quarta-feira, 29 de novembro de 2017

CAPÍTULO 16: O CONGRESSO



Os alunos no GRUFARMA me surpreenderam. Com o esforço em equipe, conseguiram arrecadar dinheiro suficiente para as inscrições do Congresso de Pesquisa Clínica, nem todos puderam arcar com os custos das passagens, o escasso recurso fornecido pela universidade pagou parte da hospedagem do hotel mais modesto sugerido pela comissão do evento. Como palestrante convidada, minhas despesas estavam pagas, senti-me na obrigação de ajudar com os custos restantes da hospedagem, e partimos: três docentes e cinco pesquisadores do grupo, dentre eles, a mais linda e esforçada: Marcela.


No aeroporto, meu coração experimentou aquele aperto, que só os apaixonados sabem do que estou falando. De longe, reconheci pelas fotos, Laura, se despedindo de Marcela, no saguão. Não vi nada demais, qualquer outra pessoa veria um abraço entre amigas, mas, eu... Bem, eu sabia da verdade.


Marcela se aproximou um tanto tímida de nós, que já nos preparávamos para entrar na sala de embarque. Educadamente me cumprimentou, mas, evitava meus olhos. O voo foi curto, ficamos em poltronas distantes, entretanto, o simples fato de saber que essa seria uma viagem com Marcela, dias em outro ambiente, e longe da namorada dela, já de dava um alento (deprimente, confesso) de ter sua companhia perto por alguns dias.


Ao chegarmos no hotel, Aurélio se prontificou a fazer a divisão dos quartos, conforme nossa reserva, paga antecipadamente, para garantir um desconto a mais. Matemática simples: ele dividira o quarto com o outro colega docente, as três alunas em um quarto triplo e os dois meninos no quarto standart. Meu quarto estava reservado pela comissão do evento, ficaria sozinha em um quarto superior.


Mas, nem tudo é simples, quando se trata da logística de um evento gigantesco, e nós com orçamento curto. Percebi Aurélio exaltado com uma das recepcionistas do hotel e me aproximei.


-- Algum problema Aurélio?

-- Pelo visto, sim. Esse hotel tem um sistema completamente desorganizado. Não há quartos suficientes! E como pagamos antecipado, não temos direito a ressarcimento por causa das regras do desconto...

-- Ei, ei, calma, Aurélio. Como assim, não tem quartos suficientes? Já pagamos pelos quartos, o hotel tem que providenciar. Moço – dirigi-me ao recepcionista – Temos os recibos dos pagamentos, se foi o sistema de vocês a errar, não podemos pagar por esse erro, como vocês vão resolver isso?



O recepcionista, estava nervoso, a fila para o check-in estava enorme, e obviamente, ele não poderia fazer nada que contrariasse a política do hotel.


-- Senhora, eu estava explicando ao seu colega, que não temos quartos suficientes. Infelizmente não posso pelo sistema, fazer o ressarcimento imediatamente...

-- Isso eu já entendi, chame seu gerente, para que resolvamos isso sem maiores constrangimentos para o hotel, por que com certeza, acredite, a irritação do meu amigo não é nadinha perto da minha.



De valentia, eu só tinha pose, mas isso bastou para intimidar o funcionário. Rapidamente o gerente do hotel surgiu, e após a cansativa repetição da história, ele se desculpou, mexendo no monitor do sistema de reservas.


-- Infelizmente, não temos as acomodações que foram pagas por vocês, um terrível erro do sistema, e estamos lotados. Posso acomodar vocês em outro hotel da rede, mas, é um pouco distante do centro de convenções.

-- Um pouco distante, exatamente quanto? – Aurélio perguntou.

-- Uns 40 minutos de carro...

-- O que?!



Aurélio berrou antes do gerente concluir a sentença.


-- Completamente inviável para nós, senhor. Sem contar que isso aumenta nossos custos com deslocamento. – Respondi irritada.

-- Infelizmente, só tenho dois quartos. – O gerente explicou.

-- Quantas camas, tem esses quartos? Tenho um de casal, e outro tem três camas, mas uma delas é beliche, então posso acomodar mais uma cama se vocês desejarem.

-- Mas, mesmo assim, não nos acomoda. – Aurélio bufou irritado. – Vou processar esse hotel! Começar agora a tuitar, vou até fazer um “live” no Instragram.


Ele cumpriu a ameaça, e concordamos que de fato, processaríamos o hotel. Aurélio se afastou para começar a publicar sua insatisfação colérica. E eu, tentava negociar com os demais como resolveríamos o problema.


-- Professora, não me incomodo em dormir em beliche, então esse quarto maior pode ficar com os homens. – Humberto sugeriu.

-- E nós, as três meninas, a gente se vira em um quarto de casal, sem problemas professora. Não podem colocar uma cama extra lá? – Jessica indagou.

-- Tudo bem, deixe-me ver.



Eu estava completamente constrangida. Enquanto eu me ficaria no conforto de uma grande suíte só para mim, os demais membros do grupo, iam se apertar em um quarto, sem um mínimo de privacidade e conforto.


-- Seria possível, colocar mais uma cama no quarto de casal? Para acomodar as três meninas? – Perguntei ao gerente.

-- Senhora, não há espaço. Esse quarto disponível, é menor. O hotel devolverá o excedente, vocês pagarão apenas pelos dois quartos, com as nossas mais sinceras desculpas.

-- As desculpas e o ressarcimento no cartão não resolve nossos problemas. Diga-me, o quarto reservado pela comissão para mim, é amplo?

-- Sim senhora, mas... Trata-se de um convênio com a empresa que está organizando o evento, perdoe-me mas, não posso colocar camas lá, está completamente fora do meu alcance, a mobília do quarto nem permite tal arranjo.



Respirei fundo, contrariada com a situação. No saguão do hotel, todos já estavam exaustos da situação, e o tempo ficara mais curto, em pouco menos de duas horas, a abertura do congresso aconteceria, e sequer acomodação tínhamos para todos. Foi quando sentei em uma das cadeiras vazias, junto aos demais membros do grupo e sugeri:


-- Pessoal, eu sinto muito pelo contratempo. Podemos sair deste hotel e ficar em outro mais distante, e sacrificarmos horas de descanso, no trânsito até o centro de convenções, ou nos adaptarmos ao que o hotel está nos oferecendo. Aurélio, César, sei que é pedir demais, mas, é possível ficar com Humberto e Artur no quarto maior? Meninos, tudo bem para vocês?


-- Luiza, não temos muita opção, ir para outro hotel é insanidade, vamos perder muito tempo. São poucos dias, acho que podemos nos organizar sim, mas, com certeza vou processar esse hotel.


Aurélio falou, demonstrando um tom mais calmo, e os demais concordaram com a solução.


-- Meninas, Jessica, Marcela e Carol, o quarto é de casal, e não cabe outra cama. Dormir três de vocês em uma cama só é demais, eu, estou com um quarto sozinha, é espaçoso, uma de vocês pode ficar comigo, é o mínimo que posso fazer, gostaria de fazer mais, entretanto, o hotel não permite. Então, o que vocês acham?


As meninas se entreolharam, tímidas, só falaram que entendiam a situação, mas, nenhuma se candidatou a vaga no meu quarto.


-- Professora, a gente se vira no quarto, não tem problema. Não vamos tirar a privacidade da senhora, não se preocupe, estudante dá um jeito pra tudo, ficamos no quarto as três. – Carol disse.

-- De maneira nenhuma! Já que ninguém se candidata, vamos fazer um sorteio, seja por sorte ou azar, uma de vocês vai dividir comigo o conforto de uma boa suíte.



Rapidamente coloquei o nome das três em post-it, dobrei-os e pedi para Aurélio retirar um deles. Por alguns momentos, logicamente, desejei que Marcela se oferecesse espontaneamente para ficar comigo, foi uma pequena frustração por isso não ter acontecido. Entretanto, não sei se mais uma vez a vida me sacaneou, ou o universo conspirou a meu favor, Aurélio anunciou o nome do post-it sorteado:


-- Marcela. Dito isso, então, está resolvido. Vamos nos registrar.


Olhei rapidamente para Marcela, que estava com os olhos brilhando, não sei de medo ou alegria. Eu entendia essa dubiedade de sentimentos se assim o fosse, por que eu sentia o mesmo.


-- Vamos.


Fingi naturalidade, e minutos depois, estava travando uma luta com meu músculo cardíaco e a caixa torácica que o abrigava, se eu não estivesse com tanta roupa, certamente seria possível visualizar minha blusa balançar, tamanha era a intensidade das batidas do meu coração. Eu e Marcela, seguimos sozinha no elevador, o hotel, disponibilizava elevadores diferentes de acordo com o andar dos apartamentos, e o meu estava localizado entre os últimos andares.


Visivelmente tímida, Marcela, demonstrava o quão estava intimidada pela atmosfera do hotel. Segurava com força a alça da malinha rosa, e evitava encarar o espelho do elevador. Certamente por isso, não percebeu o quão trêmula eu estava para acertar o cartão magnético no painel, antes de apertar o andar correspondente. Se ela não percebeu o quanto eu estava tremendo dentro do elevador, à porta do quarto, ela viu.


-- Essas chaves são chatas, só falta não estar magnetizada, e eu ter que descer esses vinte andares para apanhar outro... – Comentei tentando disfarçar.


O quarto era bem espaçoso mesmo. Já morei em apartamentos menores do que aquilo: sala com um confortável sofá de dois lugares, pequeno office, cozinha embutida (com pia, frigobar, cafeteira, cooktop, forno micro-ondas e um jogo básico de copos e talheres), TV de plasma de 20 polegadas, uma cama espaçosa, poltrona, cofre, e um guarda-roupas igualmente amplo. Banheiro sofisticado, como o resto do quarto, espaçoso. Olhei na direção de Marcela, e percebi que ela estava intimidada, e tratei de deixa-la mais à vontade.


-- Acabou de pensar: “me dei bem”, né? Imagina se você iria ficar em um quarto apertado, tendo isso tudo aqui, de graça heim? Venha, vamos acomodar essas malas.


-- Professora, eu durmo aqui mesmo no sofá. Bem melhor do que o aperto da cama com três, a Jessica toma espaço de três, sozinha.


-- Marcela, para de bobagem. O sofá só serve para sentar, por mais confortável que pareça, não dá para dormir não. Olha o tamanho dessa cama, você nem vai me notar, juro.

-- Faço questão, professora...

-- Olha, não vamos discutir isso agora. Vamos nos arrumar, daqui a uma hora e meia precisamos encontrar o pessoal no saguão para irmos à abertura do Congresso. A palestra inaugural é importantíssima para nosso grupo, inclusive para tentarmos um contato com diretor de agência de financiamento. Quer ir tomar banho primeiro?


-- Que é isso, professora, o quarto é seu, por favor, pode ir.

-- Vai ser assim, com essas regras? Estou na lista de portadores de necessidades especiais só porque sou uma década mais velha que você?

-- Na verdade, mais que uma década. – Marcela disse sorrindo.

-- Ah, só por esse desaforo, agora, eu que mando! Vá já para o banho, mocinha.


Marcela se deu por vencida, mas, com muita timidez, tentando tomar menos espaço possível no quarto, abriu a sua mala rosa na parte que equivalia a antessala da suíte, e eu, fiz minha parte para lhe dar mais espaço, acomodei minha mala no guarda-roupas, enquanto de rabo de olho, observava Marcela ir de malas e cuia para dentro do banheiro, na verdade, só as cuias, várias necessaries, roupas dobradas, o que me fez supor que ela se trocaria ali mesmo no banheiro. Respeitei, e não fiz nenhum comentário, até mesmo porque, seria um martírio vê-la desnuda, sem poder dar vazão ao meu desejo que crescia com raízes profundas.


Aquele ritual tão próprio do mundo feminino: duas mulheres arrumando-se para sair, passara pelos meus olhos em câmera lenta. O jeito delicado de Marcela se ajustar no vestido justinho, na altura dos joelhos, abaixava-se para pegar suas bijuterias na mala, procurando um par de brincos mais adequado, tudo tão banal, e para mim, estava carregado de sensualidade.


-- Marcela, tem um espelho de corpo inteiro aqui no guarda-roupas, não precisa fazer malabarismo aí no banheiro. Eu já me arrumei, posso me maquiar no banheiro, aliás, devo!


Marcela aceitou tímida meu convite. Pelo espelho notei que ela me olhava, abusei, tentando parecer imune ao seu olhar, joguei os cabelos para um lado, depois para o outro, simulei prendê-lo, tudo para passar mais tempo ao alcance dos olhos de Marcela.


-- Está pronta? – Perguntei, voltando do banheiro.

-- Acho que sim. Não dá para melhorar mais do que isso.

-- Você tem razão, não dá para melhorar o que já é perfeito.


Não percebi que verbalizei em voz alta meu pensamento mais verdadeiro. Marcela balançou a cabeça negativamente, e totalmente acanhada.


-- Na sua idade, não precisa de muito esforço para produção, está linda, podemos ir?


Tentei fingir naturalidade, mas eu me atrapalhava toda, chutando a cama, a porta do guarda-roupas.


-- A senhora está linda, como sempre. – Marcela retribuiu o elogio.

-- Tenho que te avisar, que não estou dando pontos na avaliação parcial do semestre nesse congresso, melhor guardar sua munição para o próximo mês.


Tentei brincar para não deixar tão evidente que eu estava abobada com nossa troca de olhares encantados.


No saguão, esperamos os demais, sem conseguir emendar um assunto na conversa. Estava nervosa com a presença de Marcela, tão linda, produzida com simplicidade, não menti, ela não precisava de nenhum artifício para ficar deslumbrante, mesmo assim, foi a primeira vez que a via daquela forma, isso me apavorou, imaginando como seria minha noite no mesmo quarto que ela.


Dividimos dois táxis para chegarmos ao Centro de Convenções, e lá, houve aquela separação de tribo. Docentes para um lado e discentes para outro, tínhamos objetivos diferentes. Os alunos estavam empolgados, isso sempre me animou. Reencontrei vários amigos pesquisadores do país, alguns estavam fora do Brasil, e foi uma excelente oportunidade de trocar informações sobre bolsas ofertadas por universidades estrangeiras, era o que eu precisava para meus orientandos do mestrado.


Logicamente, como esse era meu mundo desde que ingressei na pesquisa ainda como acadêmica, encontrei também duas ou três ex-namoradas ou rolos do meu passado. No coquetel de abertura do evento após a palestra inaugural, foi inevitável cumprimenta-las e quase formalmente atualizarmos nossa condição atual profissional. Durante todo o tempo, buscava Marcela entre as centenas de pessoas espalhadas, só a encontrei quando fui encontrada por minha ex-namorada mais próxima, aquela que antecedeu Beatriz.


Celina era infectologista, era professora e chefe da residência da Universidade Federal, em outro campus. Nosso término se deu justamente por ela não aceitar namoro à distância, segundo ela, isso não funcionava em nenhum relacionamento, especialmente entre mulheres, onde tudo era mais dramático. Depois de algum tempo concordei com os argumentos dela, pelo menos entre nós a distância mataria nossos sentimentos, Celina era passional, ciumenta, intensa em tudo, a presença física para ela era o ponto principal para o sucesso de uma relação saudável. Ela terminou comigo antes de me trair, na verdade ela me avisou sobre seu interesse em novas pessoas, isso para ela, já era traição, e foi o suficiente para terminarmos sem maiores dramas (da parte dela pelo menos, por que eu sofri a dor de corno).


-- Fiquei muito feliz em ver seu nome na lista dos conferencistas, foi um dos motivos para que eu aceitasse vir a esse coquetel de abertura. – Celina me disse com um largo sorriso, depois de me abraçar.

-- Não me surpreendi em ver seu nome na lista também, mas, confesso que não esperava te ver na abertura, você odeia essas convenções sociais.

-- Estou na cidade desde ontem, vim para uma banca de defesa de mestrado, ah, estava entediada no hotel, ninguém topou fazer um programa fora desse evento, cedi.



Celina falava com aquele jeito despojado dela de sempre. Quem não a conhecia bem, pensaria que ela era uma criatura ranzinza e fria, no entanto, ela era uma companhia agradabilíssima, muito divertida, e sem dúvida uma linda mulher. Nosso papo animado, era observado de longe por Marcela, vi nisso uma excelente oportunidade de provocar ciúmes na garota. Então, eu pegava nos braços de Celina enquanto ela me narrava uma história engraçada, servia taças de espumante para ela, fazendo parecer que eu estava me derretendo por ela.


-- Pelo seu comportamento, posso deduzir que está finalmente solteira? Sem a nuvem Beatriz te circundando?

-- Esperta demais você!

-- Claro que sou, sou brilhante, mas, nesse caso é lógica pura. Você está sorrindo normalmente, sem parecer aquelas montagens de edição de foto, Luiza. Nunca te escondi o quanto eu achava a Beatriz um atraso de vida para você. Alguém para me superar, ah Luiza! Eu merecia alguém melhor na linha sucessória, não é?


Fiz uma careta infantil para Celina.


-- Você me deixou Celina, e sua fila andou rapidinho, está mesmo me criticando?

-- Claro que estou! Você pode ter a mulher que quiser Luiza! Aí, se conformou com Beatriz, uma pessoa medíocre, que você arrastou como peso, apagou seu brilho, eu fiquei muito decepcionada quando encontrei com você e ela naquela convenção em Brasília.

-- É, você não escondeu sua decepção. Atacou a Beatriz com essa sua língua felina!

-- Leonina, meu bem. – Celina brincou.

-- Pois é, deixou sua juba bem saliente. Como você consegue seguir tanto um estereotipo assim?

-- Nasci assim, não preciso me esforçar.


Gargalhamos. E eu, me contorcia inteira para fazer um giro de 360° com os olhos em busca de Marcela, que continuava ali, com os colegas, mas fuzilando com o olhar eu e Celina.


-- Já sabe que estou solteira, e você? Também está?

-- Direta e objetiva! Essa é minha garota! – Celina sorriu.

-- Não me enrola, vai.

-- Solteira, e pelos mesmos motivos de sempre. Paixão que leva a ciúme, que gera sexo de pazes, e isso vicia, até alguém ter que partir. Geralmente sou eu que parto, mas, dessa vez, fui deixada. E adivinha? Eu quis manter o namoro à distância, mas, ela não. Usou minhas próprias palavras contra mim, e me disse, que eu não sou capaz de namorar a distância, presença física era tudo.

-- O mundo gira, heim meu bem?

-- Acho que esse coquetel já deu o que tinha que dar, vamos tomar uma bebida de verdade?


O convite de Celina, tinha traços de malícia. Em qualquer outro momento da minha vida, isso seria lisonjeiro, mas, naquela situação, parecia um convite à traição dos meus sentimentos por Marcela. Antes que eu respondesse a proposta de Celina, Aurélio se aproximou com os meninos, e ao ver Celina, empolgou-se, lembrei-me de que foram amigos íntimos quando ela estava no nosso campus.

-- Ai meu Deus! Celina! Algo de bom tinha que acontecer hoje!

Aurélio deixou um pouco do seu jeito afeminado comedido dar as caras. Logo os dois amigos organizaram uma fugida daquele evento mais formal do evento e partimos para um bar tradicional da cidade.

-- Pessoal, não podemos demorar, quero que vocês aproveitem o congresso! – Chamei a atenção dos alunos mais novos.

-- Luiza, relaxa, de manhã não tem nada de muito interessante. – Celina disse, passando a mão pelos meus ombros.

-- Para você pode ser que não, mas, para eles sim!

Disse isso antes de nos sentarmos na mesa situada no calçadão que abrigava o bar escolhido. Celina fez questão de sentar-se ao meu lado, e por ironia do destino, ficamos à frente de Marcela e Jessica. Isso ia dar merda, pensei. Provocar os ciúmes de Marcela, poderia ser um bônus inesperado, Celina solteira, era um risco, ela poderia se insinuar para que nosso reencontro oportunizasse um “remember”, contudo, meu medo era que Celina identificasse o clima entre eu e Marcela, e aí sim, a noite poderia ser um desastre.


E não deu outra! Depois de algumas cervejas, mais a vontade na mesa, Marcela passou a encarar eu e Celina frequentemente. Eu já nem tocava na caipivodka de kiwi, precisava ficar sóbria. Já Celina, esta não parava de pedir “Manhattan”, o que começava a me preocupar.


Senti uma mão de Celina afagar minhas pernas, especificamente a parte interna da minha coxa, e no susto, levantei bruscamente a perna derrubando minha bebida na mesa. Celina ria maliciosamente, enquanto Marcela virava as tulipas de cerveja, nitidamente desconfortável com a situação. As investidas de Celina ficavam mais obvias, cochichava lembranças de momentos nossos, afagava mechas do meu cabelo, e eu, por mais que tentasse colocar limites, afastando minha cadeira e puxando assunto com outras pessoas na mesa, não conseguia escapar do olhar fuzilante de Marcela.


Insanamente experimentei culpa, um receio tão absurdo de que aquilo estava magoando Marcela, não pensei em nenhum momento em Marcela como uma aluna, nem tampouco que ela tinha uma namorada que afirmava amar. Era hora de encerrar a noite naquele bar.

-- Pessoal, não sei quanto a vocês, mas, para mim, já deu. Estou indo para o hotel, alguém quer aproveitar o táxi?


Disse, olhando para Marcela.

-- Eu te acompanho. – Celina se antecipou.

-- Eu também. – Marcela disse em tom de desafio.

-- Ok, então, vamos...


Como diria o personagem Ferdinando do programa de humor Vai que Cola: “Bicha, eu fiquei toda cagada!”. Comecei a me tremer logo naquela hora, antes mesmo de levantar-me e seguir para o ponto de táxi. Enquanto estava na fila para pagar minha comanda, Celina, atrás de mim, praticamente me abraçando por trás, sussurrou:

-- No meu quarto, ou no seu?


Aí pronto! A mulher gelatina incorporou, me tremi inteira. Disfarcei para não responder o convite de Celina.

-- Aqueles petiscos, ficaram na sua ou na minha comanda?

-- Isso importa? – Celina falou roçando seus lábios no meu ombro.

-- Claro que sim, podem cobrar duplicado.


Não respondi ao convite de Celina, e saímos do bar, as três em direção ao ponto de táxi.

-- Você está no Intercontinental também, Celina?

-- Sim, estou.

-- Ah, tudo certo então. Marcela está dividindo quarto comigo, vamos no mesmo táxi então.


Marcela andava no mesmo passo que nós, como se fosse meu guarda-costas. Entramos no táxi, e seguimos para o hotel, e não teria como ser pior a minha posição, fui no meio das duas no banco traseiro do carro.

À porta do hotel, Celina, dessa vez não me perguntou, ela me intimou:

-- Quarto 2112, já que você adotou um mascote no seu quarto.

Fiquei pálida, Marcela ouviu o comentário, e eu sem saber o que falar, apenas encarei a jovem quase que implorando perdão.

-- Acho que vou precisar pegar um cartão-chave para mim.


Marcela disse com aspecto tristonho, o que me cortou o coração. Mas, o que eu poderia alegar? Fazer uma “DR a trois” no saguão do hotel não era uma opção. Celina me puxou pela mão e praticamente me empurrou para o elevador, sem cerimônia avançou na minha boca, beijando-me com volúpia, tocando-me com toda propriedade que ela tinha sobre as minhas preferências sexuais. Dentro do seu quarto, ela foi se apressando em se despir, se desequilibrou e caiu sentada na cama, fato que foi providencial para que eu me afastasse dela para falar:

-- Celina, para. Não, eu não quero, não posso.

-- Oi? O que é isso Luiza? Como assim?

-- Você é uma mulher maravilhosa, senti muito a sua falta, seus beijos, suas mãos, ai, continuam incríveis! Mas, eu não posso. Não seria certo, não seria justo comigo, nem com você.

-- Não estou entendendo Luiza. Somos duas mulheres adultas, solteiras, que se desejam, o que há de errado nisso? Não estou te pedindo para voltarmos a namorar, é carinho, desejo.

-- Não teria nada de errado, se eu não estivesse emocionalmente envolvida com outra pessoa. Mas, eu estou. Desculpe-me Celina, mas, está além de mim, eu não conseguiria entregar meu corpo a você, ele está ausente.


Celina se arrumou na cama, e perguntou:

-- Você está apaixonada?

-- Não sei, não sei se essa é a palavra. Mas, prefiro não aumentar a confusão que já está na minha cabeça.


Saí do quarto depois de beijar os lábios de Celina e corri para o elevador. Ao entrar no meu quarto, dei de cara com Marcela, tirando a maquiagem borrada de lágrimas no banheiro. Ao notar minha presença, ela fechou a porta e disse baixinho:

-- Não vou demorar, professora.


Fiquei muda. Fui retirando os sapatos, bebi um copo de água, e andei de um lado para outro à porta do banheiro, até que Marcela abriu.

-- Desculpa a demora, professora. Pode ficar à vontade.

-- Não demorou. Marcela, está tudo bem?

-- Acho que passei da conta nas cervejas, só isso.


Não acreditei, lógico, mas não insisti. Entrei no banheiro quase fugindo de encarar o olhar decepcionado de Marcela. Tirei a maquiagem, envolvi-me no roupão, e saí, encontrando Marcela vestida em um pijama juvenil, colorido com estampas. Ela estava arrumando o sofá para deitar-se.

-- Ei, o que você está fazendo?

-- Arrumando o sofá, vou dormir aqui. – Marcela respondeu.

-- Não mesmo. Venha, tem espaço de sobra aqui na cama.


Puxei Marcela pela mão, que estava gelada, e ela imediatamente soltou.

-- Não, eu não quero! Já estou atrapalhando demais.

-- Marcela não seja infantil. Você não atrapalha em nada, e não te trouxe para dormir nesse quarto em um sofá minúsculo.

-- Sou infantil? Um mascote?


Percebi a mágoa dela no tom.

-- Esquece o que a Celine falou, ela bebeu demais. Mas, está sendo infantil, cabeça dura em insistir em dormir aí nesse sofá. Venha comigo, essa cama tem espaço de sobra.


Dessa vez, empurrei Marcela até a cama, ajeitei os travesseiros, e praticamente ordenei:

-- Deite-se.


Contrariada, ela se deitou. Puxei o cobertor para envolve-la, apaguei a luz do abajur do seu lado e disse:

-- Nem precisa dividir o cobertor comigo, tem outro ali no guarda-roupas. Eu não quero mais discutir isso.


Peguei minha camisola no guarda-roupas e me vesti no banheiro. Acomodei-me na cama, a uma distância segura de Marcela, mas suficiente para ouvi-la soluçar.

-- Marcela? - Acendi a luz do abajur. – Você está bem?


Ela não respondeu, mas chorou mais alto. Não me contive, e me aproximei dela. Virei o corpo dela para que eu pudesse encará-la e vi seus olhos vermelhos e nariz inchado, evidenciando seu choro.


-- Ei pequena, o que houve?


Ela apenas balançou a cabeça negativamente. Entendi que ela não queria falar. Abracei-a contra meu peito, afaguei seus cabelos, esperei que os soluços cessassem, e deixei que ela adormecesse nos meus braços, contendo meu desejo pulsante de tomar sua boca, e ter seu corpo inteiro no meu.


Ao acordar, ainda sentia o cheiro doce e a maciez da pele de Marcela na minha, ela, acordou assustada, timidamente se desvencilhou de mim e disse acanhada:


-- Desculpa professora.

-- Bom dia pra você também, Marcela. Você costuma iniciar seu dia assim, já se desculpando?


Marcela riu.

-- Bom dia.

-- Vamos nos apressar para tomar o café? Os meninos já estão se aprontando.


Marcela concordou e sem tocar no assunto da noite anterior, seguiu para o banheiro, e eu, assinava mentalmente meu atestado de boboca apaixonada, contemplando cada gesto dela, manuseando suas muitas necessaries guardadas naquela mala rosa.
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Durante o primeiro dia de congresso, estávamos todos espalhados. Fiz questão de que todos explorassem o que mais lhes atraia. O dia seguinte seria o das apresentações deles, então aquele era o dia de fazer o tour na afinidade de cada um. Mas, ao final da tarde, todos estavam em um dos maiores auditórios do centro de convenções para assistir minha palestra, os membros do grupo, e para minha surpresa, Celine também.