quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

CAPÍTULO 21: LIÇÃO 17 – AUTO-CONHECIMENTO É UM DOM

Na hora marcada cheguei ao hotel para buscar Celina, conforme combinamos para sairmos para jantar. Ela estava linda, realmente, linda. Havia me esquecido o quanto minha ex-namorada conseguia ficar extremamente feminina e deslumbrante quando queria, logo pensei que aquele não seria um jantar entre amigas, as intenções de Celina eram outras.


-- Nossa, que produção! Você está linda, Celina, acho que vão pensar que sou sua secretária pessoal.

-- Obrigada, mas, para de exageros, você nunca precisou de grandes produções para ficar ainda mais linda, Luiza.


Seguimos para o restaurante em meio a conversas amenas, Celina, tinha um humor peculiar e obviamente o espetáculo dado por Beatriz foi o assunto principal das piadas dela.


-- Eu juro que eu pensei que iam sair dois chifres na testa dela, quando os olhos dela ficaram vermelhos, pensei que iria enfrentar o demônio na sua forma real. Aquelas veias da testa dela, nunca te assustaram no meio de uma briga?

-- Ah Celina, para com isso! – Eu gargalhava – Você provocou também, ela já estava com raiva, ela te odeia!

-- Luiza, eu ainda não sei o que você viu naquela mulher. Ela é intragável! Ela me odeia, por que sempre se comparou a mim, e convenhamos, devia temer que você percebesse o quanto regrediu em termos de namorada.

-- Sua modéstia sempre me encantou, já te disse?

-- Ah Luiza, eu sempre te encantei em muitos aspectos, não é?


Sorri, e percebi que o tom de humor de Celina se misturava ao flerte tão típico dela.


-- Esses meses que se passaram desde o congresso, percebi que você tem publicado bastante, foram quatro artigos de alto impacto? Esse foco todo no trabalho tem um motivo específico que não seja sua bela carreira acadêmica, Lu?

-- Você costumava ser mais objetiva quando queria me perguntar algo, Celina.

-- Eu estava tentando ser sutil, mas, você não me dá chance... Então, a questão com a aluna, foi resolvida?

-- A questão? Nossa... Esqueci que você era objetiva e pragmática.

-- Lu, desculpa, mas, eu achei que era só uma paixonite... Perdoe-me se fui insensível.

-- Tudo bem Celina, acho que sou eu que estou sensível demais, deve ser TPM.

-- Luiza, não posso dizer que não estou surpresa, sempre te achei muito sensata, apaixonar-se por uma aluna, bem, você já sabe minha opinião, não vou repetir, por que sei que te magoa. Só quero te lembrar, que isso terá consequências.

-- É, eu sei. Podemos não falar sobre isso?

-- Claro! Sabe o que devíamos fazer depois de jantar?

-- Beber? – Sugeri depois de esvaziar a taça de vinho.

-- Também! Mas, eu tenho muitas saudades de caminhar na praia com você, podemos?


Compramos mais uma garrafa de vinho, e fomos para a praia, conforme o pedido de Celina, que tirou os saltos finos que usava e correu para a areia, bebeu o vinho na boca da garrafa mesmo, e me chamou aos berros:


-- Vem, Luiza!


Cedi, tirei meus saltos também, e fui ao encontro de Celina. Corremos juntas pela praia como duas idiotas daqueles filmes de comédia romântica que passam na sessão da tarde, e para fechar o clichê, caímos na areia, e terminamos de beber a garrafa de vinho.


-- Adoro esse cheiro de mar... Pensei que não sentiria tanta falta...

-- Você quase não vinha na praia, odiava areia grudada nos pés, Celina, se dizia muito urbana para esses programas com a natureza.

-- Continuo odiando a areia grudada, estou falando do cheiro do mar... Não quebra o clima, Luiza!

-- Clima? Que clima?


Antes que eu me desse conta, as mãos de Celina já seguravam meu rosto, e sua boca me roubava um beijo quente, faminto. A princípio me afastei, mas minhas defesas caíram, lembrei-me das palavras da Cris, sobre eu viver minha solteirice.


Retribui ao beijo e puxei Celina pela cintura, e já estávamos deitadas na areia, rolando, aos beijos, mais um clichê de filme.


-- Lu...

-- Oi...

-- Areia...


Não aguentei, sorri, e me levantei, puxei Celina pela mão, e convidei:


-- Então, vamos sair daqui.


Caminhávamos em direção ao meu carro, quando ouvi um aplauso solitário, vindo de um dos quiosques da orla. Era Beatriz, parecia estar na espreita, pronta para um novo espetáculo.


-- Que piegas! Namoro na praia? O que vem agora? Vão pra um motel com teto espelhado? – Beatriz estava com voz arrastada, certamente bêbada.

-- Mas, que entidade baixou em você, criatura? Algum tipo de perseguidora de atração fatal? – Celina perguntou irritada.

-- Beatriz, você vai entrar em um taxi e vai para casa, está bêbada! Você estava seguindo a gente? Enlouqueceu? – Disse preocupada.

-- Quem enlouqueceu foi você, Luiza! Jogar fora nossa chance pra se aventurar com essa daí, ela te deu um pé na bunda! Eu que te ajudei a levantar e seguir, eu te pedi um tempo pra te reconquistar e você dá pra essa daí na primeira cantada dela? – Beatriz já falava alto, descontrolada.


-- De pé na bunda você entende, já que você deu um tão grande na Luiza que deixou ela fora de órbita! – Celina já respondia no mesmo tom.

-- Celina, por favor, está todo mundo olhando. – Segurei o braço de Celina. – Beatriz, vá para casa, de táxi, sua namorada, noiva, mulher, seja lá o que ela seja sua, deve estar te esperando, se você não for, eu mesma ligo para ela e digo onde você está.



Segui para o carro, enquanto Beatriz sentava na cadeira que estava sentada no quiosque. Eu tremia, quase não conseguia dar a partida no carro.


-- Ei... Calma... – Celina passava a mão na minha perna. – Está tudo bem.


Mas, não estava tudo bem para mim. Algo dentro de mim, estava errado e nada tinha com o escândalo que Beatriz promoveu. Cada carinho que Celina me fazia durante o trajeto até minha casa, eu não conseguia ficar à vontade, sorria sem graça. Ela acariciava meu rosto, passava a mão em minha coxa, segurava minha mão e a beijava, e eu mal retribuía com um toque na sua face. Na minha casa, Celina, beijou-me suavemente, olhou em volta e disse:


-- Eu senti mais falta desse lugar do que do mar, com certeza.

-- Está dizendo isso, por que está cheia de areia pelo corpo, vou pegar toalha, deve estar louca por um banho.

-- Lu! Você vem comigo?

-- Aonde?

-- Para o banho, Luiza!

-- Ah! Vai na frente, já vou indo.


Mas, não fui. Joguei uma água no corpo no banheiro do quarto vizinho, vesti um roupão, e quando voltei ao meu quarto, Celina ainda me chamava:


-- Lu, já usei a cota de água do planeta para cinco banhos... você não vem?


Apareci no banheiro, estendi a toalha para ela, e pelo olhar, ela entendeu. Desligou o chuveiro e me encontrou no quarto. Eu estava sentada na cama, de mãos entrelaçadas:


-- Celina, eu não consigo. Desculpa.


Ela não me disse nada, sentou-se ao meu lado, e como amiga, envolveu um braço oferecendo seu ombro para minha cabeça.


-- Esse sentimento tomou conta de mim, Celina. Parece que estou traindo a mim mesma quando vou contra esse sentimento. Como isso pode ser possível? Tão platônico, e tão grande? Tão intenso e nem teve a chance de existir!

-- As vezes a intensidade existe justamente por isso, pela possibilidade do que ainda pode acontecer.


Celina dormiu comigo naquela noite, como amiga, logo cedo a deixei no hotel, esperei-a arrumar as malas e fui deixa-la no aeroporto, constrangida pelo que aconteceu na viagem, pelos dois espetáculos que Beatriz a expôs e principalmente pelo meu comportamento na nossa intimidade.


-- Celina, nem tenho palavras para me desculpar o suficiente com você...

-- Que coisa mais chata! Luiza, você está parecendo dvd arranhado, sei nem se alguém usa dvd ainda, mas, foi o paralelo mais próximo que achei. Você está se desculpando desde ontem, e hoje umas duzentas vezes, para!

-- Mas...

-- Eu supero! – Celina brincou- Luiza, você não me prometeu nada, nós somos mulheres livres, e sempre fomos amigas, eu me diverti muito, você sempre será a minha melhor referência de namorada. Sabe o que eu percebi?

-- Que eu estou ferrada?

-- Isso também, mas isso é detalhe, bem complicado na verdade. Mas, o que percebi, foi que você se conhece. Talvez, até pudesse ter feito sexo comigo a noite toda, mas depois se sentiria mal, iria me evitar, iria se sentir culpada. Finalmente, você conhece seus limites, isso é muito bom, use esse dom com sabedoria.


Celina me abraçou e senti paz no abraço, senti que todas as palavras foram sinceras, que eu ainda tinha a minha amiga, e que meu auto conhecimento me salvara de perder a amizade dela.