sábado, 9 de dezembro de 2017

MANUAL NADA PRÁTICO: CAPÍTULO 17: O CONGRESSO – PARTE II

A palestra transcorreu de maneira tranquila, pelo menos, era o que eu pensava. Procurei não focar meus olhos para os rostos conhecidos da plateia, mas, o nervosismo estava ali, latente. Foram os cinquenta minutos mais longos já enfrentados que desafiaram meu equilíbrio acadêmico-científico-romântico-tesudo-apaixonado-profissional: UFA! Mas... Calma aí, muito cedo para comemorar Luiza, aquele sexagenário que mediava a mesa, tinha que abrir para a plateia fazer perguntas, eu ainda enfrentaria mais alguns galopes do coração e fugas loucas de olhares de duas mulheres específicas, uma em cada lado do auditório.

Para minha boa sanidade mental, tive a brilhante ideia de tirar os óculos de grau, deixando a miopia me proteger. Para ministrar palestras, sempre abri mão das lentes de contato, qualquer mal posicionamento delas, me colocaria em maus lençóis. Graças a essa estratégia todo o público não passava de um grande borrão, e eu respondia na direção da voz que me apontavam, apertando os olhos, praticamente fazendo uma caricatura de uma coreana da 25 de março.

Minha participação no congresso estava salva, ao menos diante do grande público, e com os contatos das agências de fomento que assistiram minha palestra. Uma prova disso, foi a dificuldade que tive para deixar a sala que ficava atrás do palco, equivalia a uma sala vip para os palestrantes e convidados, ali as conversas informais que se excederam, assim como os registros fotográficos, fazendo com que eu me esquecesse da minha bolsa com os benditos óculos na mesa na qual aconteceu a palestra.

Em meio a tantas pessoas, eu não consegui encontrar meus colegas do grupo, e para o desconforto ser maior, os organizadores do evento desconheciam o paradeiro da minha bolsa, contendo não só meus óculos, mas meu celular, carteira, laptop, enfim, todos os meus pertences. O constrangimento era geral, pedi que localizassem Aurélio, e até mesmo Cecília, já que era conferencista, talvez fosse mais fácil encontrar seu número de contato. Naquela confusão de pessoas falando pelos rádios comunicadores, celulares, procurando me dar explicações, me acalmar, pedir desculpas, e eu vendo tudo embaçado, percebi a celeuma que causei por uma imaturidade emocional sem precedentes. Estava perdendo o controle da situação, por uma paixão, ou pior, por uma fantasia.

Minha fantasia ou minha paixão tinha nome e tinha o sorriso mais lindo do mundo, e foi ele que me sorriu, e como diria Samuel Rosa, “quando a vida lhe sorri, por que não sorri de volta?”, bom, no meu caso, eu demorei a sorrir de volta, por que só vi esse sorriso, quando Marcela, delicadamente colocou meus óculos no meu rosto.

-- Acho que a senhora esqueceu seus olhos...

Quando enxerguei Marcela, e claro, seu sorriso tão de perto, suspirei alto sem perceber, e logicamente retribui o sorriso.

-- Muito obrigada, eu estava literalmente perdida.

-- Não imaginei que a senhora fosse tão míope, até recolher seus óculos sobre a mesa, apesar de quase ser confundida com uma ladra – Marcela parou para rir – o professor César se apresentou a comissão organizadora, e recolhemos suas coisas. Eles foram para um restaurante aqui perto, fiquei com a missão de leva-la, vamos?

Acenei em acordo, e saí com um sorriso radiante acompanhada de Marcela do Centro de Convenções.

-- O professor Aurélio disse que pedíssemos um “uber”, está demorando muito a chegar táxi essa hora. – Marcela disse.

-- Ah, é verdade. Deixa eu pedir.

Esperamos não mais do que dez minutos, em um silêncio recheado de sorrisos e olhares e poucas palavras do tipo:

-- A palestra foi maravilhosa!

-- Para de exagero, garota!

O motorista chegou e disse:
-- Dona Maria Luiza?

-- Sim, eu mesma.

Conferi a placa e a marca do carro e abri a porta para Marcela entrar.

-- Restaurante, Trattoria, no centro, conhece? – perguntei ao motorista.

-- Sim senhora.

Marcela me olhou com aquele sorriso de canto de boca e fiquei curiosa.

-- Maria Luiza?

-- É, meu nome. Não sabia?

-- Não sabia que tinha um “Maria”. A senhora sempre se apresenta Luiza de Antero Carvalho. Nunca percebi nem mesmo nas publicações que havia um “Maria”.

-- Nas publicações só aparece o Carvalho mesmo... o nome do meu pai leva os créditos no final das contas. Talvez você não tenha visto com atenção o “M” abreviado.

Marcela me encarou intrigada, o que manteve minha curiosidade.

-- Por quê está me olhando assim?

-- Tem um motivo?

-- Motivo pra que?

-- Ah, esconder o Maria, abreviar o M...

-- Nada demais, só não gosto de nomes compostos.

Fui enigmática, mas o motivo era tão esdruxulo, que me envergonhava. Preferi manter um certo ar de mistério, para instigar a imaginação de Marcela, pelo olhar dela, parece que consegui.

-- Chegamos, senhora.

O motorista avisou. Descemos e logo estávamos com os demais membros do grupo de pesquisa, no terraço do restaurante charmoso, que tinha a vista mais linda da cidade noturna. Jantamos, bebemos, rimos, e dessa vez, Marcela estava do meu lado, vez por outra, nossos braços roçavam, e literalmente nossa energia era sentida, coisas da física...Mas, como eu sou da química, prefiro não adentrar nessa descrição.

Por um momento, juro que senti o dedo mindinho de Marcela tocando o meu, quando minha mão estava na minha perna, depois de ajeitar a saia que subia. Não mexi minha mão, retribui o toque, mais que um toque: uma carícia, nossos dedos ficaram entrelaçados por alguns minutos, nem sei por quantos, o mais importante era que estávamos ligadas, anatomicamente por um dos menores ossos, mas, era uma ligação.

Antes de sairmos do restaurante, vi em outra mesa, me observando atentamente: Celina. Uma das hipóteses mais certas era a que minha ex, enxergara naquela noite o que eu mesma me recusava a assumir: estava apaixonada por uma aluna, uma jovem aluna, algo que eu e ela, sempre recriminamos no nosso meio de professores.

No quarto, aquele mesmo ritual: mala rosa, muitas necessaries, roupas no banheiro, pijama juvenil, e os passos tímidos em direção a cama.

-- Professora, eu posso mesmo dormir no sofá...

-- Ai que conversa enfadonha, Marcela... - Disse batendo nos travesseiros dela. – Aqui, seu lugar na cama. Vê se não ronca hoje, e baba só no travesseiro, ontem você babou em mim.

-- Eu?!

Marcela arregalou os olhos assombrada, e ruborizou. E eu me segurei para não rir.

-- É, você. Bebeu demais, bem bebê chorão você né? Fui consolar, aí o que eu ganho? Um festival de ronco e litros de baba no meu peito.

-- Ah não! Agora que eu não durmo aqui mesmo! Que vergonha!

Marcela deu um pulo da cama, e eu a segurei pela cintura, puxando-a de volta, fazendo-a cair perto de mim na cama. Meus braços envolveram a cintura dela e ela os segurou e voltou a cabeça para trás encontrando a minha que estava apoiada em sua nuca. Senti seu cheiro, respirei forte, meu coração, essa bomba vagabunda traiçoeira, pôs-se a galopar no peito, bombeando mais sangue pelo corpo, fazendo acelerar meu fôlego, e as pontas dos meus dedos, tremiam.

O corpo humano tem essa química perfeita diante do instinto mais primitivo: medo. Você se prepara para correr, ou para lutar. O cérebro envia a mensagem química para nossos sistemas serem ativados para centralizar as forças nos braços para a luta ou nas pernas para correr. Eu, estava cheia de medo, mas, um medo bom, meu sangue corria quente, queria sim a luta, lutar contra as convenções, contra minhas ideias ultrapassadas, e lutar por Marcela, mostrar minha paixão por ela com meu corpo e rouba-la para mim de uma vez por todas. A luta não era solitária, Marcela correspondia: suas mãos apertavam as minhas, subiam pelos meus braços, arranhava, arqueava a cabeça contra meu nariz e quando parecia inevitável, o telefone dela, ali do seu lado da cama, perto abaju, tocou, e pelo visor, não tinha um nome, tinha apenas um pronome:
“Ela”

Não foi ela a me soltar, fui eu. Soltei Marcela imediatamente e corri para o banheiro e tomei um banho demorado. Nem sei se ela atendeu. Na verdade, nem queria saber, eu desejava esquecer, desejava que a água lavasse o desejo que eu tinha por Marcela. E pela primeira vez me dei conta o quanto eu sofria por não tê-la, e desde Beatriz, não experimentei chorar por uma mulher como chorei por Marcela naquela noite, naquele banho de esconderijo.

Saí do banho envolvida no roupão, mexi na minha mala, e para meu desespero, meu amigo “rivotril” não estava na minha bolsa como sempre, já fazia um tempo que não apelava para ele. Marcela estava deitada de costas na cama, não disse nada, e agora, era eu que não tinha forças para deitar do seu lado. Fui para a antessala, sentei no sofá e mexendo no celular, vi uma mensagem de Celina, de mais cedo, de logo após a palestra:

-- “Brilhante como sempre, linda como nunca, cada vez mais excitante te ouvir, por que não lutei por nós?”

Olhei aquela mensagem e pensei: “por quê não?”. Abri o frigobar, tomei uma cerveja, dessas coloridas, misturadas com vodka, e respondi a mensagem de Celina.

“-- Está no hotel? Se está, está acordada?”
“-- Sim e sim.”

Olhei para a cama, Marcela estava imóvel. Pensei, ela se arrependeu. A consciência doeu, a namorada ligou, “ela” ligou, deve estar se consumindo de culpa. Beatriz traiu Alicinha comigo, e agora, Marcela estava a beira de trair a namorada comigo, que mulher estou me tornando? E ainda sim, eu esperava uma palavra de Marcela, mas, seu gesto, de virar-me as costas, foi o sinal que eu precisava para sair do jeito que eu estava, de roupão, direto para o quarto de Celina.
Duas batidas na porta e Celina abriu, visivelmente assustada por me ver naqueles trajes.

-- Luiza, você está louca? Todos os conferencistas do congresso estão nesses andares do hotel e você passeando nos corredores assim?!

Eu não dei ouvidos a Celina, desamarrei meu roupão, e fiquei nua na frente dela.

-- Você prefere conversar assim?

Celina se sentou no sofá completamente atordoada. Não tirou os olhos de mim, para meu ego, isso foi excitante. Ela levou as mãos à cabeça, como se não acreditasse no que estava acontecendo.

-- Quem é você? O que diabos aconteceu a você?

-- Cala a boca, e me come.

Sentei com as pernas abertas no colo de Celina e lhe roubei um beijo voraz, segurando seus cabelos curtos, mordiscando seus lábios, deixando a minha ex-namorada sem alternativa que não fosse corresponder. E quando eu começava a me remexer sobre as coxas de Celina, ela me pediu:

-- Luiza, para.

-- O que? – Perguntei ofegante, beijando seu pescoço.

-- Para. – Celina me afastou delicadamente. – Ontem, você não me quis, e hoje, eu sei o motivo.

-- Hoje, é outro dia. Você sempre me disse isso.

Tentei me aproximar mais uma vez de Celina, ela segurou meu rosto, acariciou, suspirou fechando os olhos e disse:

-- Provavelmente eu vá me odiar nos próximos dias, anos, por fazer isso, por não aproveitar uma noite maravilhosa de um sexo incrível com você, por que, ai meu Deus, eu já fiquei excitada quando você começou a desamarrar aquele roupão...

-- Então para de ser broxante, vamos curtir essa noite, matar nossa saudade.

-- Lu... Você lembra do que a gente falou sobre sempre sermos honestas uma com a outra? E foi por esse motivo que terminamos, por que fui honesta sobre não te dar garantias que não iria te trair namorando à distância...

-- Sei, isso passou, não estou propondo voltarmos a namorar, chatonilda! – Beijei, seus lábios.

-- Lu, ei, colabora vai... você está nua, me beijando, eu estou tentando ser uma mulher digna...

No fundo, eu sabia o que Celina queria falar, mas, eu não queria conversas. Queria sexo sem compromisso, com alguém confiável, o corpo dela era familiar, era confortável nas minhas lembranças, não existiam mágoas entre nós, era seguro.

-- Fala, Celina. Você conseguiu.

Levantei-me e vesti o roupão.

-- Não sou mulher de meias palavras, sou objetiva. Você está apaixonada por aquela aluna, a Marcela, não é? O que está acontecendo entre vocês?

Fiquei muda. Encarei Celina fingindo surpresa nos primeiros dez segundos, depois baixei a cabeça por não conseguir encarar os olhos cheios de verdade que ela transmitia e pior, que ela enxergava.

-- Vamos Luiza, eu juntei as peças. Quem está de fora, pode perceber com mais nitidez, pelo menos, quem te conhece como eu. Primeiro, você totalmente sã, recuperada de um relacionamento doentio com a Beatriz, mesmo convivendo com ela no mesmo campus, está mais bonita, com esse brilho no olhar, dividindo quarto com uma aluna, e me disse que estava envolvida emocionalmente com outra pessoa. Observei de longe vocês juntas, você assistiu as apresentações dela com olhar apaixonado, nem me notou na sala, ela te olhava com um fascínio perturbador na sua palestra, tanto que você até tirou seus óculos, e por fim, no restaurante, vocês eram praticamente um casal.

Coloquei os punhos na testa, e joguei a minha cabeça para trás, encostando na parede. As lágrimas sorveram fácil minhas palavras.

-- Lu... Você é a mulher mais inteligente que eu conheço, além de ser a mais altruísta e apaixonante. Eu te disse ontem, que você pode ter a mulher que quiser! Mas, você parece estar...

-- Eu quero a Marcela.

Saiu como um sussurro. Mas foi forte o suficiente para abalar Celina que se preparava para me dar uma chacoalhada. Era a primeira vez que meu pensamento confuso tomava forma em palavras e eu pronunciava.

-- Luiza, você se ouviu? Consegue perceber a insanidade do que acabou de dizer? Ela é sua orientanda do grupo de pesquisa, é sua aluna também?

-- É.

-- Luiza, isso pode ser um escândalo, pode detonar sua vida acadêmica, e a dela também. Imagina o que ela pode sofrer pelos comentários por ser a protegida da professora, por mais competente que ela seja. E como seria para uma menina que tem sei lá, 20 anos? Ter um relacionamento com uma mulher como você: realizada, admirada, de outro mundo.

-- Celina, como assim de outro mundo? Desde quando você tem preconceito de idade? Tenho muito em comum com a Marcela.

-- O grupo de pesquisa? Luiza, não estou falando de idade. Estou falando que você é professora, e ela é aluna, sabe que existem regras sobre isso, um processo administrativo pode ser aberto, podem questionar a presença dela no grupo de pesquisa, o nome dela nos artigos, basta uma pessoa insatisfeita, um aluno que não passou na seleção questionar isso, se descobrir esse romance...

-- Não tem romance nenhum! Porra, Celina! Acha que que existisse alguma coisa entre eu e Marcela eu estaria aqui? Nua, me oferecendo para você, que é a minha ex-namorada que eu mais sinto saudade? A que eu mais confio?

-- Caralho, Luiza... Não sei se me ofendo, ou se me sinto honrada com essas palavras.

-- Desculpa. Eu tenho que voltar para o quarto, já te enchi demais. Estou me sentindo ridícula.

-- Depois de resisti a você nua, com as pernas abertas roçando nas minhas pernas, eu já posso professar meus votos de castidade... Dorme aqui, amanhã cedo, você vai para o seu quarto, deve ser uma tortura dormir do lado dela sem poder...

-- Ah, nem me fala...

E desabei. Chorei que nem criança abraçada a Celina, que para minha sorte, andava com amostras grátis de uns primos mais modernos do rivotril, me deu, que me fez dormir logo. Antes que Celina acordasse, meu celular despertou, era hora de voltar para o meu quarto. Encontrei Marcela na mesma posição, por certo, nem se deu conta que não dormi ali. Aproveitei para adiantar o banho, foi quando percebi o vazio da caixa de lenços no banheiro, se Marcela não teve uma crise de rinite alérgica, não fui a única a derramar algumas lágrimas na noite anterior.

Quando saí do banho, ela já estava desperta. Eu era a adulta, tinha que agir como tal:

--Bom dia. O banheiro está livre. É bom deixar as malas prontas, para que passemos só para pegá-las no final do dia, não vai dar tempo tomar outro banho antes de irmos ao aeroporto. Vamos deixar no guarda-volumes do hotel.

-- Bom dia. Tudo bem, já está mais ou menos pronta.

No café da manhã o silêncio imperava. Pelo menos entre eu e Marcela, os demais estavam animados. Até que Aurélio sugeriu:

-- Luiza, os meninos já apresentaram os trabalhos, você já deu sua palestra, essa cidade é incrível, só tem uma palestra hoje de manhã que vale a pena vermos. Que tal, se a gente assistir a palestra e depois turistar!

Os olhares jovens se iluminaram, exceto os de Marcela, esses continuaram baixos, mexendo a colher na xícara.

-- Aurélio, você foi contaminado pelo quarto compartilhado? César, você também? – Brinquei.

-- Você fala como se fosse uma mulher climatérica! Tenha dó, Luiza! Venha conosco. – César retrucou.

-- Façam o seguinte: assistam a palestra, vale a pena, eu já assisti em Barcelona, no ano passado. Vou me reunir com o representante da Fundação Folley, aqui mesmo na sala de reuniões do hotel, talvez consigamos um financiamento para duas bolsas e artigos que temos engavetados. Depois, podem ir conhecer e curtir a cidade, mas, lembrem-se do horário do vôo, a gente não tem grana para remarcar.

-- Então pessoal, rapidinho, subam nos quartos, e coloquem nas mochilas uma roupinha mais leve, uma chinela de dedo, um tênis, para sairmos direto do centro de convenções. – Aurélio orientou.

-- Eu vou ficar no congresso, e encontro com vocês aqui no hotel para irmos ao aeroporto. – Marcela falou.

-- Tá doida? Não mesmo!

Jessica puxou a amiga para o saguão e de longe observei as duas batendo boca. Marcela só balançava a cabeça, franzia a testa, sem falar muita coisa, só Jéssica gesticulava e falava muito. Para agendar a sala de reuniões do hotel, fui ate a recepção e não pude deixar de ouvir o que Jessica falava:

--“Ah mas, como a Laura mudou não é mesmo? Ela pode sair na hora que bem entender, com quem ela quiser, pra onde ela quiser, dá notícias quando tiver vontade, e quando se trata de você, aí existem regras? Você está em um congresso, tinha que atender no meio de uma palestra? Ela brigou com você por que você saiu com seus colegas de faculdade e seus professores?”

-- “Eu prometi que ligaria, ela ficou preocupada, essa cidade é grande, Jessica, é diferente, ela não faz parte desse mundo, se sente insegura”

--“Insegurança é problema dela, eu não vou deixar você não aproveitar essa viagem por xilique da Laura. Ela achou ruim você ficar com a professora Luiza, por isso está infernizando, mas, você não vai ceder, anda, vai pegar uma sandália.”

Ah Luiza, que nível você chegou, bisbilhotando conversa de alunas. E pior, ter subsidio para nuvens e nuvens de hipóteses sobre os motivos dos desentendimentos entre Marcela e Laura, será que eu era um deles? Tentei não pensar nisso naquele dia, e fiz minha própria agenda. Não fui turistar, com os demais, mas, não consegui dividir o espaço do quarto com Marcela depois de ouvir aquela conversa, depois daquela noite, era muita informação e sentimento para ser equacionado. Fiz minha mala, e fiquei no bar esperando o horário marcado para seguirmos para o aeroporto.

-- Dois bourbons com gelo, por favor.

A voz familiar atrás de mim, logo se fez presente do meu lado. Celina se sentou do meu lado no bar.

-- Bourbon? Nossa, está disposta! Você só bebe isso em duas ocasiões: quando precisa ficar bêbada, ou quando quer ficar bêbada.

-- Existe agora uma terceira ocasião: quando eu preciso ficar bêbada com alguém, que está muito ferrada.

-- Ah, muito obrigada, mas eu não vou viajar bêbada com um grupo de alunos, obrigada pela oferta.

-- Uma dose não vai te deixar bêbada. Vamos, tome comigo.

-- Tudo bem... O que é um peido para quem está cagada não é mesmo?

-- Isso aí! Eu bebo a isso!

Brindamos.

-- Luiza, não parei de pensar no que conversamos, na sua situação, e eu estou preocupada. Nunca te vi daquele jeito, tão vulnerável. Olha que te vi no fundo do poço com a Beatriz, mas, eu vejo um risco emocional muito profundo, com dano colateral para muitos lados...

-- Eu já entendi, Celina. Tenho que por um fim a esse romance platônico. Você tem razão.

Viramos o resto da dose e nos abraçamos. Quando nos desvencilhamos, Celina me deu um beijo afetuoso na testa, se despedindo e sorriu, soltei sua mão, e quando olhei para a saída do bar, vi Marcela observando toda a cena. Acho que a vida providenciou um atalho para a decisão que eu acabara de tomar e comunicar a Celina.