu minhas ligações...
- Fiquei sem bateria...
- Desde a tarde?
- Alexandra, também não queria falar com você, por isso nem carreguei...
- Temos um problema então, por que não saio daqui sem conversar com você.
Marisa afastou-se da porta sinalizando com a mão que eu entrasse no quarto.
- Você tem motivos para estar chateada comigo, desde ontem eu tenho vacilado com você, mas eu juro que não é intencional.
- Ainda bem Alexandra... Não seria normal você me magoar assim gratuitamente.
- Mah, eu sou meio atrapalhada, mas... Isso nunca me atrapalhou tanto quanto tem atrapalhado desde que estamos juntas.
- Então demorou a isso acontecer Alexandra, ou, ficou tudo acumulado para minar nossa relação...
- Minha vida amorosa nunca foi afetada por esse meu jeito estabanado... Mas minha vida profissional era um desastre, agora está acontecendo o contrário... Minha vida não tem equilíbrio com o universo!
Notei um sorriso discreto se desenhar nos lábios de Marisa quando disse isso quase como um suspiro.
- Eu não sabia que meus pais viriam te disse, e, não tive tempo, ou melhor, dizendo, coragem de falar para eles sobre nós, e fiquei apavorada com medo de nos flagrarem...
- Alexandra, não me chateei por você ter me lançado ao chão, não seria agradável seus pais nos flagrarem naquele amasso mesmo que eles soubessem de nós. Fiquei chateada por que você simplesmente é outra pessoa na frente deles... Senti como se você estivesse mais uma vez me excluindo de sua vida, me tratando como praticamente uma estranha, se quer me apresentou como uma amiga, eu simplesmente não existi pra você nessa tarde, sentou a metros de distância de mim, não me olhou uma só vez, não me dirigiu a palavra na frente de seus pais, quer saber? Isso denunciou mais do que um beijo na boca, se seus pais forem um pouquinho mais ligados perceberam o clima estranho entre nós.
- Você está coberta de razão Mah... Pode me desculpar?
- Não se trata só de te desculpar... Essa postura que você adotou diante de seus pais tem que mudar, tudo bem, hoje teve a surpresa, o choque, mas não vou tolerar ser tratada como uma adolescente por uma namorada que está se comportando como tal.
- Você está querendo me dizer que... Eu vou ter que contar aos meus pais sobre nós?
- Alex, não estou te obrigando a isso, mas pense bem, você é adulta, independente, estamos juntas, nos gostamos... Você vai enganar seus pais até quando? Até eles arranjarem outro amigo seu para te empurrar como futuro marido? Não quero passar pelo constrangimento que passei hoje. Eu não preciso e não quero passar por isso!
- Tudo bem... Mas eu preciso de um tempo pra fazer isso, você pode fazer mais isso por mim?
- Ai ai... O que eu não faço por você... Minha trapalhona...
- Sabe que você fica muito sensual com essas roupas azuis...?
- O quê? Esses sacos que estou vestida, roupas do centro cirúrgico? Essa calça que cabem duas de mim e essa bata que cabem umas três?
- Você não sabia que tenho fantasias com você vestida com esses trajes aí?
- Ah é?
- Ahan... A vantagem é que com essas roupas, fica tudo mais fácil...
- Fácil pra quê?
A essa altura eu já estava com meu corpo colado no de Marisa contra a parede, soltando os cadarços da calça folgada, e subindo com minhas mãos por baixo da bata, desabotoando o soutien dela rapidamente.
- Viu como é fácil?
Marisa sorriu e balançou a cabeça positivamente, enquanto eu tirava sua bata, empurrando-a só de calcinha na cama de solteiro, deitando-me sobre ela, deslizando o dorso de minha mão na pele macia de minha namorada, sentindo-a eriçar-se inteira. Beijei desde a ponta de sua orelha até seu pé, acariciando seus seios, excitando-me com as reações do corpo de Marisa. Encaixei meus quadris entre suas pernas, roçando meu sexo no dela, em movimentos suaves, deliciando-me com a expressão de prazer se fazendo no rosto de minha namorada.
Marisa me segurava pela cintura, descendo suas mãos apertando meu bumbum, e eu seguia movimentando-me sobre ela, até suas mãos arrancarem minha blusa, soutien, e abrir o zíper de minha calça, deixando seus dedos sobre meu sexo, com nossos corpos colados, e sua mão encaixada entre eles, nossos movimentos massageavam simultaneamente o clitóris de ambas, encharcadas de tesão, Marisa pediu:
- Tira logo essa calça... Quero sentir você inteira.
Obedeci. E o calor de nossos corpos só aumentava o desejo de nos fundirmos em uma só... A última peça de roupa já não atrapalhava nossa entrega, e sentimos a umidade de nossos sexos anunciarem a paixão inevitável. De frente uma para outra, aproveitando o espaço tão pequeno da cama de solteiro, penetramos nos dedos simultaneamente no mesmo ritmo e velocidade, num delicioso e excitante desafio a fim de descobrir quem agüentava mais tempo naquelas investidas antes de gozar plenamente.
Marisa sorria para mim em meio aos meus gemidos que suplicavam:
- Não pára...
Ela não parou, nem eu, aumentando a força das estocadas, o vai e vem de nossos dedos era acompanhado de movimentos que davam um prazer inenarrável evidenciado no gozo derramado em nossas mãos. No desafio, ambas fomos vitoriosas afinal.
Arrasada, sem forças, recostei minha cabeça nos seios de Marisa, que acariciava meus cabelos, enquanto recobrava o ritmo normal de sua respiração. Marisa abriu um pacote de balas que estava no criado mudo ao lado cama, ofereceu-me e eu inocentemente recusei. Minutos depois, Marisa deslizou suas mãos por minhas costas, nuca, ficou sobre mim, beijando meu pescoço, roçando sua língua pela minha orelha, acendendo-me novamente.
Marisa desceu com sua boca beijando cada pedaço do meu corpo até chegar ao meu sexo, abriu minhas pernas, e mergulhou sua boca ali, percorrendo com sua língua os meus pequenos lábios, sugando o líquido quente me levando à loucura. A tal bala que ela chupava, usou-a, deixando-a entre sua boca e meu sexo, respirando forte, soprando um ar gelado, refrescante, provocando em mim uma satisfação tão intensa que não me deixava alternativa que não fosse soltar um grito de prazer. Não satisfeita, Marisa ainda alternou língua, bala, e dedos para me penetrar, às vezes os três ao mesmo tempo, deixando-me sem voz, com o coração saltando à boca, dando-me o orgasmo mais incrível de toda minha vida.
A expressão certa para me definir naquele momento era: extasiada. Jogada, rendida na cama enquanto Marisa me olhava com um sorriso de satisfação nos lábios. Abraçou-me, como se quisesse fazer meu corpo parar de tremer, cada músculo do meu corpo tremia, meu sexo encharcado parecia vibrar, precisei de alguns minutos para voltar a respirar normalmente depois que meu coração enfim se acalmava. Quase cochichando perguntei:
- O que foi isso?
- Você não conhecia as maravilhas da “halls preta”?
Nunca imaginei em toda minha vida, que uma bala contribuísse para o orgasmo mais incrível da minha vida, no máximo a maravilha da halls preta que eu conhecia era seu poder de dar um hálito melhor e descongestionar o nariz com aquele frescor todo... A verdade é que o mérito era todo de Marisa em manipular a tal halls em movimentos tão precisos para despertar o prazer em meu corpo.
- Nossa...
Era o máximo que eu conseguia dizer, todo meu arcabouço jornalístico para formular sentenças se perdeu, não conseguia descrever o que meu corpo sentia naquele momento, e quando meu corpo se refazia daquela profusão de sensações inéditas, a porta do quarto se abriu.
Marisa me escondeu debaixo do lençol que ela se cobria e perguntou:
- O que aconteceu Juliana? Não sabe mais bater?
- Desculpe-me doutora, eu já bati algumas vezes, acho que a senhora não me escutou...
- Aconteceu alguma coisa?
- É que o doutor João está numa cesárea, e tem um paciente no ambulatório com uma queixa incomum... Achei melhor chamá-la.
- Tudo bem, já estou descendo.
- Outra coisa...
- Sim?
- É... Alexandra, você estacionou o carro na vaga das ambulâncias...
- Ai meu Deus! – Exclamei.
Coloquei minha cabeça para fora do lençol num impulso para me levantar, fui contida por Marisa que me segurou antes que eu levantasse nua na frente da enfermeira, enquanto Juliana saía do quarto discretamente.
- Ai Alex você não tem jeito né...
Marisa sorriu enquanto se levantava.
- E você está ficando distraída também... Como não trancou a porta?
- Eu não imaginava que você ia me atacar desse jeito...
- Eu te atacar?
- É... Você não me deixou alternativa...
Levantei-me e vesti-me com pressa, antes de sair do quarto, Marisa me pediu:
- Toma café comigo cedinho?
- Claro... Onde?
- Em minha casa, pode ser?
- Combinado... Dou um jeito nos meus pais e saio antes que eles acordem.
Saí apressada pelos corredores do hospital, no meu carro, encontrei meu celular com dezenas de ligações de minha mãe, “droga, minha fuga foi descoberta”, pensei. No caminho de volta para minha casa retornei a ligação, minha mãe me atendeu aos berros:
- Alexandra! Onde você está?
- Mãe não precisa gritar, estou ouvindo perfeitamente...
- Minha filha! Estou no hospital com seu pai!
- No hospital? O que o papai tem?
- Algo muito grave, venha para cá agora!
Com o coração apertado, preocupada com meu pai, acelerei de volta ao hospital. Chegando lá, corri para a emergência, encontrando na entrada, Juliana:
- Já de volta Alexandra?
- Meu pai está aqui Juliana! Minha mãe ligou dizendo que algo muito grave está acontecendo com ele...
- Alexandra, calma, como é o nome de seu pai?
- Alexandre Castro.
- O senhor Alexandre é seu pai?
- Sim, por quê?
- Marisa está atendendo-o.
- O que ele tem Juliana?
- Priapismo.
- Meu Deus! Parece sério! Mas o que é isso?
Juliana parecia constrangida, e respondeu:
- Isso... É uma ereção prolongada e dolorosa...
- Espera aí! Meu pai está aqui por causa do pinto duro?
Só depois que falei percebi que exteriorizei meu pensamento sem medir as palavras, despertando um sorriso tímido de Juliana.
- Na verdade não é muito comum, e seu pai está sentindo muita dor... Pode ser sintoma de alguma doença, mas não creio que seja o caso dele.
Antes que Juliana me explicasse o estado de meu pai, ouvi os berros de minha mãe saindo da sala de procedimentos:
- Alexandra minha filha, graças a Deus você chegou!
- Oi mãe, como o papai está?
- A doutora, aquela bonitona que estava na sua casa hoje a tarde, está aplicando uma injeção lá...
Minha mãe com uma expressão cômica, apontava para baixo para indicar onde Marisa estava aplicando a tal injeção no meu pai.
- Mãe, o que aconteceu?
- Filhinha... O clima da cidade nos inspirou... Tomamos um vinho que achamos na sua geladeira... Aí dei aquele comprimidinho azul pra seu pai tomar... Como estava demorando pra fazer efeito... Coloquei outros dois na taça de seu pai... Aí...
- Ai mãe chega de tantos detalhes, entendi, já basta...
Não conseguia realizar meus pais fazendo sexo, ok, eu sou uma boba, afinal se eles não fizessem sexo como eu nasceria? Mas sabe aquela coisa que você sempre acha que pai e mãe não transam? Preferia pensar assim... Certamente resquícios da Alex reprimida sexual...
Antes que minha me traumatizasse mais, Marisa surgiu, com a sua postura profissional impecável:
- Alexandra, dona Angelina, o senhor Alexandre está repousando agora, vou pedir um quarto para que ele fique aqui hoje a noite em observação, Administrei uma medicação vasoativa, e a... Ereção já cessou.
- Quer dizer que o... Já...
Eu nem sabia como perguntar isso, percebendo meu constrangimento Marisa adiantou-se:
- Sim...
- Mas doutora estragou alguma coisa lá? – Minha mãe perguntou preocupada.
Sem graça esboçando um sorriso Marisa respondeu:
- Não estragou nada não dona Angelina, não terá seqüelas, mas ele precisa de repouso, e mais uma coisa, o tal comprimidinho azul que o marido da senhora tomou não pode ser ingerido com álcool, e mais de um num espaço tão curto de tempo é perigoso...
- Entendi doutora, entendi, muito obrigada.
Minha mãe abraçou Marisa, apertando-a com toda força como se isso representasse mais gratidão. Minha mãe ficou no hospital com meu pai, e eu, saí de lá constrangida, sem ao menos ter coragem de entrar no quarto que ele descansava.
Com a certeza que meus pais não sentiriam minha falta, conforme combinei com Marisa esperei-a no portão de sua casa, para tomarmos juntas o café. Chegou linda como sempre, apesar da aparência cansada, aquele sorriso me iluminava mais do que o sol que já estava alto àquela hora... Os olhos de minha namorada para mim eram a mais perfeita expressão do brilho que eu precisava na minha vida.
- Bom dia minha linda! – Marisa disse ao descer do carro.
- Bom dia minha doutora.
- Está com fome?
- Muita...
- Trouxe pães fresquinhos...
- Trouxe bolo de fubá... Rosa deixou feito, sei que você gosta...
- Oba! Vamos entrar então.
Pela primeira vez, Marisa segurou minha mão, e entramos em casa de mãos dadas, um gesto tão simples, mas que me sensibilizou tanto, me deu uma sensação de intimidade pacificadora, meus olhos marejaram, e Marisa piscou o olho apertando mais forte minha mão na sua e perguntou:
- Está tudo bem?
- Está... Tudo ótimo.
Preparamos a mesa, trocando beijos, carícias, sorrisos, eu me pegava contemplando cada movimento dela, se fosse um filme, a cena seria em câmera lenta com um fundo musical do tipo “Lifehouse”, ela inspirava todos os meus instintos românticos, não só para a escrita do meu conto, mas em cada atitude rotineira minha.
- Seu pai deve receber alta daqui a pouco, você vai buscá-lo?
- Sim, vou... Ai que vergonha de minha mãe Mah...
- Ué, por quê?
- Marisa! Ela envenenou meu pai!
- Não seja tão dramática Alex, isso é comum em casais com tanta vitalidade como os seus pais, a super dosagem conjugado com o álcool, deu no que deu, mas você não tem do que se envergonhar...
- Minha mãe apronta cada uma...
- Parece com alguém que conheço...
Marisa segurou o riso, e eu joguei um guardanapo no seu rosto em um clima de brincadeira, fazendo careta para ela:
- Achei sua mãe simpática, e ela tem um jeitinho encantador, até na forma como trata seu pai...
- Eles se amam de verdade, desde pequena eu sonhava com um casamento como o deles... Meu pai tem uma paciência incrível com minha mãe, e minha mãe do jeito dela, anima meu pai, cuida dele muito bem...
- É isso que você ainda sonha em um casamento?
- Eu quero um casamento feliz pra vida toda como o deles...
- Eu também desejo isso.
Marisa me olhava fixamente, a ponto de me deixar desconcertada, beijou-me suavemente acariciando meu rosto, seus lábios colados nos meus eram suficientes para despertar em mim o desejo de me entregar por inteiro, e Marisa parecia captar esse desejo, segurei-a pelos cabelos puxando-a para mais perto de mim intensificando nosso beijo, em segundos eu já estava sentada no colo de Marisa com minhas pernas encaixadas nos seus quadris, sentindo as mãos dela subirem por baixo de meu vestido e sua boca sugar meus seios expostos pelo decote.
Marisa não tardou em penetrar seus dedos no meu sexo que ansiava por tê-la dentro de mim, seus movimentos pareciam sincronizados com os meus, eu remexia me deliciando com as estocadas simultaneamente com meu clitóris sendo massageado pelo polegar dela. No auge do prazer, na iminência de mais um orgasmo, meu celular tocou para minha irritação.
Ofegante atendi:
- Oi mãe.
- Seu pai já está de alta e ansioso para sair daqui.
- Estou indo então.
Decepcionada me recompus e avisei:
- Mah, preciso ir...
- A gente se vê mais tarde?
- Espero que sim.
Meu pai nem parecia ter passado a noite em repouso... Estava irritado,ainda mais pelo excessivo cuidado de minha mãe, na tentativa de se redimir pelo que ela aprontou na noite anterior.
- Meu querido, está confortável? Quer que eu desligue o ar condicionado? Baixo o banco?
- Mãe para com esse paparicado... Pai o senhor está se sentindo bem?
- Estou sim filha, obrigada. Estaria melhor se sua mãe estivesse mais calma...
- Ouviu mãe? Vou deixar vocês dois em casa, e vou trabalhar, não quero chegar em casa e encontrar o papai estressado e nem a senhora nervosa, combinado?
- Impressão minha ou seu humor está muito bom hoje minha filha? – Perguntou meu pai.
Ruborizei, desconversei, chamando atenção para o lindo dia que estava fazendo, aumentando ainda mais minha cara de felicidade, despertando o comentário de minha mãe:
- É meu querido, você tem razão...
Sorri aliviada estacionando o carro em frente a minha casa, quando mamãe anunciou:
- Ah! Vou fazer um jantar hoje e quero que você convide a doutora bonitona, e aquela enfermeira simpática para agradecer o excelente atendimento que elas deram ao seu pai, aproveite e chame o pessoal que trabalha com você no jornal, quero conhecê-los.
- Jantar hoje? A senhora vai fazer?
- Sim Alex, já chamei a enfermeira Juliana, mas não vi a doutora hoje cedo, você tem o telefone dela não é? Convide-a em meu nome e avise ao Daniel e aos outros do jornal.
- Mãe a senhora vai cozinhar?
A surpresa unida a apreensão da minha pergunta eram tão gritantes que despertou o riso de meu pai, desfazendo a irritação de outrora. O talento de minha mãe para culinária só era comparado ao meu... Ou seja, um desastre total. Temi pela minha cozinha, e pelo estômago dos convidados.
- Alexandra, não se preocupe, eu fiz um curso de culinária em Milão ano passado, você nem imagina como estou cozinhando bem!
- Pai?
Meu pai empalideceu, engoliu seco, e entrou em casa avisando:
- Estou cansado vou deitar, vocês se entendam!
A fuga de meu pai respondeu tudo... Certamente o curso de culinária internacional só deu aos pratos horrorosos de minha mãe, um sotaque italiano. Mas como eu não tinha alternativa, fiz o convite a Marisa, Daniel e minha equipe do jornal, advertindo-os sobre o perigo em potencial o qual iam se expor.
Preferi nem aparecer em casa na hora do almoço para não me apavorar, tinha esperança que Rosa salvasse o jantar, apesar de ter certeza que minha mãe a dispensaria. No fim da tarde cheguei em casa, exausta, mas a nova edição do jornal estava pronta, faltando apenas a entrevista que Luiza faria no dia seguinte.
Como supus, a minha cozinha parecia ter sido atacada por soldados, meu pai lia seu livro tranquilamente na rede armada entre as árvores no quintal, enquanto Rosa com uma cara de bicho olhava para minha mãe que ditava ordens todo tempo.
- Mãe eu sabia que isso ia acontecer viu...
- Está tudo sob controle... A Rosa é que não está acostumada com receitas sofisticadas.
- Mãe, essa carne é pra ficar com essa cor mesmo?
- Outra que não entende nada de cozinha vindo dar pitaque!
- Mãe, a carne está preta! Tostada!
- Eu avisei dona Alexandra, mas ela disse que é assim mesmo...
- É assim mesmo, estou seguindo direitinho a receita do professor! Está aqui, ir ao forno por 150 minutos.
Peguei o caderno e li:
- Ir ao forno por 50 minutos! Mãe isso não é um “1”, é um colchete!
- Não pode ser!
Minha mãe não acreditou, mas acabou confirmando seu equívoco quando recolocou seus óculos.
- A senhora estava lendo o livro de receitas sem óculos?
- Eu pensei que estava de lentes...
- Ótimo... Temos duas horas para preparar um novo jantar e arrumar essa cozinha, ou servir carvão de carne...
Minha mãe ameaçou dizer algo, mas não permiti:
- E não mãe, a senhora não vai fazer nada... A não ser ajudar Rosa com essa bagunça, na cozinha, vou providenciar o jantar.
- Ah mas que piada! Você vai cozinhar? – Mamãe perguntou assustada.
- Não mãe, vou encomendar... Mais seguro, ouvi falar que o corpo de bombeiros aqui tem o efetivo muito pequeno, não vamos nos arriscar...
Meu pai entrou nesse momento me abraçando e dizendo ao meu ouvido:
- Obrigada minha filha.
- O senhor devia ter me avisado dessa catástrofe... Imagino como estão os outros pratos...
- Ah não! A salada está linda, veja só.
Minha mãe exibiu com orgulho a tigela de plástico com uma colorida e aparente apetitosa salada, mas ao invés de colocá-la sobre a mesa, colocou sobre a chapa do fogão, esquecendo que estava quente, enquanto conferíamos a boa aparência do prato, sentimos o cheiro de queimado, e logo percebemos o plástico da tigela derreter.
Retirar a tigela imediatamente não salvou a única coisa que minha mãe acertou na cozinha. O plástico derretido espalhou-se sobre a chapa se misturando às folhas que compunham o prato.
- Pronto... Vou pedir também a entrada no restaurante.
Saí de casa deixando minha mãe desolada, sendo consolada pelo meu pai, mas ao menos ia garantir que meus convidados não comessem plástico derretido com torrão de carne.
Encomendei desde a entrada até a sobremesa no melhor restaurante da cidade, e minha mãe ingenuamente me fez prometer que não revelaríamos o nome do verdadeiro cozinheiro do jantar. Meu pai se encarregou das bebidas, e devidamente arrumados, a família feliz e tradicional aguardou os convidados na sala.
Dan foi o primeiro a chegar e trouxe Diego com ele, para o choque de minha mãe, apresentou-o como namorado, despedaçando as esperanças dela de que eu desse um jeito nele. Luiza e Arthur vieram depois, Berta também veio, e parecia a melhor amiga de infância de minha mãe, uma preocupação nasceu com isso, afinal, Berta curiosa como era, sabia muito da minha rotina, especialmente sobre as visitas de Marisa ao jornal.
Marisa chegou em seguida, linda, meu Deus que mulher linda! Adorava quando ela usava vestido, logo acendia meu desejo de colocar minhas mãos por baixo dele e possuí-la... Cabelos envoltos num coque discreto, maquiagem discreta, cheguei a respirar fundo ao vê-la. Meu pai recebeu-a com educação e encantamento, quem não ficaria encantado com ela? Cumprimentou a todos, e em mim, deu um beijo no rosto, percebi que naquela noite, Marisa não ia se comportar como no dia anterior, como uma estranha em minha casa.
Fernanda e Marcos chegaram praticamente ao mesmo tempo que Juliana, e assim, a lista de convidados estava completa. Artur caiu em cima de Juliana, assediando-a descaradamente, o que não era de se estranhar, ele era conhecido pela galinhagem despudorada e a enfermeira era uma mulher linda, sem o uniforme do hospital as suas formas curvilíneas e o belo par de pernas chamavam atenção, mas Juliana se esquivava, puxando assunto com minha mãe e Berta que pareciam uma fonte inesgotável de conversa.
Bebemos e beliscamos os petiscos que Rosa teve a inteligência de preparar, achei mais conveniente servir o jantar na grande mesa do quintal, já que na minha sala não caberiam todos. Por volta das 21h servimos o jantar, todos elogiando a comida de minha mãe que sem o menor peso na consciência aceitava-os como se de fato fosse a cozinheira dos pratos, que obviamente foram comparados aos do melhor restaurante da cidade. Meu pai e eu contínhamos o riso a custa de muitas caras e bocas de minha mãe, imagino que meu pai deve ter recebido uns bons chutes na canela por baixo da mesa...
Por mais que eu tentasse eu não conseguia parar de olhar para Marisa, que discretamente sorria para mim, flagrei meu pai nos olhando por duas vezes, antevi o momento que eu teria que revelar minha relação com ela para ele. Minha mãe estava mais preocupada em receber os créditos pelo jantar do que prestar atenção em mim, se o fizesse, perceberia de cara meus olhos brilhando ao olhar para Marisa.
Tudo correu bem no jantar, não posso negar que o astral de minha mãe animava qualquer reunião, o clima informal e agradável no quintal estava tão bom, que após o jantar ficamos por ali mesmo, nos divertindo com as piadas que Daniel contava, meu pai era um excelente contador de piadas e o desafio entre eles estava lançado.
Percebi Marisa se retirar para ir ao banheiro, aproveitando a distração de todos com o desafio de piadas entre Dan e meu pai, a segui, surpreendendo-a batendo à porta do banheiro.
- O que a dona da casa deseja aqui? – Perguntou Marisa com um olhar cheio de volúpia.
- Você!
Mal esperei para concluir a resposta e já estava mergulhada na boca deliciosa de Marisa, sugando sua língua quente enquanto empurrava seu corpo contra a parede, rocei meu sexo no dela despertando seus gemidos, deslizei minhas mãos por baixo de seu vestido, tocando seu sexo por cima da calcinha até sentir a umidade dele molhar o tecido, afastei a peça com meus dedos penetrando-os suavemente ouvindo Marisa me pedir:
- Vai... Me come...
Ouvir isso me pareceu mais que imperativo excitada ainda mais pela voz rouca de minha namorada, investi naquele movimento intenso, deixando seu corpo rebolasse com meus dedos dentro dela intensificando nosso prazer. A expressão de prazer se desenhando no rosto de Marisa me excitava de tal maneira que eu sentia meu sexo encharcando, como se adivinhasse, Marisa não tardou em sentir nos seus dedos essa umidade, subindo sua mão por baixo de minha saia e nos tocamos simultaneamente não contendo os gemidos roucos. Marisa tocava meu clitóris suavemente levando-me ao delírio quando alternava com movimentos de vai e vem dentro de mim. O remexido de nossos dedos com o roçar de nossos corpos, em meio a beijos molhados e mordiscadas no pescoço nos levou ao gozo enfim.
Abraçadas com os corações acelerados, suadas, ouvimos batidas na porta.
- Alexandra? Vocês estão aí?
Era a voz de Juliana que continuou:
- Não quero interromper... Mas sua mãe está te procurando, ela está vindo para cá, vim para avisar vocês...
Mal esperei Juliana terminar a sua justificativa e eu já estava na porta, meio descabelada, com a saia torta, e a blusa abotoada com os botões em desalinho...
- Ela está vindo?
Perguntei assustada. Juliana desconcertada com meu estado, respondeu:
- Ahan...
Saí do banheiro enfim, e nesse momento minha mãe apareceu, quando Marisa saía se recompondo ficando ao lado de Juliana.
- Alex onde você estava?
Minha mãe parecia espantada ao ver Juliana e Marisa juntas na porta do banheiro, e eu com culpa no cartório, gaguejei para responder:
- Aqui mãe... Esperando o banheiro desocupar.
- Vocês estavam esse tempo todo aí meninas?
O tom desconfiado de minha mãe me apavorou, Marisa não entendia o que se passava, Juliana então tomou a frente da situação:
- Pois é dona Angelina, mas todas já usaram o banheiro, vamos voltar para o quintal?
- Isso! Vamos mãezinha?
Puxei minha mãe pela mão sendo seguida por Marisa e Juliana, antes de chegar ao quintal minha mãe freou-me, e cochichou:
- Essas duas estavam se agarrando no banheiro?
- Han?
- É filha... Olha a cara delas de quem tem culpa no cartório! A doutora bonitona está com o zíper do vestido aberto e com uma marca vermelha no pescoço, olha só aquele arranhão nas costas dela!
Empalideci, minha mãe olhava estranhamente para Juliana e Marisa, que ignoravam a tese que minha mãe acabara de criar. Inventei uma sede inadiável e fiquei na cozinha tentando me recompor e me acalmar, muito educada, Juliana aproximou-se de mim e avisou:
- Ajeita sua blusa e sua saia Alexandra...
- Juliana, obrigada!
Mais uma vez agradeci a gentileza da enfermeira, beijando seu rosto, quando Marisa surgiu na cozinha testemunhando a cena. Franziu a testa e perguntou:
- Interrompo alguma coisa?
Quando olhei para Marisa, vi um olhar diferente, seria mesmo possível ela estar com ciúmes de Juliana?
- Claro que não minha linda!
Andei a passos rápidos para perto de minha namorada, notando o constrangimento de Juliana, apressei-me em explicar:
- Estava só agradecendo a perspicácia da Juliana, é a segunda vez que ela me salva de uma encrenca...
- Juliana é mesmo muito prestativa...
Notei o sarcasmo no comentário de Marisa, Juliana pediu licença e saiu nos deixando a sós na cozinha. Com meu jeito desajeitado, arrumei as roupas que estavam tortas no meu corpo sob os olhos atentos de minha namorada.
- O que foi Mah? Está me olhando assim por quê?
- O que sua mãe estava cochichando com você?
- Ah! Você não vai acreditar! Imagina que ela acha que você e Juliana estavam se agarrando no banheiro! Pelo menos dessa vez me livrei do flagrante! -Falei divertida.
- O que você disse a ela?
- Nada né Mah! O que você esperava que eu dissesse? “Não mãe, Marisa estava se agarrando comigo, aliás, transamos gostoso...”
- Algo parecido...
Notei que Marisa não estava em clima de brincadeira, e isso me deixou apreensiva.
- Mah eu não posso ter esse tipo de conversa com minha mãe assim... Ela chegou ontem, te disse que preciso de tempo para prepará-la...
- Então para você é melhor que ela pense que eu estou me agarrando com Juliana no banheiro de sua casa ao invés de saber que estou namorando você?
- Mah, não dramatiza vai... Pelo menos agora ela desconfia que você é lésbica, vai ficar mais fácil falar de mim.
- Se você quer que ela pense que estou com Juliana, pois muito bem... Agora ela vai ter mais motivos!
Marisa saiu enfurecida da cozinha, sentou-se ao lado de Juliana, tomando o lugar de Artur que insistia em assediá-la. Sentei perto de Luiza que com cara de interrogação perguntou cochichando:
- Está tudo bem?
- Sinceramente Luiza? Nem eu sei...
Passou-se mais uma hora e aos poucos os convidados anunciavam que iriam embora. Diego e Dan mais animados comunicavam que iam esticar no Chica’s, Luiza se escalou para ir junto, Artur conhecendo o público que freqüentava o local logo rejeitou a oferta, chamando Marcos e Fernanda para um bar na cidade vizinha, mas minha surpresa foi o convite de minha namorada, não direcionado a mim:
- Vamos Ju?
- Eu? Pra onde? – Juliana perguntou confusa.
- Pro Chica’s, vamos comigo?
Juliana desconcertada, me olhou, mas não teve tempo de recusar, Marisa trouxe-a para mais perto dela lançando seu braço em volta dos ombros da enfermeira e disse:
- Não aceito recusas! Vamos para o Chica’s.
Embasbacada eu fechei minha cara, todos em volta notaram o desconforto da situação, exceto minha mãe que se despedia de Berta combinando um novo encontro no dia seguinte para conhecer Nova Esperança.
- Dona Angelina a senhora cozinha muito bem, parabéns! Adorei o jantar e estou esperando a senhora para nossa consulta no hospital, Sr Alexandre, bom revê-lo, obrigada pelo convite Alexandra, boa noite a todos, vamos pessoal?
Marisa mal me olhava, se olhasse seria um risco para ela ser atingida pelos raios que saíam do meu olhar. Daniel me abraçou e sem graça convidou-me:
- Vamos conosco sardenta...
- Obrigada Dan, estou cansada e amanhã temos trabalho, fica pra outra vez...
Subi as escadas antes de todos saírem, queria ligar para Marisa e dizer tudo que estava entalado na minha garganta. Liguei, e minha chamada foi ignorada, poucas coisas me irritavam mais do que isso... Não insisti, meu orgulho não deixou, mas não consegui segurar minhas lágrimas, me jogando na cama.
Pouco tempo depois desci até a cozinha com os olhos inchados, ainda com a mesma roupa, encontrei meu pai, que parecia adivinhar que me encontraria ali.
- Sem sono minha filha?
- Sim pai.
- Quer um copo de leite morno? Estou esquentando para mim.
- Quero sim pai, obrigada.
- Sua equipe é muito boa, não é a toa que o jornal está um sucesso, li os exemplares hoje, estou orgulhoso filha.
- Obrigada pai, é muito importante ouvir isso do senhor.
- E meu orgulho maior é ver sua volta por cima depois do aquele infeliz fez com você, você está mostrando a fibra que tem, eu nunca esperei algo diferente de você.
- Não foi fácil pai, vir para Nova Esperança foi a melhor coisa que eu poderia fazer.
- Agora vejo que sim, antes eu julgava como uma fuga, mas agora vejo que foi um ótimo recomeçar.
- É pai, foi sim.
- Recomeçar a amar também não é filha?
- Sim pai...
Nem percebi que me entregara confirmando o recomeçar a amar na conversa informal com meu pai, era assim que ele sempre descobria o que queria a meu respeito e com minha mãe também quando ela tentava esconder algo dele.
- Você quer me contar algo filha?
- Ai pai isso não é justo, o senhor sempre me pega nesse truque, começa com uma conversinha, rodeando, até me envolver e fazer com que eu fale o que realmente o senhor que saber não é?
- E você é igualzinha a sua mãe, sempre cai... Faço isso por que sei que vocês querem me contar algo, mas, não sabem como...
- Você percebeu alguma coisa?
- Só cego ou sua mãe distraída não veria a troca de olhares apaixonados entre você e a doutora Marisa.
- Eu não sabia que estava tão óbvio assim.
- Mas está... Então vocês estão juntas?
- Sim pai. Estou apaixonada por ela, Marisa mudou minha vida, ela é responsável em grande parte pela minha volta por cima como você falou.
- E o que aconteceu aqui essa noite?
- Marisa se chateou, aliás, está chateada comigo há dias, uma série de bobagens, mas que estão se acumulando... Hoje, deixei que a mãe acreditasse que ela estava se agarrando no banheiro com a Juliana... Quando na verdade estávamos eu e ela lá... Enfim, ela não está gostando desse esconde-esconde...
- Então ela resolveu fazer o jogo, e contribuir para a tese de sua mãe...
- É... Ainda ficou com ciúmes da Juliana, ai pai, estou tão perdida, tão difícil o relacionamento entre mulheres!
- Mulheres são mesmo complicadas querida... Mas, relacionamentos são difíceis mesmo, entre homens e mulheres, na verdade, gente é complicado filha...
- Eu sei pai, mas com Marisa é tudo tão intenso, a gente já passou por cada coisa, tem tanto mistério... Tantos segredos...
- Mistérios? Segredos?
- É pai... Mas essa é outra história, depois conto com calma.
- Filha, a doutora Marisa é mulher feita, bem resolvida, certamente não gosta de mentiras, e deve gostar de você de verdade, por isso não quer que nós tenhamos uma idéia errada sobre ela...
- Pai só pedi um tempo para ela, para contar a vocês... Poxa ela é a primeira mulher da minha vida, há meses não vejo vocês, a última vez que nos vimos eu estava noiva de um homem!
- Ela sabe que é sua primeira mulher?
- Não... Eu menti dizendo que já tive outras mulheres na minha vida...
- Minha querida, não entendo de relacionamento entre mulheres, mas uma verdade é universal em qualquer relação: mentira nunca é a saída.
- Você tem razão pai... Mas, eu preciso saber, está tudo bem para o senhor?
- Como assim?
- Eu ser...
- Lésbica?
- Ahan...
- Claro que não está tudo bem filha... Os pais nunca sonham que seus filhos sejam homossexuais... Meu sonho sempre foi entrar na igreja com você, te entregar a um homem bom que te amasse e logo viessem netos lindos para que eu estragasse com tanto mimo!
- Pai...
- Mas, os sonhos dos pais não são obrigações dos filhos... O meu desejo maior é sua felicidade, e farei de tudo para ajudar você a ser feliz, se sua felicidade se completa ao lado de uma mulher, que seja assim!
- Ai paizinho... – Falei com os olhos marejados.
- E preciso te dizer uma coisa: você tem um gosto heim filha... A doutora Marisa é uma mulher maravilhosa!
- Pai!
Meu pai sorriu apertando minhas mãos, e eu prossegui:
- Entrar na igreja e me entregar a um homem isso não será possível pai, mas filhos para o senhor estragar, é uma possibilidade...
- Como? Ai Alex chega, aí é muita modernidade pra eu aceitar agora, preciso de tempo também ok?
Sorri e balancei a cabeça positivamente.
- Como o senhor acha que a mãe vai reagir?
- Não sei filha, mas você tem que contar, ficarei ao seu lado, não se preocupe.
- Obrigada pai.
- Mas voltando ao assunto do jantar... Você vai ficar aqui em casa a noite toda chorando pelos cantos, enquanto sua namorada está não sei aonde com a enfermeira gostosa?
- Pai!
Meu pai sorriu, e continuou:
- Tire essa cara de choro, e vá conversar com a doutora, não deixe que ela fique uma noite inteira chateada com mais uma bobagem.
- Você está certo mais uma vez pai.
Dei um beijo na bochecha barbada de meu pai, e subi as escadas correndo, retoquei a maquiagem, e dirigi em direção ao Chica’s.
Chegando lá,o bar estava lotado, as noites de quinta eram tradicionais, logo vi Dan e Diego com a turma de sempre, no canto do palco, Luiza cochichava em um clima bastante íntimo com Juliana, mas não vi Marisa.
- Sardenta! Que bom que você veio!
- Oi Dan, você viu Marisa?
- Ela está estranha... Chegou, e se sentou sozinha no bar, bebeu horrores, não quis conversa, a última vez que a vi, estava subindo para o andar superior do bar.
- Obrigada amigo!
Subi as escadas me desviando das pessoas com pressa, no segundo piso do bar, poucas pessoas, mas nada de Marisa. Juliana me seguiu e logo se justificou:
- Alexandra, vim te dizer que não aconteceu nada! Marisa me deixou na companhia dos seus amigos e foi só...
- Calma Juliana, eu sei que não aconteceu nada... Você a viu?
- Ela não desceu, a vi passando para cá, quem sabe ela está na cobertura.
- Cobertura?
- É, não tem nada lá em cima, mas a vista é linda.
Mal me despedi de Juliana, e subi. Marisa estava lá, sentada em um banco de madeira, fumando, olhando para o horizonte, nem sabia que ela fumava... Aproximei-me quando ela notou minha presença.
- Precisamos conversar. – Eu disse.
Marisa permaneceu calada.
- Desde quando você fuma?
- Não tenho hábito, fumo esporadicamente quando bebo.
- Não havia necessidade desse comportamento imaturo Marisa, me provocar com a Juliana, me tratar daquele jeito na frente de meus amigos.
- Só contribui para o disfarce com sua mãe, você não quer continuar me escondendo dela?
- Marisa as coisas não são assim, não esperava esse comportamento imaturo da sua parte?
- Olha só quem está falando em imaturidade...
- Odeio quando você é irônica assim!
- E eu odeio quando você me trata como seu passatempo adolescente!
- Eu nunca te tratei assim!
- Não? Está tratando agora, me expondo a situações ridículas com seus pais.
- Como você pode ser tão incompreensiva?
Marisa levantou-se rapidamente, e num tom mais alto disse:
- Alexandra eu quero um relacionamento sério com você, não quero ser tratada como uma aventura, que droga você não percebe que estou apaixonada por você?
Arregalei os olhos, a voz faltou, ouvir aquela declaração de Marisa me desestruturou completamente.
- Marisa... Eu...
- Não acredito que você seja tão distraída assim que não tenha percebido isso...
Marisa jogou a ponta de cigarro no chão, pisou em cima, e caminhou em direção a escada, quando segurei seu braço.
- Eu não esperava ouvir isso, por que meus sonhos geralmente não se tornam realidade... E sempre sonhei que você estivesse apaixonada por mim, assim como eu estou por você.
Meus olhos marejados viram o brilho cobrir o olhar de Marisa, iluminado pela pouca luz da cobertura naquele palco de estrelas. Aproximei meu corpo do dela, afastei do seu rosto os fios de cabelo agora soltos, assanhados pelo vento, acariciei seus lábios e a beijei apaixonadamente, como se fosse nosso primeiro beijo, dessa vez em um cenário mais romântico, marcando um acontecimento na nossa breve história.
CAPÍTULO 11: O ARMÁRIO FICOU PEQUENO
Naquela noite, nos amamos de uma maneira diferente, a paixão não foi menor, mas existiam mais do que dois corpos banhados de tesão na cama de Marisa. Era almas se entregando completamente, deixando os sentimentos se fundirem com o desejo, os equívocos se desfazerem em esperanças e amor se encontrar naquele momento.
Marisa parecia antecipar-se ao meu desejo tocando-me exatamente onde me dava mais prazer, os movimentos do seu corpo, mãos e língua pareciam sincronizados com o pulsar do meu corpo que estremecia para o sorriso satisfeito de Marisa se fazendo ao sentir o líquido quente do meu sexo se derramando pelos seus dedos.
Nossos corpos suados entrelaçados, não deixavam a excitação cessar, deslizei minha língua pelos mamilos eriçados de Marisa, enlouquecendo com os gemidos dela, desci com minha boca encaixando-a entre as pernas de Marisa, sorvendo o líquido que saía do seu sexo, sugando, lambendo toda extensão de sua vulva provocando espasmos no corpo dela, movimentei minha língua praticamente numa massagem pelo seu clitóris, enquanto penetrava dois dedos naquela cavidade encharcada, e Marisa se entregou num orgasmo pleno.
A noite foi quase inteira assim,nos amamos, duas, três, quatro vezes até nos entregarmos dessa vez ao sono, não conversamos muito, nem prometemos nada. Só trocamos olhares que por si diziam tudo. Como esperado, acordei atrasada, sair dos braços de Marisa chegou a ser doloroso, tive vontade de inventar uma desculpa e naquele dia não trabalhar, mas era impossível, dia de fechar a edição do jornal, e eu precisava fazê-lo de manhã para não atrasar a impressão.
Olhá-la dormindo ali, trajando apenas uma minúscula calcinha era de longe a visão mais sensual que eu poderia ter. Os cabelos lisos desalinhados espalhados pelo travesseiro, as bochechas rosadas iluminadas pela fresta de sol que entrava no quarto, aquela pele macia, quente, tiravam meu fôlego as oito da manhã... Oito? Meu Deus! Precisava mesmo ir.
Tomei um banho velozmente, vesti-me às pressas, enquanto Marisa dormia tranquilamente, na sexta de manhã ela não trabalhava, por isso nem me preocupei em acordá-la, beijei seu rosto suavemente, escrevi um bilhete carinhoso deixando-o sobre o criado mudo:
“Acordar nos seus braços é vislumbrar o paraíso com os olhos no retrovisor lembrando a noite perfeita que você me deu... Quero acordar do seu lado sempre, beijos meu amor, quando acordar me liga.”
No jornal minha equipe já me aguardava reunida na minha sala. Tentei ignorar os olhares atentos de todos, mas o comentário de Marcos não podia passar despercebido:
- Parece que a noite não acabou ainda para nossa chefinha...
Certamente se referia ao fato de eu usar a mesma roupa da noite passada.
- Vamos começar gente?
Desconversei, sentando no fim da mesa, dando início à reunião. Tudo acertado na diagramação exceto pela entrevista que Fernanda trouxe em cima da hora para Luiza transcrever. Quando nos preparávamos para encerrar a reunião, minha mãe nos interrompe com um sonoro:
- Xandinha! Quer me matar de preocupação? Onde você dormiu?
Minha mãe definitivamente era a personificação da “sem noção”. Ruborizei enquanto ouvi os risos baixos do pessoal tomarem de conta do ambiente.
- Mãe, pelo amor de Deus!
Trinquei os dentes caminhando em direção a minha mãe apertando as mãos nas pernas.
- Pelo amor de Deus digo eu! Você passou a noite em claro? E essas roupas amassadas? O mesmo vestido de ontem?
- Mãe!
- Você não deu notícias, vim visitar minha nova amiga Berta e ela me disse que você estava aqui, vim ver você trabalhar filhinha!
- Mas mãe, estou ocupada e...
- O pessoal não vai se incomodar fico aqui sentadinha, caladinha.
Bufei, mas sabia que não adiantava contrariá-la. Sentei-me junto à minha mesa, quando Luiza perguntou:
- Fernanda, preciso da entrevista para transcrever, onde está o gravador?
- Ah claro Lu, me deixaeu ver se está aqui na minha bolsa... – Respondeu Fernanda abrindo sua bolsa à procura do equipamento, quando Artur interrompeu:
- Não é esse na mesa da chefinha?
- Acho que sim. – Respondeu Fernanda não convicta.
Luiza pegou o gravador sobre a minha mesa, enquanto eu me distraía com as mensagens de texto no meu celular, enviada por Marisa, me dando bom dia. Quase caio da cadeira quando ouvi minha própria voz saindo do gravador ecoando na sala:
- Dra. Marisa, a senhorita está me fazendo de palhaça? O que a senhorita pretende comigo afinal?
- Alexandra, eu não sabia que o teor da sua entrevista era esse...
Era a suposta entrevista que fiz com Marisa há meses atrás, logicamente, não era o gravador da Fernanda. Os olhares de todos se voltaram para mim, o de minha mãe parecia um grande ponto de interrogação, mas não uma interrogação inocente, uma interrogação reprovadora, uma interrogação que me fazia ter a certeza que eu finalmente teria que assumir para ela meu namoro com Marisa. O conteúdo gravado por si não nos delatava, mas o tom de voz de ambas e a reação de todos na sala, inclusive a minha, tornava as frases gravadas muito suspeitas, especialmente depois do quase flagrante que minha mãe nos deu no dia anterior.
- Alexandra o que significa isso? – Perguntou minha mãe.
- Isso foi uma entrevista que fiz com a doutora Marisa Becker mãe, logicamente Fernanda, esse gravador é o meu. – Disse tensa.
- Sim Alexandra, tem razão, o meu está aqui. – Disse Fernanda exibindo o equipamento, entregando-o a Luiza.
Minha mãe continuava com uma expressão nada agradável, eu desviava meus olhos dos dela e quando ela demonstrava intenção de falar algo eu lhe reprimia com um gesto, pedindo silêncio, precisava ter o mínimo de controle da situação para pensar na melhor forma de revelar à minha mãe minha descoberta sobre minha sexualidade.
Como eu supunha minha mãe logo se entediou com os detalhes técnicos do fechamento da edição do jornal. Levantou-se e avisou:
- Vou pedir um cafezinho a Berta.
Não sabia se a folga que minha mãe me dava naquela manhã era um alívio para mim, ou, uma retirada estratégica para ela confabular com Berta acerca de meu relacionamento com Marisa. Em cima da hora, a nova edição do jornal foi concluída, pedi que Marcos levasse para a impressora, marcando uma nova reunião para tarde, para definir a pauta da próxima edição.
Interrompi a conversa de comadres entre minha mãe e Berta, convidando-a para almoçarmos. Durante o almoço, evitei a todo custo o assunto Marisa, não me sentia preparada para falar. Entretanto, o encontro com Elaine e Fábio no restaurante, trouxe o nome de minha namorada mais uma vez à tona:
- Então, Marisa não vem almoçar com você? Ela está de folga hoje de manhã não é? – Perguntou Elaine.
- É... Não sei...
Respondi sem graça, notando minha mãe estreitar os olhos, como se quisesse decifrar minha expressão de constrangimento. Na tentativa de mudar de assunto, aproveitei para apresentar o casal aos meus pais, mas isso não foi suficiente para cessar o clima constrangedor que se instalou.
- Por que eles perguntaram a você sobre o paradeiro da doutora?
- Não sei mãe...
- Eles sabem que ela e aquela enfermeira...? Deviam perguntar a ela sobre a doutora.
- Mãe, não sei!
- Angelina vamos comer em paz! – Meu pai interviu.
O almoço transcorreu nesse clima, eu não via a hora de sair dali e correr para os braços de Marisa, cobri-la de carinho, e experimentar a paz que eu sentia ao lado dela, buscando forças para me revelar para minha mãe enfim.
Deixei meus pais na minha casa, fugindo das perguntas de minha mãe, meu pai sabendo do meu segredo e conhecendo sua mulher, ajudou-me nas repentinas mudanças de assunto. Cheguei à casa de minha namorada meia hora depois do almoço, encontrando-a como sempre linda, sentada na varanda com um short minúsculo, camiseta de alça, lendo um livro.
- Boa tarde minha doutora!
- Boa tarde namorada...
- Já almoçou?
- Comi qualquer coisa, acordei tarde... Teve gente que me arrasou ontem...
Sorri, enquanto me aproximava dela beijando seus lábios suavemente.
- Senta aqui do meu lado linda.
Obedeci, Marisa fechou o livro e envolveu seu braço no meu ombro, recostei minha cabeça no seu colo, desabafando:
- Minha mãe está desconfiada, vou contar sobre nós, como dizem por aí: sair do armário! Não há por que esconder dela a mulher que me faz tão feliz.
Senti Marisa me abraçar forte, mas ela nada disse. Contei o que aconteceu durante a manhã, e pude escutar o riso dela imaginando a cena no jornal.
- Você não apagou essa entrevista? – Perguntou.
- Não podia apagar, tem que ficar arquivada, mas não lembrava de ter gravado esse trecho de nossa conversa, e nem muito menos de não ter tirado a fita do gravador, Luiza sempre digitaliza tudo...
- Por que você acha que ela está desconfiada?
- Não parou de fazer perguntas sobre você, notei ela de cochichos com Berta...
- Berta sabe da vida de todo mundo... Deve ter um livro de anotações sobre a vida de cada habitante dessa cidade...
- Será?
Marisa riu-se da minha ingenuidade.
- É melhor que sua mãe saiba por você sobre nós Alex...
- Eu sei... Vou contar, contei ao meu pai, ele vai ficar do meu lado.
- Você contou ao seu pai? – Marisa perguntou surpresa.
- Na verdade, não precisei contar, ele sacou tudo...
- Como foi?
Narrei para Marisa os detalhes de minha conversa com meu pai, notando os gestos de aprovação de minha namorada.
- Então meu sogrão me aprova? – Perguntou Marisa divertida.
Encarei-a encantada como sempre:
- Quem não te aprovaria meu amor?
- Sua mãe?
- Minha mãe não é uma megera preconceituosa, só precisa de tempo pra aceitar. E meu pai, não só te aprovou, como se derreteu em elogios ao meu bom gosto...
- Ah é? Seu bom gosto é?
- Claro... Olha só a namorada linda que eu arranjei...
Marisa roçou seus lábios nos meus, despertando arrepios na minha pele.
- De repente me deu uma fome sabe... – Marisa sussurrou.
- Ah é? E o que exatamente eu posso fazer pela doutora?
Marisa mordeu os lábios e sussurrou ainda mais suavemente:
- Minha fome é de você... Dá pra mim?
- Sou toda sua meu amor...
Marisa levantou-se e me puxou pela mão até o interior de sua casa, não me dando tempo de sequer de respirar, e já me jogou no sofá, avançando na minha boca com urgência, tomando posse do meu corpo com sua língua e suas mãos me despindo habilidosamente. Arqueei meu tronco como se pudesse me oferecer ainda mais para o deleite de minha namorada, Marisa então tomou pela sua boca meus seios, lambendo meus mamilos com movimentos circulares alternando com fortes chupadas me inundando de tesão.
- Eu quero que você goze na minha boca minha gostosa. – Marisa sussurrou.
Desceu com sua boca e alcançou meu sexo molhado, lambeu com sofreguidão toda extensão dos pequenos lábios, empurrando sua língua dentro de mim chupando aquele líquido com volúpia despertando mais do que gemidos, mas gritos de prazer e o tremor tomando de conta de cada músculo meu.
Minhas mãos se perderam no corpo quente de Marisa, tirando as peças de roupa que bloqueavam meu acesso aos pontos mais sensíveis dela, carícias suaves entre suas coxas e no seu bumbum funcionava praticamente como um botão “on/off” da excitação, e eu me aproveitei disso, provocando ainda mais, arranhando delicadamente essa área. De frente uma para outra, no pequeno espaço do sofá, introduzi meus dedos no sexo molhado e pulsante de Marisa, sorri cheia de malícia e desejo, movimentando meus dedos entre o líquido abundante que jorrava do seu sexo dizendo:
- Nossa... Que delícia meu amor...
Marisa gemeu, respondendo:
- Tudo pra você minha gostosa... Vai... Sou toda sua, me faz gozar.
Com dois dedos penetrei o sexo de Marisa num ritmado movimento de vai e vem, enquanto meu polegar massageava o clitóris dela, Marisa tremia na minha mão, enquanto um sorriso de gozo se desenhava no seu rosto intensifiquei as estocadas, impondo mais velocidade e mais força, até ouvir um gemido mais forte de prazer e o corpo de Marisa amolecer com sua respiração ofegante.
- Você é maravilhosa Alex...
- Você é deliciosa Mah.
Ficamos ali abraçadas, até nossos corações voltarem ao ritmo mais compassado, adorava sentir o corpo nu de Marisa abraçado ao meu, o perfume de sua pele era algo tão intenso, me inebriava, me acalmava... Adorava roçar meu rosto no colo dela, inspirando esse cheiro que me encantava.
Aquele momento de paz,foi interrompido por uma ligação, Marisa atendeu seu celular apreensiva com sentenças evasivas:
- Sim, entendo, farei isso... Não se preocupe, vou me cuidar.
Marisa desligou o telefone com ares de preocupação, o mistério tomou de conta do seu olhar e não resisti:
- Aconteceu alguma coisa meu amor?
- Nada não...
Ela nem se quer me olhou nos olhos, e eu mergulhei mais uma vez no mundo de hipóteses e teses que eu criei para o envolvimento dela com a morte da família do embaixador, a relação com a morena fatal. Minha vontade era cobri-la de perguntas, esclarecer de uma vez por todas aquela nuvem de dúvidas que existia na expressão dela e na sua mudança repentina de comportamento.
A duras penas, me controlei. Levantei-me e envolvi sua cintura por trás, beijando sua nuca, confortando-a não sabendo exatamente do que, quando senti que ela retribuía meu gesto acariciando meus braços.
- Alex... Eu sei que você está louca para saber quem me ligou não é?
- Foi ela não foi? A Larissa?
- Sim, foi. Eu te juro que não tenho nada com ela... Um dia você vai entender...
- Shi... Quando você quiser ou puder me falar, eu estarei aqui para te ouvir.
Até eu mesma quase acreditei em mim, em tanta conformação, quando na verdade eu me roia de curiosidade por dentro. Voltei para o jornal, deixando Marisa com uma expressão preocupada, isso foi o suficiente para me fazer esquecer o meu dilema atual em contar sobre meu namoro a minha mãe, e voltar a especular o mistério de minha namorada.
No jornal, depois da reunião de pauta, perdi-me nos arquivos no meu notebook sobre a investigação da morte da família do embaixador. Minha consciência pesava como se eu traísse Marisa, mas mesmo assim, eu insistia em divagar entre minhas suposições. O expediente chegou ao fim, e eu, relutava em voltar para casa, evitando encarar minha mãe e seu interrogatório.
Como uma adolescente que esconde o boletim dos pais, entrei em casa em silêncio, na ponta do pé subindo para meu quarto sem avisar que havia chegado. Era hora de atualizar meu romance na web, e me divertir com os comentários das minhas leitoras. Notei um comentário mais ousado, com um nick: doutora.
“Fico imaginando o que é ter na vida real uma autora que me excita só na escrita...”
Arregalei os olhos, e disse:
- Nossa...
Nunca poderia imaginar que minha escrita inspirasse esse tipo de fantasia sobre mim, inocência talvez, mas era verdade. Ocorreu-me que a tal leitora ousada poderia ser a minha doutora, a própria Marisa a instigar-me com aquelas insinuações e só o fato de lembrar o que era estar ao vivo com minha doutora, já me acendia inteira.
Lembrar das sensações que minha namorada me provocava, e ressentir o prazer que eu tinha quando Marisa gozava na minha mão, na minha boca, me excitava profundamente. Algo inexplicável, transcendental, sentir as reações do corpo dela ao meu toque, aos movimentos de minha língua no seu sexo, era praticamente um gozo na alma.
Tomada dessas sensações eu sentia meu corpo suar, corri para um banho, deixando meu notebook ligado sobre a cama. No banho só pensava em Marisa, a queria dentro de mim mais uma vez, e queria estar dentro dela com urgência. Apressei-me para ir ao seu encontro, quando saí do banho, encontrei o inesperado: minha mãe sentada na minha cama, lendo meu romance lésbico.
Ela estava pálida, olhos esbugalhados, e eu atônita não ousei sequer respirar mais forte.
- Alexandra Castro, o que diabos é isso nesse computador?
Minha voz não saía. Minha mãe ergueu-se subitamente da cama, berrando:
- É isso que essas suas amizades estão te ensinando? A ser uma sem vergonha pervertida?
- Mãe, calma...
- Calma Alexandra? Como você pode me pedir calma depois de eu ler essa sujeira?
As veias sobressaltadas do pescoço de minha mãe, e seu rosto vermelho evidenciavam a alteração do seu estado emocional.
- Estou falando com você Alexandra! Responde!
Os berros de minha mãe chamaram atenção de meu pai que apareceu na porta do meu quarto assustado ordenando a minha mãe:
- O que você pensa que está fazendo gritando desse jeito com sua filha no quarto dela? Saia do quarto, deixe a menina vestir uma roupa, baixe seu tom e converse civilizadamente com sua filha!
- Alexandre não se intrometa! Você não sabe o que eu vi, nem sonha o que está acontecendo com sua filha!
- O que quer que esteja acontecendo com nossa filha, pela força do grito que você vai resolver!
Engoli seco, baixei os olhos, e senti meu pai se aproximando de mim dizendo com um tom seguro:
- Não se intimide com esse jeito de sua mãe minha querida, vista-se com calma.
Caminhou até minha mãe, colocou a mão nas costas dela, praticamente empurrando-a para fora do quarto. Bufando minha mãe saiu do quarto, sentei-me na cama, pensando comigo:
- Não tem jeito, chegou a hora.
Segui o conselho de meu pai, e me vesti com calma, me preparando intimamente para me assumir para minha mãe. Quando eu saía do quarto meu telefone tocou, era Fernanda, repórter do jornal:
- Alexandra, estamos encrencados, eu e o Artur fomos presos em um dos galpões da madeireira Ramos.
- Mas... Vocês são loucos? O que vocês fizeram?
- Alex, a gente precisa de um advogado, depois explico melhor...
- Tudo bem, estou indo, meu pai é advogado, vou avisar ao Daniel também.
Liguei para Dan comunicando o acontecido, troquei de roupa e desci às pressas pedindo ao meu pai:
- Pai, preciso do senhor, vem comigo.
- Onde você pensa que vai Alexandra? – Minha mãe perguntou irritada.
- Resolver problemas de trabalho mãe.
- Você não sai daqui antes de me explicar o que eu vi no seu computador!
- Mãe essa conversa vai ter que ficar para depois.
Minha mãe então segurou meu braço dizendo:
- Não vai não!
Meu pai interviu:
- Angelina pelo amor de Deus!
Desvencilhou meu braço, envolveu seu braço no meu ombro e me disse:
- Vamos filha. E você Angelina, fique aqui!
Nem ousei olhar para minha mãe, temendo ser fuzilada com o olhar. Segui com meu pai para a delegacia da cidade vizinha, onde Fernanda e Artur estavam detidos. No caminho explicava ao meu pai o motivo da prisão de meus funcionários. Falei sobre a reportagem investigativa que eles faziam acerca da extração ilegal de madeira rara de árvores em extinção, e que os repórteres foram presos por invadirem as terras para buscar provas desse crime.
Daniel chegou praticamente ao mesmo tempo que eu, acompanhado de outro advogado.
- Alex que loucura foi essa? – Dan perguntou preocupado.
- Ainda não sei detalhes, Fernanda me falou muito pouco, mas tem algo com a madeireira Ramos, eles estão investigando algo sobre extração ilegal de madeira...
- Meu Deus!
Dan empalideceu, e continuou:
- Vocês mexeram em um vespeiro...
O advogado que o acompanhava balançou a cabeça confirmando a observação do meu amigo. Seguimos para o interior da delegacia, mas somente meu pai e o Dr. Jorge entraram para se apresentarem ao delegado. Enquanto isso, Daniel comentou:
- Sardenta, graças aos céus que a polícia os prendeu se ficasse nas mãos dos seguranças da Ramos, há essa hora, seus repórteres já teriam virado pó de serraria...
Esperamos cerca de uma hora, até Fernanda e Artur saírem da sala do delegado, acompanhados do meu pai e do Dr. Jorge.
- E então? Estão liberados? - Perguntei.
- Por enquanto sim, vamos tentar livrá-los do processo, mas, devo adverti-los de uma coisa: fiquem longe de confusão, e nem preciso dizer, bem longe das propriedades da Ramos! – Dr. Jorge disse sério.
Fernanda e Artur me prometeram grandes revelações, que me faria apoiá-los mesmo parecendo uma loucura. Com a presença deles no carro, meu pai não pode entrar no assunto da conversa com minha mãe, mas eu não teria essa desculpa por muito tempo.
Como pensei, ao chegar a casa, minha mãe nos aguardava no sofá, não deixou que eu sequer sentasse e logo abordou:
- Agora somos nós Alexandra, explique-se!
Respirei fundo, sentei-me e disse:
- Tudo bem mãe. Vou me explicar. Aquilo que a senhora viu no meu notebook, é um site especializado em romances, contos, e eu estou escrevendo uma estória lá.
- Mas o que tinha escrito lá era uma imoralidade! Imoralidade entre mulheres!
- Mãe a essência do conto não é o erotismo, mas sim, existem alguns trechos que...
- Alexandra! Pornografia, imoralidade, é doentio! Entre mulheres! A influência dessas suas amizades, coisa daquela doutora não é?
- Mãe, aquela doutora tem nome, e a senhora sabe. E até dois dias atrás a senhora fez até um jantar para agradecer o atendimento dela ao pai...
- Até eu descobrir que ela... Ela é...
- Lésbica mãe, assim como eu.
Notei o rosto de minha mãe tomar uma expressão de pavor. Aproveitei o susto e o silêncio dela para prosseguir falando:
- É isso mãe que a senhora ouviu, sou lésbica. Eu sei que não é algo fácil de aceitar, que não é o sonho de nenhum pai ou mãe, mas essa é a verdade. Estou tranqüila e segura com essa minha descoberta, gostaria muito que a senhora entendesse.
- Nem morta! Nem morta entenderei isso!
- É uma pena mãe que a senhora não entenda...
- Você enlouqueceu depois que Fernando fez o que fez... Isso eu posso entender, por que isso que você está me dizendo é uma insanidade completa!
- Mãe, não é loucura, o que Fernando fez me abalou, mas, não enlouqueci como a senhora está dizendo.
- Então foi a má influência daquela doutora! Você é só um bebê inocente, se deixou seduzir por aquela...
- Mãe! O nome dela é Marisa, e ela não é má influência na minha vida! Ela influencia tudo de melhor que tenho, ela me faz feliz!
- O quê?
- É mãe, eu e Marisa estamos juntas, e estou apaixonada e feliz ao lado dela.
Minha mãe partiu para cima de mim segurando forte nos meus braços me sacudindo enquanto repetia:
- Essa fase vai passar! Vamos te tirar dessa maldita cidade!
Desvencilhei-me das mãos de minha mãe, quando ela chamou a atenção de meu pai, que até então apenas escutava nossa conversa:
- E você Alexandre? Não vai dizer nada? Está tão chocado com sua filha que não vai me ajudar?
Meu pai se aproximou de mim, colocando seu braço em volta do meu ombro e disse:
- Minha maior preocupação sempre foi que Alexandra fosse feliz, e o que eu vi quando cheguei aqui foi a felicidade nos olhos dela, se realizando como jornalista, voltou a escrever, está amando e sendo amada, isso é o bastante para apoiar qualquer decisão dela.
A segurança que meu pai me passou naquele gesto e com aquelas palavras me deu novo ânimo naquela conversa tensa. Minha mãe calou-se por alguns segundos caindo sentada no sofá com o rosto banhado em lágrimas, sentei-me ao seu lado, segurei suas mãos e disse:
- Mãe, eu não enlouqueci, isso não é uma fase, nem tampouco a Marisa é culpada por minha homossexualidade, ela é culpada sim, pela minha felicidade, pelo meu sorriso, por minha vontade de crescer... Ela me devolveu esperança, me fez acreditar em mim de novo, no amor, no meu futuro... O fato da senhora não aceitar não vai mudar o que sou, mas vai me deixar triste...
Muito friamente minha mãe me respondeu:
- Então conviva com essa tristeza. Não vou aceitar isso, nunca.
Baixei meus olhos, e com eles marejados retruquei:
- A senhora não é obrigada a aceitar, mas deve respeitar.
- Eu não estou conseguindo se quer olhar para você. Não reconheço mais a filha que criei com tanto amor. Se você quer continuar com essa loucura, então, esqueça que tem mãe.
- Mãe!
- Angelina não diga algo que você se arrependerá para o resto da sua vida!
- Vou arrumar minhas coisas, não vou ficar nessa casa.
Minha mãe parecia estar surda ao que eu e meu pai dizíamos. Subiu as escadas sem olhar para trás, enquanto meu pai me abraçava tentando me acalmar:
- Ela falou essas coisas sem pensar minha querida, vai se arrepender, tenho certeza disso. Fique calma, tudo ficará bem.
Eu soluçava abraçada ao meu pai, nunca imaginei que a reação de minha mãe fosse a mais dura mostra do preconceito e da intolerância. Depois que me apaixonei por Marisa, ainda não tinha experimentado o temido monstro do preconceito, e como doeu enfrentá-lo trajando a forma de uma pessoa que eu amava tanto.
Minha mãe desceu em poucos minutos com as malas na mão:
- Você vem comigo, ou vai ficar aqui Alexandre?
- Você não pode estar falando sério Angelina!
- Você acha que estou com cara de quem está brincando meu bem?
- Não seja ridícula Angelina!
- Não vou conseguir ficar nessa casa, deve haver um hotel nessa cidade para passarmos a noite, amanhã voltamos para a capital.
Meu pai andou de um lado para outro, até que eu falei mais calma:
- Vá com ela pai, ficarei bem.
- Mas filha...
- Ela precisa mais de você do que eu nesse momento.
- Eu vou filha, mas por um motivo: para conversar com ela, e fazê-la se arrepender das coisas que ela disse para você hoje.
Balancei a cabeça positivamente, beijei sua face e subi as escadas, antes deles deixarem a minha casa eu disse:
- Mãe eu amo a senhora, e não vou esquecer que tenho uma mãe que amo tanto.
Ela se manteve de costas, saindo pela porta sem olhar para trás. Caí na cama sentindo uma ferida se abrir na minha alma, como se adivinhasse que eu precisava de colo, Marisa me ligou:
- Meu amor? Ligando pra te desejar boa noite...
- Oi Mah...
Minha voz chorosa chamou a atenção de Marisa que perguntou imediatamente:
- Que voz é essa minha linda? Aconteceu alguma coisa?
- Minha mãe Mah... Contei a ela sobre nós, ela me disse coisas horríveis, disse que não sou mais filha dela, e saiu daqui de casa...
Não agüentei terminar a frase e me entreguei a um choro angustiado.
- Alex meu amor...
- Mah, ela me olhou com nojo... Meu pai foi com ela para tentar convencê-la a aceitar... Mas...
- Foi um choque para ela minha linda. Dê um tempo para que ela aceite melhor a idéia. Está sozinha em casa então?
- Sim...
- Então abre a porta pra mim, estou chegando aí.
Só deu tempo eu descer as escadas, quando abri a porta Marisa estava estacionando o carro, quando me viu com o rosto inchado de chorar, andou rápido até meu encontro me abraçando forte, acariciando meus cabelos.
- Estou aqui com você meu amor...
Fechou a porta e me levou pela mão até o sofá, coloquei minha cabeça no seu colo, e delicadamente Marisa enxugou minhas lágrimas com o dorso da mão num gesto extremado de carinho.
Aos poucos meu coração ia experimentando a paz que eu só tinha ao lado de Marisa, e mais calma contei para minha namorada os acontecimentos da noite.
- Então sua mãe não se tornou mais uma fã do seu conto... Que pena.
Marisa esboçou um sorriso, e eu tentei retribuir o gesto.
- Alex, eu imagino o que você está sentindo, mas a reação de sua mãe é a mais comum. Agiu sobre o impacto da notícia, claro que magoa, mas não pense que é definitivo.
- Mas doeu ouvir aquelas coisas dela Mah.
- Eu sei linda... Mas vai passar...
Marisa me abraçou forte, roçou seus lábios nos meus, beijando minha boca com suavidade. Beijou meu rosto, colhendo no beijo uma lagrima que caía e disse:
- Vamos lavar esse rosto, vestir uma roupa confortável, e dormir?
Concordei e perguntei curiosa:
- Como você chegou aqui tão rápido?
- Eu estava aqui perto, saindo do hospital, fui cobrir duas horas no ambulatório, Elaine me pediu para substituí-la enquanto ela jantava com o Fábio, aniversário de namoro, algo assim.
- E por falar em aniversário de namoro... Você sabe quando é o nosso?
- Claro que sim... Amanhã a gente completa um mês de namoro, mas já fazem quase três meses que nos conhecemos...
- Nossa...
Não vou negar que saber que Marisa sabia desse tipo de detalhe do nosso relacionamento me comoveu, ser cuidada por ela com todo aquele carinho foi como um bálsamo para a dor que assolava minha alma.
Marisa sorriu tenramente e me puxou pela mão até meu quarto. Sem nada dizer, foi tirando as peças da minha roupa, vestiu uma camisola de seda, afastou os travesseiros, me levou até a cama e fez com que eu me deitasse. Sentou ao meu lado, segurou minha mão e disse:
- A gente vai enfrentar muita coisa ainda... Mas o importante é que estamos juntas.
Comovida, puxei-a para mais um abraço e pedi que ela deitasse ao meu lado. Deitou-se e eu imediatamente envolvi minhas pernas nas suas, e de testas coladas, ficamos por minutos trocando carícias delicadas no rosto até eu não resistir, e beijar sua boca com toda paixão que eu sentia naquele momento.
Não demorou muito para nossas mãos explorarem o corpo uma da outra. A roupa que Marisa vestia já estava no chão, junto com a minha camisola de seda, nos amamos até a exaustão, Marisa conhecia meu corpo, sabia como me tocar, sabia meu ritmo, e quanto a mim, dar prazer a ela era como acender uma fogueira de tesão em cada centímetro da minha pele. Dormimos abraçadas, de conchinha, envolta no seu braço, eu me sentia segura, e só por estar aninhada no seu corpo, eu consegui descansar.
Era sábado, não precisávamos nos preocupar com hora para acordar. Até notei o sol entrar pela janela, mas não ousei sair da posição que estava sentindo a maciez da pele de minha namorada junto da minha, eu poderia ficar naquela cama para sempre. Senti Marisa roçar seu nariz na minha nuca, e acariciar minha barriga, encaixando suas pernas entre as minhas.
- Nossa... Que jeito maravilhoso de ser despertada...
Disse praticamente gemendo, sentindo meu corpo arrepiar-se imediatamente como resposta às carícias de minha namorada.
- Bom dia meu amor... Ou seria boa tarde? – Disse Marisa beijando minhas costas.
- Ai nem sei que horas são meu amor... Não pensei se quer que eu conseguisse dormir, mas dormi tão bem com você aqui.
Disse me virando na cama ficando de frente para Marisa, acariciando seus cabelos desalinhados, mas não menos encantadores.
- Que bom meu amor... Dormi muito bem também, adoro dormir sentindo seu cheiro...
Marisa beijou meu pescoço, mordiscou minha orelha, acendendo meu corpo ainda mais. E quando nossas bocas se encontraram em um beijo urgente ouvi passos fortes adentrando o quarto: minha mãe nos surpreendeu.
Não disse nada, mas não me intimidei diante do ódio, asco, que minha nos olhava, passei meu braço em volta dos ombros de Marisa como um gesto de coragem de assumir que aquela era a mulher que eu amava e que lutaria por ela mesmo contra a ira de minha própria mãe.
- Eu vim para tentar conversar, mas essa cena me deu náuseas. Pensei que você estivesse sofrendo como seu pai me convenceu, mas eu estou vendo que você está se lixando para o fato de magoar ou não sua mãe.
- Mãe...
- Não tente se justificar Alexandra, não há como você se justificar.
- Mas eu não quero me justificar, não há por que eu fazer isso, não estou fazendo nada errado.
- Você não é a minha filha! É outra pessoa...
- Você tem razão, sou outra pessoa, mais feliz, mais segura, mas ainda sou sua filha.

- Essa mulher virou sua cabeça! Você não se envergonha disso doutora?
Apertei minha mão no braço de Marisa, como se quisesse transmitir meu amor naquele momento tenso.
- Eu não me envergonho de amar dona Angelina, a senhora deveria saber o quanto é maravilhoso amar e ser amada e ficar feliz por sua filha ter encontrado isso depois do que passou.
- Como ousa! Como ousa sugerir como eu devo me sentir ao ver minha filha com uma pessoa como você...
- Mãe já chega! Você não vai ofender minha namorada na minha casa. Se foi para isso que a senhora veio aqui, é melhor a senhora ir embora.
- Você está me expulsando da sua casa?
Minha mãe estreitou os olhos indignada.
- Não mãe, não estou te expulsando, estou colocando um limite nessa situação. Se a senhora não é capaz de sequer me respeitar, e respeitar quem eu amo, então, é melhor que evitemos mais trocas de farpas, isso só vai nos magoar ainda mais.
- Eu nunca esperei isso de você Alexandra!
- Sinto muito mãe por a senhora não me aceitar.
Minha mãe saiu pisando forte, batendo a porta, enquanto eu amarguei mais uma vez lágrimas de rejeição e intolerância, dessa vez, abraçada com minha namorada.
CAPÍTULO 12: DE VOLTA À INVESTIGAÇÃO
Aquela foi a última vez que vi minha mãe antes que ela partisse de Nova Esperança. Foram no dia seguinte, foi o que eu soube pelo meu pai, que veio se despedir de mim, prometendo-me que era uma questão de tempo e paciência para que minha mãe aceitasse a situação e faria de tudo para nos reconciliarmos.
Marisa como se quisesse compensar redobrou o carinho comigo e no nosso aniversário de 1 mês de namoro, preparou-me uma surpresa linda. Levou-me para uma cabana na serra, a mesma que fomos pouco tempo depois que nos conhecemos, entretanto, a surpresa foi uma demonstração a parte de dedicação e carinho, que me marcou para sempre.
Vendou meus olhos, e apesar de saber que estávamos subindo a serra, minha ansiedade só se comparava a de uma criança indo a um parque de diversões. Ao chegarmos, Marisa me conduziu pela mão até o interior da cabana, tirou a venda dos meus olhos, e o que vi foi atmosfera mais linda e romântica que nem os filmes clássicos de Hollywood conseguiriam chegar aos pés.
A cabana inteira à luz de velas, o som tocava Maria Gadú, a mesa posta, com pratos elegantes, talheres de prata, taças alinhadas, e no centro da mesa um lindo arranjo de rosas vermelhas. Meus olhos brilhavam tanto, que mesmo diante daquela luz escassa, Marisa pode vê-los marejados.
- Meu amor...
Foi tudo que consegui dizer antes de deixar as lágrimas emocionadas banharem meu rosto. Marisa enxugou-as com o dorso da mão, e visivelmente comovida com minha reação chorou junto comigo, abraçando-me tenramente.
- Eu preparei tudo pra uma noite perfeita meu amor, quero que seja inesquecível. – Sussurrou Marisa.
- Já está sendo inesquecível meu amor.
Beijei seus lábios suavemente, estampando um sorriso mais do que sincero de agradecimento por aquele momento singular. Marisa serviu-me um cálice de vinho tinto, e à beira da lareira namoramos sem pressa, trocando carícias singelas, sem muitas palavras, elas não eram necessárias. Jantamos com calma, e como todo o resto, estava perfeito. Nossa troca de olhares apaixonados beirava o ridículo para a ótica dos descrentes no amor, mas para nós, era a confirmação de um sentimento que crescia a cada dia.
E quando eu achei que a noite já estava mais do que perfeita, Marisa continuou a me surpreender. No quarto, a cama coberta de pétalas de rosas me emocionou mais uma vez. Como se não bastasse, com muita sutileza, Marisa sentou-me no meio daquelas pétalas, retirou minhas sandálias, e ficou literalmente aos meus pés, retirou debaixo da cama uma bacia com sais aromáticos, os banhou, massageando meus pés e pernas com óleo perfumado.
Aquele gesto foi um dos momentos mais sublimes e sensuais da minha vida, sentia meu corpo vibrar, meu coração acelerar, e não conseguia esconder meu sorriso apaixonado. Marisa enxugou meus pés, beijou-os, e levantou-se, abrindo o zíper do seu vestido deixando que ele escorregasse ao chão, exibindo um espartilho de renda preta, cintas ligas na mesma cor, e uma calcinha fio dental do mesmo tecido.
Perdi o fôlego diante daquela visão. Não só pelo corpo de minha namorada que tanto me dava prazer, mas pelo clima, por saber que ela pensou em cada detalhe para me dar uma noite ainda mais especial. Marisa caiu sobre mim forçando meu corpo deitar-se na cama, e delicadamente despiu-me cobrindo minha pele de beijos.
Gradualmente as carícias suaves encheram-se de volúpia, e os beijos pelo meu corpo se transformaram em um passeio da língua de Marisa pela minha pele, que chupou meus mamilos eriçados, mordiscou a minha orelha,enquanto minhas mãos exploravam aquela lingerie sensual. Com dificuldade desabotoei o espartilho, a entrega de nossos corpos aconteceu instantaneamente, com movimentos sensuais, Marisa roçou seu sexo no meu, até senti-lo encharcado para assim, penetrá-lo, me levando a loucura.
- Isso amor... Fica dentro de mim... Mexe...
Gemia, e Marisa esboçava um sorriso safado remexendo-se sobre mim, e com aqueles movimentos deliciosos gozei facilmente.
A noite poderia ter sido de paixão caliente por horas, pela noite inteira quem sabe, se não fosse o fato da atrapalhada aqui ser alérgica a flores, o contato com as pétalas espalhadas na cama, desencadeou uma crise de espirros incontrolável, meus olhos coçavam, minha garganta, meu ouvido, quebrando qualquer clima romântico que minha namorada com tanto esmero planejou.
Marisa retirou a colcha da cama, sacudindo as pétalas de rosas fora da cabana, enquanto eu procurava na minha bolsa o meu anti-alérgico.
- Mah desculpa... Estraguei tudo...
- Meu amor... A culpa foi minha... Que doutora é essa que você arranjou que não sabia que você era alérgica?
Sorri tímida, enquanto Marisa me abraçava com todo carinho, e meus espirros ainda me atormentavam, minha garganta irritada e meus olhos quase fechados não deixava que eu escondesse minha saúde débil ainda.
- Eu estou aqui para cuidar de você meu amor.
Aos poucos o meu mal estar foi dando espaço ao sono pacificador nos braços de Marisa, nem lembro ao certo em que momento dormimos, fomos acordadas pelo sol entrando pela varanda, Marisa beijou minha face e levantou-se, voltando poucos minutos depois ordenando:
- Você precisa de um café reforçado, vem comigo.
Na varanda da cabana, Marisa preparou uma mesa linda de café da manhã. A paisagem à nossa frente parecia um cartão postal bucólico. Serviu-me com o mesmo olhar apaixonado da noite anterior, e eu completamente bestificada com a mulher que eu tinha ao meu lado chegava a duvidar que aquele momento fosse real.
Depois do café nos aconchegamos na rede, abraçadas, trocando sorrisos e beijos carinhosos:
- Meu amor você é perfeita... Eu nem sei o que dizer para agradecer esse aniversário de namoro... Foi tudo lindo... Estou completamente sem palavras...
- Você sem palavras é algo bastante raro... -Marisa disse sorrindo.
- Mah eu te amo.
Nem me dei conta que aquela era a primeira vez que eu dizia isso a Marisa, que me olhou surpresa,mas logo em seguida abriu um sorriso largo beijando-me apaixonadamente.
- Está tudo maravilhoso meu amor, mas temos que ir embora, meu plantão começa meio-dia no hospital.
- Então vamos... Mas será que temos um tempinho para batizar essa rede?
- Hum... Batizar?
- É... Nunca fiz amor numa rede...
Marisa sorriu, enquanto minhas mãos já se perdiam por baixo de suas roupas. Naquele cenário paradisíaco nos amamos tendo apenas a natureza como testemunha.
Os dias se passaram tranqüilos, até eu receber do tal contato do Dan no Ministério das Relações Exteriores, um extenso arquivo sobre as investigações feitas na época da morte da família do embaixador. Não havia nada diferente do que eu já tinha descoberto pelos jornais, exceto por uma informação, o contato da família do motorista de confiança do embaixador.
Travando uma luta interior entre meu amor por Marisa e a confiança construída entre nós, e minha curiosidade não só jornalística, anotei os endereços expostos no arquivo a fim de investigar a fundo posteriormente.
Fernanda e Artur tentavam me convencer em apoiá-los na investigação da madeireira Ramos, revelando um grande furo de reportagem.
- Alexandra, você não pode nos proibir de seguir com essa investigação, ela pode nos dar visibilidade como jornalistas e colocar esse jornal no cenário nacional! – Exclamou Fernanda.
- Eu não posso permitir que vocês arrisquem assim a vida de vocês! O Daniel disse que a sorte de vocês foi a polícia ter prendido vocês, se os seguranças ao invés dos policiais tivesse flagrado vocês, vocês não estariam aqui para contar a história!
- Não foi sorte, nós avisamos a polícia... Sobre a invasão de estranhos em propriedade privada. – Artur esclareceu.
- Vocês são loucos! Nem me comunicaram nada!
- Nós sabíamos que você não permitiria... – Disse Fernanda desconfiada.
- Alex, nós conseguimos provas que tem gente graúda acobertando as ações ilegais da madeireira Ramos. – Artur falou empolgado.
- Que tipo de provas? – Perguntei.
- Fotografei a entrega de uma maleta cheia de dólares, Adilson Ramos, filho do dono da madeireira, entregando pessoalmente o dinheiro a Carlão Melo.
- Quem é Carlão Melo?
- Braço direito do ministro do Meio Ambiente. Ele está envolvido num esquema de vendas de autorizações para desmatamento de áreas protegidas pelo IBAMA. – Respondeu Fernanda.
- Correm boatos em Brasília que ele substituirá o ministro próximo mês quando ele se afastará para concorrer ao senado.
- Como vocês conseguiram sair de lá com essas fotos? Não apreenderam o cartão de memória da sua câmera Artur? – Perguntei.
- Sim, mas não levaram minha caneta... – Artur respondeu com um sorriso nos lábios.
- E o que tem sua caneta?
- É uma caneta espiã... Maravilhas da internet... É uma câmera fotográfica disfarçada! – Falou Artur orgulhoso.
- Mas se vocês tinham essas provas por que não as entregaram à polícia?
- Por que não prova diretamente nada, precisamos de provas que a madeireira está extraindo madeira ilegal, e que estão sendo protegidos pelo alto escalão do Ministério. – Respondeu Fernanda.
- E eu posso saber como vocês vão conseguir a prova dessa ligação?
- Não posso revelar por enquanto, mas temos um contato, um ex-funcionário da madeireira, disposto a vingar-se dos donos que negaram seus direitos depois de um acidente com uma motosserra no qual ele perdeu um braço.
Andei de um lado para outro enquanto meus repórteres esperavam ansiosos minha decisão.
- Primeiro: quero saber cada passo dessa investigação. Segundo: ninguém mais pode saber sobre ela. Terceiro: Vocês vão me prometer ter todo cuidado do mundo nesses contatos, e com essas provas, e por último: boa sorte!
Artur e Fernanda festejaram me abraçando.
Meu web romance continuava fazendo sucesso, e Marisa me inspirava ainda mais, tornou-se uma leitora fiel, se derramando em elogios à minha escrita. Estávamos mais unidas do que nunca, nossa relação não era mais segredo para as línguas desocupadas da pequena cidade, apesar de se incomodar com isso, Marisa não mudou nossa rotina.
Descobri pesquisando na internet que o contato da família do motorista do embaixador era de um telefone de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, como eu teria acesso a essa família para mim ainda era uma incógnita.
Dois meses se passaram tranqüilos, minha mãe continuava insensível aos argumentos de meu pai, e assim, continuava sem falar comigo. Marisa me incentivava a manter contato mesmo assim, notava o quanto ela prezava por meu relacionamento com meus pais. Fernanda e Artur continuavam com a tal investigação sob minha supervisão e durante esse tempo praticamente esqueci-me da minha investigação particular até que, ouvi um telefonema estranho de Marisa:
- Não Larissa! Não vou colocar todo esse tempo de sacrifício em risco, você sabe o que está em jogo! Essa á única garantia que tenho, é a minha moeda de troca. Não, minha resposta é não! E já estou cansada, quero a certeza que ele está vivo, apresse isso, há meses não tenho notícias dele, preciso de informações o quanto antes. Larissa é a da vida do meu pai que estamos falando!
Arregalei os olhos e ao perceber que Marisa vinha em minha direção escondi-me atrás da cortina, atrapalhada como sempre, enrolei-me no tecido, derrubando um jarro colocado na mesa de cabeceira do quarto de Marisa que vinha da varanda com uma expressão preocupada:
- Alex eu vi você aí, deixa de palhaçada saí daí... E a propósito, você me deve um jarro de porcelana...
Saí com aquela cara de criança que tem certeza que vai ficar de castigo:
- Desculpa Mah... Eu ouvi sem querer... Derrubei sem querer também o vaso...
- Sei... Preciso sair meu amor, tenho uma reunião na universidade, você me espera aqui?
- Hurrum.
Marisa agiu com naturalidade, evitando assim explicar sua expressão preocupada e o teor tenso da conversa que ela sabia que eu ouvi. Fiquei no seu quarto, perdida entre minhas hipóteses, e minha curiosidade voltou a me atiçar. Marisa falou de seu pai, sobre a vida dele, entretanto, ela me deu a entender quando nos conhecemos que ela era órfã de pai e mãe. Do que ela estava falando afinal? Moeda de troca? O que seria essa moeda de troca? Como assim ela não sabia se ele estava vivo? Ele seria seu pai? Eu precisava reler meus arquivos, e agora, eu precisava ir à tal cidade gaúcha investigar a família do tal motorista do embaixador.
Nos dias posteriores, Marisa acordava com pesadelos freqüentemente, algumas vezes gritava pelo pai, eu sempre a abraçava sentindo seu corpo trêmulo, chorava sem me dar explicações, assustada, ela me abraçava forte, até voltar ao sono e no dia seguinte nada falava, fugindo de minhas perguntas sobre os pesadelos, ela respondia apenas:
- Foi um sonho ruim apenas, nada mais.
Entretanto, Marisa na maior parte do tempo aparentava preocupação, sentia sua angústia, e eu me sentia impotente por não poder ajudá-la e magoada por sentir que ela não confiava em mim para compartilhar o que a afligia tanto.
Reli meus arquivos, constatando o que eu lembrava sobre o tal motorista do embaixador, que seu corpo nunca fora encontrado, deduzi então, que Marisa poderia ser filha do motorista desaparecido, e de alguma forma ela o protegia. Mas como? O que aquelas fotos que encontrei no seu quarto tinham haver com todo esse mistério? Se eu pudesse ver as fotos mais uma vez... Quem sabe fazer uma cópia delas...
Em certa ocasião, aproveitei que Marisa cuidava do jardim, fingi que dormia para ficar a sós no seu quarto, e sorrateiramente procurei o tal álbum que encontrei por acaso meses atrás. E o pior aconteceu, Marisa entrou de surpresa no quarto enquanto eu mexia no seu guarda-roupa:
- Perdeu alguma coisa aí Alexandra?
Pálida, olhei para Marisa procurando alguma desculpa em minha mente confusa:
- Você tem absorvente interno amor? Onde você guarda?
- No armário do banheiro... Você sabe disso... Mas você está menstruada de novo? Semana passada você estava...
- Pois é, acho que está desregulada.
Marisa me olhou desconfiada, adiantando-se em fechar a porta do guarda-roupa, percebi então, que não seria fácil encontrar as tais fotos, tinha que seguir outra pista, e decidi visitar Calhetas, a cidade gaúcha da família do motorista do embaixador.
Procurei meu amigo de confiança, o Dan, para pedir folga de dois dias para viajar até a cidadezinha, combinando com ele de dar uma desculpa que estava me enviando para alguma reunião ou congresso da área de cultura. Mesmo não gostando da idéia de eu arriscar meu namoro com Marisa por essa curiosidade absurda, ele consentiu advertindo:
- Saiba que se Marisa descobrir os extremos que você está atingindo para descobrir o mistério que ela esconde, ela não vai te perdoar, você está preparada para isso?
Senti um aperto no peito quando ele me perguntou isso, por que no fundo eu sabia o quanto eu estava arriscando com esse tipo de atitude:
- Dan, eu só quero ajudar. Saber mais da mulher que eu amo, e provar que ela pode confiar em mim, contar comigo para tudo...
Não consegui convencer nem a mim mesma nessa argumentação, eu tinha sim isso como motivação, mas minha curiosidade, meu faro jornalístico tinham grande influência nas minhas ambições. Dan balançou a cabeça negativamente e disse:
- Não concordo com isso, mas como sei que não vai adiantar tentar te convencer do contrário, pode deixar, eu te cubro... Até mesmo por que adoro romances policiais, de mistério, mas amiga, prefiro histórias com finais felizes... Então cuidado com o amor que a vida te presenteou.
Engoli seco, e saí da sala dele depois de me despedir. Fui para casa arrumar minhas malas quando Marisa chegou:
- Oi amor, está ocupada? – Perguntou-me depois de selar meus lábios com um beijo.
- Um pouco, estou fazendo minhas malas.
- Malas? Aonde você vai?
- Para um congresso de cultura brasileira em Porto Alegre, volto em dois dias.
- Você não me disse nada sobre esse congresso...
- O Dan pediu que eu fosse representá-lo, hoje de manhã.
- Hum... Se soubesse há mais tempo, poderia ir com você...
Beijei-lhe com carinho e disse:
- Teremos outras oportunidades de viajarmos juntas meu amor...
- Vou ficar morrendo de saudades, dois dias serão uma eternidade!
- Vai passar rapidinho... Mas o que você acha de... Uma despedida gostosa...
Disse isso descendo minhas mãos pelas pernas de Marisa, roçando meus lábios nos dela. Marisa sorria enquanto seu corpo arrepiava:
- Que horas é seu vôo?
- Daqui a quatro horas...
- Então temos tempo para nos amar!
Empurrou-me para a cama, caindo por cima de mim, roubando-me beijos urgentes, famintos acompanhados de mãos sedentas que exploravam meu corpo acendendo ainda mais o desejo de ambas. Marisa despiu-me rapidamente, praticamente rasgando as roupas do meu corpo, sentindo a umidade abundante do meu sexo, penetrou-o com a autoridade de quem conhecia o prazer que proporcionava ao meu corpo. Gemi alto com os movimentos dos dedos de Marisa dentro de mim, arqueando meu tronco me oferecendo à sua boca, enquanto me penetrava, Marisa sugava meus mamilos levando-me à loucura e ao ápice.
Desejava o corpo quente de Marisa, tomei sua boca ofegante, apalpando seu bumbum, seus seios, deslizei minha língua por seu pescoço, descendo pelos seios, barriga, umbigo, até encaixá-la entre suas pernas, lambendo toda extensão da vulva, sorvendo aquele líquido quente que se derramava. Suguei com vontade, usando minha língua para massagear o clitóris de Marisa que se oferecia ainda mais à minha boca, segurando minha cabeça como se me guiasse aos seus pontos mais sensíveis, remexendo-se e gemendo Marisa se entregava:
- Vai meu amor, me faz gozar na sua boca...
Penetrei meus dedos sem parar de chupá-la, sentindo o orgasmo de minha namorada se anunciar pela vibração do seu sexo e o tremor de suas coxas:
- Aaai...Alex...
Jogada na cama, Marisa respirava rápido, com um sorriso nos lábios. Abracei-a sentindo seu coração acelerado e sussurrei:
- Vou levar seu gosto e voltar correndo pra te amar mais uma vez minha mulher...
- Eu te amo Alexandra.
Meu coração quase salta pela boca ouvindo essa declaração de Marisa, e um misto de felicidade e apreensão tomou conta de mim, minha consciência pesou por estar mentindo assim para a mulher que eu amava e que acabara de se declarar a mim, e por colocar em risco esse amor em detrimento de uma curiosidade, as palavras de Dan ecoaram na minha cabeça e deixei que meu coração se entregasse aquele momento:
- Eu também te amo Mah, como nunca amei ninguém.
Marisa me deixou no aeroporto da cidade vizinha, e segui para Porto Alegre com minha consciência pesando uma tonelada, vendo minha namorada acenar para mim com um sorriso tão sincero. Antes de embarcar ainda recebi uma mensagem de texto dela:
- Volte logo para mim meu amor.
Desembarquei em Porto Alegre no fim da noite. Segui para o hotel protegendo-me do frio intenso que fazia, a primeira coisa a fazer ao me acomodar na suíte foi ligar para minha namorada, namoramos por telefone até adormecermos com o fone no ouvido.
No dia seguinte, acordei cedo, ansiosa para cumprir a minha missão. Aluguei um carro e segui para Calhetas, segundo informações e o mapa que eu tinha, seriam três horas de viagem. Foi uma viagem tranqüila, e cheguei no horário previsto, a partir daí a maratona para chegar ao endereço começou. Duas horas depois, identifiquei a tal rua, e cheguei à casa, sem saber direito o que perguntar, afinal não tinha formulado nenhuma história para justificar minha presença ali, apertei a campainha estalando os dedos nervosa.
Era uma casa grande, portões de ferro que guardavam uma arquitetura tradicional, ao quais lembravam os moldes de casas alemãs com suas portas de madeira, telhado alto e varanda. Sem muita demora, uma senhora baixa, de pele alva, com seus 60 anos, atendeu à porta.
- Pois não?
- Bom dia senhora, estou à procura da família do Sr. João Marcos Pimentel. A senhora é parente dele?
- João Marcos Pimentel? Não, não conheço.
- A senhora mora aqui nessa casa há muito tempo?
- Não, moro aqui acerca de oito anos, antes morava na zona rural da cidade.
Decepcionada por ter viajado em vão, não consegui disfarçar minha frustração, a senhora desceu os degraus se aproximou do portão e perguntou:
- Como você chegou até minha casa?
-Recebi informações que esse endereço é da família do Sr. João Marcos Pimentel, ele trabalhou na embaixada do Brasil em Honduras, estou fazendo uma pesquisa sobre a morte do embaixador Alcides Muniz Campos.
- Essa casa ficou fechada muito tempo, mas não conheci quem morava aqui antes. Meu filho comprou e me deu de presente, mas ele mora na capital.
Todos aqueles nomes pareciam não ser familiares àquela senhora. Minha viagem e minha mentira para Marisa foi mesmo um esforço inútil. Agradeci a educação da senhora, e me despedi. Quando voltava para o carro, ouvi o chamado de outra senhora no portão da casa vizinha:
- Moça!
Caminhei até ela quando a vi acenando para mim.
- Eu ouvi você falando com minha vizinha, sobre a família do Joca, você é parente dele?
- Não senhora, estou fazendo uma pesquisa da faculdade, sobre a morte da família do embaixador Alcides, o senhor João Marcos trabalhava para ele na época, nos arquivos constava esse endereço como sendo da família dele.
- Ah... Entendi... Pensei que você tivesse alguma notícia do Joca.
- A senhora o conhece?
- Conheci ainda meninote... Era amiga de sua mãe, depois que ela morreu, o Joca ficou morando aqui nessa casa - apontou para a casa vizinha – com a mulher dele, depois arranjou emprego em Brasília, mudou-se, mas a mulher dele e os filhos continuaram a morar aqui.
- Quando eles foram embora? A senhora lembra?
- Já faz muito tempo, primeiro o Joca sumiu, logo depois do assassinato de um embaixador e a família dele num país que não lembro o nome...
- Honduras?
- Acho que é isso, ele trabalhava com esse figurão. Depois que o Joca desapareceu, muita gente importante visitou a casa de Marta, a mulher do Joca. Ela era muito elegante, reservada, então não comentava muito sobre o sumiço do marido, o que se sabe é só boato, fofoca do povo...
- O que comentaram?
- Teve gente que comentou que o Joca estava devendo a pessoas perigosas, mas gente do governo estacionou aí muitas vezes com carros oficiais... Depois de algum tempo, Marta e os meninos se mudaram daí, a casa ficou praticamente abandonada, depois de uns dois anos uma imobiliária da capital a colocou à venda.
- Nunca mais apareceram?
- Não.
- A dona Marta, ela tinha quantos filhos mesmo?
- Eram dois, um casal, a menina era a mais nova, uma criança muito linda, o menino era muito esperto, parecia um homenzinho, talvez por que seu pai não morava com eles, sentia-se responsável pela mãe e pela irmã.
- A senhora lembra o nome deles?
- Nossa... Faz tanto tempo... Como era mesmo... O menino se chamava... Leonardo, chamávamos carinhosamente de Lelo, a menina tinha um nome pequeno, deixe-me lembrar... Lisa! Era o nome dela: Lisa.
Lisa! Era o nome que ouvi Larissa chamando Marisa, quando as flagrei num galpão. Então Marisa, se chamava na verdade Lisa, e era filha do segurança e motorista do embaixador, desaparecido desde a morte do seu chefe.
- A senhora não teve mais nenhuma notícia deles?
- Não minha filha, nunca mais soube nada deles.
Agradeci e deixei com ela o número do meu telefone, caso ela se lembrasse de mais alguma informação. Ao menos eu descobri a relação de Marisa ou Lisa com o assassinato de Alcides Muniz e de sua família. Voltei para Porto Alegre, tentando organizar meus pensamentos para determinar meus passos a partir daquela nova informação.
Minha mente formulava hipóteses fantásticas, colocando o pai de Marisa como assassino do embaixador, outras vezes como vítima. Muitas lacunas estavam abertas, onde estaria a família de Marisa, ela estava protegendo quem afinal? E aquele filme que encontrei no álbum? O que tinha ali afinal?
Como se sentisse que meus pensamentos estavam nela, Marisa me ligou quando cheguei ao hotel:
- Amor quando você volta? Já estou morrendo de saudades!
Meu coração acelerou ouvindo sua voz carregada de carinho, abri um sincero sorriso e respondi:
- Hoje mesmo meu amor, não agüento ficar longe de você.
- Jura? Mas e o congresso?
- Está muito chato... Já marquei presença, cumpri minha obrigação, daqui a pouco vou para o aeroporto.
- Que notícia maravilhosa! Antes de embarcar me avisa, vou te buscar em Serra Linda.
Ouvir Marisa me chamando de amor com aquela voizinha melosa, deu-me a certeza que eu já não tinha o que fazer ali, peguei o primeiro vôo de volta, chegando quase de madrugada à Serra Linda e como combinado, Marisa estava lá me esperando: linda, segurando uma boneca de pano, fofa, na camisola da bonequinha havia uma frase: “Minha vida é uma delícia com você”.
Abri um sorriso largo e a abracei forte. Ela me entregou a tal boneca, pulei feito criança que ganhara brinquedo novo.
- Ela está com meu cheiro... Dormi abraçada com ela ontem...
Cheirei a boneca confirmando o que Marisa disse, sorri e a abracei mais uma vez. Marisa dormiu em minha casa, evitei qualquer comentário sobre minha rápida viagem para não ser pega em pequenas mentiras.
Senti o tamanho da nossa saudade, quando Marisa começou a acariciar minhas pernas ainda no trajeto de volta dentro do carro, despertando o arrepio da minha pele. Mal entramos em casa e Marisa me agarrou por trás segurando meus cabelos com força, investindo sua boca sedenta no meu pescoço, deslizando suas mãos por minha cintura, habilmente desabotoou minha calça respirando forte junto ao meu corpo:
- Amor calma... – gemi
- Dá pra mim meu amor...
O sussurro de Marisa me excitou profundamente, facilitei o acesso de minha namorada abrindo minhas pernas, e ela empurrou-me contra a parede, intensificando os movimentos dos seus dedos dentro de mim inundando meu sexo. Marisa impunha mais força e velocidade nas suas estocadas dando-me mais prazer e antecipando meu gozo. Enquanto eu descansava contra a parede, Marisa despiu-me por completo, sedenta não me deu descanso, virou-me de costas e me conduziu até o sofá:
- Fica de costas amor... E dá pra mim.
Marisa disse passando a língua nos lábios. Mesmo não muito convicta que queria isso, obedeci, ela me dominava na cama, me encharcava de prazer. Deitou-se sobre mim, roçando seu corpo no meu, beijando minhas costas, deslizando sua língua até meu bumbum, e sem que eu percebesse sua mão estava entre minhas pernas, com seu corpo abriu espaço entre elas, e penetrou com dois dedos meu sexo e com o polegar meu ânus, alternando movimentos suaves, dando-me um prazer inédito.
- Vai amor, não páraaa.
Cada momento de paixão com Marisa parecia inédito, ela despertava em mim um prazer inexplicável, e mais uma vez ela me deu um orgasmo surpreendente, repousando sobre minhas costas, ofegante.
Aquela noite eu evitei minha própria consciência, também não queria continuar a divagar com minhas suposições, queria aproveitar aquele momento com a mulher mais incrível que eu já conheci, fosse ela Marisa ou Lisa, seja qual fosse o mistério que a cercava, era ela que tinha me mostrado o amor, e tinha me devolvido o brilho do meu sorriso, ou melhor, dando o sentido real dele.

CAPÍTULO 13: MAIS UM FIM?
Passamos meses tranqüilos, impus-me um limite nas tais investigações, qualquer coisa da origem, do passado de minha namorada, não era mais importante do que a história que estávamos construindo juntas no presente.
Fernanda e Artur andavam às voltas armando o tal flagrante que concluiria a reportagem investigativa que prometia alavancar o jornal que agora era distribuído para toda região, e as nossas carreiras.
Meu pai mantinha contato, a última vez ligou para avisar que estava mais uma vez se preparando para uma viagem com minha mãe, dessa vez para uma estação de esqui em Bariloche, não se esqueceu de comentar que dona Angelina vez por outra perguntava se eu estava bem e se continuava com a palhaçada de namorar a doutora, e ele respondia que continuava, assim como ela continuava com a palhaçada de rejeitar a filha.
Meu web romance estava concluído, minha leitora apaixonada enchia as páginas do site com declarações apaixonadas e cada vez mais eu tinha certeza que se tratava de Marisa. Inspirada pelo amor que vivia, já escrevia outro romance, dessa vez com o intuito de publicar, já que recebi proposta de uma editora especializada em livros lésbicos.
Marisa apesar de tentar disfarçar, mas, estava tensa, atendia telefonemas que eu deduzia que fosse de Larissa, por vezes seu sono era agitado, em algumas noites acalmei-a em meus braços quando ela acordava banhada de suor com pesadelos. Esses episódios ficaram cada vez mais frequentes, o que reativava a curiosidade e a vontade de ajudar Marisa descobrindo a verdade sobre sua história.
Em uma de nossas saídas noturnas com nossos amigos, para variar no Chica’s, Marisa me surpreendeu, nunca tinha a vistoela beber tanto, empolgada desafiando Diego em viradas de copos com doses de tequila, em pouco tempo já não pronunciava as palavras com clareza, os olhos vermelhos denunciavam a alteração de seu estado. Antes que ela caísse de vez, levei-a para sua casa, mas foi difícil chegar ao destino, Marisa estava com um fogo insaciável.
Suas mãos não paravam. Hora estava por baixo da minha blusa, hora estava entre minhas coxas, e não adiantava eu apelar para o bom senso:
- Meu amor, estou dirigindo... Ai amor...
Meu corpo reagia às investidas de Marisa, que não perdeu a destreza manual para o álcool, desabotoou os botões e o zíper de minha calça, e com seus dedos massageou meu clitóris por cima da calcinha encharcando-me quase que instantaneamente.
- Amor...
- Pára esse carro então... Quero te comer agora...
Não discuti, parei o carro no caminho da casa dela, estrada de terra, ignorei qualquer perigo, tomada de tesão, desafivelei o cinto de segurança e invadi a boca de Marisa com minha língua enquanto ela abria espaço entre minhas pernas, penetrando seus dedos no meu sexo pulsante e ensopado.
- Vai amor, não pára, sou sua.
- Minha mulher, quero você inteira...
Marisa sussurrava ao meu ouvido, descendo sua boca até meus mamilos, sugando-os, lambendo, num ritmo alucinante intensificava as estocadas, baixei o banco e assim Marisa ficou sobre mim introduzindo ainda mais seus dedos, forçando o peso de seu corpo no meu sexo acelerou meu gozo. Numa excitação desenfreada, praticamente rasgou minha blusa e forçou a retirada de minha calça, pouco se importou com as buzinadas que inevitavelmente e acidentalmente disparavam com seus movimentos, subiu meu corpo no banco de maneira que pode alcançar meu sexo com sua boca, mergulhando sua boca, despertando em mim gemidos roucos e altos enquanto eu arranhava suas costas, os vidros embaçados do carro tinham as marcas de nossas mãos, o nossos corpos as marcas de um prazer inenarrável.
Queria mais de Marisa, ainda com o corpo dela sobre o meu, deslizei meus dedos até seu sexo, provocando-a, ela remexeu-se sobre mim, com um sorriso safado nos lábios, a massagem dos meus dedos no clitóris dela deu lugar a um vai e vem que gradualmente se intensificou e enfim o gozo de Marisa se derramou em minhas mãos.
Levei-a para casa, Marisa quase entregue ao sono, me olhava com os olhos pequenos, balbuciando algo quase incompreensível:
- Minha... Mulher... Amo demais...
Sorri com a expressão dela, e seu esforço para se declarar a mim naquele estado:
- Também te amo muito meu amor.
Esforcei-me para levá-la para cama, uma vez que Marisa praticamente dormia em pé despi-a com carinho, e com uma voz manhosa ela pediu:
- Agora vem e me abraça.
Assim o fiz, nem mesmo o hálito de álcool me fazia não desejar dormir agarrada com Marisa. O corpo dela era delicioso também assim. Tratei de acordar antes dela, sabia que ela acordaria com uma baita ressaca e precisaria de meus cuidados. Preparei um banho quente, um café forte (a única coisa que eu sabia fazer na cozinha), algumas torradas e a custa de alguns cortes nos dedos, algumas piquei algumas frutas joguei aveia por cima, me impressionando com a beleza da bandeja que preparei.
Como supunha, Marisa acordou com aquela dor de cabeça, mal conseguia abrir os olhos:
- Bom dia meu amor.
Beijei seus lábios suavemente.
- Quem mandou você acender a luz?
Sorri do seu mau humor:
- O dia meu amor... É a luz do sol...
Enquanto ela se sentava na cama, mostrei-lhe a bandeja bem preparada:
- Preparei para você, que tal um banho bem gostoso antes?
- Nossa, de onde veio tanta disposição? Minha cozinha está inteira dessa vez?
- Deixa de ser chata!
Joguei um travesseiro na sua cara.
- Desculpa amor... Mas me faz um favor, antes de qualquer coisa, pega no armário do banheiro um analgésico pra mim, um engov.
- Tudo bem.
Depois de prestar os devidos cuidados à minha doutora, nos deitamos na cama abraçadas, quando Marisa me pediu:
- Abre essa gaveta pra mim?
Pediu apontando para o criado mudo ao lado da cama. Abri a gaveta e ela orientou:
- Está vendo uma caixinha?
- Sim.
- Pegue-a e abra, é sua.
Ansiosa, abri imaginando encontrar algo do tipo, anel, aliança... Qual não foi minha surpresa quando vi apenas um maço com três chaves. Minha cara de interrogação antecipou a explicação de Marisa:
- São as chaves daqui de casa. Pra você não correr o risco de ser presa de novo invadindo-a. O código do alarme está nesse cartãozinho dentro da caixa.
Fiquei completamente embasbacada, sem ação. Não era uma aliança, ou anel de brilhante, mas o valor era igualmente importante.
- Mah... Mah... Meu amor... Eu... Eu...
- Amor... Calma... São só chaves... Da porta da frente, da porta dos fundos, e do cadeado do portão.
Pulei em cima dela cobrindo-a de beijos:
- Nossa, não sabia que você gostava tanto de chaves. - Marisa disse divertida.
- Eu te amo.
Beijei-a e ela sorriu:
- Também amo você minha trapalhada...
No mesmo dia dei a Marisa a cópia da chave de minha casa também. Estávamos mais apaixonadas do que nunca, ela me apoiava em tudo, me aconselhava, me consolava tantas vezes quando sofria pela rejeição de minha mãe, me incentivava na escrita, cuidava de mim, e eu tentava retribuir à altura me desdobrando em dedicação, carinho e dando-lhe o voto de confiança, esperando o momento que ela se abriria para mim sobre seu passado, sua família.
Certa noite, depois de discutir com alguém ao telefone, Marisa voltou à sala de sua casa, onde assistíamos a um filme, desabafando:
- Não agüento mais isso!
- Aconteceu alguma coisa amor?
- Alex... Eu preciso de te falar tanta coisa... - Marisa suspirou.
Segurei suas mãos e disse:
- Estou te escutando amor.
Marisa respirou fundo e prosseguiu:
- Existem algumas coisas sobre mim que você precisa saber, eu te amo, e quero você saiba tudo sobre mim, sobre meu passado por que... Quero você no meu futuro também.
Emocionei-me, foi inevitável. Apertei ainda mais suas mãos incentivando-a a continuar seu desabafo:
- Eu menti para você quando falei sobre minha família, na verdade omiti algumas coisas, mas meu intuito era te proteger.
O telefone tocou interrompendo aquela conversa que eu tanto esperei.
- Oi Elaine. O quê? Mas como isso aconteceu? Estou indo, tente ficar calma.
- O que aconteceu Mah?
- Fábio, sofreu um acidente, precisa ser operado imediatamente, Elaine não está em condições, preciso ir meu amor.
- Claro meu amor! Vou com você.
Segui com Marisa para o hospital, ela se dirigiu para o centro cirúrgico imediatamente, e eu fiquei ao lado de Elaine tentando acalmá-la. A cirurgia durou horas, chegando até a madrugada, quando Marisa finalmente saiu do centro cirúrgico comunicando o sucesso da intervenção:
- Conseguimos controlar a hemorragia, mas não conseguimos salvar o baço, mas está fora de perigo.
Elaine respirou aliviada, abraçando Marisa.
- Ele ainda está na recuperação pós-anestésica, achei mais prudente transferi-lo para a terapia intensiva depois, assim que ele for transferido, você pode vê-lo Elaine.
- Obrigada amiga.
Eu sorria para minha namorada orgulhosa da sua competência.
- Meu amor, vá para casa, eu vou ficar aqui o resto da noite, quero acompanhar as primeiras horas do pós-operatório do meu amigo, você se incomoda?
- Claro que não meu amor, nos vemos mais tarde então.
Beijei seu rosto e vim para casa, aproveitei a falta de sono para escrever mais um capítulo do meu novo romance, nem lembro em qual momento peguei no sono com o notebook aberto na minha cama.
O dia seguinte foi um dia que eu sinceramente gostaria muito de me esquecer. Nem sei ao certo que horas acordei, ao abrir meus olhos avistei Marisa sentada na escrivaninha à frente da minha cama. Sorri, me espreguicei e levantei-me, abraçando-a por trás, beijando seu pescoço, quando ergui minha cabeça, notando Marisa imune aos meus carinhos, vi na tela do meu notebook os arquivos de minha investigação sobre a morte de Alcides Muniz e sua família.
Afastei-me de Marisa, pálida. Minha voz me abandonou por segundos, não sabia o que dizer. Marisa continuava imóvel, quando eu falei:
- Meu amor, eu posso explicar... Eu...
Marisa se levantou, lentamente virou-se e vi seu rosto com uma expressão de profunda tristeza, seus olhos não me olhavam mais com brilho, mas com decepção, as lágrimas rolavam fácil por sua face, e aquilo rasgou minha alma.
- Mah, eu comecei essa pesquisa há algum tempo, mas parei...
- Pesquisa? Você chama isso de pesquisa? O que eu sou para você afinal Alexandra? Uma pauta de reportagem?
- Não! Claro que não meu amor! Eu só queria conhecer mais de você, e depois, te ajudar...
- Ajudar? Alexandra me poupa dessa hipocrisia... Você é uma jornalista, louca pra dar um furo jornalístico e passar na cara de sua antiga chefe seu potencial não é? Diga-me, quando você planejou tudo isso? Você veio para Nova Esperança seguindo qual pista? Aliás, como você teve acesso a essas informações? São confidenciais!
- Planejei? Não Mah você está enganada... Eu não planejei nada, é verdade fiquei curiosa, mas principalmente interessada em te conhecer melhor.
- Sei... Você costuma investigar assim todas as mulheres as quais te interessam? Invadindo arquivos confidenciais?
- Todas as mulheres? Marisa você é a minha primeira mulher e será a única!
- Mais uma mentira então? Você me disse que esteve com outras mulheres antes de mim.
- Eu fiquei com vergonha, idiotice minha!
- Então aquela Renatinha não foi sua namorada?
- Não! Ela é uma grande amiga, que antes de vir para cá era totalmente hetero!
- Mais uma mentira então! O que mais você inventou? Todas aquelas trapalhadas eram pura armação sua pra me conquistar não era?
- Meu Deus! Não! Eu achei que aquelas trapalhadas só serviam para me depreciar, nunca para conquistar alguém!
- Eu não sei quem é você Alexandra...
- Meu amor sou eu, a mulher que te ama!
Não contive minhas lágrimas, aproximando-me dela que recuou como se tivesse aversão ao meu toque:
- Não me toque... Eu não te conheço!
- Meu amor... Não faz isso... Eu me apaixonei por você, quando percebi o mistério que te envolvia, a sua relação com Larissa, fiquei intrigada, curiosa, precisava saber mais de você... Vi aqueles recortes de reportagem na sua casa sobre a morte do embaixador e com sua reação fiquei ainda mais curiosa, depois ouvi aquela sua conversa com Larissa...
- Chega, chega Alexandra! Nada justifica essa invasão, além de ferir minha confiança, você colocou em risco minha vida, anos de sacrifício, você não sabe o que está envolvido nisso!
- Não sei por que você não confiou em mim para me dizer a verdade, eu namoro quem afinal Lisa ou Marisa?
- Então você também descobriu isso... Você não namora nenhuma das duas, por que nossa história acabou.
- Não meu amor... Não faz isso...
Tentei aproximar-me mais uma vez em vão. Marisa estava inconsolável, enxugava as lágrimas enquanto eu reunia forças para continuar argumentando, não suportando sequer imaginar minha vida sem ela:
- Mah, você precisa me ouvir, eu te amo... Eu parei com essa investigação, há meses abandonei esses arquivos...
- Como você conseguiu isso? Se você é mesmo tão trapalhada, para conseguir essas informações deve ter deixado um rastro de bagunças...
- Pesquisei reportagens da época do assassinato, e o Dan conhece alguém do ministério das relações exteriores...
- Espera aí! Então tem mais gente envolvida nisso? Meu Deus! Você é muito pior do que eu imaginava! Irresponsável! Quem mais sabe? A Berta? Por que só falta mesmo a fofoqueira da cidade saber!
- Mah... Não exagera...
- Alexandra, só o fato de ter gente fuçando arquivos, fazendo perguntas sobre o assunto já levanta suspeitas, atrai atenção... Você colocou a vida de muita gente em risco sua louca! Inclusive a sua!
- Como assim?
- Ai Alexandra... Você acha que mudei meu nome por quê? Por que cansei do meu nome de batismo? Você tinha que supor que minha vida estava em risco não é?
- Eu suspeitava, mas...
- Mas não achou que fosse importante não é? Mais importante era satisfazer sua curiosidade e fazer uma grande reportagem não é? E eu que confiei em você... Estava fazendo planos pro nosso futuro... Queria casar com você...
- Mas eu também quero isso meu amor! Enfrentei minha mãe por nossa causa, até hoje ela não fala comigo, você acha que fiz isso por uma reportagem?
- Sinceramente não sei não te conheço Alexandra. Eu ia te contar tudo ontem, acreditando que você tinha respeitado meu pedido de apenas confiar em mim... Mas você não só não confiou, como traiu minha confiança, não esperava isso, passei tanto tempo da minha vida esperando alguém que eu pudesse amar, confiar, achava que tinha encontrado como me enganei...
- Mah... Mas você pode confiar em mim...
- Eu abri minha vida para você, meu coração, minha casa...
- Não, você não se abriu, sempre impôs essa barreira, você acha que é fácil confiar em alguém assim cegamente? Você cheia de mistérios, se quer seu nome era verdadeiro...
- Eu estava fazendo isso para me proteger, proteger outras pessoas e a você também, mas isso não interessa mais.
- Proteger-me de que? Eu tenho direito de saber!
- Pra quê? Para colocar no seu novo livro? Ou publicar na próxima edição do jornal?
- Você está sendo tão injusta...
Sentei-me enxugando minhas lágrimas, experimentando um sentimento de impotência e perda.
- Não há mais nada a dizer... Aliás, há uma coisa: se alguma informação dessas que você tem vazar, se qualquer coisa for publicada, te garanto que farei de tudo para que você pague por isso. Hoje mesmo avisarei sobre o furo da confidencialidade desses arquivos, se sua irresponsabilidade, curiosidade, essa invasão da minha vida prejudicar anos dessa operação, eu te acho no inferno, mas te faço pagar por isso.
O tom ameaçador de Marisa me feriu de maneira absurda, não me senti amedrontada, até mesmo por que há tempos desisti daquela investigação, o que me doeu foi não reconhecer mais nos olhos de Marisa, o brilho apaixonado por mim, no lugar do encantamento, eu via ódio, e pela primeira vez, não reconheci a mulher que eu amava.
- Marisa, espera...
- Não Alexandra, não há mais nada a dizer, fique longe de mim, nunca mais me procure, esqueça meu endereço, telefone, nem me cumprimente... Finja que nunca me conheceu.
- Eu não posso fazer isso... Você é minha vida...
Marisa fechou os olhos, uma lágrima solitária, amarga desceu por sua face e com a voz embargada, disse:
- Então é hora de você começar outra vida... Adeus Alexandra.
Marisa saiu pela porta com passos rápidos, ignorando meus gritos pelo seu nome.
- Marisa! Marisa não! Espera!
Tentei alcançá-la, mas foi inútil. De repente eu estava na porta de minha casa, trajando apenas uma camisola, descabelada, com uma aparência de desespero com o rosto já inchado e banhado de lágrimas.
Fechei a porta, encostando-me e escorregando até o chão, abraçando meu próprio corpo, soluçando experimentando uma dor inédita, indescritível, não acreditava que alma doía, mas o sentimento de perda que me assolou era tão absurdo, que senti a dor física sufocando meu peito lembrando-me da última frase de Marisa que ecoava em minha mente: É hora de começar outra vida, adeus Alexandra.
Não tinha forças sequer para levantar-me do chão, que diria ter ânimo para lutar por Marisa, conquistá-la mais uma vez. Não sei ao certo por quanto tempo fiquei ali no chão junto à porta, depois de relutar muito atendi o meu celular que tocava insistentemente:
- Oi Dan.
- Sardenta, o que aconteceu? Estou te ligando há horas! Estou atrapalhando alguma coisa?
- Não Dan, atrapalhando nada...
- Que voz é essa? Você está chorando amiga?
- Ai Dan...
Não agüentei e desabei mais uma vez chorando compulsivamente.
- Sardenta, pelo amor de Deus o que aconteceu?
Não consegui falar, não conseguia controlar meu choro.
- Estou indo agora para sua casa!
Daniel não deve ter demorado nem dez minutos, e já estava batendo à minha porta impaciente:
- Alex abra essa porta!
Sem forças, andei até a porta, e quando a abri, as lágrimas verteram facilmente, sem nada dizer, abracei meu amigo que me acolheu com carinho:
- Ow sardentinha... O que aconteceu minha amiga?
Passei alguns minutos abraçada ao meu amigo sem nada conseguir dizer, até ele me conduzir até o sofá, nos sentamos, e com muito carinho ele enxugou as lágrimas do meu rosto, e perguntou:
- O que aconteceu entre você e Marisa?
Respirei fundo, sentindo meu corpo ainda trêmulo e respondi:
- Ela terminou tudo comigo, descobriu que eu investiguei a vida dela... Ficou transtornada, foi horrível Dan.
Voltei a chorar e Daniel como se não estivesse surpreso, calmamente comentou:
- Eu imagino minha amiga... Até demorou para isso acontecer... Marisa iria descobrir isso uma hora ou outra.
- Mas justo agora que eu tinha desistido dessa porcaria de investigação? Agora que ela confiava em mim para me contar tudo?
- Jura? Ela ia te contar?
- Sim... Ontem... Mas ela precisou sair para operar o Fábio que sofreu um acidente.
- Ah! Eu soube...
- Acordei e ela estava no meu quarto, viu os arquivos no meu notebook...
- Ai Alex... E agora o que você pretende fazer?
- Fazer? Não há o que fazer! Marisa não quer que eu nem mesmo a cumprimente... Até ameaças me fez se eu publicasse algo... Como se eu tivesse essa intenção algum dia...
- Xi... Ela pensou que você estivesse investigando para uma reportagem?
- Hurrum...
- Vai ser difícil então...
- O quê?
- Reconquistá-la oras! Ou você vai desistir assim da mulher que ama?
- Mas Dan...
- Alexandra você vai ficar se debulhando em lágrimas o resto da vida? Vai mesmo dar as costas ao amor que mudou sua vida?
- Dan se você soubesse as coisas que ela me falou... Se visse o olhar dela...
- Ah eu não vou permitir que você se entregue assim. Até deixo você curtir essa forsa hoje, mas não quero ver você infeliz, e também pensando em mim, não quero perder a editora-chefe do meu jornal.
- Como assim?
- Se eu bem te conheço, você vai querer se mandar daqui para esquecer Marisa, e isso não vou deixar!
Daniel sorriu como se isso pudesse me incentivar a lutar pelo meu amor, ficou comigo o resto do dia, Diego trouxe pizza, cuidaram de mim com o carinho que eu precisava, e só saíram do meu lado quando dormi, abraçada ao travesseiro que tinha o perfume de Marisa impregnado.
Os dias que se seguiram foram tenebrosos, se não fosse minha equipe do jornal, a Folha de Nova Esperança não teria novas edições, por que eu não tinha a menor disposição para trabalhar, em compensação passava noites em claro escrevendo os capítulos de meu livro, em menos de um mês concluí. Visitei Fábio no hospital, se Marisa estava lá até hoje não sei, certamente me evitou. Elaine confessou tristeza pelo rompimento de nosso namoro, uma vez que nunca vira a amiga tão feliz.
Ligava todas as noites para Marisa, na esperança que alguma vez ela sentisse a mesma falta de mim como eu sentia dela, e num momento de fragilidade e saudade me atendesse, mas isso não aconteceu. As mensagens de texto, e-mails não tinham resposta. As poucas vezes que Daniel e Diego conseguiram me arrastar para sair, o fiz na esperança de encontrá-la, mas foi inútil. Nova Esperança de repente se tornou uma cidade grande que não me deu a oportunidade do acaso para rever a mulher que eu amava.
Algo me acendia as esperanças, os comentários da minha leitora misteriosa persistiam. Como eu tinha certeza que se tratava de Marisa, eu escolhi acreditar que ela continuava acompanhando meu romance pela web, e não me odiava como deu a entender no nosso rompimento.
Enquanto isso, Artur e Fernanda finalmente conseguiram as provas que associavam a madeireira Ramos com a extração e comércio ilegal de madeira e o envolvimento do agora ministro do meio ambiente. Mesmo correndo muitos riscos, assumimos a responsabilidade, divulgamos uma edição especial, e vendemos a reportagem para a revista de maior circulação nacional, assegurando assim um pouco de segurança para nós, além de divulgar o jornal e nosso talento jornalístico nacionalmente.
CAPÍTULO 14: VITÓRIA SEM LOUROS
A repercussão da nossa reportagem investigativa tomou proporções inimagináveis. Nova Esperança entrou no cenário nacional como berço de um grande escândalo de lobby e corrupção no Ministério do Meio Ambiente, e o conseqüente desmatamento de mata atlântica. Dessa forma, imprensa de todas as mídias chegaram à cidade, mudando a rotina da pequena cidade.
No escritório, tínhamos dificuldades para seguir nossa rotina de edição semanal do jornal, uma vez que, diversos colegas de profissão solicitavam parcerias, entrevistas, e qual não foi minha surpresa quando vi entrar pela porta minha antiga colega de jornal e grande amiga Márcinha.
- Posso entrar ilustre colega?
- Márcinha? Ai meu Deus claro amiga!
Abracei Márcinha com alegria, sentia muita falta da sensatez dela em seus conselhos e cuidados.
- Amiga que saudades...
- Eu também Alex, estava torcendo por uma folguinha para te visitar.
- Que bom que você veio.
- Mas você pode imaginar que não vim só pelas saudades da minha amiga atrapalhada não é?
- É... Eu suponho que você veio atraída pela manchete assim como dezenas de repórteres que estão na cidade...
- Pois é... Izabel surpreendentemente lembrou-se que eu era repórter e me enviou para cobrir as apurações sobre o caso e coletar mais informações sobre a tal madeireira.
- A escolha dela não tem nada haver com o fato de você ser minha amiga não é?
Márcinha sorriu:
- Nem pensei nisso...
- Sei... O que a Cuca mandou você fazer?
- Sondar você acerca de vender a matéria para nosso jornal... Certamente vocês tem interesse de acompanhar a investigação, punição dos culpados, e nosso jornal tem correspondentes em Brasília...
- Márcinha! Você está mesmo fazendo esse papel?
Márcinha tapou o rosto com as mãos, como se envergonhasse pelo que estava fazendo:
- Ai Alex, desculpa, eu aceitei ser porta-voz dessa proposta dela, torcendo para que você recusasse, só praquela bruxa receber uma lição pelo que fez a você.
- Ai sossega Márcinha, no fim das contas ela me fez um bem, se eu não tivesse mudado minha vida, quem sabe até hoje eu estaria mergulhada em arquivos, ouvindo gritos da Cuca.
- Estou tão orgulhosa de você Alex! Nossa, você tinha que ver a cara da Izabel quando o pessoal do jornal falou que o furo era de um jornalzinho que você era a editora-chefe!
Gargalhei.
- Fiquei surpresa quando vi o teor da reportagem, quando você me pediu arquivos sobre o assassinato do embaixador Alcides, pensei que sua investigação seria sobre isso.
- Essa é outra história. Na verdade a investigação sobre a madeireira Ramos não partiu de mim, dois repórteres do nosso jornal tiveram todo mérito, eu apenas dei suporte.
- Mesmo assim foi um grande feito para você como editora. Mas você descobriu alguma coisa sobre a morte do embaixador?
- Essa investigação me custou muito caro Márcinha, sinceramente, hoje não quero mais saber de nada desse assunto. – Baixei os olhos evidenciando minha tristeza.
- Nossa! Então não vou nem dizer o que descobri recentemente.
- O que você descobriu? – Arregalei os olhos.
- Eu sabia! Curiosa do jeito que você é, duvidei que você não quisesse saber mais nada sobre algo que você fuçou tanto.
- Ai Márcinha, tudo bem, já sei que você me conhece... Mas não me enrola, conta o que você descobriu.
Márcinha se ajeitou na cadeira e começou a relatar:
- Depois que você me pediu os arquivos, me interessei também pelo assunto, e descobri nos arquivos do jornal, trechos de reportagem que não foram divulgados, que relatavam a presença de mais uma pessoa na ocasião da emboscada que a família do embaixador sofreu.
- O segurança João Marcos, que dirigia o carro naquele dia.
- Então você já sabia disso?
- É... Soube sim.
- Então você também descobriu que a família dele desapareceu?
- Sim... Fui até a cidade onde eles moravam...
- Você o quê?
Fiquei sem graça e confirmei:
- É... Fui lá.
- O que você fez com minha amiga sua estranha?
Sorri, e Márcinha continuou:
- Você descobriu então o que aconteceu a eles?
- Como assim?
- Alex, eles morreram um incêndio, não foi divulgado na época, eles, ou seja, a mulher do João Marcos e seus dois filhos estavam morando no interior de São Paulo, a casa onde moravam foi incendiada, meses depois uma reportagem pequena foi feita, quando a mãe de Marta Pimentel denunciou que se tratou de um incêndio criminoso, nem ganhou repercussão, por que a senhora que fez a denúncia tinha histórico de esquizofrenia... Enfim.
Aquelas novas informações reacenderam minha vontade de chegar ao fundo dessa história, Marisa tinha motivos graves para agir como agiu, afinal, para todos os efeitos ela morreu no incêndio junto com sua família. Imaginei o que podia ter acontecido a ela, viver sob proteção policial depois de perder a família tragicamente, o único familiar era sua avó que era portadora de doença mental. Como ela conseguiu viver até hoje? Tornar-se a grande médica que era? Provavelmente o tal incêndio teria sido mesmo criminoso, quantos traumas marcaram a vida da mulher que eu amava... Como eu queria ajudá-la a enfrentar esses fantasmas, lembrei-me das vezes que ela acordava chorando com pesadelos, e o quanto ela sofria com isso, e agora eu sequer podia estar ao seu lado para lhe confortar.
- Márcinha, disso eu não sabia...
- Você está pálida... Essa história te afetou tanto assim?
- Amiga, depois te conto com calma o porquê do meu interesse... Vamos pra casa, nos arrumarmos, hoje a noite, meu amigo organizou uma festinha de comemoração para festejar o sucesso de nossa reportagem. As festas que ele organiza são ótimas, você vai gostar do pessoal.
- Oba! Vamos lá então.
Apesar de estar triste, e não ver muita graça em qualquer festa, a presença de Márcinha me animou, e afinal, nossa vitória profissional não poderia mesmo passar em branco. Daniel não poupou purpurina, e a promoveu uma grande festa no Chica’s, fechou o bar só para convidados seletos, de cara Márcinha adorou o clima da festa, apresentei-a aos meus amigos, e logo o mulherengo do Artur atraiu a atenção de minha amiga, Márcinha tinha um fraco por homens cafajestes, logo perdi a companhia dela, para o fotógrafo do jornal.
A banda tocava o melhor de rock-pop, recebi os cumprimentos de autoridades e de outros jornalistas, e meus amigos não cansavam de tentar me animar, notando meu esforço para demonstrar alegria com o momento. Depois de um discurso inflamado do Dan, subi ao palco para agradecer a presença de todos e o empenho da minha equipe, e logicamente convidei até o palco os verdadeiros donos do mérito da reportagem: Fernanda e Artur.
Precisava beber para esquecer um pouco a tristeza que me assolava, uma vez que a pessoa que eu mais desejava que estivesse ali, dividindo comigo aquela conquista, eu sequer sabia onde estava, ela me ignorava completamente, dando-me a sensação de que minha vitória profissional não tinha glamour. Assim, fui até o bar, encontrando um rosto conhecido e solitário como eu:
- Juliana?
- Oi Alexandra!
Cumprimentei-a com dois beijinhos de comadre, sem deixar de notar seu visual deslumbrante naquela noite. Fato: ela estava linda. Cabelos soltos com as pontas cacheadas, maquiagem discreta mas, perfeita, um vestido na altura dos joelhos frente única, não havia modo de não prestar atenção nela:
- Que bom te encontrar aqui! – Disse simpática.
- Deve estar pensando que vim de penetra... – Comentou sem graça jogando os cabelos para o lado.
- Imagina, isso nem passou pela minha cabeça, muito bom te rever.
Respondi sorrindo, passando minha mão nas costas dela. Juliana retribuiu o sorriso, ruborizada, ela continuou se explicando:
- Daniel me convidou por acaso, vim para encontrar amigas, para comemorar... Mas ao chegar fiquei sabendo que estava fechado para um evento, o Daniel me viu e convidou-me para ficar...
- E onde estão suas amigas?
- Parece que levei bolo...
- Mas se elas vieram para cá, talvez tenham voltado quando souberam que estava fechado para esse evento.
- Não... Avisei-as e Daniel deixou o nome delas na recepção autorizando a entrada delas...
- Nossa... Você está com moral com meu amigo!
- Na verdade ele foi muito gentil comigo por que a comemoração seria do meu aniversário e...
- Hoje é seu aniversário?
- Sim... – Respondeu tímida.
Abracei-a com força desejando sinceramente:
- Juliana tudo de bom pra você! Parabéns! Se suas amigas furaram com você, conte comigo para comemorar com você essa noite!
- Obrigada Alexandra, você é muito gentil.
- Ai... Alexandra é um nome muito grande, me chame de Alex. Pra começar os festejos, faço questão de te pagar uma bebida!
- Tudo bem... Obrigada Alex.
Chamei o barman e pedi:
- Duas taças de champagne por favor.
- Champagne? – Juliana perguntou surpresa.
- Claro, é a bebida oficial de comemorações não?
Juliana abriu um sorriso tímido, balançou a cabeça positivamente, e brindamos ao aniversário dela e ao sucesso do jornal. Ficamos sentadas ali no balcão do bar, bebemos, dois, três, quatro e perdemos a conta de quantos drinks ingerimos, em meio a um papo animado sobre assuntos banais, percebi os olhos de Juliana para mim com um brilho diferente e não fiquei imune a eles. O que eu estava fazendo afinal? Flertando com ela? Certamente era fruto de minha carência, não podia ser irresponsável com uma pessoa tão legal quanto a Juliana.
- O papo está muito bom Ju, mas eu acho que já bebi demais... Tenho que achar minha amiga e ir para casa.
- Espera! Você me disse que ia comemorar meu aniversário comigo! Ainda está cedo...
Juliana falou segurando meu braço, nitidamente tocada pelo álcool, se mostrando mais ousada. Relutei, mas acabei cedendo, afinal ainda era cedo mesmo e com certeza a Márcinha não ia querer ir embora aquela hora, estava na pista dançando no maior agarro com o Artur.
- Você nunca mais apareceu no hospital... – Comentou mexendo o gelo do seu copo com o indicador.
- Isso é bom não é? Sinal que não adoeci... – Sorri sem graça.
- É bom sim... Principalmente por que você não tem mais outros motivos para freqüentar o hospital... Estou certa?
Baixei os olhos e mexi no copo fugindo do olhar fixo de Juliana para mim.
- Sim... Está.
- Doutora Marisa está muito diferente, todos comentam no hospital.
- Diferente como?
- Ela mal cumprimenta as pessoas, os pacientes que antes eram só elogios, comentam hoje que ela está seca, mais rápida em suas consultas. Está triste, abatida.
Meus olhos marejaram imediatamente, Juliana segurou minha mão com muito carinho, confortando-me:
- Vocês se amam, uma hora vocês vão se entender.
- Não há mais volta Juliana, eu errei feio, ela nunca vai me perdoar.
- Não há nada tão grave que apague um amor.
- Eu temo que eu tenha cometido a exceção dessa regra...
- Eu posso dizer que sinto muito pela doutora Marisa... Por vocês duas não estarem mais juntas, mas não posso mentir, fico feliz por mim que você esteja solteira...
Fiquei nervosa com o comentário de Juliana, e mais ainda pela secada que ela lançou ao me dizer isso, e a velha Alex estabanada acabou derrubando a bebida no vestido da Juliana, trêmula eu peguei os guardanapos tentando minimizar o estrago, sem perceber eu já estava com o guardanapo passando a mão pelos seios de Juliana que sorria divertida:
- Alex... Assim você me excita... Não vou resistir e te agarrar aqui mesmo!
- O quê? Ai meu Deus! Desculpa, Juliana eu...
- Ei... Calma! Só estava brincando...
- Eu te sujei toda... – Disse sem jeito.
- Está tudo bem... Pra quem salvou minha noite de aniversário, você tem muito crédito comigo, isso não foi nada, água e sabão resolvem esse estrago...
Juliana pediu com delicadeza:
- Você me pode me acompanhar até o banheiro?
- Onde?
Ao ouvir o convite logo me lembrei do que representava a ida ao banheiro naquele ambiente, lembrando-me imediatamente do meu primeiro encontro com Marisa, naquele mesmo banheiro.
- Banheiro, toilette... Estou meio tonta, tenho medo de cair...
- Ah sim... Claro.
Desconcertada segui até o banheiro com Juliana, ela se apoiando no meu braço, e eu visivelmente nervosa, apressava meus passos. Diante da porta, parei:
- Pronto, aí está o banheiro.
- Você não vai entrar?
- Não, não preciso usar...
- Alex, você está com medo de mim?
Arregalei os olhos, engoli seco, enquanto Juliana sorria divertida:
- Não vou te atacar no banheiro, fique tranqüila, se eu fosse te atacar escolheria um cenário menos clichê no nosso mundo.
- Eu não pensei isso... É que...
- Para de gaguejar garota! Venha comigo, estou mesmo com medo de escorregar, já viu a beleza do meu salto? Lindo, mas nada seguro para alguém no meu estado alcoólico.
Sorri relaxando e entrei no banheiro com Juliana. Ela estava mesmo tonta coitada, sentou-se em um sofá na saída do banheiro depois de lavar as mãos e desabafou:
- Alex eu acho que bebi demais...
- Você acha? Eu tenho certeza!
Juliana sorriu.
- Mas você também bebeu muito...
- Acho que sou mais resistente do que você.
- Parei por hoje, se não nem dirigir conseguirei.
- Vamos comer algo, quem sabe diminui esse efeito do álcool.
Ajudei-a levantar-se e nos acomodamos em uma mesa no pátio, depois de nos servirmos no Buffet. Juliana tinha dificuldades até para partir a torta, eu não contive o riso, o que irritou Juliana. Para me redimir, ofereci-me para ajudá-la, e inocentemente aproximei minha cadeira dela, e naturalmente servi as porções na sua boca. Juliana me encarava despudoradamente, e só aí percebi a intimidade e o clima sedutor instalado nesse gesto até então ingênuo para mim.
- Achei você! – Márcinha animada me assustou.
- Eu não sumi não, você é que se escondeu... – Disse franzindo a testa.
- Vim só te avisar que vou dar uma esticadinha com o gato do seu fotógrafo...
- Mas Márcinha...
- Alex, por favor! Você sabe muito bem que não é sempre que dou sorte com homens...
- Continua não dando... – Sorri.
- Quero nem saber, por hoje está valendo!
Saiu animada, nem preciso dizer que ela estava completamente bêbada. Juliana então avisou:
- Alex, eu não estou me sentindo bem, vou pra casa.
- O que você está sentindo?
- Estou com náuseas, tonta...
- Eu te levo então, não vou deixar você dirigir assim. Amanhã se você quiser venho com você buscar seu carro.
- Alex não há necessidade... Não precisa se incomodar...
- Não é incômodo e não vou deixar você terminar a noite de seu aniversário passando mal sozinha, que tipo de amiga eu seria?
Juliana concordou com um sorriso, e saímos de lá. Mal dobrei na primeira curva quando ela pediu:
- Para o carro Alex!
Meio no susto, parei, e ela imediatamente abriu a porta do carro curvando-se passando mal. Mesmo sabendo que não sou muito resistente vendo pessoas vomitando eu desci para ajudá-la, segurando o reflexo de fazer o mesmo que ela. Depois de alguns minutos, recuperando-se do mal estar, Juliana olhou-me segurando um sorriso de canto de lábios:
- Você seria uma péssima enfermeira...
Gargalhamos.
- Já está se sentindo melhor? – Perguntei.
- Sim, obrigada. Preciso de água.
- Aqui no porta-malas tem uma garrafinha, sente-se...
Molhei sua nuca, ela bebeu água, lavou o rosto depois segui para sua casa. No caminho, Juliana ainda pediu que parasse algumas vezes, em seguida caiu no sono, como eu não sabia onde era sua casa, levei-a para minha casa. Acordei-a para que ela entrasse em casa, praticamente arrastando-a entrei em casa, coloquei-a no sofá, enquanto a acomodava melhor assustei-me com passos se aproximando:
- Você não perdeu tempo...
Era Marisa, vindo da cozinha, parada diante de mim.
Eu que segurava a cabeça de Juliana para colocar um travesseiro em baixo, soltei-a de vez.
- Marisa...
- Não quero interromper nada... Estou indo embora, aproveito pra deixar as suas chaves que estavam comigo.
- Marisa espera, não é nada que você está pensando...
- Alexandra tudo bem... Você não me deve explicações...
- Mah espera...
Segurei seu braço, e senti sua pele eriçar, meu coração acelerar, deslizei meu polegar por sua pele quente e macia numa carícia suave, tímida:
- Você não veio aqui só para me deixar as chaves a essa hora...
Marisa continuou de costas para mim, mas eu ouvia sua respiração mais profunda, desci minha mão ao encontro da sua, e como imaginei, estava suada, fria, apertei-a e disse bem perto do seu ouvido:
- Sinto sua falta meu amor...
- Alex... Para...
Aproximei-me, pegando sua cintura, envolvendo meus braços por trás, e não pude deixar de sentir o corpo de Marisa tremer assim como o meu que se desfez com aquele perfume. Quando finalmente rocei meus lábios e nariz pela nuca de Marisa, notando-a mais entregue, ouvi um baque, quando me virei era Juliana caindo do sofá.
- Ai meu Deus...
Fui em direção a Juliana, tentando colocá-la de volta no sofá. Marisa visivelmente contrariada me ajudou, em seguida caminhou rápido até a porta, depois de jogar as chaves na mesa de centro. Corri e alcancei-a:
- Mah... Espera, eu senti seu corpo, sei que você me quer... Você não me esqueceu... Eu te amo meu amor...
- Alexandra... Eu só vim pra... Parabenizar você pelo sucesso... Sabia que estava tendo uma festa, então vim essa hora...
- Você veio a essa hora aqui pra me parabenizar... Está claro que você ainda me ama... Assim como eu te amo.
Sorri emocionada, Marisa balançou a cabeça negativamente e com sarcasmo disse:
- Você me ama, mas me engana,trai minha confiança, e já arranjou outra pra sua cama rapidinho... Vocês já flertavam desde que namorávamos não é?
- Claro que não! Não tem ninguém na minha cama!
- Alexandra não insulte minha inteligência! Quer saber, eu não deveria ter vindo aqui, vou embora.
Posicionei-me na porta, impedindo assim a saída de Marisa.
- Alexandra saia dessa porta, não temos mais nada para falar, vá cuidar da sua enfermeirinha...
- Mah você se roendo de ciúmes meu amor!
Tentei acariciar seu rosto e Marisa como um animal arredio evitou minhas mãos.
- Não adianta você disfarçar... Está nos seus olhos... Você ainda me ama!
- Eu preciso ir embora, deixe-me passar, por favor!
- Não... Você não sai daqui, a não ser que consiga me tirar daqui, pra fazer isso terá que me tocar... Eu sei que seu corpo está queimando de desejo por mim... Vem...
Provoquei-a mordendo os lábios, exibi meu decote, e os olhos de Marisa faiscavam de desejo.
- Eu estou perdendo minha paciência com você Alexandra... Vou perder minha cabeça!
- Eu quero que você perca sua cabeça aqui... Entre meus seios... Entre minhas pernas... Na minha língua...
Nesse momento Marisa apertou-me contra a porta, ergueu meus braços sobre minha cabeça prendendo-os com força e sufocou-me em um beijo urgente, faminto. Sugou minha língua, mordeu meus lábios, ofegante lambeu o lóbulo de minha orelha, e roçou seu sexo no meu com volúpia.
- Vai amor... Entra em mim, me come...
Gemi com a voracidade que Marisa me tomava, desejo, saudade, paixão, davam o tom daquele reencontro de nossos corpos. Ela encaixou sua coxa entre minhas pernas acendendo ainda mais meu desejo, ofereci meu colo à sua boca, e ela praticamente devorou meus seios túrgidos. Meu sexo pulsava encharcado, ela sabia como ninguém estimular o tesão. Marisa desceu uma de suas mãos por dentro de minha calça, seus dedos se movimentavam massageando meu clitoris, minhas pernas tremiam, Marisa com a outra mão segurava meu bumbum impondo mais força nos seus movimentos:
- Quero você dentro de mim vai aaai... Mah... - Gemi roucamente.
E quando o gozo se derramava e o ápice se anunciava, ouvi batidas na porta que eu estava encostada:
- Alexandra... Você está aí?
A voz de Márcinha soou para mim como um balde de água fria. Por um momento odiei de morte minha amiga. Ela insistia batendo à porta e na campainha ao mesmo tempo. Marisa se afastou, como se saísse de um transe, me encarou com receio, e fez sinal para que eu abrisse a porta. Contrariada, abri a porta para Márcinha entrar, minha amiga estava ainda mais bêbada e já entrou tropeçando, ignorando a presença de Marisa.
- Aquele Artur é uma decepção viu...
Antes que ela continuasse o relato de sua noite, deixei-a falando sozinha quando vi Marisa sair pela porta sem explicações, acompanhei-a e interpelei:
- Aonde você vai?
- Para casa Alexandra. Boa noite.
- Espera, você não pode ir embora assim, principalmente depois do que houve lá dentro...
- Posso e vou. O que aconteceu lá dentro, não mudou nada do motivo que nos separou Alexandra.
- Mas Marisa...
- Parabéns pelo jornal e... Boa sorte com a Juliana, ela é uma mulher incrível.
O olhar de Marisa estava agora carregado de um misto de mágoa e tristeza, e quando eu tentei alcançá-la, Márcinha surgiu à porta falando alto, com a voz um tanto arrastada:
- Ow Alex! Você já viu que tem uma mulher deitada no sofá? Nossa e a outra mulher saindo, quando Renatinha me falou da sua mudança de lado não imaginei que você tinha tanta mulher...
Suspirei decepcionada e insatisfeita com a inconveniência de minha amiga alcoolizada. Acomodei Juliana de uma forma mais confortável no sofá, Márcinha logo parou de falar entregando-se ao sono diante de meu silêncio às suas conversas repetitivas de bêbada. Não consegui dormir, liguei para Marisa e como supunha seu celular mantinha-se desligado, vi o amanhecer chegar tentando ressentir o toque, o gosto e o cheiro de Marisa em mim.
Dormi poucas horas, até ser despertada pela voz suave de Juliana, abri os olhos e a vi sentada junto a mim na cama:
- Só vim avisar que estou indo.
- Mas, você vai como? – Apertei os olhos e espreguicei-me.
- Não se preocupe, pego um táxi, eu precisava te agradecer por sua delicadeza ontem.
- Imagina, não tem o que agradecer e faço questão de te levar Juliana.
- Você já fez muito por mim Alex, descanse, não precisa se incomodar.
- Não é incômodo algum, adoro sua companhia. Mas antes de qualquer coisa, acho que nós duas precisamos de um café, isso eu sei fazer.
Sorri, e Juliana concordou. Enquanto eu providenciava o café, Juliana me encarava, fiquei tímida lembrando-me do clima entre nós no Chica’s.
- Posso te perguntar uma coisa Alex?
- Claro.
- Essas olheiras são de ressaca ou você andou chorando?
- Você é observadora... – Disse sem graça.
- É impossível não observar você.
Ruborizei. Mas Juliana parecia ter perdido a timidez e o pudor com o porre da noite anterior, continuou a me encarar enquanto eu enchia a cafeteira com o primeiro conteúdo branco que achei no armário sobre a pia.
- Então, você está bem? – Insistiu Juliana.
- Sim... É que... Marisa estava aqui ontem quando chegamos...
- Oh meu Deus! Ela achou que você e eu...
- É... Mas nós discutimos e... Bom, preciso procurá-la, esclarecer as coisas...
- Faça isso, afinal vocês se amam.
Juliana disfarçava sua insatisfação com aquela constatação. Servi-lhe o café, e antes que eu mesma provasse, Juliana ingeriu um gole fazendo uma careta engraçada:
- O que foi Juliana, está tão ruim assim?
Tossindo e controlando o engasgo, Juliana respondeu:
- Eu sei que estou de ressaca e preciso de um café forte, amargo... Mas esse café está esquisito Alex...
Provei para me certificar do gosto esquisito que Juliana se referia, e posso assegurar que minha careta foi bem pior do que a dela, soltei um palavrão despertando os risos dela. Imediatamente olhei para o armário sobre a pia, e atestei que ao invés de açúcar, coloquei sal no café.
- Ju... Desculpe-me, sou uma desastrada conhecida!
Juliana sorriu e ofereceu-se para café um novo café. Prontifiquei-me a deixá-la em casa, depois de muito insistir, ela aceitou minha oferta. Ao nos despedirmos em frente à sua casa, Juliana agradeceu-me o cuidado, a carona, a companhia, e sem que eu esperasse, quando inclinei-me para beijar seu rosto, ela virou a face e nossos lábios se tocaram rapidamente num estalinho o qual me deixou totalmente sem graça, quanto à ela, apenas um sorriso amolecado, e um aceno cheio de charme foram suficientes para ela sair vitoriosa em mais um momento de sedução.
Apesar de me sentir lisonjeada por despertar o interesse de uma mulher linda e adorável como Juliana, minha cabeça só tinha um pensamento: reconquistar Marisa. Aproveitei a saída para procurá-la em sua casa.
Era quase meio-dia quando bati à porta de Marisa, fiquei no jardim esperando que ela aparecesse, e como se fosse uma grande provocação, ela surgiu ainda mais linda, como se isso fosse possível. Usava um vestido de alças, decotado, cabelos presos, seus óculos de leitura no rosto, e não escondeu a surpresa de me ver ali.
- Alexandra? O que você faz aqui?
- Oi Marisa, preciso falar com você. Tem um tempinho para mim?
Marisa apenas balançou a cabeça, fazendo sinal para que eu entrasse. Para meu alívio, ela parecia desarmada, e enfim eu tinha esperanças de explicar-me com ela de uma maneira mais calma.
Convidou-me a sentar, sentando de frente para mim, mantendo relativa distância.
- Pois não Alexandra.
- Acho que temos um assunto mal resolvido Marisa, ontem tentei conversar, mas você saiu correndo lá de casa...
- Melhor esquecermos o que houve ontem a noite Alexandra, foi um erro, um momento de fraqueza de minha parte.
- Não concordo. Foi um momento de força do nosso amor, da paixão que existe entre nós, você não pode ignorar isso.
- Alexandra...
- Mah me escuta, por favor. Eu sei que errei feio com você, investigando sua vida, eu não sei como te coloquei em risco, mas acredito na gravidade dos meus atos pela reação que você teve. Mas eu te amo de verdade... O que quer que eu tenha feito, isso não vai se repetir, eu vou respeitar os motivos de seu segredo, reconquistar sua confiança... Mas, volta pra mim meu amor, não posso viver sem você.
Não contive meu choro, aproximando-me de Marisa enquanto implorava seu perdão. Ela se esquivou, e eu continuei:
- Mah, me dá uma chance de te provar que estou falando a verdade, minha vida está sem cor, essa conquista profissional para mim não tem o menor sentido por que não tenho você ao meu lado pra compartilhar comigo, eu só penso em você, preciso de você na minha vida. O que sinto por você é o que tenho de mais pleno, nem consigo me lembrar como era minha vida antes de você, volta pra mim meu amor...
Segurei suas mãos, e Marisa dessa vez não me evitou. No seu rosto as lágrimas caíam fáceis, na mesma intensidade que as minhas. Apertei forte suas mãos, e as conduzi até meu rosto, sentindo-as trêmulas, lutando contra si mesma, Marisa relutou antes de relaxar suas mãos numa carícia suave, colei meu corpo no dela, abraçando-a com ternura.
Nesse momento as palavras eram completamente desnecessárias, ficamos por minutos abraçadas, apenas sentindo nossos perfumes se fundindo, o compasso de nossos corações adquirirem o mesmo ritmo, e gradativamente nossas respirações aceleraram na medida em que nossas mãos iniciavam uma excursão pela pele de ambas, rocei meu nariz pelo rosto e pescoço de Marisa, com a ponta dos dedos massageei sua nuca desnuda, até enfim, invadir com minha língua sua boca quente, tomando um beijo ardente.
Marisa entregou-se a mim naquele beijo, a conduzi até o sofá, jogando meu corpo sobre o dela, facilmente minhas mãos estavam entre suas pernas, enquanto Marisa sugava minha língua deixando escaparem gemidos roucos. Senti a umidade do seu sexo e não tardei penetrá-lo com dois dedos e com o polegar permaneci massageando seu clitóris, movimentos lentos, mas intensos, intensifiquei as estocadas sentindo o corpo de Marisa vibrar:
- Vai Alex... Fica dentro de mim, me faz gozar...Aaai...
A voz de Marisa ao meu ouvido excitava-me de tal maneira que gozei junto com ela, seu gozo escorrendo por suas pernas era uma intimação para minha língua mergulhar no seu sexo encharcado. Deslizei minha língua por toda extensão do sexo de Marisa, sorvendo aquele líquido quente, impus força, chupando seus pequenos lábios, posicionei minha boca na altura do clitóris e movimentei meus lábios e língua num vai e vem envolvente, Marisa se arqueava gritando de prazer gozando mais uma vez em minha boca.
Descansei meu corpo sobre o dela, ficamos por minutos abraçadas, recuperando o fôlego, até Marisa despir-me tórax e deslizar a ponta dos seus dedos por minhas costas, acendendo meu tesão. Sentei-me sobre seu corpo, com as pernas encaixadas na sua cintura, encarei-a mordendo os lábios, e as mãos dela agora percorriam meu colo, seios e minha barriga. Gemi com o toque de Marisa, em poucos segundos seus dedos invadiram meu sexo molhado, movimentei-me sobre os dedos de Marisa que os remexia dentro de mim dando-me um prazer inenarrável levando-me ao ápice.
E quando nossos corpos se procuraram mais uma vez, meu celular tocou:
- Que bela anfitriã você está me saindo heim dona Alexandra? Acordei sozinha nessa casa enorme...
- Ai Márcinha, desculpa amiga... Tive que resolver uma coisinha, mas já estou indo para te levar para almoçar.
- Vou esperar você então, passa em uma farmácia e me traz um analgésico, por favor?
- Imaginei que você acordaria com ressaca... No armário do meu banheiro tem alguns, pega um pra você, chego em pouco tempo.
Olhei para Marisa com o olhar ainda mais apaixonado, e disse:
- Preciso ir... Mas você vem comigo.
- Acha que agora pode mandar em mim é?
- Deixa eu mandar só uma veizinha vai...
Sorri beijando os lábios de Marisa delicadamente.
- Vamos? Minha amiga está de ressaca, e preciso tirar minha impressão de anfitriã mal educada.
- Quem é essa Márcinha?
- Uma amiga da capital, éramos colegas no antigo jornal que eu trabalhava.
- Outra jornalista... Ai ai... Ela também faz investigações sobre mim?
- Ai amor... Não, ela não faz investigações sobre você não.
- Alex, nós precisamos conversar seriamente sobre toda essa história, você não pode imaginar o quanto repercutiu nos altos escalões do ministério o vazamento dessas informações as quais você teve acesso... Existem vidas em risco Alex, não sei o que vai acontecer daqui pra frente, mas temos muito que esclarecer, e por enquanto, acho mais seguro você não saber de alguns detalhes, pelo menos até poder assegurar o sigilo do processo mais uma vez.
- Eu te prometo meu amor, vou fazer tudo que você me disser, não vou mais mexer nessa história, no momento certo, quando você julgar seguro, e confiar em mim de novo, você me diz, e claro, vou te contar como e o que descobri.
- Você só fez mesmo a pesquisa de documentos?
Respondi instintivamente:
- Sim.
Temi revelar que visitei Calhetas, e que conheci a antiga vizinha delas, e omiti o que Márcinha havia descoberto sobre sua avó. Nossa reconciliação ainda estava frágil, em outro momento eu contaria todos os detalhes, inclusive esses.
- Espero que seja assim mesmo, vou me vestir então, ou posso ir assim?
- Adoraria... Se a gente não precisasse sair daqui... Mas... Essa visão maravilhosa, é privilégio só meu!
Envolvi meus braços em seu pescoço, roubando mais um beijo. Seguimos para minha casa, trocando carinhos, como se quiséssemos recuperar o tempo perdido. Pegamos a Márcinha, e fomos até o clube para almoçarmos.
Numa atitude incomum, Márcinha ficou tímida diante de Marisa, quando Renatinha contou sobre minha nova condição sexual ela criou em sua cabecinha preconceituosa uma imagem bem diferente de Marisa, no mínimo pensou que minha namorada estacionaria sua “Scania” na porta do restaurante exibindo o estereótipo de caminhoneira. Ao contrário, Marisa era extremamente feminina, tinha gestos delicados, esbanjava sensualidade no andar, no olhar, vestia-se com elegância e discrição, sobretudo uma beleza desconcertante e isso parecia ter intimidado minha amiga.
Marisa foi atenciosa, simpática, encantando-me ainda mais. Aos poucos Márcinha foi ficando mais à vontade, falando de sua paixão por viagens, contando algumas aventuras, comentou que quando se aposentasse viveria como meus pais, viajando pelo mundo.
- Adoro viajar pelo Brasil, o nordeste brasileiro é incrível! Mas adoro o sul do país, os pampas gaúchos, aquele clima meio europeu... Mas não conheci o interior, quero conhecer. – Comentou Márcinha empolgada.
- O Rio Grande do Sul é um estado lindo mesmo, mas sou suspeita para falar, sou gaúcha. – Marisa concordou com orgulho.
- A Alex conheceu uma cidade do interior há pouco tempo não é? Como é mesmo o nome da cidade? Calhetas?
Márcinha ignorou minhas caretas e gestos para que ela não citasse o nome da cidade, Marisa imediatamente mudou sua expressão. Olhou séria para mim, balançou a cabeça negativamente, jogou o guardanapo sobre a mesa e levantou-se abruptamente para meu desespero e espanto de minha amiga.
- Com licença Márcinha.
Marisa falou retirando-se da mesa, caminhando a passos rápidos pelo saguão do restaurante.
- O que foi que eu disse Alexandra? – Perguntou Márcinha atônita.
- Falou demais Márcia.
Segui Marisa no intuito de mais uma vez explicar-me, alcancei Marisa no estacionamento, puxei seu braço e pedi:
- Mah, me espera, vamos conversar.
- Solte-me! Conversar o que? Vai me contar mais uma mentira? Ou quer saber mais alguma coisa para aprofundar as fontes de sua reportagem? Não dou entrevistas Alexandra, não insista.
- Não é nada disso meu amor. Eu ia te contar é que...
- Ah, ia? Quando Alex?
- Estava esperando a gente se entender melhor, poxa Mah, a gente acabou de fazer as pazes...
- Se arrependimento matasse... Eu deixei meus sentimentos, meus desejos falarem mais alto, mas foi burrice minha... Você me enganou mais uma vez, então não houve congresso nenhum em Porto Alegre não é? Você foi à minha cidade natal para investigar minha vida! Você é doente, mente compulsivamente, quem me garante que você não está me escondendo mais nada? Ou que continua mentindo pra mim só pra descobrir o que você quer?
- Não seja injusta Mah, você sabe o quanto te amo.
- Não sei de mais nada... O que sei é que você está encrencada, e envolveu muita gente nessa encrenca.
- Não me importo em estar em perigo, a única coisa que me importa é que você me perdoe e acredite em mim.
Marisa enxugou as lágrimas, balançou a cabeça, e com um sorriso sarcástico me disse:
- Você só se importa com você mesma... Eu me enganei muito com você Alexandra, acabou tudo. Vou contar mais esse fato a Larissa, certamente ela vai te procurar. Quanto a mim, esqueça que eu existo, pra sempre.
Marisa caminhou até o ponto de táxi, deixando-me arrasada, cheia de culpa, amargando mais uma vez a sensação de perder a mulher que eu amava por uma vil curiosidade, ou ainda por uma estúpida irresponsabilidade, covardia em revelar toda verdade. Voltei para o restaurante do clube contendo minhas lágrimas, Márcinha veio ao meu encontro e sem fazer muitas perguntas apenas me disse:
- Vamos pra casa, vou te dar colo enquanto você me conta o que aconteceu aqui.
Em casa, Márcinha sentou-se no sofá, pediu que eu sentasse ao seu lado e com muita delicadeza puxou minha cabeça em direção ao seu ombro confortando-me enquanto eu chorava silenciosa e disse:
- Seja lá o que eu tenha feito ou falado demais, não fiz por querer amiga... Sinto muito.
Minha amiga tinha como característica ser língua solta, Renatinha sempre brincava conosco que deveríamos nos unir para abrir uma revista de fofocas, com minha curiosidade e o talento de espalhar notícia da Márcinha, seríamos a dupla fome com vontade de comer... Apesar disso, eu sabia que Márcinha estava sendo sincera, a culpa não foi dela, foi minha Tive a oportunidade de esclarecer tudo com Marisa e fui covarde omitindo mais fatos quando tentava reconstruir a confiança que ela começava a depositar em mim. Aceitei o colo de minha amiga, e com muita paciência sem me interromper, sem me julgar, Márcinha escutou toda minha narrativa, ao final com sua sensatez típica disse:
- Minha amiga, está claro que há muito mais caroço nesse angu do que sabemos... Entendo Marisa estar tão receosa quanto a você investigá-la. Imagina Alex o que há por trás disso? Guerrilha, assassinato do tal embaixador e de toda sua família, assassinato da família da Marisa, tráfico de armas, tráfico de drogas, o fato dela viver protegida por não sei qual órgão, com outro nome, e ainda tem esse mistério dela proteger alguém, e esse filme que você encontrou na casa dela... Alex, deve ter muita gente perigosa e poderosa envolvida nisso, e você sabe que especialmente em nosso país, a corrupção é corriqueira em todos os escalões, alguém relacionar você com essa investigação e chegar até Marisa ou Lisa com isso é perfeitamente possível.
- Eu não havia pensado dessa forma...
Falei pensativa, refletindo nas colocações que Márcinha acabara de fazer.
- Alex, pelo que sabemos até agora, podemos supor que Marisa assumiu nova identidade para se proteger, se a família morreu no incêndio e seu pai está desaparecido desde a morte do embaixador, logicamente a vida dela vive em constante risco se os responsáveis por essas atrocidades souberem que ela está viva.
- Você está coberta de razão. Meu Deus o que eu fiz!
Levei as mãos à cabeça experimentando uma angústia profunda, Márcinha me confortou abraçando-me afagando minhas costas.
- Márcinha, além de tudo isso, de fuçar, expor a segurança da mulher que amo, menti, enganei... Não a mereço.
- Também não é assim... Você não podia imaginar essa história policial cinematográfica cercando a vida dela...
- O que custava eu deixar que ela me contasse? Ela me pediu tanto que eu confiasse nela, que estava tentando me proteger... Como sou estúpida!
- Alex, eu entendo o que você está sentindo, mas não se puna tanto. Imagino que Lisa, ou Marisa sei lá, se sentiu traída, enganada, invadida, e pior achou que estava sendo usada por você para chegar a uma reportagem, mas se o que vocês tem uma pela outra é mesmo amor, o tempo e sua atitude com ela daqui para frente pode unir vocês duas novamente.
- Você acha que depende de mim e de tempo? Acredita mesmo nisso?
- Alex, nunca te vi tão feliz como vi hoje a tarde ao lado dela, e em contrapartida nunca vi tanta tristeza como vejo agora nos seus olhos, você a ama de verdade e acredito que esse amor vai te guiar nessa reconquista.
As palavras de Márcinha me emocionaram, deitei em seu colo mais uma vez, e devo ter adormecido rapidamente, exausta de chorar. Precisava procurar Marisa mais uma vez, novamente pedir perdão, mas sabia que nos primeiros dias seria inútil. Para me redimir com minha amiga decidi levá-la para sair, dessa vez, para uma roda de voz e violão no hotel fazenda do ex-namorado do Carlos.
Esforcei-me para disfarçar a expressão abatida, Márcinha queria reencontrar Artur, acabou me contando o que houve na noite anterior, quando meu fotógrafo caiu no sono de tão bêbado que estava quando chegaram ao motel. Obrigou-me a ligar para ele pedindo que nos encontrasse lá e assim seguimos para a serra.
O hotel estava lindo, no espaço reservado para eventos, decoração rústica, fogueira no pátio, e o clima serrano deixavam o local ainda mais charmoso e pra aumentar minha dor de cotovelo, extremamente romântico, especialmente pela presença da lua cheia, brilhante naquela noite. Foi também ali que Marisa me fez surpresas agradáveis e inesquecíveis, as lembranças acentuavam a falta que ela me fazia, e em um daqueles momentos que o universo conspira nos colocando como coadjuvantes do acaso, Marisa chega acompanhada de Elaine e Fábio e uma das cantoras começou a tocar:
Garimpeira da beleza te achei na beira de você me achar
Me agarra na cintura, me segura e jura que não vai soltar
E vem me bebendo toda, me deixando tonta de tanto prazer
Navegando nos meus seios, mar partindo ao meio, não vou esquecer.

Eu que não sei quase nada do mar descobri que não sei nada de mim

Clara noite rara nos levando além da arrebentação
Já não tenho medo de saber quem somos na escuridão

Clara noite rara nos levando além da arrebentação
Já não tenho medo de saber quem somos na escuridão

Me agarrei em seus cabelos, sua boca quente pra não me afogar
Tua língua correnteza lambe minhas pernas como faz o mar
E vem me bebendo toda me deixando tonta de tanto prazer
Navegando nos meus seios, mar partindo ao meio, não vou esquecer

Eu que não sei quase nada do mar descobri que não sei nada de mim

Clara noite rara nos levando além da arrebentação
Já não tenho medo de saber quem somos na escuridão

Clara noite rara nos levando além da arrebentação
Já não tenho medo de saber quem somos na escuridão


(E eu que não sei quase nada do mar – Ana Carolina).
A música foi a trilha para uma troca de olhares intensa entre mim e Marisa. Na minha mente, uma enxurrada de lembranças tomou de conta dos meus pensamentos, excitei-me com a letra da música e meu olhar soltava faíscas de desejo ao ver Marisa, linda como sempre, e não fugiu do meu olhar, não esboçou sorrisos, sua aparência de seriedade só se desfez quando notei em um determinado trecho da canção seu rosto ruborizar:
“Me agarrei em seus cabelos, sua boca quente pra não me afogar
Tua língua correnteza lambe minhas pernas como faz o mar
E vem me bebendo toda me deixando tonta de tanto prazer
Navegando nos meus seios, mar partindo ao meio, não vou esquecer’.
Segurei o impulso de ir ao seu encontro, ao final da música, os olhos de Marisa se desviaram dos meus, baixei a cabeça e Marcinha percebeu o motivo de minha tristeza estampada.
- Amiga... Ainda não é hora de vocês conversarem.
Concordei com a cabeça e segui até o bar com Márcinha, de lá, acompanhei cada gesto de Marisa de longe, algumas vezes nossos olhares se cruzavam, mas, seu olhos estavam mais uma vez frios para mim.
Finalmente Artur apareceu, Márcinha logo se derreteu, e logo eu estava de vela na mesa que estávamos. Voltei para o bar, sem que o casal sequer notasse minha ausência, mantive minha atenção na mesa em que Marisa estava com Elaine e Fábio com uma expressão distraída, até uma voz suave chamar minha atenção:
- Um beijo pelos seus pensamentos...
Era Juliana com um grande sorriso, ao meu lado no balcão.
Sorri sem muita empolgação e Juliana sentou-se ao meu lado, pediu uma bebida e prosseguiu:
- Então, o prêmio não te atraiu?
Baixei a cabeça e sorri em seguida dizendo:
- Tenho certeza que este prêmio atrairia a maioria das mulheres e dos homens que estão aqui nessa noite...
- Mas a mim só interessa se te atrairia.
Ruborizei e minha cabeça que estava recostada nas minhas mãos apoiadas com o cotovelo sobre o balcão escorregaram, despertando um riso de canto de lábios de Juliana.
- Estou brincando com você sua boba... Estava vendo você distraída, com um olhar triste direcionado para uma certa mesa... E pensei em vir aqui tentar te alegrar um pouco com minha companhia.
Sorri sincera e respondi:
- E eu vou adorar ter sua companhia, já está me alegrando.
- Opa! Então vamos beber a isso!
Juliana pediu outra dose de bebida para mim, convidou-me a um brinde, e aceitei sua oferta, só assim parei de pensar e de olhar alguns segundos para Marisa. A doce enfermeira era de fato uma mulher incrível, além de linda, tinha um astral encantador, um bom humor que contagiava, uma energia boa que tinha o poder de me deixar à vontade. Depois de alguns minutos e muitas doses, eu parei de observar a mesa que Marisa estava, quando o fiz tive a grata surpresa de me sentir agora, observada por ela. Marisa esticava seu pescoço em minha direção, ao perceber que notei seu esforço para me ver Marisa ficou embaraçada, e disfarçou mexendo nos cabelos enquanto eu segurei meu riso.
Vi então a oportunidade de provocar ciúmes em Marisa, quem sabe isso nos aproximasse. Continuei bebendo com Juliana, mas dessa vez, a convidei para sentar em uma mesa, perto da rodinha de violão, bem ao alcance da visão de Marisa.
Não hesitei em sorver doses em uma rapidez incoerente a fim de adquirir coragem para me insinuar para Juliana provocando assim os ciúmes de Marisa. Juliana não estava tão inocente assim, notou a presença e os olhares de Marisa, e pareceu não se importar em ser usada. Comecei trocando sorrisos com a enfermeira e vez por outra acariciava seus cabelos fazendo algum comentário do tipo:
- Seu cabelo está tão brilhoso, o que você usa?
Juliana que não era boba nem nada não fugiu das minhas investidas, respondia qualquer coisa sem tirar os seus olhos dos meus, ninguém que via a cena poderia imaginar que o conteúdo da conversa fosse tão fútil. A noite seguia, nesse clima, Marisa levantou-se algumas vezes da mesa, mas não passou perto de nós, diferente dos seus olhos que pareciam estar em cima dos meus ombros o tempo todo. Não pude deixar de notar que ela bebia sem parar, ainda me deu outra evidência de nervosismo quando apareceu tragando um cigarro.
Eu me deliciei com aquela situação, ignorando o quanto aquela intimidade agradava Juliana, que aos poucos demonstrava seu jeito sedutor, o qual não puder ficar imune, podia ser pura vaidade, mas o fato de sentir-me desejada por uma mulher como ela, aumentava minha confiança, minha auto-estima.
Marisa já estava sentada no bar, continuando sua vigilância sobre nós, eu já não era senhora dos meus gestos, o álcool falava mais alto e Juliana aproveitou-se disso para intensificar o flerte:
- Hoje é minha vez de cuidar de você, e de cuidado, eu sou especialista, vamos ver quem cuida melhor, médica ou enfermeira.
Mesmo alcoolizada, ruborizei com a cantada descarada dela. Ela se divertiu com isso, aproveitou o momento para se aproximar mais de mim, levou sua mão até o canto dos meus lábios e deslizou a ponta dos seus dedos dizendo:
- Tem um pouquinho de açúcar aqui, deve ter sido das bordas do copo de coquetel...
- É deve ter sido. – Respondi sem jeito pegando um guardanapo na mesa.
- Ou... Seus lábios são doces mesmo e o açúcar está aparecendo.
Nesse momento não fiquei vermelha, devo ter ficado multicolorida. Entretanto, o meu domínio naquela noite ficou ameaçado, quando vi, uma das alunas de Marisa, a qual eu sempre me queixei que ela dava cabimento a seu jeito descarado, se aproximou dela no balcão do bar, e Marisa não se fez de rogada, correspondendo ao flerte sem o menor pudor para meu desespero.
E como se a trilha sonora da noite seguisse os ritmos dos acontecimentos, a tranqüilidade das baladas de MPB deu lugar a um grupo de samba, passada a primeira música, Juliana notou a mudança de meu comportamento, vendo Marisa se derreter para a loira que exibia seu decote generoso na altura do olhar dela enquanto cochichava algo ao seu ouvido. Por segundos Juliana deixou-me sozinha na mesa, se aproximou de um dos cantores do grupo, falou algo ao seu ouvido, e para minha surpresa, um dos instrumentistas deu lugar a ela ao seu lado, Juliana sentou-se, pegou o microfone, e começou a cantar um samba desconhecido para mim:
Te filmando, eu tava quieta no meu canto
Cabelo bem cortado, perfume exalando
Daquele jeito que eu sei que você gosta
Mas eu te dei um papo, e você nem deu resposta
Tudo bem um dia vai o outro vem
Você deve estar pensando em outro alguém
Mas se ela te merecesse não estaria aqui
Não, não, não
Ou talvez você não queira se envolver
Magoada ta com medo de sofrer
Se me der uma chance não vai se arrepender
Não, não, não,não,não
Tá vendo aquela lua, que brilha lá no céu
Se você me pedir eu vou buscar, só pra te dar
Se bem que o brilho dela, nem se compara ao seu
Deixa eu te dar um beijo, vou mostrar o tempo que perdeu
Que coisa louca, eu já sabia
Enquanto eu me arrumava algo me dizia
Você vai encontrar alguém que vai mudar
A sua vida inteira da noite pro dia
(Tá vendo aquela lua – Exaltasamba)
Apesar de não ser fã do gênero, não posso negar que até a voz de Juliana me excitou, e a letra do tal samba mexeu com minhas fantasias a respeito dela. Por alguns momentos nem me lembrei de olhar para Marisa e a fedelha que lhe assediava, concentrei meu olhar e meus ouvidos em Juliana, e pela primeira vez considerei a possibilidade de lhe dar uma chance. Não sei se foi efeito do álcool, ou se de fato a manifestação pública do interesse de Juliana em mim, entretanto, aquela atitude dela mexeu comigo, mas não a ponto de desvencilhar meu pensamento de Marisa, quando a olhei, pude sentir seus olhos faiscarem de raiva em direção a Juliana, e esta, que com a simpatia que lhe era própria, agradeceu os aplausos, cumprimentou o vocalista e os músicos do grupo com estalinhos, quando o vocalista principal agradeceu no microfone:
- Vocês ouviram a enfermeira mais linda do mundo e minha irmã mais velha Juliana Diniz! Um dia eu ainda a convenço de largar a enfermagem pra cantar comigo... Te amo mana. Vamos seguir no samba galera!
Juliana voltou para a mesa com um sorriso faceiro, e eu completamente sem graça fiquei me perguntando: “E agora? O que eu faço?”. Quando ela se sentou eu disse:
- Não sabia que você cantava, nem muito menos que sua voz era tão linda...
- De onde você acha que tiro inspiração para cantadas? – Sorriu divertida.
- Ah claro... Então você gosta de samba?
- Não tem como não gostar, meu irmão sempre ensaiou em casa com os amigos dele, alguns eu não gosto, mas essa semana assisti o ensaio deles e lembrei-me de você ouvindo essa música, e aprendi, achei que essa era uma oportunidade de te dizer isso.
Mais uma vez minhas bochechas coraram, o que antes parecia ser algo velado, ou apenas sugestivo, agora estava escancarado: sim, Juliana estava dando em cima de mim. Antes era um flerte, insinuações de sentido dúbio, ou ainda ela disfarçava alegando ser apenas brincadeira. O que eu fiz afinal? Dei esperanças a ela? O arrependimento de provocar Marisa usando-a surgiu, e como se adivinhasse meus pensamentos Juliana disse:
- Não se preocupe Alex, não estou te pedindo em namoro... Eu sei perfeitamente que você está ligada numa certa doutora que está ali no balcão e que esse clima entre nós é pura provocação... Não sou menina, sou uma mulher que entende esse jogo. Assim como você está usando a situação para provocá-la, estou me aproveitando para deixar claro que estou completamente atraída por você.
- Juliana eu não sei o que dizer... Desculpe-me...
- Ei! Não tem nada que se desculpar... Não sou ingênua, sei onde estou pisando... E mesmo assim, acho que você vale a pena o risco.
- Acha mesmo?
- Acho... E não costumo me enganar com mulheres Alex.
Juliana deu uma piscadela e disse em seguida:
- Opa, seu copo está vazio? Vou pegar uma bebida para você.
Enquanto ela foi até o bar, Elaine se aproximou de mim dizendo:
- Olá Alexandra! Quanto tempo!
- Ei ruiva! Faz tempo mesmo!
Abracei-a e perguntei:
- Então, Fábio se recuperou bem?
- Graças a Deus e a Marisa, sim, está ótimo.
- Que bom! E você está bem?
- Sim, ao contrário da minha amiga... Está fazendo uma besteira atrás da outra...
Elaine apontou com o queixo Marisa no bar. Baixei a cabeça e disse em seguida:
- A besteira quem fez foi eu Elaine, você não imagina o quanto me arrependo.
- E você vai ficar se arrependendo com a Juliana do lado?
- Não é o que parece Elaine...
Eu me preparava para argumentar, ouvi buchichos ao redor, e Fábio se aproximou de nós exclamando:
- Vamos fazer alguma coisa antes que Marisa e Juliana se atraquem ali no bar!
Quando olhei para o bar, Marisa estava empurrando Juliana, falando alto, enquanto Juliana levantava os braços qual zagueiro de futebol faz quando comete uma falta alegando inocência.
Corremos para o bar a fim de acalmar os ânimos, na tentativa de evitar um escândalo ainda maior, ao chegarmos ouvimos Marisa descontrolada berrar com Juliana:
- Não se meta comigo Juliana! Não fica no meu caminho!
- Você está louca doutora? Foi um acidente, e foi você que esbarrou em mim, olhe para minha roupa, quem está banhada de whisky?
- Sínica! Você veio aqui só para me provocar?
- Provocar? Ué, vim comprar bebida, não é aqui que se vende?
O sarcasmo de Juliana pareceu despertar a fúria de Marisa que partiu na direção dela, chegamos bem a tempo de impedi-la de agredi-la fisicamente. Elaine segurou seu braço e me posicionei entre as duas retrucando:
- O que está acontecendo aqui? As duas podem me explicar?
Juliana respondeu:
- A doutora aí esbarrou em mim, derramou bebida, estragou minha roupa e ainda está se achando com razão de me pedir satisfações!
Toda calma e educação da enfermeira deu espaço ao sarcasmo, irritando mais ainda Marisa que retrucou:
- Ah, mas, que santinha! Você me empurrou Juliana! Deixa de se fazer de santa!
- Eu? Você que está dando uma de valentona aí por um incidente sem a menor importância. Qual o seu problema doutora?
Nesse momento Marisa se desvencilhou do braço de Elaine me empurrou, ficou de frente para Juliana, colocou o dedo em sua cara dizendo:
- Meu problema é você!
- Ah é? Posso saber como você pretende resolver esse problema? No braço?
- Você está merecendo...
Intervi antes que Marisa concluísse sua ameaça. Mais uma vez, posicionei-me entre as duas, e olhei nos olhos de Marisa dizendo:
- Mah, já chega... Está todo mundo olhando... Você bebeu demais, vamos nos acalmar, Ju, por favor...
Meu olhar praticamente suplicava a Juliana para que ela ignorasse o descontrole de Marisa, ela entendeu, e disse:
- Vou ao banheiro limpar essa sujeira na minha roupa, você vem comigo Alex?
Olhei para Marisa, que me encarava agora com atenção, vi nos seus olhos que ela esperava que eu desse uma resposta negativa a Juliana. Do outro lado, Juliana apressando minha resposta:
- Alex? Vamos?
Elaine percebeu minha saia justa, e colocou a mão em volta do ombro de Marisa dizendo:
- Vamos voltar para mesa amiga, se acalmar um pouco.
Marisa caminhou ao lado de Elaine visivelmente decepcionada, e a tal aluna abusada a seguiu, e eu com cara de tacho acompanhei Juliana até o banheiro. Os comentários entre as mulheres eram um só:
- Eu nunca imaginei a toda poderosa doutora Marisa Becker, descendo o barraco assim... Eu pensei que ela e a jornalista estivessem juntas... Mas não é que a sardentinha está podendo? Sendo disputada por duas mulheres lindas! Ela deve ter algo que a gente não consegue enxergar...
- Sei não heim... Mas a carinha dela pra doutora... Acho que a Juliana vai dançar nessa... Mas sabe que apesar de não curtir isso, até que eu teria coragem de pegar aquela doutora!
- Vai ter que entrar na fila, quando as sapas souberem que ela está solteira de novo...
Ao notarem nossa presença as duas moças se calaram, entreolharam-se sem graça, saíram em seguida e eu fiquei a sós com Juliana no banheiro. Enquanto ela tentava secar sua roupa, observou-me pelo espelho e comentou:
- Odeio mulher fofoqueira... Alex, preciso te dizer que... Marisa perdeu mesmo o controle, juro que não a empurrei.
- Ela bebeu demais Ju, releve. Quando ela fuma, parece que o álcool pega mais rápido... Enfim, não se chateie com ela.
- Não há porque eu me chatear com ela, mas entendo a reação dela...
- Entende?
- É Alex... Ela está vendo que... Estou caída por você. E se você não fugir agora daqui, eu vou te beijar como eu quero desde a primeira vez que te vi.
Juliana disse isso, aproximando-se de mim, recuei, atrás de mim só a porta do box aberta, Juliana não hesitou, empurrou-me para dentro do box, segurou-me pela nuca, entrelaçou seus dedos entre meus cabelos, e sem me dar chance de defesa, imprensando contra a parede, roubou-me um beijo quente, intenso, deixou-me sem fôlego e não tive como não me render. Sugou minha língua, meus lábios vorazmente. Seus lábios eram deliciosos, doces, e meu corpo respondeu ao seu desejo ardente, quanto mais Juliana me apertava, mais eu me excitava, quando suas mãos passearam pelo meu corpo senti minha pele arrepiar, se existia alguma dúvida sobre eu gostar ou não de mulher, Juliana a tirou naquela noite.
Quando nossas carícias se tornaram mais ousadas, abri meus olhos e num momento lealdade a meus sentimentos afastei delicadamente Juliana, não era Marisa, não era a mulher que eu amava, com a respiração ofegante Juliana olhou-me com cara de interrogação:
- O que foi Alex?
Não consegui dizer nada, abri a porta do box e saí correndo do banheiro, sem dar explicações, precisava ver Marisa, era ela que eu queria. Fui até a mesa onde Fábio e Elaine estavam:
- Onde está Marisa? – Perguntei ansiosa.
- Calma Alex... – Pediu Fábio.
- Por favor, onde ela está?
- Saiu para fumar, acho que foi em direção ao lago.
Elaine respondeu com frieza, certamente chateada por eu ter relutado em ficar ao lado de Marisa na confusão. Mas, não me importei, fui apressada em direção ao lago, estava um pouco escuro, demorei a encontrar alguém ali. Quase desistindo ouvi sons, e caminhei em direção a eles, foi quando vi, um casal em um amasso indecente junto a uma árvore, só me aproximei mais por puro instinto, precisava saber se era Marisa ali, para meu desespero e uma dor inédita de tão intensa, vi a mulher que eu amava sugando os seios da tal aluna vagabunda, com sua mão dentro da calça dela.
Fiquei ali estática. Eu parecia ter sido transportada para um mundo paralelo, no qual eu podia ser invisível, inaudível, queria xingá-las, socá-las, com o grito preso na garganta com as pernas carregando um peso absurdo caminhei para atrás, mas o barulho dos meus passos nas folhas secas despertaram a atenção das duas:
- Quem está aí?
Marisa se afastou da loira, e com a luz do celular apontou em minha direção e me viu:
- Alexandra? O que você está fazendo aqui?
Apenas balancei a cabeça negativamente, deixando as lágrimas banharem meu rosto em seguida saí correndo. Marisa me seguiu, segurou meu braço:
- O que você veio fazer aqui? Por que não está lá com a enfermeirinha?
- Larga meu braço! Volta lá para sua aluna vagabunda, continua lá comendo ela!
- Não é isso que você está fazendo com Juliana?
- Não te interessa! Solte-me, não quero mais que você me toque!
- Eu que não quero mais encostar em você! Diz que me ama e horas depois vem esfregando outra na minha cara!
- E você? Quem é você para falar? Tão ética, comendo uma aluna!
- Cala essa boca Alex!
- Por quê? Estou falando alguma mentira? Você também disse que me amava, e no entanto, não é capaz de me perdoar, e já estava aí, com uma vadia!
- Essa vadia nunca me enganou... Ao contrário de você!
Não suportei a comparação de Marisa, fui tomada de uma raiva absurda, e deferi um tapa em sua face. Arrependi-me imediatamente:
- Marisa...
Ela manteve seu rosto virado, passou a mão no rosto, e quando me aproximei na intenção de me desculpar quando ela fez um sinal com a mão para que eu parasse.
- Chega Alexandra... Já ultrapassamos limites demais essa noite. Faça-me um favor, vá atrás da sua enfermeira, vocês se merecem, eu não sei perdoar, eu não sei confiar em você, pelo jeito também não sei amar... Deixe-me em paz.
Marisa caminhou em direção ao pátio da festa, sendo acompanhada pela loira. Amarguei as lágrimas por ter visto a mulher que eu amava nos braços de uma qualquer, aquele corpo que tanto me dava prazer e que eu tanto desejava, sendo tocado por mãos que não eram as minhas, isso parecia agredir minha alma. Além disso, eu que só destinei carinho e amor para Marisa, a agredi fisicamente, e isso feriu-me ainda mais.
Caminhei até o bar enxugando minhas lágrimas, e virei em um único gole, duas doses de tequila, quando senti uma mão nas minhas costas:
- Você não acha que já bebeu demais?
Juliana olhava me censurando.
- Qual o problema se eu beber demais?
- Para mim nenhum... Mas para você... Não quero estar no seu lugar quando acordar amanhã.
- Quem se importa?
Dei de ombros e pedi mais uma dose, quando virei, o mundo girou acelerado e me desequilibrei mesmo sentada, Juliana me segurou deu sinal para o barman não me servir mais nada. Avistou Márcinha e fez sinal para que ela viesse até nós:
- Amiga, o que houve com você?
Márcinha estranhou minha aparência deplorável das lágrimas misturadas com o efeito do álcool. Não conseguia concatenar os pensamentos e expressá-lo em palavras, e Juliana interviu:
- Você se incomoda de levar o carro para casa? Vou levar a Alex agora, ela não tem mais condições de ficar aqui.
- Você quer que eu vá com você?
- Não é necessário, eu cuido dela.
Não lembro como cheguei até o carro, nem muito menos como Juliana conseguiu me colocar na cama, o fato, foi que acordei no dia seguinte como a própria previu com uma ressaca de dar pena. Abri meus olhos com dificuldade, olhei em volta, o quarto estava com pouca luz, as cortinas claras diminuíam a incidência do sol no local, a cama espaçosa, macia, lençóis perfumados não eram conhecidos para mim, perguntava-me onde eu estava e como cheguei ali.
Vi a porta do banheiro se abrir e Juliana saiu, apenas com uma toalha envolta no seu corpo nu, cabelos envolvidos deixando sua nuca exposta. Observei-a em seus movimentos delicados, abrindo o guarda-roupas, ao deixar a toalha cair exibindo curvas lindas, seios fartos, bumbum empinado, meus olhos se fixaram nela, uma visão perfeita. Quando Juliana virou-se em minha direção fechei os olhos rápidos a fim de que ela não percebesse que eu a observava, atitude inútil:
- Bom dia Alex... Dificuldade para abrir os olhos?
Demorei a responder insistindo na minha ridícula simulação e Juliana falou em tom descontraído:
- Alex, eu já vi que você acordou... Deixa de ser boba.
Escondi minha cabeça em baixo do edredom, e Juliana caminhou até a cama, outra vez envolta na toalha, sentou-se ao meu lado perguntando:
- E aí? Como você está se sentindo?
- Como se tivesse tomado vodka, whisky, tequila, caipirinha... Esqueci alguma coisa?
Fiz careta, e Juliana acrescentou:
- Chop de vinho.
- Nossa, como você deixou eu beber tudo isso?
Juliana sorriu e disse:
- Devia ter agido de outra forma mesmo... Mas, estou te devendo uns cuidados especializados, você quer tomar um banho antes de comer alguma coisa?
- Acho que estou fedendo a cachaça não é?
- Hurrum...
Juliana fez uma careta confirmando minha observação.
- Então levante-se, que vou preparar nosso café. Vou deixar uma roupa minha para você vestir.
Quando fiz menção de levantar percebi que estava trajando apenas a calcinha, espantei-me, arregalei os olhos puxando o edredom para cobrir-me, Juliana sorriu e eu disse:
- Não me diga que... Nós...
- Calma Alex... O fato de te desejar tanto não justificaria eu agir como uma canalha. Despi você, por que você passou mal no caminho, vomitou, sujou a sua roupa, e não consegui vestir nada em você, mas sequer dormi nessa cama, está vendo essa rede armada aqui, então, foi ali que dormi.
- Desculpa Ju... Sou uma tonta mesmo e não me lembro de muita coisa...
- Tudo bem, você tem crédito comigo, vou te perdoar...
Juliana tinha um dos sorrisos mais lindos que já tinha visto, confesso que quando ela sorria para mim, eu sentia um frio na barriga.
- Estamos quites então... Você me viu nua e hoje de manhã foi minha vez. – Brinquei.
- Estamos íntimas então! Só falta sincronizar essa nudez entre nós...
O olhar de Juliana, agora demonstrava a malícia que me desconcertava. Mordeu os lábios, e eu ruborizei. Antes de se levantar da cama, sem que eu esperasse, Juliana se aproximou dos meus lábios, deu-me um selinho e disse:
- Você está mesmo fedendo a cachaça, prefiro seu gosto ao natural.
Piscou o olho, e levantou-se da cama, sem pudor, deixou a toalha no chão, vestiu uma calcinha boxer, uma camiseta branca regata e saiu do quarto, deixando-me com o coração acelerado e o rosto queimando, sentindo meu desejo por aquele corpo crescer.
Tomei banho, vesti a roupa separada por Juliana, e saí à sua procura, a casa era toda delicada como ela, tons pastéis, tudo muito enfeitadinho, organizado.
- Ju? Onde você está?
Juliana apareceu na porta da cozinha, com aquele sorriso estonteante:
- Aqui gatinha.
Andou até onde eu estava, segurou-me pela mão, levando-me até o balcão da cozinha. Lá estava tudo bem montado, frutas, pães, bolos, sucos. Juliana puxou o banco para que eu me acomodasse, sentou-se ao meu lado e começou me servindo um copo de água com sal de frutas.
- Tome, vai te fazer bem.
Não discuti, em seguida, Juliana com muita delicadeza, foi servindo o café, enchendo-me de recomendações. Senti-me tão paparicada que já estava tímida de ser alvo de tanta atenção. Para me deixar mais à vontade, Juliana contava alguns momentos hilários de porres que ela tinha tomado, e situações bem piores em que ela acordou em lugar desconhecido com gente desconhecida. Depois de terminarmos o café, Juliana notou meu tom pensativo e se adiantou:
- Alex, antes de você apagar, você chorou muito, repetindo coisa que...
- Eu falei da Marisa não é?
- Ahan.
- Ju, acho que ontem foi o fim da minha história com ela. Eu ainda tinha esperanças... Mas ontem elas acabaram.
- Se você quiser desabafar... Sou ótima ouvinte.
- Quer saber Ju? Não quero mais falar na Marisa... O melhor que eu faço para nós duas, é sair da vida dela.
- Você tem certeza que quer isso?
- Sim, tenho.
Juliana disfarçou a satisfação ao ouvir minhas palavras, retirou a mesa com minha ajuda, e não perdeu a oportunidade de roçar em mim “acidentalmente”, acelerando meu coração.
- Eu preciso ir para casa Ju, deixei a minha amiga mais uma vez sozinha, nossa, estou até sem graça, como tenho sido relapsa com minha hóspede...
- Não se preocupe, ela ligou hoje cedo para seu celular, tomei a liberdade de atender para tranqüilizá-la. Ela está no clube com o Artur, você quer ir encontrá-la?
- Hum... Acho que não... Vou para casa mesmo...
- Ah o que você vai fazer lá, ficar sozinha curtindo a dor-de-cotovelo?
- Acho que vou escrever um pouco...
- Ah você escreve?
- Sim... Contos... Lésbicos...
- Ui! Que interessante! Deve ter muitas fãs...
Fiquei tímida e apenas balancei a cabeça positivamente. Até Juliana pedir:
- Ah, fica um pouco mais... Você já assistiu a última temporada de The L Word? Aliás, você conhece essa série?
- Vi alguns episódios...
- Então, queria companhia para assistir, faço uma comidinha leve para almoçarmos, quem sabe até você se inspire mais para sua escrita.
- Tudo bem, eu aceito a proposta.
Juliana comemorou batendo palmas. Eu não tinha mesmo condições de escrever naquele dia, e não tinha disposição para ir ao clube e muito menos de ficar sozinha em casa. Empolgada, Juliana trouxe um BOX de DVD, pediu que eu me sentasse no sofá, e sentou-se ao meu lado depois de colocar o DVD. Assistimos a tal série por horas, e sem que eu percebesse, já estávamos coladas uma na outra, assistir as cenas de sexo entre as personagens ao lado de Juliana acendeu ainda mais o desejo que nascia em mim por ela.
Olhava-a de rabo de olho, e por muitas vezes flagrei-me contemplando suas pernas torneadas apoiadas no centro à frente do sofá. Minha boca estava seca, sentia meu corpo esquentar, a tal ponto de começar a suar.
- Alex, você quer refrigerante, suco, água?
- O quê?
Estava distraída olhando para as pernas de Juliana. Fiquei completamente sem jeito ao perceber que ela notou meu olhar fixo.
- Água de coco! É o que você precisa, vou providenciar!
Juliana levantou-se passando na minha frente, exibindo seu corpo, ela sabia que eu a observava. Quando ela voltou com dois copos na mão, tropeçou no tapete caindo por cima de mim.
O conteúdo dos copos pareceu evaporar com o calor do meu corpo, por que sequer me incomodei com as minhas roupas molhadas, mais me atraía a boca de Juliana quase colada na minha, lembrei-me do doce dos seus lábios, e nossas respirações rápidas e fortes aceleradas foram sufocadas por um beijo avassalador.
Não demorou muito para Juliana passear com suas mãos por minhas pernas, apertando-as com fome, despertando arrepios pelo meu corpo inteiro. Desceu com sua boca pelo meu pescoço, lambeu minha orelha intensificando a excitação entre nós. Apertei seu bumbum, e Juliana se encaixou entre minhas pernas roçando seu sexo no meu, num ritmo envolvente, intenso, em segundos meu sexo molhado ansiava por ter Juliana dentro dele.
Tirei a camiseta de Juliana, abocanhando seus seios fartos, ela gemia com um sorriso safado nos lábios, subiu o vestido que me cobria e com habilidade retirou minha calcinha rapidamente. Ao sentir a umidade do meu sexo, Juliana mordeu os lábios e sussurrou:
- Quero entrar em você... Dá pra mim gostosa...
Posicionei sua mão na altura do meu clitóris e respondi:
- Vai... Entra, me come gostoso...
Juliana massageou meu clitóris lentamente até que eu suplicasse:
- Vai gostosa... Fode...
Penetrou dois dedos e os deslizou dentro de mim como se conhecesse o que meu corpo pedia, alternou as estocadas entre investidas mais fortes e mais suaves, levando-me a loucura e ao orgasmo. Antes que eu recuperasse minhas forças, sentindo o gozo escorrer por minhas coxas, Juliana desceu com sua língua sugando-me, mordendo-me, até alcançar meu sexo pulsante, e mergulhar sua boca ali, lambeu toda extensão dos meus pequenos lábios, empurrou sua língua impondo ritmo nas estocadas, segurei sua cabeça entre minhas pernas gemendo alto, o prazer era tão intenso que meu corpo manifestava espasmos, tremores, o ar me faltava, nem sei quantas vezes gozei, o fato é que eu não tinha forças pra mais nada quando Juliana deitou-se por cima de mim.
- Juli... Você... É incrível... – Sussurrei ofegante.
- Você me enlouquece Alex... É deliciosa. Como te quero...
Juliana continuava a me beijar, acendendo o tesão ainda mais. Entretanto, dessa vez eu a queria, sentir-me dentro dela, e enquanto ela deslizava suas mãos pelos meus seios, eu arranquei sua calcinha, quando senti a abundância daquele líquido quente enchi-me de desejo, penetrando meus dedos, deixando que Juliana rebolasse sobre eles ditando seu ritmo:
- Vai minha delícia, não pára... Vai...
Impus mais força e velocidade nas estocadas até Juliana arquear seu tórax oferecendo-se ainda mais e liberar um gemido rouco e alto:
- Aaaai Alex!
Juliana tinha seu corpo suado, arrepiado, trêmulo, com um sorriso nos lábios. Abraçou-me e assim ficamos por minutos, recuperando o fôlego.
- Você está com fome? – Perguntou Juliana.
- De você? Muita...
- Ui... Isso é bom... Também estou faminta de você. Mas eu me referia a fome de macarrão, salada...
- Também, mas preferia uma certa enfermeira...
Juliana sorria, estava me dando conta como eu adorava ver aquele sorriso. Não sentia por ela nem um terço do que sentia ao lado de Marisa, mas o sexo com ela foi completamente surpreendente, olhando para aquele rostinho lindo, angelical, não podia suspeitar que ela fosse um furacão na cama. Eu a queria, fato. Era o que meu corpo pedia: mais de Juliana.
- Também prefiro uma certa jornalista sardentinha, mas precisamos nos alimentar... A sobremesa, deixo por sua conta, pode ser?
- Pode claro. Mas antes... Vem cá... Quero beijo.
Juliana tomou minha boca vorazmente, o beijo dela era alucinante, me acendia inteira, mas justamente quando eu me deliciava naqueles lábios doces, lembrei-me do gosto de Marisa, a pegada dela, e por alguns segundos, foi o rosto da mulher que eu amava que eu vi ali, sobre mim, me beijando. Abri os olhos constatando que não era Marisa comigo, fiquei séria, e Juliana perguntou:
- Mordi com muita força?
- Não... Vamos lá, te ajudo na cozinha.
Na cozinha, Juliana logo percebeu o que Marisa sempre soube: que sou um desastre completo. Mas também pudera, ela não me deixava quieta, abraçava-me por trás, beijando meu pescoço, nuca, aí eu derramava fácil o que tinha nas mãos, quebrando a organização da cozinha perfeita de Juliana. Almoçamos e mal terminamos de tirar e mesa, Juliana já me tomava com volúpia, empurrando-me e suspendendo-me no balcão da cozinha, envolvi minhas pernas no corpo de Juliana enquanto ela apertava minha cintura, beijou minha barriga e mais uma vez arrancou minha calcinha cumprindo o que prometera de me ter de sobremesa.
Passamos o resto da tarde juntas, dormimos na rede abraçadas, meu pensamento insistia em voar para perto de Marisa, o que ela estaria fazendo? Será que estava com a aluna vadia? Como ela estava se sentindo? Em mim um sentimento confuso, sentia-me bem ao lado de Juliana, mas também sentia que estava traindo meus sentimentos e insanamente acreditava estar traindo Marisa e meu amor por ela.
No final do dia, Juliana deixou-me em casa, com um carinho sensual, afagando meus cabelos ainda dentro do carro na porta da minha casa comunicou-me:
- Não vai ser fácil dormi hoje longe de você.
- Foi um dia maravilhoso Ju, muito obrigada pelo cuidado, pela atenção...
- Shi... – Colocou seus dedos na minha boca me calando. – Não ouse me agradecer por ter te amado...
- Eu não faria isso Ju. Ia te agradecer pela acolhida.
- Estava te devendo essa e além do mais o prazer literalmente foi meu.
- Meu também. – Mordi os lábios.
- Posso te ligar outra hora? Pra sei lá... Sairmos juntas, pegar um cinema...
- Claro que sim. Vou adorar.
Em casa tive que responder um verdadeiro interrogatório da Márcinha, que ainda me contou sua noite e seu dia com Artur. Com a sensatez típica, minha amiga me advertiu:
- Você acha que é o momento certo para se envolver com outra mulher?
- Não, não mesmo, não posso me envolver com Juliana, não é justo com ela.
- Nem com ela, nem com Marisa, nem com você.
- Com Marisa? Márcinha você ouviu o que eu te falei sobre ontem a noite?
- Ouvi, mas cá pra nós amiga, os ânimos estavam exaltados demais ontem, nunca imaginei duas mulheres brigando por você...
- Ué está me subjugando é Márcia Nunes?
Joguei o travesseiro na cara dela.
- Eu não! Não tenho e nem quero ter parâmetros para te julgar querida, ao contrário da Renatinha não tenho nem curiosidade por mulheres!
- Não sabe o que está perdendo...
Arqueei as sombracelhas fazendo charme.
- Desista, sem chance! Continuando, não acho justo com você e Marisa, você se precipitar envolvendo mais alguém entre vocês duas. Essa história de vocês está mal resolvida, você acabou de me dizer que pensou na Marisa enquanto beijava a Juliana! Não é justo que vocês não lutem por esse amor que me parece ter mudado a vida de ambas...
Fiquei pensativa, e no fundo, sabia que a Márcinha tinha alguma razão. Não tinha convicção que deveria lutar por Marisa, mas sabia que era de fato, cedo demais para complicar mais minha situação amorosa trazendo Juliana para minha vida.
CAPÍTULO 15: NOVOS RUMOS
Márcinha ficou mais quatro dias comigo, fez a sua reportagem e voltou com minha negativa sobre os direitos da matéria para meu antigo jornal. Juliana ligava para mim todos os dias, me mandava sempre torpedos fofos, eu evitava novos encontros temendo não resistir ao desejo que crescia em mim por ela.
O pensamento em Marisa era constante, mergulhei na escrita, concluí mais um conto e adiantei meu livro, canalizando minhas energias para esse fim, por minha vontade, eu estaria correndo atrás de Marisa, apesar de ter pesadelos relembrando a imagem dela com a tal aluna, e suas palavras me mandando deixá-la em paz ecoarem em minha mente por diversas vezes.
Nosso jornal ganhou sede própria, não mais em uma sala da secretaria de cultura do município. Com o aumento da produção e dos patrocinadores, aumentamos também em quatro vezes a tiragem, a distribuição foi expandida para toda região do sul do estado, ganhamos mais uma repórter, além de contratarmos uma secretária e mais um estagiário de jornalismo.
Os dados que Márcinha me trouxe sobre a avó de Lisa, atiçaram minha curiosidade, mas julguei que o mais seguro era deixar essa história quieta, entretanto, um telefonema inesperado me tirou da aparente calma sobre o mistério que cercava a história de Marisa.
- Alô, é o telefone da Alexandra?
- Sim, pois não, quem fala?
- Meu nome é Elizabeth, você me conheceu há alguns meses atrás quando veio aqui a procura da família do Joca...
- Ah claro! Como vai dona Elizabeth?
- Tudo em paz minha filha... Mas estou ligando por que você me pediu que eu avisasse se eu me lembrasse de alguma coisa...
- Sim claro, dona Elizabeth, aconteceu algo? Lembrou-se de algo?
- Não, mas aconteceu algo que eu achei que você gostaria de saber. Semana passada, uns homens estranhos visitaram a casa que era da Marta, a minha vizinha, a que você procurou também.
- Que homens? O que eles procuravam?
- Eram homens estranhos, com sotaque estrangeiro, desceram de um carro todo preto, com os vidros todos escuros também, procuravam as mesmas pessoas que você procurava, a Denise, minha vizinha que está morando atualmente na casa, até comentou que uma moça esteve procurando essas pessoas.
- Ela falou de mim?
- É comentou, e eles ficaram curiosos, e me procuraram porque Denise falou que você falou comigo um tempão...
- O que a senhora falou?
- Achei-os esquisitos demais, não se preocupe não falei muita coisa, só que você era uma estudante, que era de outra cidade.
- Muito obrigada dona Elizabeth...
- Minha filha... Cuidado, não senti uma coisa boa quando esses homens vieram aqui, acho que é gente perigosa.
- Pode deixar senhora, obrigada.
Fiquei intrigada com o telefonema, mas não achei que representasse algum perigo, afinal, se aqueles homens estivessem envolvidos nos assassinatos de Alcides Muniz e da família de Marisa, eles não poderiam chegar até mim apenas com as informações que eles tinham.
Era sexta-feira, e Daniel visitou nossa redação no final da tarde, empolgado com nossas novas instalações:
- Amiga que luxo heim! Não tinha visto como ficou depois da reforma, vocês capricharam!
- A casa já era linda, só fizemos ajustes. Poxa Dan, saudades de você. Você sumiu, ainda está brigado com o Diego?
- Não tem mais volta com ele Sardenta. Já estou até com affair novo... Um porto riquenho lindo! Meu Rick Martin!
- Que babado é esse?
- Nem te conto... Ele veio no meio dessa muvuca aí que vocês provocaram com essa reportagem escândalo. Ele é tipo, um correspondente de uma revista argentina.
- Nossa, então temos fama no MERCOSUL?
- Pois é menina, muito poder né?
- Nunca imaginei que atingisse essa proporção.
- Tá, tudo bem, você tem a força, é invencível! Mas podemos voltar a falar do Hernane?
- Então o nome do bofe é Hernane?
- É, nome de macho! Bofe escândalo amiga. Vim aqui pra te convidar para sairmos e você conhecê-lo.
- Ai amigo, estou evitando sair...
- Fugindo das mulheres?
Daniel olhou de rabo de olho para mim, mexendo nos enfeites da minha estante.
- Ai bicha, pára de me zuar vai...
- Ué, você acha que eu não fiquei sabendo do bafafá que deu no luau? A comunidade do brejo dessa cidade não falou outra coisa... Tem sapa até fantasiando com você.
Dei um tapa no seu braço.
- Aquilo não foi nada divertido. Mas eu estou mesmo evitando encontrar Marisa e Juliana, por motivos diferentes, e nessa cidade minúscula... Muito fácil de todo mundo se encontrar.
- Mas você não pode fugir para sempre. Não te perdôo, você vem comigo sim, no lugar de sempre: Chica’s.
Sabia que não adiantava discutir com o Dan, ô bicha abusada! O jeito era me arrumar e conhecer o tal Hernane. Sem muito ânimo para me produzir, vesti qualquer coisa, prendi os cabelos, fiz uma maquiagem discreta, e segui para o Chica’s.
O clima alternativo de sempre reinava, ficamos na mesa cativa, quando cheguei, apenas Carlos e Luiza já estavam, mas não demorou muito para Daniel aparecer com um homem de cabelos grandes, presos, moreno, usava uma barba bem feita, mas, não era nenhum pouco simpático. Limitou-se a nos cumprimentar com um seco aperto de mão, e um “olá”. Acostumados com pessoas mais sociáveis, mesmo que não fossem tão afetadas, nos entreolhamos cúmplices de nossa pouca aceitação ao novo affair de Daniel.
O Dan coitado, esforçava-se para ressaltar as qualidades do tal Hernane, mas o menudo antipático não correspondia aos esforços, estava todo tempo com cara de poucos amigos, tragando seus cigarros compulsivamente, sorvendo conhaque sem parar. Até tentei puxar assunto algumas vezes, por consideração ao meu amigo, não recebi como resposta nada além de:
- Si, si... Yo compreendo...
- Nane, a Alex é a editora-chefe do jornal que publicou a reportagem investigativa da exploração de madeira ilegal. – Comentou Dan empolgado.
- Mui buena.
- É danada essa minha amiga Nane, quando quer descobrir algo, fuça até descobrir! Até se mete em encrenca por causa disso.
Fiz sinal para o Daniel conter seus comentários:
- O faro jornalístico, o Hernane como colega deve entender.
- Si, claro.
O silêncio e o clima estranho na mesa estavam instalados. Fui salva por uma voz doce e familiar atrás de mim:
- Ora, olha quem finalmente saiu do casulo!
Juliana com aquele sorriso arrebatador, parada atrás de mim.
Levantei-me e a abracei:
- Ju! Que bom te ver.
- Você sumiu, recusou meus convites para sairmos, imaginei que não quisesse mais me ver.
- Imagina! Eu estou trabalhando muito, é isso, a mudança de prédio do jornal, o aumento da tiragem...
- Ei chega de explicações, estamos perdendo tempo, vamos colocar a fofoca em dia?
- Vamos sim.
- Mas preciso beber alguma coisa, relaxar, estou vindo de um plantão de desumano de 24horas.
- Vamos para o bar então.
Pedi licença e segui com Juliana até o bar, embalamos uma conversa descontraída de duas boas amigas, mas bastava qualquer toque acidental dela na minha pele para despertar a memória do meu corpo acerca do meu desejo por ela. Depois de horas de conversa e muitas doses de Martini, Juliana fez um comentário que me tirou da atmosfera amena da noite:
- Dei esse plantão com sua ex. Ela mal me cumprimenta. O mau humor dela está virando piada entre a equipe de enfermagem. Está exigindo ainda mais das técnicas de enfermagem, o certo seria se reportar a mim, mas como não está falando comigo...
- Mas ela era tão querida e admirada no hospital...
- Continua sendo a mesma médica competente e exemplar, mas ela mudou muito desde que vocês terminaram Alex, posso estar afundando minhas chances com você dizendo isso, mas sou honesta demais para esconder isso de você.
- Você está me assustando Ju.
- Não é para se assustar, é só uma observação que tenho que fazer. Marisa está sofrendo muito com a separação de vocês Alex, deve ter emagrecido alguns quilos nessas últimas semanas, ouvi sem querer a doutora Elaine comentando com o doutor Fábio que estava preocupada com ela.
- Preocupada por quê?
- Ela está fazendo uso de psicotrópicos para dormir, bebendo muito também. Elaine relatou um episódio que a encontrou desmaiada na cozinha da casa dela, que precisou administrar glicose para que ela ficasse consciente, despertou completamente atordoada, por certo desmaiou por causa de hipoglicemia, está se alimentando muito mal.
Senti um aperto no peito ouvindo o relato de Juliana. Como doeu saber que Marisa estava sofrendo daquele jeito por minha causa. Minha vontade foi de correr para sua casa, cuidar dela, amá-la, aliviando todo aquele sofrimento, Marisa tinha muitas marcas de uma infância e adolescência marcadas por tragédias e solidão, e antes de me conhecer não teve relações íntimas, duradouras, por que não se permitia isso.
- Alex, não queria te trazer essa preocupação, mas, por incrível que pareça, me preocupo com Marisa, ela sempre foi uma ótima colega, já me ajudou muitas vezes, não seria legal da minha parte ignorar o sofrimento dela, mesmo caída por você como estou.
Fiquei pensativa, com uma angústia absurda dentro de mim. Não sabia o que falar para Juliana, até ela se adiantar:
- Está sofrendo depois de saber disso?
- Hurrum. – Respondi com a voz embargada e os olhos marejados.
- Se você acha que pode mudar isso, então vá atrás dela...
Juliana falou com tom de frustração, relutei em decepcioná-la, mas eu tinha que seguir meu coração. Dei um beijo no rosto de Juliana e saí do Chica’s em direção a casa de Marisa.
No trajeto, comumente deserto, estranhei a presença freqüente de um carro atrás do meu, acelerei e em segundos o carro estava quase colado em minha traseira, enchi-me de pavor, apertei o pé no acelerador, o carro que me seguia tocou os pára-choques traseiros do meu carro, projetando-o para frente, contribuindo para o descontrole da direção, meu carro derrapou na pista de areia, descendo o barranco cercado de árvores, meu carro só parou quando se chocou em uma grande árvore, antes de desmaiar ouvi sirenes de carro de polícia.
Acordei em um ambiente estranho, não sei quanto tempo estive desacordada, o fato foi que eu estava sozinha, olhei em volta e concluí que estava em um quarto de hospital, sentia meu corpo doer, especialmente a cabeça e os braços, um deles, imobilizado. Lembrei-me do acidente, e todas as hipóteses acerca do carro misterioso que me jogou para fora da estrada eram ligadas ao meu envolvimento nas investigações sobre os assassinatos relacionados ao passado de Marisa, e como se meus pensamentos chamassem por ela, Marisa entrou no quarto com uma expressão preocupada, ao me ver acordada apressou os passos e sorriu aliviada:
- Alex! Graças a Deus, você acordou!
Beijou minha testa e acariciou meu rosto, eu tinha dificuldades para falar, fiz expressão de dor e ela logo perguntou:
- Está sentindo dor? Onde?
Apontei para meu braço e Marisa se apressou pegando o telefone ao lado da minha cama:
- Veja o prontuário da Alexandra, prescrevi um analgésico, ela está com dor. Obrigada.
Marisa olhava-me ainda com ar preocupado, esforcei-me para falar:
- Há quanto tempo eu estou aqui?
- Você esteve inconsciente por quase 24horas, passou por uma cirurgia nesse bracinho que está imobilizado, mas está fora de perigo, ainda bem que você estava de cinto de segurança, mas como justo você não tem carro com air bag?
- Ah... Já está me zuando né? Saiba que nunca bati meu carro...
- Pura sorte...
Marisa sorriu, e meu céu pareceu se abrir diante daquele sorriso.
- Marisa, esse acidente foi provocado... Havia um carro me seguindo...
- A polícia pediu que avisasse quando você pudesse falar. Uma testemunha ligou para os policiais falando sobre dois carros em alta velocidade na estrada, suspeitaram até que fosse um racha...
- Por causa desse carro perdi a direção Marisa...
- Mas você não estava perto de casa, como eles te seguiram?
- Eu estava no Chica’s, indo para sua casa.
Fiquei tímida, baixei a cabeça, e Marisa perguntou:
- Minha casa? Mas...
Quando Marisa se aproximava de mim, procurando minha mão, bateram à porta, era Juliana com uma bandeja de medicação nas mãos.
- Com licença... Soube que Alexandra estava acordada, vim para vê-la aproveitei e trouxe o analgésico prescrito.
- Ah sim, claro.
Marisa ficou desconcertada, e Juliana se aproximou de mim segurando minha mão, e perguntou:
- Como está se sentindo Alex?
- Atropelada por uma árvore gigantesca. – Brinquei.
- Já está de bom humor, então a dor nem é tão grande assim...
Juliana brincou, sorriu para mim, enquanto administrava a medicação. Antes de sair avisou:
- Troquei meu plantão para ficar perto de você, estou por aqui no hospital, se precisar de qualquer coisa peçam para me chamar que venho imediatamente, se precisar durmo aqui no quarto tudo bem?
Balancei a cabeça positivamente, Juliana segurou minha mão, beijou minha testa e saiu, não pude deixar de buscar Marisa com o olhar a fim de constatar sua cara abusada vendo o carinho de Juliana comigo.
- Troquei meu plantão pra ficar perto de você. – Marisa imitou Juliana fazendo careta – Ela não tem mais o que fazer?
Tentei esconder meu riso, mas não consegui.
- Bem que me falaram que você anda mal humorada. – Comentei divertida.
- Huum, quem te disse isso? Essa enfermeirinha metida?
Divertindo-me com a situação sorri e perguntei:
- Isso importa?
- Só pode ter sido ela.
- Pode ter sido Elaine também...
- Ah eu pego aquela ruiva!
Gargalhei, e com o esforço, as dores limitaram a continuação das minhas risadas.
- Alex, cuidado! Você está cheia de pontos, passou por cirurgia delicada, seu braço quebrou em vários lugares... Tem tanto pino aí nesse braço que você se transformou quase num Robocop gay!
- Ai Mah!
Foi a vez dela se divertir com minha cara assustada.
- Falando sério agora Alexandra, isso que você está falando desse carro te seguindo... Está me preocupando, vou avisar a policia que você acordou para que eles procurem por esse carro.
- Marisa... Existe uma coisa que você precisa saber antes da polícia.
A aparência de receio de Marisa, evidenciava que ela já suspeitava que meu acidente tivesse relação com sua história, prossegui:
- Você já sabe que fui até Calhetas, conversei com uma antiga vizinha de sua família lá, dona Elizabeth. Ela me ligou essa semana, falando sobre a visita de homens estrangeiros, de aparência suspeita procurando pelas mesmas pessoas que procurei, no caso, a família de João Marcos Pimentel.
Marisa ficou pálida, continuei falando:
- A atual moradora da casa que vocês moraram, comentou com esses homens que uma jovem universitária esteve meses atrás procurando as mesmas pessoas. Não sei se esse carro que me jogou para fora da estrada tem algo haver com isso, afinal, eles nunca poderiam chegar até mim só com essas informações não é?
Marisa andou de um lado para outro, visivelmente tensa e respondeu:
- Alex, quando te disse que você não imaginava com quem estava se metendo, e o perigo que você corria, você achou exagero não é mesmo?
- Não exatamente...
- Essas pessoas subornam quem for preciso, venho fugindo há anos, por onde você passou, deixou rastros, como por exemplo o fato de ter usado o tal amigo do Daniel para recolher informações sigilosas do ministério. Se alguém souber, grampear e-mail, telefones do ministério, podem chegar até ele e no fim até você...
Foi minha vez de empalidecer. A primeira coisa que pensei, foi o tal Hernane, o novo bofe do Dan. Percebendo meu nervosismo, Marisa perguntou:
- Algo mais para me contar?
- Temo que sim. Um porto riquenho chegou à cidade, se identificando como jornalista, e está saindo com o Daniel...
- Um porto riquenho? O sotaque espanhol pode ser de qualquer país de língua latina Alex, Colômbia, Honduras... Ai meu Deus!
Marisa levou as mãos à cabeça.
- Mah... Acalme-se. Eu estou bem, não aconteceu nada.
- Você não entende o risco que está correndo Alexandra? Se eles sabem que é você que está investigando essa história, vão querer essas informações e farão de tudo para tirá-las de você! Tudo mesmo, seqüestrar, torturar... Tudo Alex!
Marisa tremia, estava transtornada.
- Mah, vem cá vem...
Fiz sinal para que ela sentasse ao meu lado no leito. Relutou mas se rendeu. Segurei sua mão com força e disse olhando no fundo de seus olhos:
- A gente vai dar um jeito nisso, não vai acontecer nada comigo, nem com você.
- Alex, eu não vou me perdoar se acontecer algo a você. Todo meu sacrifício terá sido em vão...
- Do que você está falando? Que sacrifício?
Marisa fugiu do meu olhar e desconversou:
- Preciso ligar para a polícia, mas antes vou avisar a Larissa, ela vai orientar sobre o que você vai dizer, e como vamos proceder.
- Marisa responde minha pergunta, que sacrifício?
- Alex, isso não importa agora. Só o que importa nesse momento é zelar por sua recuperação e sua segurança.
Insistiria em saber sobre o tal sacrifício que ela se referia, mas Daniel entrou no quarto, acompanhado de Luiza, Fernanda e Artur.
- Ow mulher que adora um hospital! – Daniel exclamou ao entrar.
Todos riram, enquanto isso, Marisa se aproximava da porta pronta para sair:
- Marisa, aonde você vai?
- Depois conversamos Alex, tenho algumas coisas para resolver. Até mais gente.
Marisa saiu do quarto, Dan protagonizava a zuação comigo, ressaltando que durante o tempo que fiquei inconsciente, Juliana e Marisa disputavam o lugar de “primeira-dama” nos cuidados comigo, dessa vez, meu amigo conteve a língua, e nada falou para meus pais ao contrário do que fez na minha crise de urticária.
Passaram algum tempo comigo, até a chegada de Juliana, que pediu licença para me levar para a realização de exames. Pensei em falar com o Dan sobre o misterioso Hernane, saber mais dele, saber como se conheceram... Mas, fui tomada de sensatez (momento raro na minha vida), e julguei que fosse melhor primeiro conversar com Marisa.
Juliana me conduziu até o setor de imagens do hospital, empurrando a cadeira de rodas puxou assunto:
- Então... Você se lembra de alguma coisa do acidente? Como você foi parar fora da estrada?
- Perdi o controle da direção, estava dirigindo em alta velocidade.
- Nossa, tanta pressa assim para ver Marisa naquela noite?
- Fiquei preocupada com as coisas que você me falou. Senti-me culpada.
- Entendo... Ela foi a primeira a chegar aqui. Os policiais avisaram a ela primeiro, eu só soube do acidente por que uma colega comentou comigo na manhã do dia seguinte, quando cheguei aqui, você já tinha sido operada e ela estava aqui do seu lado.
Meu coração encheu-se de alegria ao ouvir isso, sorri discretamente. Algumas horas depois enquanto Juliana me fazia companhia no quarto após os exames, Marisa voltou, fez perguntas de praxe sobre meu estado e exames, e comunicou-me que a polícia estava vindo para colher meu depoimento sobre o acidente.
O constrangimento estava instalado no quarto, lembrei do Dan, o quanto ele me zuaria se visse aquela situação. Nenhuma das duas queria sair do quarto, e o pior, Marisa precisava me orientar acerca do meu depoimento à polícia, e para isso, precisava ficar a sós comigo. Até que ela mesmo não se conteve e disse:
- Juliana, as técnicas de enfermagem estavam à sua procura, alguma coisa sobre uma reunião com a CCIH (comissão de controle de infecção hospitalar).
- Ah, sim, vou ver do que se trata, volto logo Alex.
Marisa vibrou com a saída de Juliana, sorri com o gesto dela. Aproximou-se de mim e me orientou:
- Larissa chegará em algumas horas para conversar com você, mas de antemão, quando os policiais vierem colher seu depoimento, diga apenas que aparentemente um carro a seguia e você temeu ser um assalto por isso perdeu o controle da direção, mas não dê detalhes sobre o carro.
- Até mesmo por que eu não sei mesmo nada sobre o carro que me seguia...
- Qualquer coisa que você lembrar será importante.
- Tudo bem.
Logo os policiais chegaram e relatei apenas o que Marisa me orientou. Ficamos a sós mais uma vez, e vi a oportunidade de tocar no assunto sobre nossa relação:
- Mah... Na noite do acidente, eu estava indo para sua casa, conversar com você.
- O que nós temos a falar ainda Alex?
- Muita coisa... Como por exemplo, essa sua história de sacrifício...
- Alex, esquece essa história. Vamos nos concentrar em nos defendermos dessa ameaça.
- Ameaça a qual eu sequer sei do que se trata não é Marisa?
Marisa ficou sem graça com minha honestidade tocada de mágoa.
- Diante de tudo que você descobriu, você não pode supor como as pessoas que me perseguem são perigosas? Não pode calcular o quanto as pessoas ligadas a mim correm risco?
- Tudo que tenho são suposições, hipóteses, por tentar entender tanto mistério que envolve a vida da mulher que amo, fui punida.
Meus olhos marejados denunciaram o quanto eu sofria por sua ausência. Marisa emocionada sentou-se ao meu lado na cama, e com os olhos cheios de sinceridade confessou:
- Alex, eu te amo. Fiquei profundamente magoada, com o que você fez, invadindo, fuçando minha vida quando tudo que pedi foi que você confiasse em mim, eu tinha motivos para te proteger te deixando fora de toda essa confusão.
- Marisa eu também te amo, nem sabia o que era amar antes de você, nunca namorei uma mulher, eu sou desajeitada, curiosa, e queria saber mais de você, me angustiava te ver acordando no meio da madrugada com pesadelos... E a medida que eu ia descobrindo os fatos, mais eu ficava intrigada, preocupada.
- Alexandra, por mais que você se justifique comigo, isso não muda as conseqüências disso. Se essas pessoas me acharam, fizerem alguma ligação entre você e eu, a minha vida, a sua, e de tantas outras pessoas envolvidas estão em risco.
- Então você me perdoa? Perdoa por ter sido irresponsável... Bisbilhoteira...
- Alexandra, quem me dera se nosso maior problema fosse sua curiosidade. Além de trair minha confiança, você se expôs, e expôs pessoas e situações sem sequer considerar os riscos disso.
- Você não me respondeu. Você me perdoa?
- Alex, presta atenção: Quando nós reatamos naquele dia, antes de saber que você foi até Calhetas, mentiu pra mim e tudo que você já sabe, eu te dei mais um crédito, e ao mesmo tempo, te coloquei em risco. Larissa me advertiu várias vezes, e depois de saber o ponto que você chegou para ter detalhes da minha vida, eu vi que Larissa estava certa, que ter qualquer relacionamento na minha situação era perigoso para mim e para a pessoa com a qual me envolvesse.
Respirou fundo, e continuou:
- Estar longe de você, foi meu maior sacrifício, para sua proteção, para a minha, e para meu pai.
- Seu pai?
- Alex, isso é uma longa história... Mais do nunca, o mais seguro é que você não tenha certas informações.
- Marisa, só o que me interessa saber é se você me ama.
- Claro que amo! Alex, nunca namorei ninguém! Sempre fugi de relacionamentos, Nova Esperança é a primeira cidade que moro há mais de três anos. Até minha faculdade, residência, tive que fazer em faculdades e hospitais diferentes para me manter segura. A primeira pessoa que me apaixonei de verdade, e arrisquei seguir o que meu coração foi você! E justo você...
- Exagerei na curiosidade... Nas mentiras...
Marisa enxugou as lágrimas e prosseguiu:
- Mas eu te amo, e perdoei... Afinal, você já me desculpou tantas vezes... Mas Alex... Não posso expor você, se algo acontecesse com você... Eu... Morreria!
- Mah... Meu amor, não vai nos acontecer nada, vamos ficar juntas e enfrentar isso!
Nossos ânimos estavam exaltados, emoções à flor da pele, nossas mãos unidas, puxei Marisa com o meu braço livre, segurando-a pelo queixo beijando seus lábios suplicando em voz baixa:
- Fica comigo meu amor...
Com os rostos colados, lágrimas misturadas, fomos interrompidas por Larissa que entrou no quarto:
- Desculpe-me interromper, mas o que traz aqui é questão de vida ou morte.
Larissa tinha uma aparência preocupada, Marisa levantou-se rapidamente e perguntou:
- Conseguiu descobrir alguma coisa?
- Descobrir pessoas novas nessa cidade não é algo tão difícil. Localizei alguns carros que estão com visitantes da cidade, inclusive com o tal Hernane que você citou, puxei a ficha dele na INTERPOL e como supunha, esse nome não consta entre os suspeitos de envolvimento com o narcotráfico da América Central. Preciso da foto dele para fazer a busca nos arquivos.
- Isso não será difícil. – Comentei.
- De fato não. Já consegui descobrir onde ele está hospedado, vou montar guarda e captar a imagem dele e enviar para o serviço de banco de dados e cruzar as informações.
- Larissa, você falou sobre uma questão de vida ou morte... Do que se trata? – Perguntou Marisa apreensiva.
- É Marisa... As negociações para a libertação de seu pai não estão evoluindo, há dias não conseguimos contato com o líder da guerrilha, nossa última conversa foi ameaçadora, estão exigindo o filme em troca de nos dar provas que o João continua vivo.
- Estou cansada disso... Preciso falar com meu pai, vocês me prometeram isso!
- Você acha que não queremos fazer isso Lisa? Mas você sabe perfeitamente que precisamos agir com cautela para o bem de seu pai e do seu também.
- Há anos vocês me dizem isso, perdi quase tudo na minha vida, e me vejo forçada a perder mais uma vez, isso não é justo!
- Lisa, não queremos que você perca nada... Só queremos evitar que mais pessoas sejam envolvidas nisso, não viu o que quase aconteceu a Alex? É justo com ela?
Até ouvir meu nome, mantive-me quieta ouvindo a discussão das duas, e mais peças ao quebra-cabeças eram adicionadas, entretanto, quando senti que Marisa se referia a mim mais uma perda e a indagação de Larissa não pude ficar calada:
- O que não é justo comigo é ser excluída da vida da mulher que amo Larissa, e se amá-la implica em riscos, estou disposta a correr esses riscos, sou adulta o suficiente para tomar minhas próprias decisões.
Larissa ficou séria, desviei meu olhar para Marisa e a vi nitidamente emocionada com minha declaração.
- Muito bonitas suas palavras Alexandra, mas infelizmente, existem mais gente e causas envolvidas do que o relacionamento de vocês duas. Possivelmente a sua investigaçãozinha trouxe até a porta de Marisa membros da milícia que assassinaram a família dela e que mantém seu pai refém há anos.
Marisa franziu a testa, censurando a morena que comentou:
- Eu sei que ela não sabia disso Lisa, mas está na hora dela sair desse arco-íris que ela vive e ver no que ela se meteu e no que nos meteu também.
A hostilidade de Larissa comigo ficou evidente, desconfiei que existia pelo menos da parte dela algo além do profissional ali. O clima ficou tenso, e foi nesse momento que Juliana voltou ao quarto estranhando o peso do ambiente.
- Interrompo algo? – Indagou Juliana.
Constrangida respondi:
- Não Ju, entre, por favor.
Larissa visivelmente contrariada foi incisiva com Marisa, ignorando a presença de Juliana no quarto:
- Venha comigo Marisa agora, precisamos conversar.
Se eu já estava irritada com o comportamento de Larissa e suas palavras, depois dessa demonstração de autoridade sobre Marisa, declarei guerra interiormente a morena fatal. Marisa a seguiu sem discutir, olhou-me como se me pedisse paciência, ambas deixaram o quarto, deixando-me na companhia de Juliana que comentou franzindo a sombracelha:
- Menina que criatura antipática! Quem é a bonitona?
- Amiga de Marisa.
- Ela veio te visitar?
- Ahan...
Minhas respostas não convenceriam ninguém, percebendo que eu não estava nem um pouco a vontade, educadamente Juliana mudou de assunto:
- E como você está? Ainda com dor?
- Estou melhor, acho que a medicação fez efeito, não estou com dor.
- Que bom...
Juliana se aproximou da cama, encarou-me, e perguntou num tom tímido:
- Posso te perguntar uma coisa?
- Claro Ju.
- Você e Marisa... Vocês se acertaram?
O olhar tenro de Juliana deixou-me com o coração apertado em dar uma resposta que eu sabia que a desagradaria:
- Ju... Eu não sei te dar uma resposta...
- Entendo...
Com um olhar decepcionado, Juliana fez menção de se afastar da cama, quando segurei sua mão:
- Espera Ju...
Juliana parou, voltou-se para mim, e com o olhar fixo disse:
- Não precisa ficar sem graça Alex... Você não me prometeu nada.
- Eu sei disso, mas não quero te deixar triste...
- Ih... Olha a menina... Se achando né? Quem disse que estou triste por sua causa?
Juliana abriu um sorriso, assanhou meus cabelos arrancando um sorriso meu. Mantivemos as mãos unidas sem perceber, só notamos nosso contato íntimo, quando Marisa entrou no quarto sem bater, e fez cara de desagrado. Soltei a mão de Juliana imediatamente, o gesto foi tão automático que beirou à agressão. Notei Juliana se assustar com minha reação, constrangida, afastou-se e com uma fisionomia séria avisou:
- Meu plantão acaba daqui a pouco, alguém virá dormir com você Alex?
Não sabia o que responder, não sabia se Marisa permaneceria ali comigo, após um silêncio constrangedor, Juliana se adiantou:
- Peça para alguma técnica me ligar se precisar de mim, promete?
Balancei a cabeça positivamente, Juliana saiu do quarto e Marisa se sentou na poltrona ao lado da cama com cara de poucos amigos comentando:
- Ela não larga o osso né?
- Nossa... Sou tão pouco apetitosa assim? Osso Mah?
Desfiz a cara fechada dela com a pergunta, notei-a contendo o sorriso e continuei:
- Ela só vai pegar esse osso, se você largá-lo...
Marisa mordeu os lábios, relaxou a cabeça no encosto da poltrona e desabafou:
- Eu não quero... Mas... Não posso Alex.
- Mah... Não desiste da gente...
Marisa baixou a cabeça, quando a ergueu vi uma lágrima solitária percorrer seu rosto, comovida chamei-a para perto de mim:
- Vem cá meu amor...
Afastei-me na cama abrindo espaço para ela deitar-se ao meu lado, Marisa se aconchegou debaixo do braço que não estava imobilizado, abracei-a com todo amor que eu tinha, tentando transmitir a segurança que eu sentia de que meu sentimento iria transpor qualquer barreira ou empecilho para nosso amor. Numa troca de papéis, a doutora se consolou na paciente, deve ter cochilado naquela posição, despertando com um espasmo no corpo, deduzi que era mais um de seus pesadelos atormentando-a.
Apertei-a contra meu corpo ainda mais forte, e só então Marisa se acalmou confessando:
- Não quero te deixar Alex, eu te amo.
- Vamos ficar juntas meu amor... Quero enfrentar tudo ao seu lado.
Marisa beijou-me com paixão, suas lágrimas se misturaram a nossa saliva, dando a tônica da nova etapa de nosso relacionamento.
Dois dias depois, saí do hospital. Nesse período, Marisa não saiu de perto de mim, talvez isso tenha afastado Juliana, que me visitou rapidamente sendo educada e simpática todas as vezes, mas seu desconforto com a presença de Marisa era óbvio. Eu sabia que eu e Marisa tínhamos muito a falar,mas ela achou melhor respeitar meu tempo de repouso.
Marisa não permitiu que eu voltasse para minha casa sozinha, fez questão de que eu fosse para sua casa, não relutei, na verdade tinha adorado a idéia. Marisa se desdobrava em cuidados, tão logo chegamos em casa, ela me acomodou na sua cama, me cercando de travesseiros fazendo mil perguntas:
- Está confortável? Está com sede? Com dor? Quer comer alguma coisa?
- Meu amor calma...
- Quero que você se sinta à vontade aqui, e bem cuidada...
- Não sou uma visita aqui Mah... Pelo menos, não é o que quero ser.
Ela sorriu, sentando-se ao meu lado na cama, relaxando finalmente. Mexi nos seus cabelos tirando algumas madeixas do seu rosto, e confessei:
- Senti tanta falta de estar aqui nessa cama ao seu lado... Em algumas noites, a saudade era tanta que eu conseguia até sentir seu cheiro, ouvir sua voz perto do meu ouvido.
- Eu me contive tantas vezes antes de sair correndo e bater à sua porta de madrugada...
- Sonhei muitas vezes acordar com você batendo à minha porta...
Marisa me calou com um beijo demorado, apaixonado o suficiente para despertar todo desejo que eu mantinha guardado por ela, a saudade foi responsável por eu ignorar minha condição enferma e pedir num sussurro:
- Quero você dentro de mim...
- Mas meu amor...
Peguei sua mão e posicionei-a abaixo da minha cintura, meu corpo queimava, ardia de desejo em ter os dedos da mulher que eu amava me penetrando, relaxei meu corpo entre os travesseiros, oferecendo meu tronco à boca de Marisa que desabotoou com a mão trêmula minha blusa, e com a outra mão acariciou minha barriga, minha pele arrepiou-se dos pés à cabeça, senti a umidade na minha calcinha quando Marisa abriu o botão da minha calça descendo com sua mão até meu sexo massageando meu clitóris enquanto deslizava sua língua entre meus seios.
Gemia com cada movimento de língua e dedos de Marisa, meus gemidos pareciam excitá-la que me olhava com tesão, mordendo os lábios, hora deixando no seu rosto um sorriso malicioso, hora dizendo-me ao ouvido besteirinhas cheias de volúpia, acelerando meu coração, intensificando o calor entre nossos corpos, facilmente Marisa penetrou seus dedos no meu sexo movimentando-os suavemente, e gradualmente intensificou os movimentos, deixando-os mais rápidos e vigorosos, meu sexo pulsava tamanho era o prazer que sentia, os beijos de Marisa no meu pescoço e orelha precipitaram o gozo inevitável que se derramou entre minhas pernas, para satisfação de Marisa que confessou:
- Quero me lambuzar no seu gozo meu amor...
Arrancou o resto de minha calça, e posicionou sua boca no meu sexo, não me dando tempo sequer de me recompor, os músculos de minha perna tremiam, sentia meu corpo ter espasmos, gozei na boca de minha namorada uma, duas três vezes, Marisa impunha força na língua enquanto sugava meus pequenos lábios, beijava-os como se fossem meus lábios, lambia toda a extensão da parte externa de minha vulva, dando-me o prazer inenarrável que só ela sabia me dar.
Sem forças relaxei com Marisa recostada em meus seios, ofegante, sentia nosso coração descompassado, embora exausta, tinha um sorriso nos lábios, estar com Marisa mais uma vez me tornava a mulher mais feliz do mundo, e decididamente eu a queria para sempre e ia lutar por isso com minha vida se fosse preciso.
Marisa pediu dois dias de folga da faculdade e do hospital para se dedicar exclusivamente aos meus cuidados, Luiza me trouxe as pautas da semana, e na medida do possível orientei-a sobre a edição e organização das matérias. Por mais lacunas que existisse na história de Marisa ou Lisa, não me interessava naquele momento remexer nesse assunto, aqueles dias de folga preferi usá-lo para matar as saudades de minha namorada e deixar evidente o quanto eu a amava e quão forte era nosso amor.
Infelizmente esses dias de folga não foram nada calmos. Marisa como era de se esperar estava tensa, os pesadelos eram frequentes até em cochilos que tirávamos na rede durante o dia e para aumentar ainda mais a tensão, Larissa apareceu com a antipatia de sempre à minha presença e com notícias nada tranqüilas.
- Consegui tirar a foto do tal Hernane, e como suspeitávamos depois de cruzar a imagem com os arquivos da INTERPOL , o identificamos como Joaquim Vasquez, ele não é porto-riquenho, é hondurenho, e segundo as investigações, ele era uma espécie de relações exteriores da guerrilha, por isso ficou mais visado nas investigações, ele mediava negociações de compra de armas e drogas para financiar a guerrilha, e tem ligação com as FARC.
- Meu Deus! Então o Dan está em perigo também! – Comentei assustada.
- Você entende agora Alexandra, quando falei sobre envolver mais pessoas inocentes nessa confusão? Que você colocou a vida de muita gente em risco? – Larissa disse secamente.
Marisa mesmo preocupada, tentou me confortar, segurando forte minha mão, como se afirmasse que sabia que eu não fiz nada intencionalmente, mas isso não aliviava minha culpa.
- Certamente ele veio seguindo pistas que você deu Alexandra nessa investigação, estamos quase certos sobre quem está vendendo informações dentro da polícia federal e do ministério das relações exteriores... O cerco está se fechando.
Senti a mão de Marisa gelar, e foi minha vez de tentar transmitir alguma segurança, mas Larissa não tinha a menor intenção de nos dá um momento de paz, e continuou com a sequência de notícias tensas:
- A organização continua sem dar notícias do seu pai, e a proximidade dessas pessoas aqui em Nova Esperança pode precipitar nossa reação Marisa, finalmente como você queria, vamos promover a troca do filme que você tem, pela liberdade do seu pai.
Apesar de não entender o motivo de Marisa e a INTERPOL esperarem tanto tempo para realizar tal transação, deduzi pela expressão de alívio, que esse era o momento pelo qual minha namorada sempre esperou.
- Então a operação para prender os líderes do tráfico de armas e de drogas nos países envolvidos, está pronta?
- Temos dados e provas suficientes agora, e alguma segurança e articulação para antecipar a operação que teoricamente deveria ocorrer em um período menos tumultuado, já que Honduras se prepara agora para uma eleição presidencial e o candidato líder nas pesquisas é patrocinado pela guerrilha, o mesmo candidato que o embaixador denunciaria antes de ser assassinado.
- Então esse é o momento, esse facínora não pode ser eleito! – Marisa exclamou.
- É um momento tenso Lisa, esse homem não vai deixar escapar esse poder tão fácil assim, grupos civis tem sofrido graves repressões políticas, tem ocorrido seqüestros, assassinatos de pessoas ligadas ao partido oponente.
- Mais um motivo para agirmos! – Marisa relutou exaltada.
- Tem mais uma coisa: essa reconciliação de vocês...
- O que tem? – Perguntei exasperada.
- Olha, vocês me desculpem, mas nesse momento é um risco a mais, desnecessário. Facilmente esse Hernane, melhor dizendo, Joaquim vai ligar vocês duas, se é que não o fez já, considerando a proximidade dele com o Daniel.
- Larissa, isso não está em discussão. Vocês sempre governaram minha vida, sobre onde eu ia morar, onde eu podia trabalhar, com quem eu podia me relacionar, agora chega, todo esse sacrifício não garantiu a vida de meu pai que a essa hora pode estar morto!
- Garantiu sua vida Lisa!
- Uma vida vazia, solitária, sem grandes laços, sem amor, sem família...
Marisa engoliu seco, sua voz embargada denunciava sua mágoa.
- Mas ainda sim, você está viva graças a nossa proteção, não seja ingrata. Continuo achando um risco desnecessário. Se vocês se amam tanto, podem esperar mais um pouco antes de arrastar o caminhão de mudança...
- Não exagera Larissa, Alex veio passar só dois dias aqui...
- Exagero Lisa? Parece que não é só a Alexandra que é tonta aqui!
- Eeei!
Fiz bico, franzi a testa, mas não tinha argumentos para me defender da acusação, afinal eu era mesmo meio tonta...
- Larissa, mesmo que não fiquemos juntas nesse momento, não vai impedir deles chegarem até mim, se o tal Joaquim está saindo com Daniel, já deve ter arrancado as informações que ele queria, se não o fez, é questão de tempo para fazê-lo. – Comentou Marisa.
- Você tem razão... Talvez seja melhor afastar você da cidade, esconder você até a operação.
- Não! Não vou me mudar de novo!
- Lisa não seja infantil! – Retrucou Larissa.
- Larissa, tenho casa, emprego, realização profissional, amigos, namorada... Não, não vou deixar Nova Esperança.
- É bom que você considere essa possibilidade como certa, vou conversar com os outros e volto a me comunicar.
Larissa saiu pela porta rapidamente, deixando Marisa mais tensa e fumaçando de raiva. Para tentar convencê-la a aceitar a idéia de Larissa para protegê-la eu lhe disse:
- Meu amor, se for preciso, vou embora com você daqui...
Marisa ficou comovida, me encarou e disse:
- Você deixaria o que você conquistou aqui no jornal, seus amigos, por minha causa?
- Será que você não entende que minha maior conquista é você? Tudo isso só tem sentido se você estiver ao meu lado, e vou até o fim do mundo pra te amar.
Emocionada Marisa tomou meus lábios selando a confiança de que nosso amor suportaria tudo.
CAPÍTULO 16: PREENCHENDO AS LACUNAS
Um mês se passou e nesse período julgamos ser mais prudente eu não voltar para casa, Luiza continuava a me manter informada do andamento do jornal, esforcei-me para continuar redigindo o editorial. Precisávamos da discrição do Dan, e apesar de saber que ele não se conformaria em se afastar do Rick Martin dele sem explicações, pedi que ele tomasse cuidado com ele e não falasse nada sobre mim e Marisa.
Para nossa sorte, Joaquim Vasquez, o tal Hernane, sumiu da cidade, fato que não deixou Larissa nenhum pouco tranqüila, por esse motivo, e obviamente pelo risco que se acentuava, a agente da INTERPOL, pelo menos assim ela se identificou ao telefone quando solicitou vigilância 24horas para Marisa e eu.
Até que nos acostumamos com os rapazes que faziam nossa segurança, eram discretos, e eu notava o quanto eles especulavam sobre nós duas, nos divertíamos com os olhos curiosos deles quando precisavam entrar em casa enquanto estávamos lá. Um deles era tão simpático que seu comportamento beirava uma paquera descarada comigo, tal atitude provocou os ciúmes de Marisa, que ao perceber isso, não se intimidou em me chamar de “amor” na frente dele, além de me roubar estalinhos na sua presença confirmando as suspeitas da equipe de marmanjos que nos protegiam.
Voltei ao hospital para retirar o gesso do braço, e finalmente comecei a fisioterapia, foi um processo doloroso e não nego que me aproveitei muito disso para conquistar um dengo de minha namorada que se compadecia me cobrindo ainda mais de carinho. As visitas ao hospital possibilitaram meu reencontro com Juliana que como sempre foi amável e atenciosa para o desgosto de Marisa que não desgrudou de mim todo tempo que Juliana estava presente.
- Então está conseguindo recuperar a força desse braço Alex? – perguntou Juliana.
- Ah sim... Ainda dói quando me esforço muito, mas tem melhorado.
- Tem feito massagem, aplicado compressas? Ajuda, se você precisar posso fazer depois da sessão de fisioterapia. – Indagou a enfermeira.
- Ah não precisa Juliana, eu mesma faço isso. – Retrucou Marisa.
Contive meu riso com o tom de propriedade que Marisa usou, sem contar a mão envolta em meu ombro enquanto se dirigia a enfermeira, constrangida Juliana saiu da sala, e brinquei com minha namorada:
- Vou cobrar a massagem heim...
- Você nem invente de aceitar massagenzinha dessa daí viu!
- Ah amor, enfermeira sabe cuidar né...
- Alexandra Castro! Não faça graça comigo!
Marisa levantou o dedo, franziu a testa irritada.
- Deixa de ser boba! Só quero sua massagem meu amor... Minha doutora, mas falei sério, vou cobrar mesmo minha massagem...
Segurei-a pela cintura roubando um beijo, e logo fui reprimida por ela:
- Alex! Aqui não!
- Então, ou você me tira daqui para fazermos amor até minha mão recuperar minha força e habilidade ou eu vou aceitar a massagem de uma certa enfermeira gata...
Marisa apertou os olhos e sem demora arrastou-me pela mão até seu consultório, no final do corredor, fechou a porta rapidamente, e apertou-me contra a parede beijando –me faminta, sedenta. Sugou minha língua, mordeu meus lábios segurando-me pela nuca, com voracidade desceu uma de suas mãos até minha cintura desabotoando minha calça, a mão posicionada na minha nuca agora puxavam meus cabelos para trás expondo à sua boca meu pescoço. Nem um pouco preocupada com as marcas que deixaria no meu corpo, Marisa me apertava, mordia, chupava meu pescoço, e logo expôs meus seios pelo decote da blusa de alças, ofereci-os à sua língua quente, e Marisa aceitou-os, lambendo-os com desejo, despertando meus gemidos.
Excitada, sentindo a umidade da minha calcinha, Marisa pediu espaço entre minhas pernas com suas coxas. Posicionou sua mão dentro de minha calcinha, movimentando seus dedos lentamente, massageando meu clitóris. Invadida, banhada pelo tesão que o corpo de Marisa junto ao meu provocava, sussurrei ofegante:
- Vai amor me come...
- Então dá gostoso pra mim meu amor, mexe pra mim...
Obedeci, mexi meus quadris, enquanto Marisa rotacionava seus dedos que se deslizavam pelo líquido que extravasava pelo meu sexo. Penetrou-me com força, usando sua coxa entre minhas pernas para aumentar a intensidade dos movimentos de vai e vem dentro de mim, levando-me ao ápice. Não consegui conter o gemido alto, Marisa calou minha boca com um beijo molhado, emendando uma nova onda de prazer.
Eu queria aquele corpo, a despi com urgência, empurrei-a até a maca, entendendo o que eu queria, não se fez de rogada e disse baixinho:
- Estou pronta para você, quero sua língua aqui dentro de mim meu amor...
Sorri com malícia passando minha língua pelos meus lábios. Marisa subiu na maca, abriu suas pernas, e usou-as para puxar-me pela cintura. Encaixei-me entre suas coxas e beijei-a com volúpia, percorrendo sua pele eriçada com minhas mãos, senti sua respiração acelerada e quente, conhecendo seu corpo como já conhecia, imaginei que seu sexo já estava encharcado enchendo-me de desejo por sugá-lo.
- Vem amor... Meu sexo está com saudade de você aqui dentro de mim...
Marisa disse segurando minha cabeça com força. Desci minha boca entre suas pernas, e deslizei minha língua por toda extensão do seu sexo pulsante e molhado. Movimentei-a suavemente na altura do seu clitóris excitando-me ainda mais com os gemidos de Marisa, penetrei então dois dedos junto com os movimentos de minha língua que se intensificaram levando minha namorada ao gozo.
Abracei-a e disse junto ao seu ouvido:
- Eu também estava com saudade do seu gosto, do seu gozo em minha boca meu amor.
Todos os dias entre nós foram assim, se não fosse a tensão pela presença constante dos seguranças e da mal-humorada da Larissa, seriam dias perfeitos. Meu pai ligou preocupado quando mandei SMS avisando que não estava em casa, pois me recuperava de uma cirurgia, minha mãe permanecia na postura: “não tenho mais filha, mas quero notícias dela”.
Em uma das noites que namorávamos na varanda, o assunto que nos atormentava veio à tona depois que contei a Marisa sobre o telefonema do papai.
- Alex, eu sinto tanta falta do meu pai... E sabe o pior disso? Não sei se vou vê-lo mais uma vez, e não tenho nem a lembrança da imagem dele... Minhas memórias dele são desfocadas, sem um rosto muito bem definido.
- Meu amor, ele está vivo, e vocês vão se reencontrar... Acredite nisso.
- E se eu acreditar e me decepcionar? Alex, eu era uma criança só quando meu pai foi embora para Honduras, para ser segurança do embaixador Alcides.
- E você nunca mais o viu?
- Uma vez, nas férias dele, ele tirava férias junto com as do embaixador, que não era só o chefe dele. Meu pai o considerava exemplo de grande homem, pacifista, estrategista... Não se cansava de contar sobre suas atitudes inteligentes para proteger civis e enfraquecer os guerrilheiros... Repetia seus discursos empolgado, tanto que aprendemos a admirá-lo também.
- E depois ele não voltou mais?
- Os conflitos se acirraram em Honduras, houve golpe de estado, meu pai não queria deixar o embaixador, achava que a situação se resolveria logo, por que o embaixador estava mediando o conflito entre militares que governavam e líderes civis da guerrilha.
- Mas isso não aconteceu não é?
- Não, os guerrilheiros começaram a ser financiados por traficantes de drogas e armas, e a eles não interessava a paz. Foi então que o conselho de segurança da ONU ativou a INTERPOL para investigar isso.
- E o que o embaixador fez?
- Ele era o representante do conselho da ONU, e um agente, conseguiu entregar ao embaixador, antes de sua morte, documentos que provavam o tráfico, fotos, gravações que incriminavam líderes da guerrilha, e comprovavam até sua ligação com as FARC.
- E com essas provas, o embaixador não conseguiu fazer a denúncia?
- A casa da embaixada sofreu um atentado, conseguiram destruir os documentos, apenas o filme das fotos que tem as imagens do então líder da guerrilha, que hoje é o principal candidato à presidência de Honduras, foi salvo.
- É o filme que você tem?
- É... Meu pai o guardava a pedido do embaixador. Ele enviou para minha mãe, temendo novo atentado, como houve.
- Mas... Por que eles seqüestraram seu pai? Eles sabiam disso?
- Esse é o grande problema de até hoje a INTERPOL não ter feito o resgate de meu pai. Houve suspeitas acerca da lealdade de meu pai ao embaixador. Ninguém sabia que o Dr. Alcides iria sair de Honduras naquela noite. Ele e sua família voltariam para o Brasil em um avião da força aérea brasileira, e só membros do alto escalão do ministério das relações exteriores e meu pai sabia disso. E mesmo assim, essa informação vazou e a guerrilha preparou uma emboscada.
- Então suspeitaram primeiro de seu pai.
- É... Mas meu pai não era um traidor Alex!
- Eu sei meu amor...
- Meu pai sobreviveu à emboscada, eles levaram-no para torturá-lo, sabiam que o embaixador havia lhe entregado o filme, torturam-no, mas meu pai nada revelou, entretanto, eles descobriram pelo contato no ministério nosso endereço e começaram a usar isso para torturar meu pai.
- E aí seu pai revelou que tinha o filme...
- Era a moeda de troca, que garantia a vida dele e a nossa.
- E o que aconteceu? A INTERPOL ainda suspeitava de seu pai?
- Sim, e pressionaram minha mãe, que nada falou sobre a encomenda que recebeu de meu pai. Minha mãe morreu sem saber o conteúdo do pacote que recebeu de meu pai, por orientação dele, na carta que veio junto.
- E seu pai sabe que você está viva?
- Não... Depois que minha família foi assassinada...
Marisa fez uma pausa, os olhos marejaram, a voz embargou, segurei suas mãos trêmulas, ela respirou fundo e continuou:
- A polícia federal encontrou minha avó, que me acolheu, em pouco tempo adoeceu, mas as denúncias que ela fez chamaram a atenção, pena que não deram muito crédito... As investigações da INTERPOL concluíram que meu pai não poderia ser o traidor, uma vez que o vazamento de informações persistia.
- Então, você passou a ser protegida pela polícia.
- E a polícia começou a mediar as negociações... E minha vida continuou o inferno de me esconder, mudar de identidade, quando entrei na faculdade, perdi minha avó, e fiquei sozinha, sem poder manter vínculos em nenhum lugar. Até minha faculdade eu transferi três vezes...
- E por que tanto tempo para realizar essa negociação?
- Primeiro garantir a segurança de meu pai. Durante os últimos cinco anos conseguimos manter contato com a organização e com meu pai. Mas era preciso descobrir quem passava informações do ministério das relações exteriores e da INTERPOL, para assegurar essas negociações.
- E descobriram?
- Sim... E aí as coisas pioraram, por que se trata de um amigo pessoal do embaixador Alcides, de total confiança, e hoje está ocupando o cargo que era dele em Honduras, e está apoiando Heitor Cirillo, o líder da guerrilha, responsável por tudo de mal que aconteceu à minha família...
- Meu Deus que história Mah...
- Desejei tantas vezes ter morrido junto com minha mãe e meu irmão...
- Mah!
- Alex você não imagina o que passei, eu era uma criança, demorei a entender por que minha mãe me entregou aquele maldito pacote, pedindo que eu nunca o entregasse a ninguém, só a meu pai. Ela logo desconfiou que essa pessoa de confiança do embaixador estivesse envolvido, por que só ele sabia de nosso endereço na época, estava indo ao nosso encontro, quando nossa casa foi incendiada, o Léo ficou preso em um móvel que caiu, e minha mãe ficou para ajudá-lo, e mandou que eu fugisse e procurasse o investigador Nunes, da polícia federal.
- E ele achou sua avó...
- Sim, e comunicou a INTERPOL o acontecido, ainda acreditavam que meu pai era o traidor, depois da confusão que minha avó armou com a imprensa, ficamos sob proteção...
- E começou a troca de identidade.
- É, tentei levar uma vida normal, eu estudava dia e noite, para passar no vestibular para medicina, e consegui.
- E por que essas transferências?
- A organização sempre descobria meus endereços... Minha identidade, então depois de duas tentativas de assassinato, nas quais um dos policiais que me protegiam morreu, quando concluí minha residência, a Larissa passou a se responsável pela minha proteção, e só ela e duas pessoas da equipe dela conhecem minha identidade e meu endereço, e foi ela que escolheu Nova Esperança, na época fiz o concurso do hospital universitário, e quando estava trabalhando, fui convidada para ministrar aulas, e está sendo o período mais tranqüilo.
- Meu amor, sabendo disso agora, sinto-me tão culpada em ter colocado tanta coisa em risco com minha curiosidade...
- Isso está acabando meu amor... E conhecer você, descobrir o amor com você me fez querer mais do que nunca, construir uma vida, uma família, e para que isso aconteça, eu tenho que resolver esse assunto de uma vez por todas.
Emocionei-me com o sentimento e as palavras sinceras de Marisa, seu olhar carregado de esperança e confiança sobre nosso futuro, misturado a sensação de alívio por me revelar toda sua história, abracei-a com força, como se a intensidade do meu abraço pudesse transmitir a certeza que eu tinha que faria tudo para dar a ela a família que ela queria, a felicidade que ela merecia. Beijei-a enxugando suas lágrimas, e Marisa acomodou sua cabeça no meu peito, respirando aliviada:
- Sinto-me tão leve agora que te contei tudo...
- Que bom meu amor...
Segurei sua cabeça com as duas mãos, olhei fixamente para seus olhos e disse:
- Saiba de uma coisa muito importante Mah: você nunca mais estará sozinha, estarei ao seu lado em todo momento, vou enfrentar tudo com você, nada mais me importa que não seja te fazer feliz.
Beijei-a tenramente, e levei-a para nosso quarto, naquela noite nos amamos de uma forma inédita, apesar da paixão intensa, não tivemos pressa, beijei todo corpo de Marisa depois de despi-la devagar, desde seus pés até sua nuca. Usei meu corpo nu e quente para massagear suas costas, roçando meu queixo e lábios por sua pele arrepiada. Deslizei minhas mãos banhadas com óleo perfumado, entre suas pernas, bumbum, sentindo a excitação daquele corpo que agora não tinha mais segredos para mim assim como sua alma estava entregue em minhas mãos.
Marisa permaneceu de costas enquanto minhas mãos entre suas pernas buscavam espaço, delicadamente posicionei uma de minhas mãos por baixo da sua cintura, e sentindo seu sexo completamente encharcado, introduzi meus dedos movimentando-os lentamente, mas de maneira intensa. Introduzi o polegar no ânus de minha namorada permanecendo com dois dedos no seu sexo, sentindo os espasmos do corpo dela anunciarem o orgasmo inevitável.
Sabendo de toda história da vida de Marisa, ou Lisa, sentia entre nós a cumplicidade se acentuar, e a certeza que a queria do meu lado para sempre só crescia, ela era o amor da minha vida. Olhando-a dormir eu viajei em planos para nossa vida juntas, dar o meu melhor para ela, do meu tempo, dos meus sentimentos, dos meus sonhos, do meu corpo, da minha alma.
Aos poucos voltei à minha rotina, mas com os cuidados devidos, e sob vigilância dos agentes da INTERPOL. Nosso aparente sossego chegou ao fim, quando Dan apareceu no jornal me trazendo as novidades:
- Sardenta! Meu Rick Martin voltou!
Não consegui disfarçar minha cara de pavor ao ouvir isso.
- Quando?
- Nossa que cara é essa Alex?
- Dan, quando ele voltou?
- Ai não sei, ele me ligou de manhã, avisando que estava na cidade, e avisando que queria me ver... Hoje a noite promete... Finalmente vou conferir aquele HOMBRE!
- Não Dandan!
- Como assim não?
- Dan, esse homem... Não senti coisa boa quando o conheci, acredite em mim ele é perigoso.
- Ui! Adoro perigo!
- Dan, estou falando sério... Você não acha estranho ele voltar para cá? Não tem mais jornalistas de fora na cidade...
- Ai amiga, voltou por minha causa!
- Dan pelo amor de Deus! Acorda! Você pelo menos investigou se as informações que ele deu sobre a tal revista que ele trabalha existe mesmo?
- Ai Alex, quem é chegada em investigar a vida dos outros é você... Mas por que você está tão tensa com o Hernane? Antes dele ir embora você pediu que eu me afastasse dele e que não falasse nada sobre você e Marisa pra ele...
- E o pedido é o mesmo... Por favor, amigo acredite em mim, faz o que estou te pedindo...
- Alex, nunca te vi assim tão angustiada, amiga o que está acontecendo? Algo relacionado com aquela sua investigação sobre o passado de Marisa e aquela história policial do assassinato do embaixador?
- Dan, só confie em mim...
- Alex, eu não posso simplesmente confiar em você nessa paranóia...
- Dan, eu não pediria se não houvessem motivos reais para esse cuidado.
- Você está começando a me assustar mona!
- Ele é um homem perigoso, não é quem diz ser, investigue, e você descobrirá fácil as mentiras nessa história dele.
- Você está sabendo alguma coisa que não sei? Fala Alex!
Respirei fundo, pensando no que falar para convencê-lo a se afastar do tal Hernane sem ter que envolvê-lo mais no risco que ele já estava exposto, e principalmente não piorar a minha situação e a de Marisa.
- Dan, ele está só te usando! Ele não é gay!
- Como você sabe? Por que você está dizendo isso?
- Por que ele me cantou enquanto você conversava com os meninos na mesa... Disse que só se aproximou de você para chegar a mim... Por isso saí do Chica’s nas pressas naquela noite.
- Oh meu Deus, foi isso?
- É, ele se informou na cidade a meu respeito, ele queria os direitos da reportagem para vendê-la no exterior, e alguém da secretaria de cultura que até podemos supor de quem se trata, comentou com ele sobre nossa amizade...
- Berta!
- Pois é... Aí se aproximou de você... Enfim, lá no Chica’s deu em cima de mim descaradamente, até passou a mão na minha perna por baixo da mesa você não percebeu como saí rápido de lá e fui para o bar?
- Pensei que era por que você não tinha gostado dele, ou sei lá queria ficar com Juliana.
- Não... Foi por esse motivo...
- Você devia ter me dito sardenta!
- Ah teve o acidente, e pedi que você se afastasse dele lembra? Logo depois ele foi embora então não vi necessidade de contar.
- Mas por que você disse que ele é perigoso?
- Ah Dan, um cara que arma tudo assim para conseguir o que quer, você imagina o que ele não é capaz por dinheiro né... Ele é um mercenário, ninguém o conhece no meio jornalístico, exceto quem compra reportagens escusas...
- Como a gente se engana com as pessoas... Eu heim... Que desperdício um homem daqueles...
Depois de minha atuação, confesso que eu me daria um Oscar. Percebi o quanto minhas habilidades de escritora estavam me ajudando a criar estórias fantásticas me tornando uma excelente mentirosa. Daniel saiu convencido de não permitir a aproximação de Hernane assim como nada falaria sobre minha vida, e nem em Marisa, fiz com que ele jurasse sobre pelo poder do arco-íris que sua boca seria um zíper fechado (colorido e com glíter é claro) para qualquer informação a nosso respeito.
CAPÍTULO 17: PESADELO COMEÇANDO
Os dias tumultuados e nervosos se aproximavam, a presença de Joaquim Vasquez na cidade deixou não só eu e Marisa mais tensas, como também os agentes que faziam nossa proteção. Qualquer mudança em nossa expressão já era motivo para eles posicionarem a mão na cintura à procura de suas armas.
A tensão deu lugar ao pavor quando meu celular tocou na noite de dois dias depois da minha conversa com Dan. Era Diego, ex-namorado de Daniel, preocupado, Rosa, empregada de Dan o ligou, relatando que seu patrão não aparecia em casa há dois dias, fato inédito para ela.
- Di, calma, como assim não aparece em casa? E na secretaria ele foi?
- Não Alex, os celulares dele estão desligados, isso nunca aconteceu... Você sabe como ele é psicótico com celular. Estou muito preocupado Alex, o Daniel nunca fez isso... Os pais dele estão apavorados, avisaram a polícia, fizemos busca nos hospitais da região, nesse momento um irmão dele está no IML da cidade vizinha...
- Meu Deus... Calma Diego, onde você está?
- Estou na casa dele, ainda tinha as chaves, entrei para procurar algum sinal de onde ele pudesse ter ido, sei lá...
- O carro dele, está aí?
- Não... Alex, quando você falou com ele a última vez?
- Há dois dias, ele foi no jornal e...
Pensei duas vezes e achei melhor não dizer a Diego sobre o conteúdo de nossa última conversa, dei uma desculpa qualquer a fim de contatar Larissa e ela entrar nas buscas, sabendo o risco que nos cercava.
Larissa não demorou a aparecer com notícias na casa de Marisa, onde eu esperava angustiada:
- Encontramos o carro dele abandonado em uma estrada carroçal, perto de um sítio. Testemunhas das redondezas referiram que viu Daniel acompanhado de outro homem, e entraram em outro carro e seguiram para a BR.
- Meu Deus...
Levei as mãos à minha cabeça experimentando uma culpa dolorosa por ter envolvido inocentemente meu amigo nessa perigosa investigação.
- Larissa vocês precisavam fazer alguma coisa, esse Joaquim Vasquez procurou o Dan, eu tentei convencê-lo sobre não permitir a aproximação dele, inventei uma estória, enfim... Mas ele está correndo risco...
- Ah! Agora você é que está me dizendo que um inocente está correndo risco? Você devia ter pensado nisso antes de se intrometer onde não foi chamada!
- Ei! Eu não sabia que existia toda essa máfia envolvida, eu só estava curiosa a respeito da mulher pela qual eu estava apaixonada.
- Ah claro, não tem nada haver com o fato de você ser uma jornalistazinha querendo aparecer com uma grande reportagem não é?
- Claro que não!
- Ah garota você não me engana não...
- Qual o seu problema comigo heim Larissa?
O clima tenso estava instalado, a agente certamente estava se aproveitando da ausência de Marisa que estava em cirurgia, e nada sabia sobre os acontecimentos recentes, para desabafar suas impressões sobre mim.
- Meu problema é só um: manter Lisa em segurança e desde que você entrou na vida dela ela esteve mais exposta a perigos do que nunca!
Larissa estava visivelmente nervosa, e deixou evidente sua desaprovação acerca de minha relação com Lisa, desconfiei que existia algo mais do que preocupação profissional naquelas palavras e vi a oportunidade de sondar minhas suspeitas:
- Ela está mais protegida pelo meu amor, está mais segura do que quer pra vida dela, e não mais se esconder, não construir nada na sua própria vida, é disso que você fala em estar exposta a perigos? É isso que te incomoda?
- Do que você está falando? Os perigos são reais, de vida ou morte. Em que mundo você vive Alice?
- Estou falando de sua hostilidade comigo... Isso é muito estranho... A forma como você olha para Marisa e como você fala dela. Você a ama não é?
Larissa empalideceu, apertou os olhos, balançou a cabeça e murmurou:
- Você é muito mais tonta do que eu pensava...
- Vou te dizer que a tonta aqui é mais esperta do que você supõe. Sempre desconfiei de seus reais sentimentos por minha namorada, e agora está tudo claro.
- Escuta aqui garota: você não sabe nada da minha vida, entrou da vida de Lisa a pouquíssimo tempo, não esteve com ela em momentos críticos como eu estive, você é incapaz de entender o elo que existe entre nós.
- E mesmo assim, foi por mim que ela se apaixonou, não por você.
Meu comentário despertou a fúria de Larissa que cerrou os lábios como se engolisse um xingamento, e deixou que escapasse:
- Se você não tivesse aparecido e se intrometido, estaríamos juntas agora e ela estaria mais segura, e seu amigo Daniel também.
Em uma frase Larissa me desconcertou completamente, despertou a suspeita de que houve mais do que Marisa me revelou sobre a relação das duas e me trouxe de volta à preocupação com o Dan.
- Seja lá o que tenha acontecido entre vocês duas, agora não existe mais nada, Marisa será minha mulher, e para sempre. E sobre meu amigo Daniel, cumpra sua obrigação de policial, ele está em perigo e não tem que pagar pelos meus erros.
Nesse momento ouvi o barulho do carro de Marisa se aproximando do portão, e saí para recebê-la, mesmo com a pulga atrás da orelha depois da revelação de Larissa, era os braços dela que eu precisava para me confortar do medo e culpa que se misturavam em mim.
Marisa me abraçou forte estranhando meu estado nervoso perguntou:
- Meu amor o que houve? Você está tremendo...
Marisa colocou as mãos no meu rosto, acariciou e perguntou:
- Por que você está assim? Havia inúmeras chamadas suas no meu celular...
- Amor, eles pegaram o Dan...
- Como assim pegaram? Quem pegou?
- Eles Mah... O Daniel está sumido há dois dias, encontraram o carro dele abandonado na zona rural, e ele foi visto com outro homem entrando em outro carro...
- Amor, calma. Pode ser um novo affair...
- Não Mah! O Dan não faria isso, não seria tão irresponsável, os celulares desligados... O tal Joaquim Vasquez voltou, sabe lá o que ele está fazendo com meu amigo...
Não contive o choro desabafando minha angústia com Marisa, que me consolou com carinho:
- Ei, calma meu amor... Você já avisou a Larissa?
- Sim, ela está lá dentro... Espezinhando, como se não bastasse minha culpa me corroendo.
- Nossa... Vou falar com ela...
O tom íntimo de Marisa referindo certa cumplicidade com a agente me incomodou profundamente, trouxe à tona as revelações de minutos atrás. A expressão do meu rosto mudou, Marisa me pegou pela mão e entramos juntas em casa, onde Larissa conversava ao telefone provavelmente com outros policiais.
- “Não, a polícia daqui ainda não tem nenhuma pista, quero uma varredura na área, o Daniel pode estar sendo torturado por Joaquim Vasquez, que certamente não está sozinho, a prisão dele pode nos ajudar muito nas negociações com a organização, estamos entendidos?”
Larissa desligou o telefone com expressão tensa, se eu não a odiasse tanto naquele momento, até diria que toda aquela autoridade lhe dava uma sensualidade peculiar, mas não, eu não vou assumir isso...
- Larissa, alguma novidade sobre o desaparecimento do Daniel? – Perguntou Marisa.
- Por enquanto não. Mas eles não podem estar longe de onde o carro do Daniel foi encontrado, para eles não é interessante se afastar das pistas que o Daniel pode dar. Minha equipe está fazendo buscas, estou indo ao encontro deles.
- Espera Lari, quero conversar com você antes de você ir embora.
Como assim Lari? Eu estava mesmo ouvindo direito? Marisa chamou a morena fatal de Lari? Levantei a sombracelha surpresa com o apelido íntimo, inédito para mim e para completar minha irritação, as duas não conversaram na minha frente, saíram para a varanda lateral da casa, deixando-me de bico, braços cruzados, qual criança contrariada.
Meu primeiro impulso foi de sentar emburrada no sofá, mas a velha curiosidade falou mais alto, sorrateiramente me aproximei da porta, escondendo-me entre as cortinas a fim de ouvir o que elas conversavam:
- Lisa, tudo isso que está acontecendo eu previ, lembra? Eles tentaram pegar a Alex, houve o acidente, agora raptaram o amigo dela, que também tem informações a respeito da investigação, afinal foi ele que as conseguiu no ministério das relações exteriores... Eles estão chegando cada vez mais perto, e nesse momento qualquer coisa que atrapalhe as negociações pode implicar na sua vida e na vida do seu pai.
- Lari, a Alex não teve a menor intenção de provocar isso, ela não sabia da dimensão dessa busca de informações a meu respeito. Por favor, não persista atribuindo culpas a ela, isso está machucando-a...
- Ah Lisa, poupe-me! Não venha tentar interferir no meu trabalho. Meu dever é proteger você, e só por isso estou protegendo essa tonta que você escolheu como namorada, não venha me dizer como devo agir. Continuo achando um risco a presença dela na sua vida, e agora você quer que eu meça minhas palavras com ela?
- Larissa, toda essa antipatia, hostilidade com Alex, não tem nenhum outro motivo que não seja sua preocupação com minha segurança não é?
- Ai Lisa, o que está passando por essa cabeça heim?
- Não sei... As vezes tenho a impressão que você hostiliza Alex por motivos pessoais...
- Lisa você acha que eu ainda sinto alguma coisa por você não é? Se acha isso, esqueça, você está enganada, o que houve entre nós foi sexo casual, foi bom, mas não podia ter futuro, isso atrapalharia meu trabalho, qualquer envolvimento seria um risco a mais.
- Você sempre repetiu isso, que eu não poderia me envolver com ninguém, mesmo sabendo que estávamos nos apaixonando...
-Eu não quis te expor, por isso não continuamos nossa história. Mas, você não fez o mesmo por sua própria proteção... Envolveu-se com essa menina, ela te investigou, atraiu os criminosos até aqui, colocando em risco meu trabalho, sua vida, e a vida de outras pessoas, agora temos que proteger você, ela e ainda mais esse amigo dela...
- Larissa, eu sei que as coisas se complicaram, mas ao menos precipitaram uma ação que espero há anos. Eu não me envolvi por acaso com Alex, ela é a mulher da minha vida... É esse amor que sinto por ela que me encorajou a lutar por uma vida diferente, me fez acreditar que posso ser feliz.
- Mas eu também posso te fazer feliz!
A exclamação de Larissa me desestruturou. Ela estava se declarando para minha namorada! Contive-me para não fazer barulho, mas não consegui me segurar, saí das cortinas e apareci na porta da varanda, vendo Larissa segurando Marisa pelos dois braços, com seus lábios quase colados. Se houve um beijo antes daquele gesto não podia saber, mas a cena foi suficiente para me deixar transtornada.
- O que está acontecendo aqui?! – Falei sobressaltada.
Marisa se desvencilhou das mãos da agente e se aproximou de mim explicando-se nervosa:
- Calma amor, não aconteceu nada, a Larissa está nervosa apenas.
- Nervosa? Ela estava te agarrando Marisa!
- Não amor...
Enquanto eu discutia com Marisa, meus olhos marejaram, num misto de ódio pela agente com o medo de estar sendo enganada pela mulher que eu amava. Larissa, ajeitou os cabelos, passou a mão nos lábios que logo me fizeram concluir que ela havia mesmo beijado Marisa antes de minha aparição.
- Você mentiu pra mim Marisa! Você disse que só existia uma relação profissional entre vocês, nada mais do que isso! Você tão cheia de moral comigo, me acusando de te esconder coisas, me chamando de mentirosa...
- Meu amor, me escuta, não há mais nada entre nós mesmo, não menti, aconteceu no passado, se acalme, por favor.
Enquanto eu andava de um lado para outro, Larissa saiu apressada, tomada de raiva e ciúme segurei seu braço e com os olhos faiscando de fúria eu disse:
- Você não vai conseguir o que quer sua dissimulada!
Larissa manifestando seu desagrado ao meu gesto se desvencilhou da minha mão com violência, dizendo com os dentes trincados:
- Larga meu braço sua desequilibrada! Tenho mais o que fazer do que aturar seus chiliques, por exemplo: consertar suas burradas.
Deixou a varanda pisando firme, fumaçando, enquanto Marisa se aproximava de mim devagar:
- Alex eu...
Não deixei Marisa falar, fiz um sinal com a mão impedindo que ela se aproximasse mais:
- Não Marisa, agora não! Quero ficar sozinha.
- Mas meu amor...
- Já disse Marisa, agora não!
Eu estava nervosa, tensa, culpada pelo que podia ter acontecido ao meu amigo, a conversa com Larissa e o que ouvi entre ela e minha namorada só pioraram meu estado, eu precisava digerir aquelas novas informações, estava agora atordoada, fiquei na varanda perdida com meus pensamentos, Marisa fez o que eu pedia, me deixou sozinha.
Senti-me enganada, feita de idiota quando me lembrei da vez que Larissa abriu a porta da casa de Larissa e eu estava com aquela cesta de delicatess para ela. Estariam juntas na noite anterior? E todo o discurso de Marisa me falando que garantia que nada existia entre elas, o que mais Marisa me escondia?
A noite chegou e eu continuava ali na varanda, deitada na rede, tentando concatenar minhas hipóteses com minhas próximas atitudes com Marisa e com a policial abusada. A preocupação com Dan e a falta de notícias aumentavam minha angústia. O frio da noite começou a me incomodar, quando ouvi passos se aproximando, Marisa trazia um cobertor e uma xícara:
- Trouxe chocolate quente, e esse cobertor, está frio aqui fora.
Sentei-me, aceitando o que ela trazia, visivelmente tensa, com um olhar preocupado, Marisa me olhou como se esperasse alguma palavra conclusiva depois de horas de reflexão solitária. Eu ainda não sabia o que fazer, nem ao menos sabia se eu desejava saber detalhes da relação dela com Larissa, por isso nada falei. Marisa fez menção de deixar-me mais uma vez sozinha, quando parou diante de mim e desabafou:
- Alex fala comigo, briga comigo, me bate, faça qualquer coisa, mas me tire dessa angústia silenciosa pelo amor de Deus!
O olhar ansioso da mulher que eu amava me sensibilizou. Levantei-me coloquei as mãos entre meus cabelos, como se quisesse arrancar da minha cabeça alguma idéia sobre o que falar com Marisa.
- Marisa, eu estou tão decepcionada com você... Toda minha insegurança quando a vi cercando você, sua casa, você me disse que não havia nada entre vocês... Estou me sentindo uma idiota, essa mulher me maltrata, me hostiliza e agora ela está deixando claro as reais intenções dela com você...
- Meu amor, escute-me, eu não te enganei, de fato, quando conheci você eu não tinha nada com ela, aconteceu sim, mas já faz tempo, há mais de dois anos.
- Pelo que ouvi não foi só uma aventura não é?
- Foi forte sim. Estávamos muito próximas, eu estava traumatizada, o antigo agente que fazia minha proteção foi assassinado me protegendo, eu fui obrigada mais uma vez a trocar de identidade, mudar de cidade, além de tudo, descobrindo minha atração por mulheres...
- Ela foi sua primeira?
- Não... Conheci as meninas na faculdade ainda. Mas nunca me envolvi, nunca me permiti isso, sabia que na minha vida não havia espaço para relacionamentos, Larissa foi a primeira que... Eu desejei ter algo mais.
- Você se apaixonou por ela não é? Eu ouvi isso.
- Acho que sim... E acho que ela também, foi quando ela decidiu terminar tudo, alegando falta de ética, de profissionalismo, enfim, depois disso, nunca mais ficamos, apesar de muitas vezes ela ter fugido de mim.
Aquelas revelações de Marisa me fez até não exigir tanta honestidade dela, doía de uma forma insana imaginar a mulher que eu amava apaixonada por outra que não fosse eu, realizar cenas das duas em minha mente fértil me sufocava.
- Não sei o que você ouviu Alex, mas se você ouviu toda a conversa, deve ter ouvido também o que disse sobre o quanto você mudou minha vida, sobre o quanto eu te amo.
Eu tentava conter minhas lágrimas angustiadas, dei as costas à Marisa, mas senti-a envolver-me em seus braços pela minha cintura, a respiração dela perto do meu pescoço, e o cheiro suave dela que o vento frio trazia me desarmou.
- É você que está no meu presente meu amor... E é você que quero para meu futuro.
Marisa sussurrava despertando arrepios pelo meu corpo.
- Não deixa que ninguém, nada mais nos separe meu amor... Precisamos ficar juntas, agora mais do que nunca.
No fundo, Marisa tinha razão, eu não tinha mesmo a menor intenção de protelar aquele mal-estar com ela, primeiro por que a amava, segundo, por que não daria o gosto a Larissa de deixar o caminho livre para ela.
- Marisa... Eu...
- Não fala mais nada meu amor...
Marisa virou-me, encaixando seu corpo no meu, invadindo minha boca com sua língua, me rendi, ela sabia como me dominar, e o pior, ou o melhor, eu adora ser dominada por aquele corpo.
Correspondi ao beijo na mesma intensidade, sugando os lábios quentes de Marisa, mordisquei-os, posicionei minhas mãos na sua nuca, prendendo meus dedos entre seus cabelos como se quisesse tomar posse, mostrar o quanto eu queria que ela fosse só minha. Com minha respiração ofegante, falei ao seu ouvido:
- Você é minha... Só minha...
- Sim meu amor, só sua... Quero ser sua mulher pra sempre.
Marisa sussurrou, e quando o calor dos nossos corpos aquecia a varanda fria, anunciando a entrega à paixão, fomos interrompidas pela campainha do celular de Marisa, era Larissa. Meu impulso foi de lançar o aparelho ao chão, mas, supus que poderia ser alguma notícia do Dan, balançando a cabeça positivamente, meio que autorizei a atender.
- Oi Larissa. Como? Ai meu Deus... Estamos indo agora, peça para avisar a Dra. Elaine, para que ela atenda.
Angustiada mal esperei Marisa desligar e já perguntei ansiosa:
- O que houve Marisa, notícias do Dan?
- Infelizmente as notícias não são boas meu amor. A INTERPOL localizou o cativeiro, prendeu três membros da organização, mas o Dan, já estava inconsciente... E continua assim.
- Mas ele está vivo? – Perguntei desesperada.
- Sim... Mas o estado dele é muito grave.
No hospital, Marisa apressou-se em saber notícias mais precisas sobre o estado de Daniel, que estava sendo assistido por Elaine. Quando me deparei no corredor com Larissa, minha vontade era arrastá-la pelos cabelos até uma sala qualquer e rasgar aquela cara de ar superior, com um bisturi. Obviamente meus impulsos violentos não se concretizariam até por uma questão de minha segurança, com as habilidades policiais daquela morena, em dois tempos eu estaria rendida e algemada por ela.
O melhor era mesmo tentar ignorar a presença dela, mas, confesso que foi algo quase impossível, percebi que ela não largava o celular, agitada, confabulava com outros agentes, exibindo sua autoridade sobre eles. Qualquer gesto dela agora tinha o poder de me irritar, tentei me concentrar na prioridade que naquele momento era meu amigo Daniel.
Depois de quase uma hora, Juliana apareceu no corredor e ao me localizar veio em minha direção apressada:
- Alex...
- Juliana, você tem notícias do Dan?
- Sim... Ele está sendo operado Alex, Dra. Elaine está fazendo a cirurgia, Dra. Marisa está auxiliando.
- Cirurgia?
- Ele está muito machucado, teve hemorragia interna, a cirurgia foi mesmo para descobrir o local da hemorragia e cessá-la, mas ele entrou em choque pela perda de sangue, está muito debilitado Alex.
Juliana colocou a mão no meu ombro, quando notou minha aparência angustiada:
- Vem comigo, tomar uma água, se acalmar um pouco. – Convidou Juliana.
- Obrigada Ju, mas vou ficar aqui, esperando Marisa, além do mais a família do Dan está chegando, quero ficar com eles... Dar uma força...
- A cirurgia pode demorar um pouco ainda, se você precisar, procure-me na minha sala tudo bem?
- Obrigada Ju.
Notei o olhar atento de Larissa na minha conversa com Juliana, mas não me intimidei. A agente se aproximou de mim e disse ríspida:
- Vou para a delegacia, onde os traficantes estão presos, peça a Marisa para me avisar sobre o estado do seu amigo.
Nada falei, sequer olhei para ela o que pareceu irritá-la:
- Você está me ouvindo Alexandra?
Continuei calada, e Larissa prosseguiu:
- Além de tonta é infantil...
Qual criança turrona, dei mostras de que a provocação de Larissa não me atingia, e por muito pouco a agente não iniciou uma série de xingamentos a mim. Quando ela se preparava para dar continuidade a lista de adjetivos direcionadas a minha pessoa, os pais de Daniel chegaram com seu irmão e sua irmã mais nova.
Larissa deixou o hospital bufando, fiquei na companhia da família do Dan, passando as informações que eu tinha sobre o estado de saúde do meu amigo. Mais uma hora transcorreu e finalmente Elaine e Marisa apareceram com o resultado da cirurgia:
- Conseguimos conter a hemorragia, mas o estado do Daniel ainda é grave, está na UTI, preferimos induzir o coma, para poupar esforço respiratório e cardíaco. – Esclareceu Elaine.
- Nós podemos vê-lo? – Perguntou angustiada a mãe de Daniel.
- Um de cada vez, por favor. – Respondeu Elaine.
Saímos do hospital e já era de madrugada. Confesso que só de pirraça não dei recado algum de Larissa à minha namorada, deduzi que acontecendo algo urgente em relação à prisão dos tais membros da organização criminosa ela daria um jeito de avisar. Ainda não estava à vontade com Marisa, ela se esforçava puxando assunto, fazendo carinho nas minhas pernas, no meu rosto, como era costume dela quando dirigia, mas eu não me rendi, apesar de realizar um esforço sobre-humano para controlar os impulsos do meu corpo em se entregar a ela.
Naquela noite, impus a Marisa um castigo, que acabou o sendo para mim também. Sentei-me na escrivaninha, ignorando as insinuações de Marisa, que vestiu a camisola mais sensual, usou os cremes que eu adorava, enquanto eu tentava me concentrar nos novos capítulos do meu livro. Marisa deitou-se, e perguntou:
- Posso apagar a luz meu amor?
- Ahan.
Respondi fingindo indiferença.
- Você não vem dormir?
- Agora não.
- Mas já está tarde amor... Vem pra cama, vem...
- Estou sem sono, vou aproveitar para escrever.
Marisa levantou, andou de um lado para outro, fazendo questão de exibir suas formas nitidamente me provocando, caminhou até a porta que dava acesso a varanda, imprimindo gestos sensuais jogando seus cabelos, desnudando sua nuca, seu perfume se espalhava pelo quarto, aumentando meu esforço para não tomá-la em meus braços imediatamente.
Inconformada com minha passividade depois de tantas provocações, Marisa começou a me cercar mais de perto, abaixou-se encostando seu rosto no meu rosto como se quisesse ler o que eu escrevia. Inevitavelmente, minha pele eriçou, meu coração acelerou, contive minha respiração para que Marisa não percebesse minha excitação se evidenciando.
- Marisa, você não ia dormir?
Afastei meu rosto do dela, baixei a tela do laptop e ela respondeu:
- Também perdi o sono... Não consigo mais dormir sem você do meu lado.
Marisa mordeu os lábios, me encarando cheia de desejo. Desviei o olhar do dela, continuando a encenação: fingir indiferença.
- Ah, consegue sim... Vou para sala então, a luz do notebook está te incomodando não é?
- Não, claro que não... Pode ficar...
Olhei de lado e contive meu riso vendo Marisa se sentar na cama emburrada, deitou-se em seguida afastando o coberto com violência, cruzou os braços e fez bico emburrada. Ligou o abajur e pegou seu livro de cabeceira, mas não demorou muito até entregar-se ao sono.
Preparei para dormir e não resisti àquela imagem. Contemplei a mulher que eu amava, ali, linda, nas suas curvas perfeitas, contrastando a sensualidade com a aparência serena de um descanso merecido. Delicadamente, retirei seus óculos de leitura, guardei o livro que estava caído sobre seu peito, apaguei a luz do abajur e a cobri adequadamente, e como de costume, beijei sua bochecha antes de me deitar ao seu lado, interiormente me deliciando por ter resistido à ela, e ao mesmo tempo, me sentindo uma idiota por rejeitar o corpo que eu mais desejava.
Acordei sozinha na cama, fato que despertou hipóteses sobre estar sofrendo retaliação de minha namorada, e antes que eu entrasse numa crise de insegurança e corresse para os braços de Marisa cessando o tal castigo, a vi entrando, com uma bandeja farta nas mãos, e um sorriso desconcertante nos lábios.
Numa fração de segundos, todo meu esforço em manter Marisa de castigo foi por água abaixo. Retribui ao sorriso dela, enquanto Marisa se aproximava da cama, listando os itens da bandeja farta:
- Coloquei tudo que você gosta meu amor...
Acomodou a bandeja sobre minhas pernas e sentou-se ao meu lado, sem graça perguntou:
- Não mereço nem um beijinho em agradecimento?
Encarei-a e disse com ar de deboche:
- Vamos ver primeiro se tudo está tão bom quanto parece...
Decepcionada Marisa baixou os olhos e eu comecei a provar de tudo um pouco, fingindo que não prestava atenção nas suas reações. Meio que fazendo bico, Marisa disse baixinho:
- Prova do bolo de chocolate, quem sabe te adoça um pouco...
Segurei o riso, a minha birra com Marisa estava tomando proporções de comicidade, ao ver a atitude de menina de castigo de minha namorada.
- Você não vai comer nada Marisa? – Perguntei falando de boca cheia.
- Não.
Começava a me divertir com a situação, enquanto comia, olhava para Marisa de rabo de olho, ela permaneceu quase todo o tempo de cabeça baixa, mexendo no celular:
- Passando mensagem pra alguém?
- Sim, para Elaine, pedindo para avisar sobre o estado do Daniel, o médico da UTI hoje não é lá muito atencioso, como ela está de plantão na urgência, pedi que ela fosse lá assim que pudesse, ela deve estar descansando um pouco, não atendeu quando liguei, vou mandar a mensagem...
- Ah... Acho que vou lá daqui a pouco...
- Mas eu pensei que a gente ia ficar o dia em casa... Aproveitar minha folga...
- Marisa, o Dan está em coma por minha causa... Preciso ficar ao lado dele, da família dele nesse momento...
- Ele é culpado da mesma forma... Mas enfim... Faça o que você achar melhor.
Quando finalmente estava pronta para agarrá-la e tirar aquele bico com muito beijo, o celular dela tocou, para meu desagrado, era Larissa.
-Oi Larissa. Que recado? – Marisa me olhou com ares de censura – Não, não recebi nenhum recado, mas, me diga: o que houve? Conseguiram arrancar alguma nova informação desses bandidos? Sério? Telefone satélite? Conseguiram rastrear? Ok... Conversamos mais tarde então.
- O que houve?
- Já que você vai para o hospital ver o Daniel, vou encontrar com Larissa.
- Vai o quê?
- É, encontrar Larissa. Ela tem algumas informações sobre o local de cativeiro do meu pai. Os bandidos nada revelaram, mas com a prisão, apreenderam um telefone satélite, e rastrearam as ligações recebidas. Daqui a pouco ela receberá a informação precisa acerca da origem das ligações, provavelmente, do quartel da facção.
- Eu vou com você.
- Ah não precisa, vá ver o Daniel, aproveita e mate as saudades da Juliana.
- Marisa! – Exclamei franzindo a testa.
De repente, Marisa virou o jogo. Meu aparente domínio da situação caiu por terra, e agora, o bico era todo meu:
- Faço as duas coisas... Mas nem sob decreto eu deixo você a sós com aquela biscate!
Marisa tentou, mas não conseguiu conter o riso. Levantei-me nervosa, presa aos lençóis, tropecei e se não fosse o hábil reflexo de minha namorada, eu me estrebucharia no chão.
- Opa! De volta ao nosso começo... Salvando você de quedas...
Ficamos de rosto quase colados, e outra vez, dominada, nos braços de Marisa, me entreguei aos lábios quentes de minha namorada em um beijo urgente, necessário. A língua de Marisa explorou meus lábios, sugou-os acendendo meu desejo, especialmente quando Marisa sussurrou ao meu ouvido:
- Dá pra mim...
Senti meu corpo estremecendo... Ora... Como não dar? Era tudo que meu corpo queria, eu estava rendida, meu sexo molhado ansiava pelas mãos de Marisa penetrando-o, meu desejo era domínio dela, o meu amor se encontrava em cada beijo, em cada toque, em cada carícia da minha namorada.
- É tudo seu meu amor...
Marisa me jogou na cama, despiu-se e desfez-se da minha camisola de cetim rapidamente, e mergulhou sua boca nos meus seios túrgidos, a excitação tomando de conta de cada pedaço de minha pele provocava o movimento de minhas pernas se abrindo para o encaixe perfeito dos nossos sexos encharcados.
O despertador do microsystem no quarto pareceu estar sincronizado com nossos pensamentos, enquanto Marisa rebolava seus quadris por cima do meu a música começou a tocar:
Dobro os joelhos
Quando você, me pega
Me amassa, me quebra
Me usa demais...
Perco as rédeas
Quando você
Demora, devora, implora
E sempre por mais...
Eu sou navalha
Cortando na carne
Eu sou a boca
Que a língua invade
Sou o desejo
Maldito e bendito
Profano e covarde...
Desfaça assim de mim
Que eu gosto e desgosto
Me dobro, nem lhe cobro
Rapaz!
Ordene, não peça
Muito me interessa
A sua potência
Seu calibre, seu gás...
Sou o encaixe
O lacre violado
E tantas pernas
Por todos os lados
Eu sou o preço
Cobrado e bem pago
Eu sou
Um pecado capital...
Eu quero é derrapar
Nas curvas do seu corpo
Surpreender seus movimentos
Virar o jogo
Quero beber, o que dele
Escorre pela pele
E nunca mais esfriar
Minha febre...
Eu quero é derrapar
Nas curvas do seu corpo
Surpreender seus movimentos
Virar o jogo
Eu quero é beber, o que dele
Escorre pela pele
E nunca mais esfriar
Minha febre...
(LUXÚRIA – ISABELLA TAVIANI)
Nos lábios de Marisa, um sorriso cheio de malícia, nossos movimentos provocavam a massagem de nossos clitóris, e gradualmente aumentamos a força e velocidade daquela sincronia de movimentos, e assim, ao som da voz sensual de Isabela Taviani, gemendo e suspirando conosco na música, gozamos juntas.
Antes de me refazer, ainda faminta, e ainda sobre mim, Marisa deslizou seus dedos no meu sexo encharcado, vibrante, arrancando um gemido alto, e o arqueamento do meu tronco. Uma de minhas pernas se encaixou entre as duas pernas de Marisa, e assim minha coxa sentia o que escorria do sexo de Marisa, enlouquecendo-me de tesão, enquanto os dedos dela percorriam minha cavidade demonstrando seu domínio absoluto da minha anatomia, minha namorada sabia onde tocar e como tocar, sabia quando devia impor mais força e quando devia colocar mais dedos... Assim, penetrou dois dedos num vai-e-vem frenético, usando o polegar para continuar a massagear meu clitóris, simultaneamente fechou suas pernas entre a minha, que se movimentava a fim de persistir na pressão do seu clitóris.
Mais uma vez chegamos juntas ao orgasmo, mas minha sede ainda não estava satisfeita, queria mais... E como Marisa continuava sobre mim, puxei-a pela cintura, deixando-a com as pernas abertas na altura da minha boca, para assim mergulhar minha língua no seu sexo deliciosamente molhado. Suguei, chupei, lambuzei-me no seu gozo, depois de impor força e ritmo hora deslizando minha língua, hora beijando os pequenos lábios, hora usando meu queixo nos movimentos de vai e vem, segurando-a pelo bumbum, senti suas carnes estremecerem, e o gemido, que agora eram gritos de prazer, ecoar pelo quarto.
Dar prazer àquela mulher era uma das sensações mais plenas que já senti, era quase uma simbiose uma vez que o prazer dela era o meu também.
- Quero você pra sempre Alex...
- Também te quero... Como minha mulher, para sempre meu amor.
Marisa me tinha nas mãos de novo: fato. E eu, a amava como nunca, e não queria mais perder tempo com rusgas infantis. Como combinado, passamos no hospital para saber notícias do Dan que se mantinha estável, mas sem evolução. Passamos na delegacia, onde Larissa e outros agentes que não conhecíamos nos aguardavam.
- Finalmente a doutora resolveu dar as caras... Esperava você há uma hora atrás Lisa.
- Desculpe-me Larissa, tínhamos algumas coisas para resolver... Mas, me diga, descobriu mais alguma coisa?
- Venha comigo, vamos até outra sala para conversarmos melhor.
Sem o menor pudor acompanhei Marisa que seguia Larissa, ao notar minha presença no corredor, a agente olhou com desdém para mim dizendo:
- Não me lembro de ter chamado você.
- É verdade, você não me chamou, mas não precisa se desculpar, entendi o convite.
- Você não se manca não é... Minha conversa é com a Lisa, não com você.
- Você é que não tem simancol queridinha, não há mais conversas particulares entre você e minha namorada, você está me entendendo?
- Escute aqui mocinha...
- Larissa chega! Alex, por favor!
Marisa nos interrompeu, antes que eu e Larissa nos engalfinhássemos.
- Parecem duas crianças! Larissa, o que quer que você vá me dizer, pode ser dito na frente da Alex, não tenho mais segredos com ela. Alex, será que você pode se comportar, por mim, por favor?
Cruzei os braços, balançando os ombros fingindo indiferença, Larissa, apertou os olhos em minha direção furiosa. Entramos em uma pequena sala e lá, a policial deu detalhes das informações que obteve com o rastreamento do telefone satélite, apreendido com os bandidos.
- Como pensamos, seu pai não está em Honduras. Está na Colômbia, sob o poder da FARC, nossa missão vai ser muito mais difícil do que supúnhamos.
- Mas, vocês tem a localização precisa não? – Perguntou ansiosa Marisa.
- Sim, a inteligência descobriu usando satélite dos EUA, nesse momento um diretor da INTERPOL está reunido com generais do exército brasileiro e colombiano para articular a ação conjunta, não podemos agir só com nossos policiais.
- Quando será a ação? – Perguntei.
- Em alguns dias. Precisamos do filme Lisa, é hora de entregá-lo.
- Só entregarei durante a operação.
- Lisa, você está louca se acha que vou permitir que esteja presente na operação! – Larissa falou encarando Marisa.
- Eu vou, quero estar perto, acompanhando tudo, fazer o que meu pai disse, entregar o filme apenas a ele...
- Meu amor... Isso não faz sentido. – Cochichei.
- Não adianta vocês argumentarem, eu vou!
- Lisa, não é hora para isso, teremos mais uma preocupação, que é proteger você, quando deveria ser somente seu pai, por favor, colabore.
- Amor, odeio dizer isso, mas ela está certa.
- Minha mãe me fez prometer, que eu só entregaria ao meu pai...
Marisa se entregou às lágrimas como uma inocente criança, abracei-a e compreendendo seu propósito, como uma promessa sagrada à sua mãe, confortei-a:
- Meu amor, sua mãe não poderia supor a situação que seu pai estava, e um momento como esse. Você era só uma criança, eu sei, entendo sua lealdade ao que você prometeu à sua mãe, mas, agora é hora de salvar a vida do seu pai...
- É Lisa. Precisamos do filme, para ser nossa moeda de negociação, provar que o temos.
- Primeiro quero a garantia que meu pai está vivo.
- Mas por quê? O que você vai fazer com o filme se...
As reticências de Larissa despertaram a tensão de minha namorada que respondeu visivelmente mais sensível:
- Se meu pai estiver morto, eu pessoalmente vou colocar a boca no mundo, vou denunciar esse ditador sanguinário, vou aos jornais, televisão, e vou destruí-lo.
- Ah que beleza de idéia! E acabar como o resto de sua família?
- Larissa!
Minha exclamação parece ter chamado a atenção da agente que percebeu o quanto foi insensível.
- Desculpa Lisa... Eu me excedi, mas você sabe o quanto me preocupo com você...
- Se eu acabar como minha família Larissa, será só uma correção do tempo... Era o que devia ter acontecido, anos atrás.
O tom de Marisa parecia embutir revolta, e a amargura das palavras dela me deixou triste, de repente, a mulher que eu amava apresentou uma face pouco conhecida para mim, ou pelo menos, uma face que eu acreditava ter sido dissipada pelo nosso amor. Larissa emudeceu por alguns segundos, balançou a cabeça negativamente, e disse:
- Se não aconteceu anos atrás, agora sob minha proteção não acontecerá! Vou tentar conseguir provas de que seu pai está vivo, mas se não o conseguir, vou precisar do filme assim mesmo Lisa.
Saímos da delegacia sem falar praticamente nada. Experimentava uma tristeza tão estranha... Senti-me impotente diante do drama, dos fantasmas e marcas que Marisa tinha. Também estava decepcionada, por que acreditava que nosso amor havia mudado a vida dela assim como mudou a minha, e talvez por isso, não tive coragem de cumprir meu papel de apoiar Marisa naquele momento.
Em casa, ela se refugiou na varanda sozinha, vi acender um cigarro, coisa que ela fazia muito raramente, exceto quando estava prestes a perder o controle, como por exemplo, quando discutiu com Juliana em público, e quando pegou a aluna no Chica’s. Esperei alguns minutos para sair do meu egoísmo e perceber o quanto minha namorada precisava de mim, e o quanto eu precisava cuidar dela. Preparei uma dose de vodka para ela, cheguei à varanda, encostei-me perto da rede entregando-a o copo enquanto ela se desfazia da ponta de cigarro.
- Quer sair para jantar amor? – Perguntei.
Marisa sorveu a bebida num gole só e recusou o convite apenas com um gesto.
- Vou preparar algo para nós então... Você deve estar faminta, assim como eu, nem almoçamos...
- Você vai o que?
Marisa franziu a testa como se tivesse ouvido o maior absurdo de todos os tempos. Não me contive e sorri.
- Tudo bem vai... Preparar algo para nós é igual a pegar o telefone e pedir comida no restaurante...
-Ah sim... Vem cá vem...
Marisa estendeu a mão, e deitei na rede com ela, e meio que procurando colo, se recostou nos meus seios, e eu abracei-a forte, afagando seus cabelos e beijando sua cabeça. Em poucos segundos senti na minha mão uma lágrima percorrer o rosto de Marisa, e em pouco tempo, seu rosto estava banhado. Seu choro era silencioso, mal eu ouvia os soluços, mas eu sentia o tamanho do sofrimento envolvido naquele pranto. Abracei-a ainda mais forte, como se quisesse que aquela dor fosse transmitida para mim.
- Força meu amor... Esse pesadelo está acabando... Você não está sozinha, estou com você...
- Estou com medo meu amor... Medo de enfrentar o fato de meu pai estar morto... Medo de ter agido errado todos esses anos ficando calada, me escondendo... Eu mesma devia ter procurado meu pai e negociado essa troca...
- Ei! O que você está dizendo? Seu pai nunca aprovaria uma atitude dessas, além do mais, isso não ia assegurar a vida dele, ao contrário...
Marisa estava inconsolável, aquela mulher forte e segura parecia indefesa em meus braços, protegê-la e amá-la era mais do que imperativo para mim, o sentimento que eu tinha era de que nasci para isso. Abracei-a mais uma vez, beijei sua face e disse:
- Você é minha vida meu amor, não vou deixar que nenhum mal te aconteça, estarei ao seu lado para tudo, fazer você feliz é tudo que eu quero.
Beijei-a, enxugando suas lágrimas, e ver seu sorriso apesar de discreto nos seus lábios, me emocionou, unimos nossas lágrimas, trocando mais um beijo cúmplice, apaixonado. Naquela rede demos espaço a um momento de troca de carinhos, até desfazer aquele clima de luto, um pouco mais animadinha, mas ainda com voz dengosa, Marisa me disse:
- Fome amor...
- Eu também... Vou pedir algo para nós... Pizza?
- Hunrrum... Vou tomar um banho antes que chegue.
Assim, não resisti, pedi a pizza, e antes que Marisa deixasse o banho, entrei no banheiro nua, abri o box, mordendo meus lábios, excitada ao ver suas curvas banhadas pela água, ao notar minha presença, minha namorada sorriu, ficou de costas para mim, a fim de exibir sua nuca, que me deixava louca de tesão... Abracei-a por trás, e com nossos corpos nus sob a água, aumentamos a temperatura do banheiro, na excursão de nossas mãos pela pele de ambas, anunciando o que aquele banho nos reservava.
Encostei Marisa na parede, apertando seus seios, chupando sua língua, enquanto Marisa posicionava uma de suas pernas entre as minhas. Rocei meu sexo na sua coxa, enquanto desci minhas mãos por sua cintura, bumbum, rebolando meus quadris. Levantei uma das pernas de Marisa para facilitar o acesso da minha mão no seu sexo, penetrei-a devagar, excitava-me ainda mais contemplar o rosto de minha namorada enquanto meus dedos deslizavam em sua cavidade molhada, Marisa apertava os olhos, gemia, se contorcia, sua expressão de prazer me encharcava de tesão.
Comecei com estocadas suaves, ritmadas, movimentei os dedos explorando os pontos mais sensíveis, impus mais força e velocidade até sentir o tremor daquele corpo quente, mexi meus dedos atenta às respostas de Marisa, que arranhava minhas costas se contorcendo de prazer, o que culminou no gozo incontestável dela.
Ajoelhei-me, levantando e posicionando uma das pernas de Marisa sobre meu ombro, e mergulhei minha boca no sexo de Marisa, explorando com minha língua toda extensão de sua vulva, sugando o que por ela escorria, depois intercalei movimentos rápidos com beijos gulosos, enquanto Marisa cravava seus dedos entre meus cabelos, gemendo, dobrando os joelhos, deixando escapar um grito rouco de um orgasmo pleno.
Aquele banho renovou o ânimo de Marisa, e logicamente, o meu também. Devoramos a pizza na cama, depois de nos amarmos mais uma vez.
Os dias que se seguiram foram tumultuados, a INTERPOL conseguiu a localização exata das ligações do telefone satélite, e a operação estava completamente planejada, e ela, não incluía a presença de Marisa que a muito custo entregou enfim o filme a Larissa.
O fato é que, Marisa ficou ainda mais tensa, os pesadelos voltaram, e por qualquer coisa se irritava, perdeu a paciência várias vezes com minhas trapalhadas, em uma dessas vezes, deixei o molho da lasanha queimar, minha única obrigação no almoço era mexer o tal molho bechamel que ela se vangloriava ser sua especialidade, isso foi suficiente para desencadear uma discussão sem fim. Passamos o resto do dia sem nos falarmos, sequer dormi no quarto com ela, na madrugada, senti o corpo dela abraçar o meu na cama do quarto de hóspedes, suas mãos percorrendo minha pele eriçando-a, foi exatamente o que precisávamos para por um fim àquela briga sem fundamento.
Dan continuava em coma, o que me deixava profundamente angustiada. Os bandidos presos foram transferidos para a capital, Larissa nos advertiu sobre o risco de outros compassas, estarem pelas redondezas, ou ainda, outros aparecerem na cidade à procura deles. Por conta disso, nossas saídas até para restaurantes, bares, se reduziram muito. Aproveitava o tempo que Marisa estava no hospital para adiantar os capítulos do meu livro, me divertindo com as cobranças das leitoras enchendo a página de comentários do site acerca da ansiedade pela publicação do livro.
Uma semana depois da operação montada pela INTERPOL, Larissa e os outros agentes se preparavam para deixar Nova Esperança com destino à Colômbia, quando um episódio mudou o rumo das ações policiais, e da minha vida também.

CAPÍTULO 19: PESADELO
Estranhei a demora de Marisa naquela noite. Apenas um agente fazia sua segurança, uma vez que os demais compunham a equipe que viajaria para Colômbia, o outro agente estava comigo na casa de Marisa. Dividi com ele minha preocupação, e esta só aumentou quando o celular de Marisa permanecia desligado e no hospital relataram que ela já havia saído a cerca de uma hora e não obtivemos resposta do policial que fazia a segurança de Marisa. Angustiada, liguei para Larissa imediatamente:
- Larissa, Marisa desapareceu. Celular desligado, já saiu a cerca de uma hora do hospital e o agente Borges não atende também o celular...
- Calma Alexandra... Eu já estou sabendo...
- Está sabendo? O quê aconteceu? – Perguntei angustiada.
- Está tudo sob controle, Lisa está aqui conosco...
- Aí onde? Por que ela não me ligou, não me avisou...
- Alexandra, é questão de segurança, fique tranqüila, Lisa está segura, houve mudanças em nossos planos e ela vai participar das negociações para libertação do pai dela.
- Mas... Larissa, preciso falar com ela, passa o telefone para ela...
- Não posso, ela está nesse momento em uma reunião com o setor de inteligência da polícia federal.
- Então eu vou aí!
- Você nem sabe onde estamos Alexandra, acalme-se, está tudo sob controle.
- Então me diga onde vocês estão, quero ver minha namorada, eu exijo isso!
Ouvi um riso irônico da policial:
- Você o quê? Exige? Ai Alexandra, me deixa trabalhar e deixe Lisa cuidar da vida dela e do pai dela, boa noite.
- Larissa não desliga o telefone na minha cara! Larissa? Larissa? Alô?
A vaca desligou mesmo na minha cara! Andei de um lado para outro, possessa de raiva e obviamente tensa pela informação que Larissa acabara de me dar, e me perguntando por que Marisa não me ligou avisando qualquer coisa, uma série de questões surgiu na minha cabeça, nenhuma delas excluía a idéia fixa de encontrá-la de alguma forma.
Resolvi usar dos meus talentos de atriz para convencer o policial Borges, que fazia minha segurança, a me levar onde os outros agentes estavam, já que fazia alguns dias que eles não se reuniam mais na delegacia da cidade.
- Borges, está tudo bem, Marisa está no quartel de vocês, você me leva lá, por favor?
- Desculpa dona Alexandra, mas não posso.
- Como assim não pode? A própria Larissa me disse que você podia me levar...
- Dona Alexandra... A agente Marques me advertiu que a senhorita ia insistir para que eu a levasse até no nosso ponto de apoio... E reiterou a proibição, sinto muito.
Entrei em casa fumaçando de raiva daquela biscate, ela armou tudo diretinho para me separar de Marisa, e pior, eu não sabia o que tinha acontecido à minha namorada, a ponto dela não se preocupar em me manter informada sobre seu paradeiro. Foi uma noite interminável, dormi com o celular na mão, cansada de esperar uma notícia, sem esperança de ouvir a voz da mulher que eu amava, o cansaço me venceu, e quase ao nascer do sol caí no sono.
A falta de notícias de Marisa me causava pânico, agora, Larissa também desligara o celular, não consegui comer nada, nem muito menos ficar parada em casa alimentando minha mente fértil então, como todos os dias, fui ao hospital visitar o Dan na esperança de encontrá-lo consciente. Naquele dia, chorei sentada junto ao leito de meu amigo, exausta de tanta angústia, pelo estado dele, pela ausência de Marisa, pelo sentimento de impotência me inundando. Enquanto eu desabafava solitária, senti uma mão no meu ombro, quando virei, vi o sorriso lindo e confortador de Juliana me dizendo:
- Tenha fé Alex, ele vai sair dessa...
Sorri meio amarelo, pensando: “Ah se ela soubesse o tamanho da minha culpa...” Juliana completou:
- Apesar de estar em coma, acreditamos que o prognóstico é bom, pelo estado de saúde dele... Acredite que é uma questão de tempo minha querida...
Balancei a cabeça positivamente enxugando minhas lágrimas, Juliana segurou minha mão e me tirou da UTI, levando-me para a sala de repouso da enfermagem ali perto, serviu-me um copo de água, nem contestei, nada falei, estava precisando de colo, de atenção, e não via outra pessoa mais propícia para me dar isso naquele momento que não fosse Juliana.
Continuei muda, sentei-me na cama de solteiro ali disposta, Juliana puxou uma cadeira e sentou-se de frente para mim:
- Quer desabafar um pouco?
Bem que eu queria, mas não podia:
- Ju minha vida parece estar desmoronando... Eu me sinto tão culpada pelo estado do Dan...
- Culpada? Mas por quê?
- Por que... Eu devia ter dito o que eu achava desse cara estranho que ele estava saindo, devia ter feito algo pra ele fazer as pazes com Diego... Sei lá...
- Alex não é justo você se culpar, foi uma fatalidade.
Juliana segurava minha mão, e eu só conseguia pensar onde estava Marisa, por que ela não me ligava, e minha expressão de angústia não se desfazia, apesar de todo carinho da enfermeira.
- Há algo mais te incomodando? Onde está Marisa que não veio com você hoje?
- Han? Não, nada mais me incomoda... Marisa precisou viajar, algo relacionado à universidade...
- Hum... Então, hoje te faço companhia, espera meu plantão acabar, que saímos para almoçar juntas, que tal?
- Tudo bem... Espero você no estacionamento.
Eu precisava mesmo de uma companhia agradável como a de Juliana para dissipar aquele sentimento de impotência. O agente Borges chegava a olhar penalizado para mim, quando eu insistentemente usava o celular sem obter resposta nem de Larissa, nem de Marisa. Ele se aproximou de mim, tentando me acalmar:
- Alexandra, fique calma, daqui a pouco ela estará de volta...
- Mas por que ela não pode me ligar? Preciso ouvir a voz dela...
- Alexandra, isso é informação confidencial, mas só para você ficar mais tranqüila, ela não ligou e Larissa desligou o celular, por que não sabemos quais linhas estão seguras, você já deve saber que há um agente duplo entre nós, provavelmente na Inteligência, o momento é crucial, hoje a operação de negociação terá início.
- Hoje? Então Marisa está na Colômbia?
- Alexandra, já falei demais...
- Borges, por favor!
- Alexandra, a operação mudou, por que membros das FARC chegaram a Nova Esperança e por pouco não pegaram a Lisa, cercaram-na no estacionamento...
- Meu Deus! Ela está ferida não é?
- Não, ela está bem... Mas o policial Gouveia... Bem, ele foi ferido, e... Não sobreviveu.
- Mas como ninguém soube disso?
- Alexandra somos da polícia secreta...Temos meios para abafar esses episódios...
- Borges me leve até ela...
Implorei, mas o agente estava insensível agora.
- Já falei mais do que podia, agora acalme-se, deixe-me fazer meu trabalho que é de proteger você e reze pra que dê tudo certo na operação.
Minha angústia agora era outra, era o risco que minha namorada estava correndo. Juliana entrou no carro que nem percebi, me dando um susto tão grande que apertei a buzina do carro sem querer:
- Ai Juliana! Que susto!
- Ei! Calma...
Juliana sorriu divertida, afivelando o cinto de segurança.
- Podemos passar na minha casa? Quero tomar um banho, trocar de roupa...
- Claro.
E assim, a gentil e adorável enfermeira foi uma amiga leal naquele dia nublado. No final do dia, depois de almoçarmos, e descansarmos na casa de Juliana, que durante todo tempo foi educada, não ousando se insinuar para mim, voltei para casa de Marisa, com o agente Borges sempre no meu encalço.
Ao de chegarmos à estrada de terra que dava acesso à casa de Marisa, me dei conta que o carro do agente Borges, não me seguia como de costume, comecei a me apavorar, até um carro me fechar na estrada estreita e dois homens descerem com armas em punho e me arrancarem do meu carro com violência, jogando-me no banco traseiro do carro deles.
Amarraram minhas mãos e me amordaçaram, logicamente, eu estava apavorada, mas tinha a certeza que eles não me matariam imediatamente, supondo que eu seria usada para pressionar Marisa nas negociações, o que me apavorava ainda mais pela vida dela. Nunca rezei tanto na minha vida como naquele momento.
O percurso não foi longo, cerca de quinze minutos depois pararam o carro, e com a mesma violência que me jogaram no carro, também me arrancaram. Empurrou-me por um caminho de terra, aparentemente um sítio que eu desconhecia. Entramos numa espécie de depósito de ferragens, prenderam-me com correntes em uma viga de madeira e me deixaram ali sob a vigilância de quatro homens armados com fuzis, pelo menos era o que eu achava, qualquer arma de cano longo para mim era fuzil...
Não sei por quanto tempo fiquei ali, pode até ter sido alguns minutos, mas para mim foi uma eternidade, o medo por minha vida e a vida de Marisa, a ignorância acerca do que estava acontecendo, transformaram aquele cárcere em uma tortura psicológica, qualquer movimentação daqueles homens mal encarados acendia um sinal de alerta no meu nervosismo.
E foi justamente uma movimentação estranha que anunciou a situação drástica de desfecho, e no depósito novos rostos apareceram se multiplicaram, e para meu desespero ouvi tiros, de diversos sons, e pela porta lateral vi um homem igualmente rendido como eu, era trazido por dois homens. Visivelmente abatido, debilitado, com barba mal feita, mancando, o homem foi jogado ao chão. Deduzi que se tratava de João Marcos Pimentel, o pai de Marisa.
Ele permaneceu no chão, sua expressão era de dor, seu rosto suado, pálido, não descrevia a personalidade de homem forte que Marisa sempre ressaltava. Imaginei a felicidade de minha namorada ao reencontrar seu pai, e isso me encheu de esperança e de força para enfrentar aquele momento de guerra.
A troca de tiros era intensa, vi membros da organização feridos, e um que me parecia ser o líder deles, falava ao celular aos berros, eu entendia pouca coisa, meu espanhol nunca foi dos melhores, especialmente no quesito palavrão. O fato foi que o líder após a ligação ordenou o cessar fogo.
O cenário dentro do depósito demonstrava que a situação não estava favorável para os bandidos, muitos caídos, inconscientes, talvez mortos, ainda inteiros apenas três dos muitos que começaram o tiroteio. Foi então que o líder apenas com um sinal, autorizou que seu compassa pegasse o refém. Numa atitude sádica, o bandido levantou o homem segurando-o pelos cabelos, e caminhou com ele até a porta.
Outra vez o líder atendeu o celular, e dessa vez entendi que ele avisava que abriria a porta para liberar o “Joca”. Assim, tive a certeza que o refém era mesmo o meu sogro. A porta se abriu e o bandido apontando a arma para a cabeça do senhor Joca saiu, seguidos dos outros dois, deixando-me sozinha, presa no depósito.
Vi a oportunidade de tentar me desvencilhar daquelas correntes, e não ser a arma secreta dos bandidos contra a polícia supus que ninguém sabia que eu estava sob o poder deles, e assim, uma hora os membros da quadrilha me usariam.
Não consegui ouvir bem o que conversavam, e minha preocupação era soltar-me das correntes e fugir pela porta lateral, e a chance que eu tinha era quebrar a viga de madeira, deduzi que aquela madeira velha não resistiria a muitos choques, usei de toda minha força, com chutes e socos, solavancos com a corrente, me animando quando notei o ranger da madeira evidenciando sua fragilidade. Intensifiquei o esforço e enfim, a madeira quebrou e me soltei. Corri pela porta lateral, esquivando-me, vi Marisa atrás dos carros da polícia, Larissa bem perto dela, e um homem mais velho, devidamente equipado, com colete à prova de balas que aparentemente fazia a negociação com o líder da quadrilha.
Havia resistência do líder em liberar o senhor Joca, exigiu que Marisa levasse o filme e entregasse em suas mãos, o que obviamente, Larissa não permitiu, até que a própria Marisa se colocou a disposição, profundamente emocionada por ver seu pai, bem ali na sua frente.
Com um embrulho nas mãos, ela caminhou lentamente, e eu com meu coração na mão assistindo aquilo. Até que observei, atrás de uma árvore, um homem que lembrava o policial Gouveia, com uma arma apontada na direção de Marisa, e um ponto de laser vermelho vagueando no seu corpo.
Desesperada, lembrei-me do que o policial Borges me falou sobre o agente duplo, e se Gouveia fosse esse traidor? Não sabia o que fazer e como um impulso corri para a frente de Marisa gritando:
- Marisaaaaaaaa!
Joguei meu corpo derrubando Marisa no chão no momento exato que dispararam o tiro contra ela, gritei:
- Larissa atrás da árvore!
Meio atônita sem entender direito o que se passava, Larissa olhou na direção que apontei e viu um homem correndo, não pensou duas vezes e atirou, derrubando o atirador. O fato é que minha loucura pode ter salvado a vida de Marisa, mas, instalou o caos. Deu o início a um novo tiroteio, e o senhor Joca, foi mais uma vez levado para dentro do depósito sendo usado como escudo. Permaneci no chão com Marisa, sentindo uma dor intensa no abdome, deduzi que algum estilhaço da bala me alvejou, mantive a mão sobre as costas de Marisa, como se isso tivesse o poder de protegê-la.
Alguns minutos depois, e depois de uma intensa troca de tiros, o comandante da operação ordenou a invasão do depósito, e rapidamente, saíram com dois bandidos presos e João Marcos Pimentel livre.
- Marisa, meu amor, acabou! Levante-se, venha abraçar seu pai!
Quando pensei que o pesadelo chegara ao fim, me dei conta que ela só começara. Ao retirar minha mão das costas de Marisa, a vi embebida em sangue, e os olhos cerrados de minha namorada atestaram o pior pesadelo da minha vida.
- Meu amor! Fala comigo, Mah, pelo amor de Deus, não faz isso comigo...
Sacudia Marisa, desesperada, quando Larissa se aproximou acompanhada do senhor João Marcos:
- Meu Deus! Lisa!
Larissa se ajoelhou imediatamente e gritou para os demais:
- Chamem uma ambulância!
Marisa não dava nenhum sinal de vida, seu pai também desesperado chorava clamando:
- Lute minha filha... Lute!
Larissa virou o corpo de Marisa, retirou sua própria jaqueta para tentar estancar o sangue do sangramento e elevou sua cabeça, visivelmente apavorada. Eu suplicava aos céus pela vida da mulher que eu amava, falando ao seu ouvido:
- Não me deixa meu amor... Fica comigo...
A ambulância chegou e quando fiz menção de levantar para acompanhar Marisa, senti-me tonta, minha visão ficou turva, e Larissa observou tensa:
- Alexandra você também está ferida.
Passei a mão na minha barriga e confirmei o que Larissa observou, não vi mais nada, desmaiei.
CAPÍTULO 20: AONDE QUER QUE EU VÁ...
Abri os olhos, minha visão embaçada não podia acreditar no que via: minha mãe. Pensei, ou eu morri e São Pedro tem a cara da minha mãe, ou estou alucinando.

-- Ela está acordando querido...

Apertei os olhos e vi meu pai ao lado de minha mãe, imaginei: “É, essa droga que me deram é potente mesmo...”

-- Alex minha filha, você está nos ouvindo? – Era a voz do meu pai.

Senti as dores do corpo, e aos poucos fui me situando no espaço e no tempo, e a primeira coisa que falei foi:

-- Marisa! Onde está Marisa? Como ela está?

-- Ei... Calma filha... Você precisa descansar, olha quem está aqui, a Juliana.

Juliana se aproximou de mim, aferindo minha pressão, com aquele olhar confortador, afagou meu rosto e disse:

-- Preciso que você fique quietinha para eu aferir seus sinais vitais Alex.

Juliana mal desabotoou o aparelho que usava para aferir minha pressão e eu já segurava seu braço, perguntando ansiosa:

-- Juliana, me responde, a Marisa, como ela está?

-- Alex, tente ficar quietinha, você precisa de todas as forças para se recuperar, você foi ferida por uma bala, que atravessou seu corpo... Por favor, não se mexa muito, vou chamar o doutor Fábio para examinar você.

-- Será que ninguém está me escutando? – Berrei. – Quero saber como minha namorada está!

Notei a apreensão nos olhares de meus pais e de Juliana, o que só aumentou meu pavor, foi quando Fábio entrou no quarto me reprimindo:

-- Que gritaria é essa aqui?

-- Fábio, me fala, como está Marisa? Fala Fábio!

Gritava, mesmo com a censura de Juliana me segurando.

-- Alexandra não vai adiantar nada você berrar assim. Marisa não está aqui, foi transferida para um hospital da capital.

-- Transferida? Mas, por quê? Como ela está?

-- Por que ela precisava de uma UTI com mais recursos, os melhores médicos estão cuidando dela Alexandra, a mesma bala que te feriu, atravessou seu corpo, atingiu Marisa e se alojou no abdome dela, o estado é muito grave.

-- Eu quero ir para lá, pai, eu preciso ficar perto dela, quero ser transferida também!

-- Filha calma...

Minha mãe se aproximou apertando minha mão, em outra situação me emocionaria por nossa reconciliação, mas minha única preocupação era Marisa.

-- Não fico calma, quero ser transferida, quero ficar perto de minha namorada, ninguém vai me impedir.

Fiz menção de me levantar, enlouquecida, só notei Juliana administrar qualquer coisa na minha veia com o olhar cúmplice de Fábio, em minutos apaguei.

Acho que algumas horas depois despertei com a mesma sensação de ressaca, visão embaçada, e outra vez minha mãe estava ao meu lado, antes que um déjaviu se fizesse, percebi minha mãe fazer sinal com a cabeça para alguém, e vi Elaine se aproximando com os olhos inchados, sua pele alva denunciava seu nariz avermelhado, evidenciando as muitas lágrimas que ela derramou há pouco tempo.

Com alguma dificuldade falei:

-- Elaine? O que houve? E Marisa? Alguma notícia dela?

Elaine segurou minha mão, não conteve as lágrimas, meu coração acelerou, temendo ouvir o que nem em meus piores pesadelos eu ousaria supor. A ruiva respirou fundo, apertou minha mão e disse:

-- Alex... Eu acompanhei Marisa até a capital no UTI aérea... Mas... Ela não resistiu, ela se foi Alex.

Momento surreal para mim. Vi-me numa realidade paralela de horror, fiquei estática, me recusei a acreditar no que Elaine aos prantos me disse.

-- Quero vê-la.

Disse baixo, em estado de choque.

-- Minha querida, seu estado ainda inspira cuidados, você não pode sair daqui, imagine viajar.

Minha mãe me disse mansamente.

-- Eu já disse que quero vê-la!

Berrei, arranquei o jelco da minha veia, me desfiz dos aparelhos que me prendiam ao leito, e levantei esmurrando quem se aproximasse tentando impedir meus movimentos.

-- Ninguém vai me impedir, vou vê-la no fim do mundo, mas eu vou! Não ousem me dopar de novo!

Elaine balançou a cabeça e informou:

-- Alex, Marisa já foi enterrada, o pai dela não quis prolongar nada, ele está morrendo também, sofrendo de malária, está muito debilitado.

-- Mas como assim já foi enterrada? Quando ela morreu?

-- Ontem de manhã. Foi enterrada horas atrás no jazigo onde seu irmão e sua mãe estão sepultados, eu esperei a cerimônia e cheguei há pouco tempo de Porto Alegre.

-- Mas... Eu dormi quanto tempo?

-- Filha, você está aqui há dois dias, passou por cirurgia, acordou ontem à noite, logo depois o médico administrou calmantes para lhe proteger de si mesma...



Minha mãe tentava se aproximar de mim, mas eu afastava todos que chegavam perto. Estava revoltada, não era eu mesma naquele momento, iniciei um quebre-quebra no quarto, mesmo com uma hemorragia no local da cirurgia, somente com a força de meu pai, Fábio e mais dois enfermeiros fui contida e mais uma vez dopada.

Uma semana depois de uma rotina de calmantes, e de inúmeras horas de sono drogada, saí do hospital parecendo um zumbi, meus pais do meu lado todo tempo, me cobrindo de paparicos, mas eu não via mais a menor vontade de comer, de falar, se quer de me levantar da cama. Minha vida perdeu o sentido, Juliana foi minha amiga mais leal, por muitas vezes foi ela que conseguiu me tirar da cama e me dar banho, não atendia nenhuma ligação, abandonei meus contos, meu livro e o jornal.

Uma notícia boa em meio ao meu luto foi a recuperação do Dan, que saiu do coma e aos poucos voltava à sua vida normal, planejando cirurgias plásticas para refazer seu rosto muito machucado e com algumas fraturas causadas pelo sadismo na tortura que passara.

Passaram-se meses, e eu dependente de medicações para dormir, ainda acordava diversas vezes na noite com pesadelos lembrando o episódio que acabou com minha vida. Quando estava acordada, me refugiava nas lembranças felizes dos momentos que tive com a mulher mais linda e mais incrível do mundo, olhava nossas fotos, reli os comentários da doutora misteriosa, tendo a certeza que se tratava mesmo de Lisa.

Meus pais se esforçavam para me tirar daquele estado praticamente vegetativo, sentia que uma parte de mim morreu com Marisa, metade de mim, nunca mais seria a mesma pessoa. As poucas vezes que saí do quarto com muita insistência de meus pais, por vezes até com crises de choro de minha mãe, o fiz por influência de Juliana, que diariamente me visitava, não se cansando de me cobrir de carinho e de arrancar alguns sorrisos sem brilho de mim. As outras vezes que eu saía, tinha um único objetivo: visitar a casa de Marisa, passava o dia inteiro lá, deitada na cama, buscando o cheiro dela, perdida na minha dor.

Numa tarde de sábado, enquanto eu continuava minha rotina de luto, dessa vez abraçada com as roupas de Marisa que eu fiz questão de trazer de sua casa, duas batidas na porta tiraram meu sossego:

-- Mãe quero ficar sozinha, por favor.

Estranhei o silêncio por segundos, minha mãe nunca desistia tão fácil. Até que, a porta se abriu com gritos de algazarra:

-- Surpresaaaa!!!

Eram minhas amigas fiéis: Márcinha, Renatinha e Eveline, que saltaram na minha cama me abraçando.

-- Suas loucas! O que fazem aqui nesse fim de mundo? – Perguntei me sentando na cama depois de conseguir sair debaixo do bolo humano que elas promoveram.

-- Viemos resgatar você! O que mais poderia ser! – Renatinha com sua empolgação típica respondeu.

-- Você não estava na Argentina maluca? – Perguntei a Renatinha.

-- Estava, mas a missão me chamou de volta...

Fez cara de santa, algo que não parecia nada com ela.

-- Emprego novo? – Perguntei.

-- Claro que não né sua tonta! Minha missão de melhor amiga de todos os tempos... Aí resolvi trazer essas duas aqui de contrapeso...

Márcinha e Eveline estapearam Renatinha, indignadas.

-- Alex, viemos por que estamos preocupadas com você, sua mãe nos ligou, contou o que aconteceu, não sabíamos de nada... Por que você não nos telefonou? – Perguntou Márcinha.

-- Minha vida acabou... Ela acabou diante dos meus olhos e eu nem percebi... Não me despedi, não lhe dei meu último beijo, as vezes me esforço pra me lembrar, quando foi nosso último beijo, e não lembro... Ela me deixou... A bala que a matou devia ter cumprido seu papel e me matado primeiro...

Notei os olhos de minhas amigas marejados com minhas lágrimas naquele desabafo de dor.

-- Minha querida, não a conheci, mas se você a amava tanto, imagino o quão incrível ela foi, e eu tenho certeza que ela não aprovaria esse comportamento...

-- Eveline, não adianta, Marisa me deu sentido novo de vida, sem ela nada tem cor, nada tem graça...

-- Novas cores, e um novo sentido são possíveis, desde que você seja responsável com sua vida e com as pessoas que te amam. Você não acha que está sendo muito egoísta? Carregando com sua tristeza seus pais, seus amigos?

Márcinha sempre foi a mais sensata entre nós, e não poupava palavras duras quando julgava ser necessário.

-- Não estou obrigando ninguém a ficar ao meu lado. Não pedi para meus pais ficarem aqui, nem muito menos chamei vocês aqui...

-- Opa! Espera aí mocinha! Vai nos expulsar da sua vida assim? A Márcinha fala bonito, mas eu sou de ação! Você vai sair dessa cama, fazer suas malas e voltar conosco para a capital. Se você quer se despedir de Marisa antes de recomeçar sua vida sem ela, ótimo, se arrume, vamos para Porto Alegre agora mesmo, cumpra seu ritual, estaremos ao seu lado, como sempre estivemos.

Renatinha me arrancou da cama, separou uma muda de roupas em uma mochila, e não me deu opção, no mesmo dia, como ela mesmo sugerira, as quatro juntas, pegamos a estrada com destino a Porto Alegre.
CAPÍTULO 21: VIAGEM PARA O RECOMEÇO
Senti-me num filme hollywoodiano, quatro mulheres juntas numa expedição. Renatinha e Eveline se revezavam no volante, no mp3 do carro rock dos anos 90, as meninas pareciam ensaiadas, cantando duetos aos berros, inventando coreografias, impossível não rir com aquelas loucas.
A noite paramos em uma pousada, depois de Márcinha nos apavorar com estórias de horror de psicopatas nas estradas. Compramos cerveja e pizza, e até ou o álcool, ou o sono nos vencer, lembramos estórias de nossa adolescência, inclusive, a época que Renatinha nos obrigou a pintar nossos cabelos de loiro para fazermos teste pra paquita... A lembrança fez até a louca da Renatinha refazer a dança do “é tão bom,bom bom...”.
No dia seguinte, aceleramos para Porto Alegre, chegando antes do meio-dia na capital gaúcha. Com minha insistência, as meninas toparam em seguir direto para o cemitério no qual Elaine disse que Marisa havia sido sepultada.
Nas minhas mãos, um buquê de rosas, no meu coração um aperto, a angústia do luto, nunca me imaginei naquela situação. Caminhamos por algum tempo em meio a túmulos diversos, até localizar o jazigo da família Pimentel, ao ver o nome Lisa Biachini Pimentel, senti o chão se abrir, ajoelhei-me, e a emoção tomou conta de mim, chorei copiosamente, como se todo aquele pranto estivesse preso no meu peito.
Pedi para ficar sozinha, e minhas amigas me deixaram. Era hora de me despedir do amor da minha vida.
- Oi meu amor... Devia ter vindo antes aqui... Nem sei por que não fiz isso... Mah... Está tão difícil viver sem você, meu corpo sente sua falta, nem ao menos consigo dormir sem sentir seu corpo quente perto do meu... Saudade da sua voz, do seu riso, saudades do teu cheiro, dos seus cabelos no meu colo, das suas mãos na minha cintura, do seu olhar hora me despindo, hora me contemplando... Às vezes sonho com sua risada, a saudade é tanta que consigo até sentir seu toque quando você me visita nos meus sonhos. Você mudou a minha vida, encheu de amor, me deu novas perspectivas, me fez acreditar no meu potencial, me incentivou, eu sou tão grata por tudo que vivemos... Eu ainda te amo, e sempre vou te amar. Senti uma parte de mim morrendo junto com você, mas não é verdade, por que o que você fez na minha vida é imutável, e você nunca vai morrer dentro de mim, agora entendo o que a música diz: “aonde que eu vá, levo você no olhar...” Porque você sempre estará comigo, o amor não morre.
Pausei para respirar, enxugar minhas lágrimas, e continuei:
- Por esse amor Mah, vou seguir minha vida, o que você fez por mim não será em vão, vou te orgulhar, vou eternizar nosso amor, contar nossa história, fazer o que você sempre me incentivou a fazer, escrever, publicar meus contos, livros, e você será minha eterna inspiração. Adeus meu amor, descanse em paz...
Senti um ciclo se fechar com aquela despedida. No dia seguinte voltamos para Nova Esperança, e eu, já tinha um plano para meu recomeço de vida. Nova Esperança não era mais lugar para mim, decidi voltar para capital, moraria com meus pais temporariamente, até concluir meu livro e publicá-lo.
A despedida não foi fácil, fiz amigos especiais naquela cidade. Daniel era o mais inconformado, mesmo assim, organizou uma super festa no Chica’s, a essa altura, ele e Diego voltaram a namorar, Luiza assumiu a direção do jornal, Fernanda e Artur estavam também de malas prontas para São Paulo, onde trabalhariam em uma revista de renome de circulação nacional. Elaine e Fábio dividiram as funções que antes eram de Marisa na universidade e no hospital, onde a nova ala cirúrgica recebeu seu nome em sua homenagem.
Despedir-me da casa de Marisa foi outra catarse, apesar de ter cumprido meu ritual de despedida não conseguia sentir o amor da minha vida morto, a sentia tão presente, tão viva, que por vezes eu acreditava poder encontrá-la no jardim, ou me esperando em seu quarto.
Juliana, apesar de muito triste, entendeu minha decisão, na noite antes da minha partida, preparou-me um jantar delicioso, a presença dela me trazia paz, mas não conseguia vê-la com outro sentimento que não fosse amizade, a sensação que eu tinha era de que nunca mais amaria outra mulher. Mas, eu via nos gestos e olhares de Juliana que seu carinho por mim imprimia mais sentimento do que amizade, ela era transparente, e sua paixão por mim era óbvia. No final do jantar, quando eu me preparava para ir embora, Juliana segurou minha mão, com os olhos marejados me encarou, e disse:
- Alex, eu sei que você precisa atravessar essa fase, nem posso imaginar o que você sentiu e está sentindo, mas, eu quero que você saiba de uma coisa: se você precisar de alguém para te amar, estarei aqui, basta você me ligar, que logo estarei ao seu lado, eu te amo tanto que seria capaz de qualquer coisa pra te fazer feliz.
Num gesto de carinho e gratidão, beijei suavemente os lábios de Juliana, que não resistiu prendendo-me pela cintura intensificando aquele beijo. Por mais quente e apaixonado que fosse, logicamente meu corpo podia sentir o quanto era desejado por aqueles lábios ardentes, eu era incapaz de retribuir a altura, era como se meu corpo e minha alma se sentisse pertencente ainda a Marisa. Afastei-a lentamente, acariciei seu rosto e me despedi:
- Obrigada por tudo Ju, quando precisar de mim, da minha amizade, estarei de braços abertos para você. Até logo.
Deixei Nova Esperança saudosa, voltar à cidade que me expôs ao ridículo era um desafio e tanto. Mas, eu tinha um plano, alavancar minha carreira de escritora, e investi nisso. Terminei o meu livro, voltei a publicar meus contos, e em pouco tempo, criei meu próprio site de contos, o qual recebia quase mil visitas diariamente, aproveitei o espaço para divulgar e vender produtos, shows, e outras escritoras. Os comentários das leitoras eram tantos que não conseguia mais dar conta de ler todos, mesmo com a ajuda de Márcinha e Eveline.
Resolvi então contratar uma das leitoras que morava na capital para me auxiliar. Beatriz era estudante de jornalismo, e era uma boa companhia. Ela separava os comentários mais interessantes para responder, e alguns me chamaram a atenção, dentre eles o comentário de uma leitora que se identificava como doutora.
Meu coração acelerou, mal pude acreditar quando Beatriz o leu para mim:
- Olha só Alexandra, o que essa doutora escreveu: “Seu poder de despertar minhas fantasias com sua escrita e de me acender é tão intenso, que sinto suas mãos percorrerem minha pele em cada palavra que eu leio, sinto minha alma se abrir para você e meu corpo queimar, só você faz isso comigo... Parabéns pelo conto, estarei na sua noite de autógrafos”.
Suei frio, como assim a doutora não era Marisa? Fiquei curiosa, confesso. A doutora sempre comentava algo caliente, o que me deixava além de excitada, muito interessada na sua real identidade. Pedi para Beatriz responder o comentário.
- Bia, responde assim: “Cara doutora, você também deveria investir na criação de contos, você descreve muito bem as sensações do seu corpo. Aguardo você na noite de autógrafos, já sei o que escrever na dedicatória do seu livro, abraços até lá”.
- Ui! Quem será essa mulher heim...?
- Não sei, mas ela é minha leitora desde o começo...
- Como você vai identificá-la na noite de autógrafos?
- Ela vai saber ser original, tenho certeza.
Minha imaginação não parou de voar depois desse comentário, acho que existia mais do que curiosidade, será que meu desejo voltaria a surgir? A doutora mexeu mesmo comigo. A partir daí, minha contagem regressiva para a noite de autógrafos começou.
Os dias que antecederam o evento também foram marcados por notícias internacionais que me chamaram a atenção, o ditador sanguinário de Honduras assumiria a cadeira da presidência mesmo com o risco de uma nova guerra civil de grupos opositores. Revoltei-me, depois de tanto esforço, tanto sacrifício, tantas mortes, nada adiantou, a INTERPOL não agiu, nem o conselho de segurança da ONU, enfim, a impunidade instalada e as atrocidades continuariam naquele país.
E finalmente a noite de autógrafos chegou. Eu era a ansiedade em pessoa, nervosa, especialmente com minha mãe me enchendo sobre a escolha do meu figurino. Em todo momento o pensamento em Marisa a trazia para perto de mim, ela me incentivou a fazer o que eu gostava: escrever, ela era minha inspiração, eu a senti bem perto de mim naquela noite.
O local escolhido foi uma livraria de um grande shopping, minha editora estava empolgadíssima, o espaço estava lotado, e a mídia compareceu em peso. Minha mãe estava um orgulho só, espalhando que era a mãe da escritora. Antes de começar a autografar os exemplares, estava programada a leitura de um trecho do livro e algumas palavras minhas sobre a obra, depois de derrubar o microfone e derramar o copo de água em um exemplar, arrancando os risos de Renatinha e Eveline, li um trecho do primeiro capítulo, especificamente o primeiro encontro das protagonistas, e depois iniciei minha fala ao público:
- Esse livro é muito especial, é o primeiro dos muitos que espero escrever. Mas ele é ainda mais especial por outro motivo, ele é o saldo do momento mais sublime da vida de alguém, o momento onde descobrimos a nossa essência: o amor. Nascemos para amar, e quando encontramos o amor de nossa vida, tudo mais em nossa volta, se torna mais leve, mais tenro, tem mais cor, tem mais esperança... Esse livro é uma obra de ficção, mas, suas personagens tem inspiração real, por que o amor é real, é palpável, é incondicional, é pleno. Foi o amor mais sublime, mais puro que me trouxe de volta à uma vida com perspectivas, esse livro é uma das vitórias que o amor me deu, por isso, ele é dedicado ao amor da minha vida, que justa ou injustamente se foi tão precocemente, meu amor, onde quer que você esteja, esse noite é nossa...
Notei a emoção dos que me ouviam, e eu era a mais emocionada de todos. A presença de Marisa ali era tão forte, que eu podia até sentir seu cheiro, cheguei a procurá-la em cada rosto, em vão.
Conheci algumas leitoras da web na fila, que mais afoitas se identificavam com seus Nicks, algumas até de outros estados, minha expectativa era reconhecer a doutora, a cada rosto eu ansiava ser a minha leitora mais ousada, e quando eu já estava perdendo as esperanças, a fila já havia acabado, e quando eu já estava circulando entre os convidados, uma mão tocou nas minhas costas dizendo:
- Cheguei atrasada, você pode assinar meu livro?
Antes de me virar respondi:
- Claro, para quem devo escrever a dedicatória?
- Você me diz... Doutora, ou...
Virei-me imediatamente, e vi a Doutora diante de mim:
- Simplesmente Ju...
Era Juliana, a doutora era ela. A enfermeira amável, leal e linda.
- Não acredito! Você Ju?
- Decepcionada?
- Claro que não! Que bom te ver! Vem cá e me dá um abraço!
Nosso abraço apertado chamou a atenção de minhas amigas e de minha mãe, que volta e meia falava da educada, prestativa e linda Juliana, notava a torcida delas. Depois do evento, a editora patrocinou um jantar para alguns convidados, fiz questão de incluir patrocinadores do site, sorteei algumas leitoras, além de minha família, as minhas amigas inseparáveis, e Juliana.
A noite foi muito agradável, tínhamos as melhores perspectivas sobre a aceitação do livro, recebi elogios até da crítica especializada, mesmo que não fossem muitos nesse tipo de literatura. No final da noite, Juliana se despediu dizendo que ia para o hotel, queixando-se que estava cansada, meio que no impulso a impedi:
- Hotel? Não mesmo, você ficará no meu apartamento, está meio bagunçado por que me mudei há poucos dias, mas tem lugar pra você!
- Na sua cama?
Ruborizei. O olhar de Juliana era pura malícia, e a isso eu não estava imune naquela noite, talvez por isso, me arrependi do convite que acabara de fazer. Saímos do restaurante juntas, para a alegria da torcida pró-Ju, que festejou a surpresa do aparecimento da enfermeira.
Antes de entrar no carro, eu juro que senti o perfume de Marisa bem perto de mim, busquei a fonte daquele cheiro com o coração aos pulos:
- Alex, aconteceu alguma coisa?
- O perfume... Dela...
Desconcertada, Juliana disse:
- Sou eu... Estou usando o perfume que Marisa usava...
Fiquei sem palavras, mas não foi de emoção, experimentei o sentimento de raiva, revolta com Juliana, e ao mesmo tempo, fiquei penalizada com o desespero de Juliana para me conquistar.
- Eu não posso acreditar que você fez isso Ju...
- Desculpa... É patético eu sei... Mas eu te amo tanto, quero tanto ficar com você, que comecei a desejar que você me quisesse um pouquinho só do que você ainda deseja Marisa.
Depois desse episódio, julguei ser mais apropriado Juliana ir mesmo para o hotel, por mais que a “doutora” tivesse despertado meu desejo talvez pelo mistério, eu não podia usar Juliana para satisfazer uma carência, especialmente por que a paixão dela por mim começava dar sinais de algo doentio.
Não nos falamos mais, acho que envergonhada, Juliana nunca mais me mandou e-mails ou me ligou como ela fazia. O livro como esperávamos foi um sucesso e eu, já trabalhava em outra estória.
Passaram-se dois meses, e um acontecimento inusitado ocorreu. Voltando do supermercado, parada no sinal vi um rosto familiar no carro emparelhado com o meu. Os vidros com película não me davam a certeza de que era realmente a pessoa que eu estava pensando. Bom, meu instinto jornalístico não permitiria que eu ficasse com a dúvida, não hesitei, e segui o carro.
No percurso já comecei a me arrepender, por o trajeto longo me levava por ruas desconhecidas e desorientada como sou, nem meu GPS me levaria para casa depois disso. Desconfiei que minha presença fosse notada, isso se confirmou quando o carro que eu seguia parou em um quarteirão deserto, e a motorista me abordou de repente enquanto eu ainda procurava a ocupante do carro.
- Desce do carro agora!
Era Larissa. Não a via desde o dramático dia da operação desastrosa que ela estava. Desci com algum receio pensando: “é agora que ela me dá uma surra”.
- Oi Larissa.
- Oi “Alechata”. Que diabos você pensa que está fazendo? Acha que seguiria uma agente secreta pela cidade toda sem ser notada? Ainda não aprendeu a parar de investigar as pessoas?
- Eu só queria saber se era mesmo você... – Disse desconfiada.
- Para?
- Para lhe fazer algumas perguntas...
- Pronto estava demorando... Pesquisa pro próximo livro?
- Ah! Então você está sabendo que lancei um livro?
- Sim, mas era pra me contar essa novidade que você me seguiu a cidade toda?
- Claro que não né!
- Então fala, não tenho o dia todo...
- Você tem notícias do senhor João Marcos?
- Não deveria lhe dizer, mas, sim eu tenho. O Pimentel faleceu há dois meses, estava muito debilitado, no cativeiro contraiu muitas infecções, febre amarela, malária, enfraquecendo-o bastante, a morte de Marisa abalou muito, enfim, ele não se recuperou.
A notícia me entristeceu, mas continuei perguntando:
- Então tudo foi em vão afinal. Assisti no jornal outro dia que Hector Gutierrez tomou posse da presidência de Honduras.
- É... A frustração foi tanta que pedi afastamento da INTERPOL depois desse desfecho.
- O filme não provou nada contra ele?
- Foi entregue uma cópia ao conselho de segurança da ONU, mas, as principais testemunhas estão mortas Alexandra, isso complicou tudo.
- Então, foi mesmo em vão.
- Nem tudo. Alguns guerrilheiros pediram asilo político no Brasil e no México, assim, temos esperança que eles testemunhem contra Hector, junto com outras provas, ele deverá ser julgado por crimes de guerra.
- Espero que sim. Larissa, você esteve com Marisa antes...
- Que ela morresse?
- É...
- Na verdade não. Depois que levamos vocês duas para o hospital, você foi para o centro cirúrgico, e Marisa foi transferida para cá, a doutora Elaine a acompanhou, vim em seguida com o senhor Pimentel, mas não a vi, eu precisava trabalhar, ainda estava liderando a operação, precisava colher depoimentos, investigar sobre a traição do agente Gouveia... Enfim, quando Lisa morreu, apenas seu pai estava com ela.
- Elaine disse que ele quis que ela fosse enterrada no mesmo dia...
- É, eles não tinham mais família, você estava inconsciente se recuperando do ferimento, e eu estava em Brasília resolvendo detalhes burocráticos no ministério, o senhor Pimentel não quis prolongar o sofrimento...
- É tão revoltante... Ela se sacrificou tanto...
- Eu entendo Alexandra, também me sinto assim, mas acredite, não vou sossegar enquanto Hector Gutierrez não for julgado e preso, farei com que as mortes de Lisa e de seu pai, não tenham sido em vão.
Senti honestidade nas palavras de Larissa. Nem tinha mais raiva dela, até a entendi por amar minha namorada, impossível não amá-la. Aos poucos me desfazia de mágoas, sentimentos que pesavam dentro de mim, e minha vida se refazia, eu acreditava que meu amor por Marisa era a mola impulsora mais uma vez.
CAPÍTULO 22: TODA HISTÓRIA TEM UM FIM
Minha vida se resumia a trabalho, e por incrível que pareça eu estava bem com isso. Algumas vezes saí com as meninas para uma balada, mas o mundo hetero não me apetecia em nada, por conta disso, Eveline até se dispôs a me acompanhar em uma boate GLS, o que só me rendeu boas risadas com o assédio que ela sofreu. Dan e Diego ainda me visitaram, me mostraram os points gays da minha cidade, mas sinceramente, eu ainda sofria tecendo comparações entre as mulheres que se aproximavam e Marisa.

-- Sardenta isso não é saudável sabia?

-- O que Dan?

-- Você assim ainda tão apegada à Marisa... Já faz quase um ano que ela se foi, eu sei que mulheres são complicadas, mas é injusto com as outras mulheres, ela competirem com a lembrança de uma mulher tão perfeita que não pode mais errar com você, por que simplesmente não está mais aqui...

-- Você não entende Dan, não é por vontade minha, eu simplesmente sinto Marisa diariamente, a sensação é tão forte, tão real, que muitas vezes paro de andar na rua, certa que os olhos dela me acompanham... É como se ela estivesse bem perto de mim...

-- Sardenta, isso deve ter alguma explicação, seja Freud, seja Chico Xavier, alguém deve explicar isso, mas prefiro a minha orientação que é: bicha sai dessa! Abra esse coração, e põe essa perereca na pista de novo!

-- Daniel! – Exclamei pudicamente.

-- Quê que é? Vai me dizer que ela morreu também? Eu sei que não, deve estar louca pra saltar no brejo cheio de sapas de novo...

-- Você é horrível...

-- Posso até ser, mas sabe que estou certo...

Será mesmo que meu amigo estava certo? Foi alvo de muita reflexão e de muitas postagens no site, e uma enxurrada de respostas, cantadas e convites para sair. Beatriz até chegou a marcar uns encontros para mim, e acabei desistindo de todos, seria um processo difícil, tive certeza. Até minha mãe entrou na equipe “arrume uma namorada para Alex”, não posso negar que ver isso foi cômico, minha mãe selecionando fotos de leitoras que me mandavam fotos por e-mail se candidatando a minha nova namorada. Mas todo esforço conjunto não deu em nada.

Pelos jornais e sites de notícias acompanhei com satisfação a prisão de Hector Gutierrez, e uma nova eleição foi convocada em Honduras. Finalmente aquele facínora seria julgado, de certa forma ajudava no processo de conformação dos fatos.

Meu segundo livro estava pronto para ser publicado, e nessa ocasião recebi a triste notícia que minha editora fora substituída, fui chamada para conhecê-la, por telefone ela já me adiantou que gostaria de fazer correções e sugestões, o que já me deixou irritada... Preparei-me para ter a discussão do século com ela, antipatizei sem se quer vê-la, mas quando abri a porta do seu escritório, vi um espetáculo de mulher vestida em um vestido estampado, com decote discreto, colares no pescoço, sandália delicada, uma loira simplesmente maravilhosa, tanto que perdi a voz e a coragem de brigar com uma beldade daquelas...

-- Alexandra Castro?

-- Sim...

-- Carla Matos, sua nova editora.

A loira estendeu a mão para um cumprimento formal, mas a velha Alex atrapalhada ainda estava ali... Ao caminhar para retribuir o cumprimento, chutei uma poltrona, tropicando, caindo apoiada na minha nova editora que para nossa sorte tinha outra poltrona ao seu lado.

-- Ai meu Deus, desculpe-me...

-- Você deveria estar pedindo desculpas a mim que estou com o pé destruído, e não a Deus.

Levantei-me toda desengonçada, ainda pisando nos pés de Carla:

-- Desculpe-me, sou desastrada...

-- Isso eu percebi, ainda bem que você é mais cuidadosa na escrita.

A antipatia da loira só a deixava mais atraente. Pediu que eu me sentasse, e começou listar trechos do livro que ela julgava ser necessário ser modificado e como deveria ser tal modificação, mas quem disse que escutei alguma coisa? Eu só conseguia prestar atenção no movimento de sua boca sensual, desejando calá-la com um beijo ardente...

Alexandra Castro se comporte! Eu mesma me censurava, tentando me concentrar nas orientações, que mais me pareciam ordens.

-- Então Alexandra, recomendei essas alterações, espero que concorde, assim não atrasaremos a publicação.

-- Mas... Essas alterações mudam o perfil das minhas personagens. Não é esse meu desejo.

-- Mas suas personagens precisam ser mais ricas em traços diferentes das personagens do livro anterior, elas são praticamente idênticas na intensidade, nas ações...

-- Por que minhas personagens são inspiradas em pessoas reais, é assim que eu quero que elas sejam, com profissões e histórias de vida diferentes, mas igualmente apaixonantes e apaixonadas, intensas, fortes e sensíveis ao mesmo tempo...

-- Ok ok, não vou entrar nessa de discutir criação com o criador, minha função é aprimorar sua obra para torná-la mais comercial, mais atrativa, e no meu julgamento essas alterações são necessárias.

-- Mas no meu não. A Catarina nunca faria esse tipo de coisa, ela respeitava minha escrita, minha criação.

-- Catarina é uma excelente editora, mas ela não teve grande trabalho no seu primeiro livro, a responsabilidade agora é maior, você tem um fã clube, seguidoras ansiosas por esse livro, sempre se espera mais dos livros posteriores, maior maturidade literária do escritor, inovações...

Levantei-me impaciente com o ar de superioridade da loira.

-- Eu já disse que não... As alterações dizem respeito apenas ao português, formatação, enfim.

Bati o pé, alguém tinha que ceder, mas não seria eu, até que a dona da editora entrou na sala me cumprimentando empolgada com a quinta edição do meu primeiro livro. Bom, com a notícia, minha moral estava mais alta do que nunca, era a hora para fazer exigências e o fiz “não mudar características das minhas personagens”. E assim, Daniele bateu o martelo. Notei Carla fumaçando de raiva brincando com a caneta de maneira nervosa. Saí da sala vitoriosa, mais do que isso, profundamente mexida com Carla.

Entrei no elevador, que por milagre estava vazio, antes da porta se fechar alguém gritou no corredor:

-- “Segura a porta pra mim!”

Assim o fiz, e adivinha, era ela, Carla. Ao me ver sua aparência mudou, aquela antipatia, misturado ao ar de superioridade, naquele rosto afilado, e seus olhos acinzentados a tornava irresistível para mim.

-- Conseguiu o que queria não é? – Perguntou hostil.

-- Eu? Ah... Sempre consigo o que quero...

Desconheci meu descaramento quando disse isso mordendo meus lábios olhando para seu bumbum arrebitado. Ruborizei quando notei que ela percebeu minha afirmação de duplo sentido. Mas, antes que eu me recompusesse, numa fração de segundos, Carla parou o elevador, me jogou contra o espelho, e sussurrou:

-- Eu também...

Tomou minha boca com volúpia, invadindo-a com sua língua, sugando a minha, mordiscando meus lábios, enquanto suas mãos percorriam meu corpo, apalpando-o, arrancando um gemido de mim e despertando a umidade do meu sexo. Quando tentei tocá-la, Carla segurou minhas mãos acima da minha cabeça, empurrou sua coxa entre minhas pernas, me dominando completamente. Provocou-me roçando sua perna no meu sexo e quando estava praticamente suplicando para que ela me possuísse, ela se afastou abruptamente, apertou o mesmo botão e o elevador se abriu. Como se nada tivesse acontecido, saiu do elevador, ajeitando os cabelos e limpando o batom borrado, deixando-me quase pregada nas paredes do elevador, como se tivesse saído do olho de um furacão.

O encontro quente com minha nova editora me tirou a paz, não conseguia tirá-la da cabeça, e pior nem do meu corpo. Sentia-me culpada por me sentir tão atraída por outra mulher, era como se estivesse saindo de um luto mas, o amor que eu sentia por Marisa, continuava intacto como se ela ainda estivesse ao meu lado, assim, minha consciência pesava como se estivesse traindo a mulher que eu amava.

E o caos de sentimentos se instalou, ficava ainda mais confusa quando Marisa me visitava todas as noites em sonho, repetindo que sempre me amaria e que sentia saudades. Acordava arrasada, chorando, e abraçava os travesseiros que enchi com o perfume que ela usava.

Quando meu segundo livro ficou pronto para a publicação, meus encontros com Carla ficaram mais frequentes, mas a loira agia como se nada estivesse acontecido, o que me deixava irritada, mas ao mesmo tempo mais atraída por ela.

Uma semana antes do lançamento oficial, Carla me visitou no meu apartamento para minha surpresa:

-- Carla! O que você faz aqui?

-- Vim te entregar pessoalmente algumas cópias do seu livro, está quentinho ainda... Posso entrar?

-- Claro.

Convidei a sentar-se, e ficamos trocando impressões sobre o resultado final da arte da capa. Eu estava tomando vinho, aceita um cálice?

-- Aceito.

E assim, a noite tomava ares de romance no meu apartamento, algo que me inquietava, me dividia entre meu amor por Marisa e meu desejo por Carla. Depois de quase uma garrafa de vinho, e um monte de assuntos amenos, Carla mostrou seu lado sedutor de uma maneira irresistível: cruzou as pernas deslizando os dedos pelo seu decote, sorveu um gole do vinho, e enquanto eu virei o cálice inteiro, deixando escapar uma gota no canto da boca, a loira colheu delicadamente com sua mão, e fixou seus olhos na minha boca. Bastou isso para que eu sentisse meu corpo estremecer, e dessa vez quem praticamente a atacou fui eu, beijando-a com urgência jogando meu corpo sobre o dela no sofá.

As carícias evoluiriam para o inevitável. Bastou uma frase da loira para apagar meu fogo instantaneamente:

-- Dá pra mim dá...

Era exatamente assim que Marisa sussurrava ao meu ouvido. Levantei-me meio desorientada, desconcertada:

-- Alex, o que foi? Aconteceu alguma coisa?

-- Não... É que...

-- Eu sei... Você está com medo não é?

-- Medo?

-- De se envolver... De ter outra mulher na sua vida...

-- Carla, não é isso...

-- Eu sei o que aconteceu, você perdeu sua namorada não foi?

-- É...

-- Deixa eu esclarecer uma coisa então, vem cá...

Carla me puxou de volta para o sofá e me disse:

-- Eu gosto de você, te admiro, te desejo, e não sou mulher de brincar com outra, não sou tão predadora quanto aparento, isso é puro disfarce, sedução...

-- Acho que dá certo viu...

Carla ruborizou e sorriu:


-- Não adianta tentar me deixar tímida, por que isso fico fácil perto de você, você mexe comigo desde que li seu primeiro conto.

-- Sério?

-- Ahan... Então Alex, se você me der uma chance, eu quero ser mais que sua editora...

O pedido de Carla foi tão fofo, tão sincero, aquela beldade mostrando seu lado sensível me seduziu mais do que seu ar de predadora.

-- Eu fico lisonjeada, você é tão linda, tão...

-- Mas não vai me aceitar não é?

-- Não, não é isso Carla, eu só preciso processar isso direito...

-- Tudo bem, não vou te pressionar, agora deixe-me ir embora, amanhã tenho muito trabalho para preparar a noite de autógrafos.

Despediu-se de mim com um selinho demorado. Naquela noite não dormi, eu queria aceitar a proposta de Carla, mas o sentimento de traição ao que eu sentia por Marisa era mais forte. Decidi voltar ao túmulo de Marisa, em dois dias, seria o aniversário de sua morte, assim, viajei mais uma vez para Porto Alegre, para cumprir outra etapa no meu processo de luto.

Fui direto do aeroporto para o cemitério, e diante do túmulo de Marisa, mais uma vez me emocionei, dessa vez tanto que não tive palavras, apenas chorei, e no meu coração a angústia de ter que aceitar a morte do amor da minha vida e aceitar outra mulher como namorada. Enfim me acalmei, e como se precisasse me expressar para ser ouvida, desabafei:

-- Oi meu amor... Tanta coisa aconteceu em minha vida desde a última vez que vim aqui... E sinto que devo tudo a você... Estou lançando meu segundo livro Mah... Como eu queria você do meu lado... Comemorar com você... Sinto tanto sua falta meu amor, todo tempo, sinto você comigo, mas eu sei que preciso seguir sem você... Mah, conheci alguém, não sei se consigo ter outra mulher na minha vida... Eu ainda te amo tanto...

Enquanto eu desabafava ajoelhada no túmulo de Marisa, ouvi passos se aproximando, ergui minha cabeça e era Larissa, com um flores nas mãos.

-- Alechata?

-- Oi Larissa...

-- Oi... Um ano passa rápido não é?

-- É.

- Li no seu site que você está lançando outro livro, parabéns.

-- Obrigada, o lançamento oficial será daqui a três dias, você está convidada.

-- Obrigada pelo convite... Se eu estiver na cidade, passo por lá. Ah! Alex, você voltou a Nova Esperança esses dias?

-- Não... Por quê?

-- Estranho... Estive lá semana passada e visitei a antiga casa de Lisa, achei-a tão bem arrumada, geladeira cheia...

-- Muito estranho mesmo... Mas, pode ter sido a Elaine...

Sem o mínimo de convicção na minha hipótese, Larissa disse:

-- É. Pode ser.

Despedi-me de Larissa, e saí caminhando pelo cemitério com passos lentos, inexplicavelmente ainda sentia a presença de Marisa perto de mim, parei várias vezes no percurso procurando-a, passei a acreditar em Ghost, espiritismo, tudo para trazer Marisa todo tempo comigo. Mas comecei a achar estranha a história que Larissa contou sobre a casa de Marisa em Nova Esperança, sem pestanejar mudei meu vôo, e a noite eu já estava em Nova Esperança.

A cara de surpresa do Dan quando abriu a porta e me viu foi hilária. Depois de me sacudir muito, com abraços efusivos, acomodou-me e só aí expliquei meu impulso de ir até a cidade depois do comentário de Larissa.

-- Ai cruz credo! Até me arrepiei agora! – Disse Dan se sacudindo.

-- Eu preciso ir lá Dan, você guardou aquela caixa com minhas coisas que estavam no jornal?

-- Sim. Por quê? Tem coisa pra trabalho de macumba lá não né?

-- Ai claro que não doido! As cópias da casa de Marisa, guardei lá.

--Então vamos lá, está no quarto dos fundos.

Com as chaves na mão, peguei o carro do Dan, que se negou a ir comigo, segundo ele, tinha medo de espírito... Rever a casa onde fui tão feliz com meu amor me encheu de emoção, entrei em silêncio acendi as luzes da sala e de fato, não parecia uma casa abandonada. Caminhei até a cozinha e me certifiquei sobre o que Larissa comentou, geladeira cheia, de produtos novos. Ouvi uma movimentação na varanda e cheia de medo, temendo ser algum assaltante, peguei uma casa e caminhei até a varanda me esquivando na cortina.

Quando coloquei a cabeça para fora, eu vi um homem sentado, com um cigarro na boca, na mesinha perto da rede um copo de whisky, aproximei-me afim de ver seu rosto, e pra variar, me enrolei na cortina, para não cair segurei-me nela, mas não o tecido rasgou e caí nos pés do homem misterioso, levantei a cabeça e vi: João Marcos Pimentel.

Esfreguei os olhos duvidando do que eles viam, exclamei:

-- Senhor Joca?

O homem me ajudou a levantar, e respondeu:

-- Na verdade, José Carlos Pimentel, irmão do Joca, e você não me é estranha...

-- Nossa, o senhor é muito parecido com seu irmão... Meu nome é Alexandra Castro, eu era...

-- Namorada de minha sobrinha Lisa, acertei?

-- É. Mas o senhor me conhece? Como?

-- Curiosa como me descreveram... Sente-se Alexandra, vamos conversar um pouco.

Sentei-me na rede que tantas vezes namorei Marisa, e o tio dela me fez revelações interessantes:

-- Conheço você, por que seu nome e suas fotos estão nos relatórios da INTERPOL, sou policial há muitos anos, mas há mais de vinte anos moro em Londres, e desde que meu irmão foi seqüestrado pela organização de Hector Gutierrez, assumi as investigações do caso, por que meu irmão me mantinha informado sobre as ações da guerrilha quando ele ainda era segurança do embaixador Alcides.

-- Marisa nunca me falou de um tio, sempre julgou não ter mais família.

-- A Lisa, não sabia mesmo da minha existência, fui recrutado para trabalhar como agente secreto poucos anos depois que ingressei na polícia federal, o Joca não aceitou minha decisão, brigamos, ele era minha única família depois da morte de nossos pais, enfim, só tive notícias dele quando o encontrei em uma ação na embaixada do Brasil em Honduras, fizemos as pazes, e ele passou a ser meu informante, mas não deu tempo conhecer meus sobrinhos, minha cunhada...

-- Senhor José Carlos, posso saber o que o senhor faz aqui na casa de Marisa?

-- Tirando meu merecido descanso, depois de anos de trabalho e essa operação finalizada com o julgamento de Hector Gutierrez, estou me aposentando...

-- Ah... Por alguns segundos quando vim para cá tive esperança que a morte de Marisa foi só um pesadelo.

-- Já perdi muita gente na vida, amigos, parceiros, família, amores, sei o que você está passando.

Meus olhos cheios d’água evidenciavam meu sofrimento.

-- Ei... Você é uma moça muito bonita para nublar esse rostinho com lágrimas... Você está em Nova Esperança, se inspire com esse nome sugestivo.

Sorri amarelo, e depois de entrarmos na madrugada conversando, eu descrevendo a sobrinha que ele não conheceu, me despedi do tio de Marisa como se ele fosse um velho conhecido. Antes de sair, o senhor Zeca me perguntou:

-- Quando você volta para a capital?

-- Amanhã, estou lançando um livro, em três dias e... Enfim, não posso demorar mais tempo.

-- Que bom, parabéns! Quem sabe eu te visite...

-- Eu adoraria.

Daniel voltou comigo para a capital, dessa vez estaria comigo na noite de autógrafos. Evitei Carla o quanto pude, conhecer o tio de Marisa só me fez ter a certeza do quanto eu ainda estava presa a ela.

Um dia antes da noite de autógrafos, comemorei a condenação de Hector Gutierrez, o julgamento finalmente chegou ao fim, o ditador sanguinário ficaria preso pelo resto da vida.

E mais uma vez, estava pronta para minha segunda noite de autógrafos, estava ainda mais lotado, e olha que era uma livraria bem maior, tenho que confessar, Carla era uma profissional e tanto, o evento estava bem mais organizado. Dessa vez, Carla sugeriu que críticos lessem os trechos mais interessantes e só no final eu discursasse.

-- Quem me acompanha no site, nos meus contos, nos meus livros, sabem o que é o amor para mim, o quanto ele me mantém viva e me inspira. Se não fosse esse amor que está comigo todos os dias de uma maneira sobrenatural, essa obra não seria possível. Deliciem-se com cada personagem, e aprendam a reconhecê-las em sua vida, a felicidade pode estar bem perto e vocês incapazes de enxergar por que julgam que o amor seja complicado, na verdade, o amor vem pra simplificar tudo... Explicar tudo... Realizar tudo, por que amar é tudo... Roberto Carlos já dizia, que a medida do amor é amar sem medida, então queridas, amem, com tudo que vocês são e tudo que vocês tem... Vale a pena. Mah, te amo pra sempre.

Os aplausos emocionados pela minha voz embargada, antecederam uma apresentação de uma cantora que faria o som da festa. Antes de começar a autografar os exemplares, olhei para o mini palco armado, um violonista tocava a introdução de uma música conhecida, me distraí com as fãs declarando sua admiração por mim, mas quando ouvi a voz suave cantar:
Vieste
Na hora exata, com ares de festa
E luas de prata
Vieste
Com encantos, vieste, com beijos silvestres
Colhidos pra mim
Vieste
Com a Natureza, com as mãos camponesas
Plantadas em mim
Vieste
Com a cara e a coragem, com malas, viagens
Pra dentro de mim, meu amor
Vieste
À hora e a tempo, soltando meus barcos
E velas ao vento
Vieste
Me dando alento, me olhando por dentro
Velando por mim
Vieste
De olhos fechados, num dia marcado
Sagrado pra mim
Vieste
Com a cara e a coragem, com malas, viagens
Pra dentro de mim, meu amor.
( Lenine)

Parei imediatamente ao reconhecer a voz, encarei o palco, e minhas pernas tremeram, meu corpo gelou, atônita, com as lágrimas percorrendo meu rosto caminhei até perto do palco encarando a cantora tão conhecida: o amor da minha vida, Marisa.
CAPÍTULO 23: ENFIM, O FIM
Alucinação? Sonho? Senti-me numa realidade paralela, ignorei as pessoas à nossa volta, aquele momento não cabia mais ninguém, observei estática à cantora acomodar o microfone no pedestal, e descer do palco. Aproximou-se de mim, notei seus olhos igualmente cheios d’água, acariciou meu rosto com as mãos trêmulas, e com a voz embargada disse:

-- Oi meu amor... Voltei pra você...

Se era sonho, alucinação, projeção dos meus desejos não sabia, mas não queria que acabasse, continuei sem palavras, e sem delongas colou sua testa na minha, inspirando forte, roçou o nariz no meu e enfim beijou meus lábios suavemente, segurou-me pela cintura unindo ainda mais nossos corpos, e assim intensificou o beijo invadindo minha boca com sua língua quente, despertando o arrepio que meu corpo só sentia com ela, Marisa.

Não sei por quanto tempo nos mantivemos ali naquele beijo, mas quando abri os olhos e vi diante de mim, de novo, o amor da minha vida, desejei que meu momento de insanidade se eternizasse, ainda não acreditava que aquilo fosse verdade, apesar do meu corpo experimentar as sensações reais que só Marisa era capaz de despertar.

-- Senti tanto sua falta meu amor... Que saudade...

Abracei-a me deliciando no seu perfume, na maciez de sua pele, emocionada e incrédula, fui sugada para a realidade quando ouvi a voz de Larissa exclamar:

-- Mas que palhaçada é essa?

Marisa se afastou de mim, e como se eu saísse de um campo de força seguro, caí em mim, olhei em volta e vi todo público que nos cercava a fila de leitoras, minha família, amigos, equipe, e Larissa transtornada cobrando explicações:

-- Você pode me explicar que teatro foi esse que você protagonizou nos enganando dessa forma Lisa?

E numa tentativa de acalmar a agente, o tio de Marisa se aproximou, pedindo discrição tendo em vista o evento público que estava acontecendo. Larissa inconformada encarou Zeca perguntando assustada:

-- Pimentel?

Eu completamente desorientada, na verdade, mais do que eu já era, não conseguia raciocinar, era incapaz de me desvincular da idéia que tudo não passava de um sonho.

-- Calma Larissa vamos conversar e explicar tudo. –Marisa ponderou.

Carla se aproximou, fez um sinal para o violonista e a outra cantora que assumiu o palco deu continuidade à apresentação:

-- Alexandra eu não faço idéia do que está acontecendo aqui, mas há uma fila de leitoras esperando que você comece a autografar, precisamos dar continuidade...

Nesse momento a dona da editora se aproxima junto com meus pais esclarecendo:

-- Carla dê um tempo a Alexandra, explique aos convidados que a escritora vai se atrasar, mas vai atender a todas. E quanto a vocês, é melhor irem para o escritório conversarem melhor...

Marisa segurou minha mão gelada, e seguiu seu tio até o escritório indicado pelos funcionários, seguidas por Larissa, entramos na sala, para nossa surpresa, outro morto-vivo nos esperava: o pai de Marisa, o senhor Joca.

-- Ah que maravilha! Agora é a hora que vocês dizem: você está na pegadinha do Faustão! Quem mais vai aparecer aqui? Jonh Lennon?

-- Agente Marques se acalme tudo tem explicação.

Preocupada com minha palidez, Marisa me serviu um copo de água, e não largou minha mão um só minuto enquanto o senhor Zeca dava as explicações que Larissa cobrava:

-- Larissa, depois da operação um tanto desastrosa, eu mesmo assumi o caso Gutierrez, como você pode perceber, tinha motivos mais do que justos para fazê-lo. As provas que foram coletadas não tinham a mesma força no conselho de segurança da ONU sem as testemunhas, que continuavam em risco até a prisão e julgamento de Hector.

-- Então vocês resolveram “matar” Lisa e o Pimentel, provocar todo esse sofrimento, frustração, você acabou com minha carreira, durante um ano me senti a pior das pessoas e uma profissional medíocre por ter deixado Lisa morrer em vão!

-- Não seja dramática agente Marques, Lisa e meu irmão eram testemunhas protegidas e você sabe o que isso representa. Descobrimos que o Gouveia era agente duplo, mas ele não agia sozinho, tínhamos que renovar toda equipe para o bem de vocês, pela vida minha sobrinha e de meu irmão e principalmente para assegurar a punição de Hector.

A discussão calorosa entre os agentes da INTERPOL perdurou por muito tempo, o suficiente para me situar naquele cenário, me dar conta que aquilo era real e que sofri por um ano a morte do meu amor, quando ela estava todo tempo viva. Logicamente ter Marisa de novo ao meu lado era o melhor dos meus sonhos, mas imaginar quanto sofrimento poderia ter sido poupado, e o quanto fui enganada, despertou uma revolta e mágoa sem tamanho, grande o suficiente para me deixar introspectiva, ao contrário de Larissa que extravasava toda sua indignação, a qual fez com que ela saísse da sala batendo a porta com violência, se quer encarando Marisa.

O senhor Zeca olhou para mim com olhar misericordioso, e me disse:

-- Minha querida imagino o que se passa em sua cabeça, está sentindo enganada... Mas acredite, foi preciso, a organização de Hector continuava a monitorar os passos de Larissa, os seus... Se vocês soubessem de algo, poderia colocar a vida de todos em risco...

Minhas lágrimas silenciosas deixaram evidente para Marisa o quanto eu estava magoada, foi então que ela pediu:

-- Pai, tio, vocês podem me deixar a sós com a Alex?

-- Claro minha querida, esperamos você lá fora.

A sós, Marisa segurou minhas duas mãos como tinha costume de fazer quando me diria algo sério. Mas, afastei-me enxugando minhas lágrimas e antes que ela falasse algo perguntei:

-- Como você pode Marisa?

-- Alex...

Um impulso me fez deferir um tapa na face de Marisa, eu estava possessa de raiva.

-- Você sabe como passei esse último ano? Rezando pra você como se você pudesse me ouvir, destruída por dentro me culpando por sua morte, visitando seu túmulo, sua casa, matando uma parte de mim, definhando, preocupando meus pais, meus amigos... Como você pode? Eu acreditei que você me amasse, mas depois disso... Quem ama não permite o sofrimento de quem ama assim...

-- Alex escute-me...

-- Escute você! Eu te amei todo esse tempo mesmo acreditando que você estivesse morta, respeitei sua memória como se você fosse a mulher mais perfeita do mundo, me sentindo uma traidora por desejar outras mulheres, enquanto isso, o que você fazia?

-- Alexandra! O que você acha que eu estava fazendo? Curtindo férias de verão? Pegando um monte de mulher? Eu estava morta Alex, não podia ter contato com ninguém que não fosse meu pai e meu tio, passei um ano cuidando do meu pai, isolada numa montanha no Reino Unido, um lugar frio, pensando todas as noites como você estaria, com quem você estaria... Você acha que eu não sofri tendo que morrer para o mundo, para você? Alex qualquer contato com você te colocaria em risco, você levou um tiro no meu lugar! Acha que eu arriscaria você de novo? Eu morri sim, e até que você estivesse segura eu não podia me mostrar para você, se você soubesse que eu estava viva se conformaria em não me procurar? Em não ir me ver? Claro que não, por que se fosse o contrário eu também não me conformaria, voaria para seus braços...

-- Preferia que você tivesse dito que precisava fugir... Sumir...

-- Alex, você sabe que você iria atrás de mim, você invadiu uma investigação secreta internacional para saber da minha vida, me achar não seria tão difícil se você quisesse... Foi o mais seguro...

-- Como você conseguiu enganar Elaine? Ela disse que foi ao seu enterro...

-- Eu não fiz nada, meu pai e meu tio prepararam tudo. Outro corpo foi enterrado no meu lugar, fui transferida ainda inconsciente para um hospital do exército, quando estava fora de perigo, fui sedada e só acordei em Londres, onde fui levada para a casa onde permaneci até o dia do julgamento de Hector Gutierrez em Genebra.

-- Isso é surreal demais para mim...

-- Meu amor... Você acha que eu não tive medo de te perder? De você conhecer outra pessoa, se apaixonar me esquecer... Acha que não sofri imaginando o que você estava passando? Mas ao menos eu tinha certeza que você estava viva... Você não imagina a felicidade que senti quando vi seu site, as notícias do lançamento do seu livro... Fiquei tão orgulhosa... Quando li o discurso que você fez na noite de autógrafos, tão lindo quanto o que você fez hoje, tive que me segurar pra não sair correndo e te cobrir de beijo...

-- Não sei se consigo te perdoar Marisa...

-- Uma frase piegas fala que amar é nunca ter que pedir perdão... Não vou te pedir isso, mas vou te pedir outra coisa... Continue me amando Alex, por que eu quero te amar pelo resto da minha vida...

A voz embargada de Marisa e seu rosto banhado em lágrimas trouxeram à tona a lembrança que eu tinha dela, a mulher que eu amava a mulher que eu senti falta em cada segundo do meu dia, era o amor da minha vida, na minha vida de novo.

-- Alex, eu sei que te fiz sofrer muito... Mas, se você me aceitar, quero compensar te fazendo feliz cada momento da sua vida daqui pra frente... Casa comigo meu amor?

Minhas pernas tremeram tanto que tive que me sentar para não cair. A minha voz não saía, Marisa se aproximou de mim, sentou-se sobre os joelhos diante de mim e repetiu:

-- Alexandra Castro, você quer ser minha mulher pro resto de nossas vidas?

Antes que eu conseguisse falar algo, batidas na porta quebraram aquele clima cinematográfico, era Carla:

-- Alex desculpa, mas as leitoras estão impacientes, algumas até desistiram de esperar. Você tem que vir agora.

Marisa se levantou sem graça e frustrada com meu silêncio. Meio tonta levantei, tropeçando nas cadeiras caminhei até a porta, e Carla me empurrou até o salão, notando minha hesitação em sair da sala.

O salão estava uma loucura, comecei a autografar qualquer coisa, mas com o pensamento no pedido que Marisa acabara de me fazer. Em menos de uma hora a mulher que eu amava que estava morta, ressuscitou e me pediu em casamento e eu tendo que assinar dezenas de livros... Que insano!

-- Gente vocês me desculpem, mas preciso correr atrás do amor da minha vida...

Disse isso e saí correndo entre os convidados, quando vi, Marisa saía da livraria com seu pai e seu tio, a multidão não permitia que eu chegasse até a porta e o som alto impedia que Marisa me ouvisse. Não hesitei, pulei no palco, derrubando a partitura do violonista, e me estabacando no chão, tomei o microfone da cantora e berrei ignorando a potência do equipamento:

-- Mah! Eu aceito! Aceito me casar com você.

A confusão deu lugar a um coro do tipo: “Ooooohhh”. Marisa caminhou sem pressa até o palco, ajudou a me levantar, beijou minhas mãos, colocou sua mão dentro do casaco, abriu uma caixinha delicada de veludo e disse:

-- Se é pra fazer as coisas, vamos fazer direito...

Colocou a aliança de ouro na minha mão direita e eu fiz o mesmo, com o detalhe que minhas mãos trêmulas não tinham a precisão das mãos de cirurgiã de Marisa, e até eu acertar o dedo certo, arranquei alguns risos da platéia. Com as alianças trocadas, Marisa segurou meu rosto entre suas mãos, me beijou selando aquele momento único que mudou minha vida para sempre, sob os aplausos dos convidados, inclusive os de minha mãe.

Aquela noite ainda teve espaço para nossa celebração íntima. Marisa me levou para a suíte do hotel que ela estava, a qual estava decorada e pronta para a ocasião: pétalas de flores na cama, champanhe, morangos...

-- Como deu tempo você preparar tudo isso?

-- Tive tempo o suficiente...

-- Ah! Convencida! Você sabia que eu ia te perdoar e aceitar seu pedido de cara?

-- Hunrrum...

Marisa fez cara de “sim eu sou o máximo” se esquivando dos meus tapas.

-- Eu só confiei no nosso amor Alex...

Como resistir a uma mulher dessas? O melhor de tudo: eu não precisava resistir, por que ela era minha mulher pro resto da vida.

-- Agora vem cá... Por que meu corpo precisa do seu... Dá pra mim dá...

Marisa me puxou pela cintura, me arrancando um beijo apaixonado, cheio de saudade, me empurrou para cama, tomando posse do corpo que era dela, com suas mãos habilidosas acariciou minhas pernas e em pouco tempo me despiu mergulhando sua boca nos meus seios, barriga, beijou-me desde minha boca e pescoço até a ponta do meu pé. Desfez-se das suas roupas, virou meu corpo, fiquei de costas para ela, sacou não sei de onde um vidro de óleo perfumado e o despejou em minhas costas, massageando-as com seus seios.

Manteve-se assim, com seu corpo nu deitado sobre minhas costas, deslizando seus seios nas minhas costas e seu sexo no meu bumbum, só aquela massagem me fez gozar, mas, Marisa se superou. Ergueu minha cintura, e por trás deslizou seus dedos no meu sexo completamente encharcado, alternou entre massagem no meu clitóris com a penetração do polegar no meu ânus, arrancando gritos de prazer.

Sentir seu sexo molhado me enlouqueceu ainda ofegante virei-me ficando de frente para ela:

-- Quero beber você... – Eu disse, brincando com meus dedos na umidade do seu sexo.

Marisa posicionou na altura de minha boca seu sexo, mas fez questão de fazer o mesmo comigo, e na famosa posição 69 gozamos juntas depois de praticamente sincronizar nossos movimentos de línguas e lábios sugando a vulva, massageando o clitóris com nossa boca.

Excitada com o corpo quente de Marisa tremendo, joguei meu corpo em cima do dela, penetrei dois dedos, e a ouvi pedir:

-- Mais...

Intensifiquei as estocadas e Marisa repetiu:

-- Mais... Mais dedos amor...

Aumentei para três dedos, mas Marisa me surpreendeu com um pedido inusitado:

-- Quero sua mão toda... A mão da aliança...

-- Vai machucar amor...

-- Não... Vai amor.

Atendi ao pedido de minha mulher, e deslizei meus dedos até conseguir colocar todos, movimentei-os delicadamente, sentia que tocava pontos inéditos, Marisa arqueava seu tronco, gritava de prazer, suas pernas tremiam e isso me excitava ainda mais e assim investi na dança dos meus dedos explorando os pontos sensíveis de minha mulher, o G, AFF... Todo o alfabeto... Dando-lhe um gozo pleno, inédito, para coroar nossa primeira noite de noivado.

Nunca mais nos separamos, depois de uma cerimônia simbólica com amigos muito íntimos, nos casamos, decidimos voltar para Nova Esperança, depois de ter que dar muitas explicações sobre sua ressurreição, Marisa decidiu voltar a usar seu verdadeiro nome por insistência do seu pai que se mudou conosco, mas decidiu morar no campo, comprou uma pequena, mas aconchegante fazenda, o tio Zeca estava sempre por lá, e não demorou muito para meu sogro se encantar com Berta, que finalmente achou o que fazer ao invés de fuçar a vida dos outros.

Meus pais continuaram sua rotina de viagens, e minha mãe nos últimos tempos tem cobrado netos, Marisa e eu já estamos até discutindo o assunto. Daniel e Diego continuam juntos, mas as brigas estão mais frequentes desde que Diego decidiu fazer residência na capital. Renatinha na noite do lançamento do segundo livro conheceu o lado predador de Carla e por ela decidiu voltar a morar no Brasil. Larissa voltou para INTERPOL, mas nunca perdoou Marisa, o que para mim era uma preocupação a menos. Juliana continuava linda como sempre, mas não conseguimos recuperar a amizade, fiquei feliz quando soube que ela conseguira ingressar no doutorado, estava de malas prontas para São Paulo, e pelo que soube, não iria sozinha, seu novo affair, uma jovem residente, transferira para São Paulo o final de sua residência.

Meus livros continuaram o sucesso dos primeiros, estou escrevendo o quarto atualmente, mas a freqüência de postagens dos contos diminuiu um pouco, Beatriz continua me assessorando, mas precisei contratar outro assistente aqui em Nova Esperança. Acabei me tornando meio dona-de-casa, já que meu trabalho era em casa, e Marisa continuava no hospital e na universidade, adorava o papel de preparar a casa para ela, apesar de meu talento na cozinha não evoluir em nada, a pedido de Marisa, não cozinhava, mas deixava tudo cortadinho em cima do balcão à espera da minha mulher tão habilidosa também na cozinha.

Nossa rotina era maravilhosa, Marisa cumpria o que prometera, de me fazer feliz pelo resto dos meus dias, e eu me esforçava para fazer o mesmo por ela. Minhas trapalhadas não me deixaram vez por outra minha heroína me salvava de pequenos acidentes domésticos, a última vez, caí em um barranco, correndo atrás do pneu do carro que eu tentava trocar sozinha...

Outro dia ouvimos o trecho de uma música sertaneja que dizia “você é na minha vida o meu porto seguro, meu destino, meu passado, presente e futuro”, apesar de não ser fã do ritmo, nos identificamos com o trecho, por que era exatamente assim que nos sentíamos em relação uma a outra.

Marisa não apareceu simplesmente na minha vida, Marisa aconteceu na minha vida. Transformou tudo, deu cor ao cinza, colocou um sorriso no meu rosto, reforçou o que eu tinha de melhor e foi generosa com meus defeitos. O que escrevo sobre amor hoje o faço com propriedade, por que é o que Marisa me dá todos os dias, e é também o que ela recebe, é o rosto dela a melhor visão ao acordar e minha paz antes de dormir, e é assim que vai ser pra sempre.


“... E cada gesto meu será pra te dizer, que eu sei que vou te amar, por toda minha vida...”
(Tom Jobim)






6 comentários:

  1. Oi Mel, adorei seus contos ,fã de carteirinha não poderia deixar passar sem parabenizar por tamanho talento. Abraços Arthemix

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  2. Oi Mel sou sua fã você poderia me enviar seus contos? Desde já agradeço.

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  3. Oi Mel adoro seus contos você poderia me enviar seu conto Aconteceu Você? Desde já agradeço. Bjjjs

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  4. Olá Mel, deixarei aqui os meus elogios à você por uma escrita tão taletosa . Gosto bastante dos seus romances e de como você os desenrola juntamente com uma narrativa policial. Grande abraço

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  5. Bem,comecei a ler seus contos por meio de uma amiga que a dois anos atrás começou a ler leis do destino,me indicou e então comecei a lei tbm, o site que lia saiu do ar, e não conseguia me encontrar nas postagens, Bem,depois de dois anos, eu achei este site, e desde então não parei de ler, não tinha ainda me pronunciado, mas hoje na com os olhos inchados,com o decorrer desse conto, essa morte me comoveu de um jeito insano, acabei achando o momento propissio... bem hoje eu indico seus contos a todos, e ainda fico no pé pra saber se estam lendo kk, bem e isso, obrigada por nós proporcionar estórias tão lindas, sucesso, ler muitos dos seus contos ainda 😃😃

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  6. Nossa! Que história maravilhosa, envolvente, excitante. A conheci por acaso e me apaixonei pela história. Desejo ler mais histórias assim.

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