quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

LEIS DO DESTINO: 2ª FASE - Capítulo 15

2.15 Ex abrupto
De repente; inopinadamente. 

            Rosana comemorava no camarim com Diana a ovação que recebera ao final do espetáculo quando um dos produtores surgiu parabenizando-a e convidando-a para o jantar com uma patrocinadora em uma Boate no centro da cidade.

- Jantar em uma boate?

- Não é só uma boate, tem um espaço gastronômico lá, é bem interessante.

- Então vamos não é amor?

            Diana sorriu e acenou em acordo. Seguiram para a Lances, elas não imaginavam quem o destino colocou no caminho delas naquela noite.

*********

            Natalia já esperava Eduarda quando ela chegou à boate a fim de acertar os detalhes para o jantar.

- Eles chegam daqui a pouco. Meu amor queria tanto que você tivesse ido à apresentação. Ela é espetacular! Desde que vi a apresentação no Queens fiquei encantada com o estilo dela.

- Teremos outra oportunidade. Mas trate de conter essa empolgação viu? Esses adjetivos aí você só pode direcionar a mim!

- Que ciumentaaaa!

            Eduarda abraçou Natalia fazendo cócegas na sua cintura, arrancando os sorrisos da namorada, quando os convidados para o jantar adentraram pelo espaço reservado para o evento.

- Chegaram amor.

            Eduarda anunciou se desvencilhando dos braços de Natalia. Os segundos seguintes foram de choque para os dois casais: um em frente ao outro. Diana e Rosana encarando pálidas as não menos atônitas Natalia e Eduarda.

            Até a música pareceu não ser ouvida.

            Os olhos de Natalia e Diana se encontraram por segundos, o suficiente para fazer romper um casulo cheio de lembranças, mágoas, saudades e desejos confundidos por uma estupefação óbvia na reação de ambas. As esmeraldas cintilantes no rosto das duas evidenciaram quão vivo era o sentimento que as atraía ainda, ao menos para elas que sentiram cada célula do seu corpo reagir naquele reencontro.

            Rosana teve a sobriedade suficiente para quebrar o clima constrangedor instalado e apresentou fingindo naturalidade:

- Olá Natalia, quanto tempo! Como vai? Que surpresa reencontrá-la!
           
            A cantora cumprimentou com simpatia Natalia, visivelmente atordoada mal conseguiu retribuir aos dois beijinhos de comadre. A promotora sentia-se incapaz de pronunciar uma palavra, a mais simples que fosse sentindo seu coração saltar à boca, assim apenas sorriu.

- Você eu não conheço ainda. – Rosana se dirigiu à Eduarda.

- Que anfitriã mais relapsa que sou! Desculpe-me, Eduarda Lancester.
           
            A empresária estendeu a mão para Rosana empolgada.

- Sou fã do seu trabalho desde que a vi em um bar no Queens a cerca de dois anos.

- Fico lisonjeada com sua admiração Eduarda. Deixe-me apresentar, essa é Diana Toledo Campos, minha parceira.

            Rosana mantinha sua postura a fim de minimizar o desconforto, mas ficou reticente na escolha do título para apresentar Diana. Eduarda estendeu a mão para a loirinha e disse:

- Também sou uma admiradora do seu trabalho Diana, vi algumas exposições suas em Nova Iorque também.

            A exemplo de Natalia, Diana limitou-se a sorrir e retribuir o cumprimento de Eduarda não conseguindo se expressar.

- Creio que vocês já se conhecem não é?

            Eduarda disse apertando acintura de Natalia encarando a namorada objetivando tirá-la do estado de choque que ela aparentava estar.

- Claro, como vai Diana? - Natalia perguntou com a voz trêmula.

- Bem e você Natalia? – Diana respondeu pálida.

            Não ousaram um contato físico, o choque do reencontro desenvolveu uma espécie de campo de força que as isolava.

- Miss Flower é uma honra recebe-la, vamos nos acomodar? – Eduarda convidou.

- Ah! Por favor, me chame pelo nome, Rosana Campos.

- Campos? – Eduarda franziu o cenho. – Vocês são casadas?

            A pergunta de Eduarda empalideceu mais uma vez Natalia e Diana imediatamente.

- Ah... Ainda não, é só uma coincidência de sobrenomes mesmo.

            Rosana respondeu sem graça.

- Quando se casarem nem vão estranhar a mudança não é?
           

            Eduarda tentou brincar, mas, o desconforto da situação não permitia descontração.  Acompanhados de dois produtores que se aproximaram os dois casais se acomodaram na mesa preparada para o jantar que mesmo antes de ser servido já mostrava ser indigesto.

            O esforço de Rosana e Eduarda para promover a cordialidade naquele clima de saia justa do destino não teve efeito nas suas respectivas namoradas, que limitaram suas manifestações durante as conversas variadas emplacadas pela empresária e pela cantora. As tentativas de qualquer troca de carinhos entre elas foram discretamente freadas pelo constrangimento gritante.

            Não suportando o peso daquela situação Natalia cochichou para Eduarda:

- Estou cansada, você se incomoda se eu for pra casa agora?

- Claro que me incomodo meu amor.

            Deduzindo o que se passava, Diana pediu a Rosana:

- Meu bem, vamos indo? Temos uma agenda cheia amanhã.

- Temos? – Rosana franziu a testa.

- Sim, temos... – Diana apertou o joelho da namorada sinalizando a desculpa para encerrar o jantar.

- Ah! Sim, temos sim! Que cabeça a minha! Diana tem dezenas de coisas a fazer amanhã.

            O mal estar instalado evidente configurou-se em tortura para Natalia e Diana. O fim do jantar representou o anúncio das consequências daquela noite para os dois casais.
            No caminho para o hotel Diana permaneceu muda, com o olhar distante contemplando a paisagem da janela do carro. Rosana temendo enfrentar a sua própria insegurança preferiu dar espaço a loirinha, limitando qualquer diálogo no trajeto, supondo o impacto daquele reencontro na estabilidade do namoro delas.
            Acomodadas na suíte, a cantora e a fotógrafa trocaram poucas palavras, até Rosana romper a barreira de interrogações a respeito dos sentimentos da namorada para indagar:

- Você está bem?

- Um pouco aturdida. Sinto-me um pouco zonza.

- Seu reencontro com Natalia te abalou tanto assim?

- Claro que me abalou Rosana, mas não se trata só do encontro com Natalia. Esqueceu-se da minha conversa com Danilo?

- Você não me deu detalhes da conversa.

- São coisas tão escabrosas que não quis te deixar tensa antes do show, preferi falar depois da sua apresentação.

- Nossa... Quer me contar agora?

- Está tarde, foi um dia muito intenso, estou cansada, amanhã te conto tudo minha querida. Vamos dormir.

- Tem certeza?

            Diana acenou em acordo e apagou a luz do abajur, recolhendo-se alheia aos carinhos de Rosana. No pensamento a loirinha refazia seu encontro dom Natalia e a imagem da promotora não deixava sua mente tirando seu sono. Sentiu-se sem espaço, sufocada naquela cama ao lado de Rosana, sentou-se no sofá da suíte e olhando pela janela a selva de prédios e luzes da noite paulistana, Diana se perdeu no emaranhado de emoções e fatos, coincidências e providências que o destino preparara para trazer Natalia de volta à sua vida. Assim assistiu o amanhecer da cidade. O dia que acabara de nascer deu a certeza à loirinha que aquela armadilha do destino teria mais efeitos em sua vida do que ela podia supor.

**************

            Natalia não escondeu o abalo da noite. Visivelmente exausta no escritório da namorada avisou:

- Duda eu estou indo para casa. Preciso descansar.

- Vamos pro meu apartamento então.

- Duda, eu estou exausta, você ainda vai demorar.

            Eduarda se aproximou de Natalia acariciando seu pescoço, tentando provocar a namorada.

- Descanse aqui, depois vamos para meu apartamento.

- Não minha querida. Vou para casa, nos vemos amanhã.

            Natalia respondeu se desvencilhando dos braços de Eduarda, recusando suas investidas. Irritada Eduarda comentou:

- Por que isso agora? Você sempre dorme aqui e depois vai comigo pra meu apartamento, está assim tão abalada por rever sua ex?

            Natalia bufou nitidamente contrariada.

- Eduarda eu passei o dia inteiro em um julgamento interminável, saí do fórum direto pra cá para te fazer companhia nesse jantar, te compensar porque não fui ao tal show. Amanhã tenho o dia inteiro de audiências, estou exausta!

            Insatisfeita com o tom da namorada, a empresária retrucou:

- Essa é sua rotina e você nunca deixou de dormir comigo quando pedi.

- Que seja a primeira vez então. Estou cansada Eduarda, preciso de algumas horas de sono. Por que isso tem que virar uma DR?

- Por que você está aí toda balançada por ter visto seu grande amor. Eu sabia que quando você se reencontrasse com ela isso ia acontecer! A prova está aí. Morrendo de ciúmes da Diana, você ainda é louca por ela! Eu sabia!

- Como é que é? Você sabia? Que prova Eduarda? Espere... Você fez isso de propósito não foi? Fez tanto empenho para eu que eu te acompanhasse nesse show, como não deu certo inventou esse jantar aqui. Você sabia que ela era a namorada da Diana não sabia?

- Você está sendo ridícula Natalia! Acha mesmo que sou desse tipo de mulher? Acha que sou capaz dessas armações?

- É o que está parecendo.

- Quer saber? Vá para sua casa, agora sou eu que não quero dormir com você hoje. Por que hoje você vai dormir com Diana Toledo no pensamento, não quero ouvir de novo você chamando por ela nos seus sonhos ou pior enquanto transa comigo!

- Pois eu vou mesmo! Boa noite Eduarda Lancester!

            Natalia recolheu suas coisas e saiu pisando firme do escritório de Eduarda batendo a porta com toda força deixando Eduarda transtornada a ponto de arremessar ao chão tudo que estava em sua mesa descarregando sua raiva com a namorada.

*************************

           
            Rosana acordou e não encontrou Diana ao seu lado nem muito menos no quarto.  Apreensiva rememorando a noite anterior ligou para a namorada a fim de saber seu paradeiro, mas se deu conta que a chamada do celular ecoava no próprio quarto e achou o aparelho de Diana sobre a cabeceira da cama. A apreensão motivou as dezenas de hipóteses a respeito do estado da namorada, a maioria delas antevia o fim do seu namoro com a loirinha, deprimindo Rosana.

            No início da tarde Diana retornou ao hotel para o alívio de Rosana.

- Meu amor onde você estava? Estava preocupada aqui, não me avisou nada, e esqueceu-se do celular...

- Calma Rô...
           
            Diana beijou os lábios de Rosana delicadamente.

- Eu não quis te acordar, você estava dormindo tão tranquilamente... Não avisei por que achei que quando eu voltasse você ainda estaria dormindo, pensei que não ia demorar por isso não levei o celular.

- Por que demorou então?

- Precisei solicitar uma grande soma de dinheiro ao meu banco aqui no Brasil para enviar para o Marco e a burocracia é enorme para desbloquear... Enfim, demorou mais do que eu imaginava.

- Marco? Por quê?

- Pedi que ele procurasse uma propriedade para locar ou comprar, afastada de Nova Iorque, para abrigar a mulher de Danilo.

- Danilo? Mas, ele casou quando?

- Longa história honey, vamos almoçar, te conto tudo.

***************

            O humor de cão de Natalia assustou até mesmo Joana, sua secretária rabugenta que advertiu Carla antes que ela entrasse no gabinete.

- Bom dia chefe. Vim avisar que as audiências da manhã foram adiadas.

- Era de se esperar se tratando daquele nojento juiz Alencar. Filho da mãe corrupto deve ter sido comprado e está dando tempo à defesa forjar provas!

- Ops... Tem gente de mau humor mesmo hoje, bem que me avisaram.

            A tentativa de brincadeira da assessora não teve a receptividade esperada. Natalia espalhou os papéis pela mesa procurando algum documento, como não encontrara naquele amontoado, pronunciou alguns palavrões misturados a insultos ao causador desconhecido da bagunça que se transformou seus arquivos na mesa.

- Natália o que você está procurando? Posso ajudar?

            A promotora nem se deu ao trabalho de responder a sua assistente, concentrada nos resmungos solitários. A chamada do celular só a irritou mais.

- Natalia é a Eduarda, não vai atender?

            A resposta de Natalia foi o gesto de desligar o aparelho, furiosa.

- Ok Natalia chega!

            Carla segurou as mãos da chefe, sacudindo os ombros de Natalia chamando sua atenção:

- Você vai se acalmar e me contar agora o que está acontecendo antes que você coloque fogo nesse gabinete com as brasas que estão saindo pelo seu nariz!

            Rendida à necessidade de desabafar, Natalia jogou seu corpo contra a poltrona, respirou fundo e disse:

- A culpa é dela! De novo ela! Ela chega e bagunça minha vida, sempre assim!

- Dela? Tudo isso é por causa da Eduarda? Vocês brigaram? O que houve foi tão grave assim?

- Não estou falando da Eduarda, falo da Diana.

- Oi?

- Isso mesmo que você ouviu: Diana. Ontem tivemos um encontro de casais em um jantar que me embrulha o estômago até agora só de lembrar.

- Espera Natalia, não estou entendendo nada. Como assim jantar de casais? Ontem você não ia jantar com uma cantora que a Eduarda estava patrocinando?

- E foi o que fiz. O problema é que a tal cantora se tratava da Rosana!

- Oi? Rosana? A Rosana da Diana?

            A cara de reprovação de Natalia ao ouvir a referência da amiga praticamente fuzilou Carla mortalmente.

- Desculpe-me, quis dizer a Rosana, a psicóloga?

- A própria. Chegou a Lances acompanhada de sua companheira: Diana Toledo.

- Morri! – Carla se sentou pasma.

- Não, quem quase morreu fui eu quando me deparei com as duas!

- Gente... Mas, esse mundo é muito pequeno mesmo.

- O mundo é pequeno, e minha digníssima namorada tratou de diminuir mais ainda esse espaço promovendo esse encontro pra me testar.

- Como assim?

- Você acha que foi por acaso essa disposição toda da Eduarda em trazer uma cantora de outro país, desconhecida aqui para fazer um show e ainda oferecer um jantar na sua boate, fazendo questão absoluta da minha presença?

- Natalia isso é muito louco. A Eduarda não se prestaria a esse papel ou sim?

- Não sei mais de nada Carlinha. O que sei é que a Eduarda fez insinuações sobre meu comportamento, me acusou de estar abalada com ciúmes da Diana, tudo por que eu estava cansada de um dia inteiro de trabalho e queria dormir!

- Você não ficou abalada? Sério?

            Natalia fechou os olhos, meneou a cabeça e retrucou:

- Ela esperava o que? Depois de anos, reencontrar assim de surpresa minha primeira namorada, depois de uma história conturbada como a nossa, ela queria que eu agisse naturalmente?

            Carla ficou pensativa por segundos e perguntou:

- O que você sentiu quando a viu?

- Um terremoto?
           
            Carla sorriu.

- Não sei te definir Carlinha. Mas, tive a sensação estranha de que o tempo não passou, era como se eu tivesse visto Diana sei lá há dois dias ou há algumas semanas. Aquela vontade de correr para abraça-la e beijá-la, sentir o corpo dela, e ao mesmo tempo aquela mágoa por ter sido enganada, traída e abandonada por ela, o ciúme da Rosana... Tudo misturado, eu fiquei completamente zonza!

- Eu imagino Nat. Então o que você sente por ela ainda está aí: intacto não é?

            Natalia empalideceu. A simples conclusão de Carla quando exposta soou como um atestado do que a morena escondia em seu íntimo: não esquecera Diana. Temendo continuar a encarar esse fato, a promotora se esquivou:

- Não sei. Talvez a circunstância tenha dado outra conotação a essa confusão de memórias e sentimentos.

- Nat, você está tentando enganar quem? A si mesma?

- Carlinha para. Não vamos supervalorizar um acaso de mau gosto do destino.

- Nat, como ela reagiu?

- Acho que ela estava tão atordoada quanto eu. Estava nervosa, trêmula, piscando os olhos rapidamente, e o colo todo vermelhinho...

            Natalia deixou um sorriso escapar relembrando as características que denotavam o nervosismo de Diana, que ela conhecia como poucas pessoas.

- Você ficou balançando a perna sem parar? Ficou batendo as unhas na mesa no compasso da música? O buço suou?

- Sim, sim e acho que sim.

- Bem, então você estava tão nervosa quanto ela e certamente a Diana também percebeu isso, por que ela sabia identificar isso em você e me disse na época que vocês namoravam que esses eram os sintomas de uma caipira nervosa.

            A promotora não conteve o riso.

- Ela está tão linda Carlinha... Tive que me controlar para não ficar encarando os olhos dela, não foi tão difícil, bastava olhar para o lado dela e ver a Rosana chamando-a de “amor”, “minha companheira”.

            Natalia fez uma careta despertando os risos de Carla.

- Sendo assim, a Eduarda teve motivos para ficar enciumada com sua reação.

- O que me deixou furiosa foi a Eduarda não compreender o desconforto da situação e me fazer cobranças depois disso.

- E agora? O que você vai fazer?

- Não há nada a ser feito Carlinha. Exceto conversar com a Eduarda e fazer as pazes com ela, mas antes vou castiga-la um pouco pra ela se sentir culpada.

- Que sacana que você é!

            Carla brincou.

- Acho que já está bom né destino? Não precisa mais me esfregar na cara que não esqueci a Diana.

            Natalia brincou pensando alto.

- Essa história de vocês, ou destino como você diz, não está acabada. Deve existir algum propósito nessas linhas que vocês se encontram pela vida.