quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

CAPÍTULO 21: LIÇÃO 17 – AUTO-CONHECIMENTO É UM DOM

Na hora marcada cheguei ao hotel para buscar Celina, conforme combinamos para sairmos para jantar. Ela estava linda, realmente, linda. Havia me esquecido o quanto minha ex-namorada conseguia ficar extremamente feminina e deslumbrante quando queria, logo pensei que aquele não seria um jantar entre amigas, as intenções de Celina eram outras.


-- Nossa, que produção! Você está linda, Celina, acho que vão pensar que sou sua secretária pessoal.

-- Obrigada, mas, para de exageros, você nunca precisou de grandes produções para ficar ainda mais linda, Luiza.


Seguimos para o restaurante em meio a conversas amenas, Celina, tinha um humor peculiar e obviamente o espetáculo dado por Beatriz foi o assunto principal das piadas dela.


-- Eu juro que eu pensei que iam sair dois chifres na testa dela, quando os olhos dela ficaram vermelhos, pensei que iria enfrentar o demônio na sua forma real. Aquelas veias da testa dela, nunca te assustaram no meio de uma briga?

-- Ah Celina, para com isso! – Eu gargalhava – Você provocou também, ela já estava com raiva, ela te odeia!

-- Luiza, eu ainda não sei o que você viu naquela mulher. Ela é intragável! Ela me odeia, por que sempre se comparou a mim, e convenhamos, devia temer que você percebesse o quanto regrediu em termos de namorada.

-- Sua modéstia sempre me encantou, já te disse?

-- Ah Luiza, eu sempre te encantei em muitos aspectos, não é?


Sorri, e percebi que o tom de humor de Celina se misturava ao flerte tão típico dela.


-- Esses meses que se passaram desde o congresso, percebi que você tem publicado bastante, foram quatro artigos de alto impacto? Esse foco todo no trabalho tem um motivo específico que não seja sua bela carreira acadêmica, Lu?

-- Você costumava ser mais objetiva quando queria me perguntar algo, Celina.

-- Eu estava tentando ser sutil, mas, você não me dá chance... Então, a questão com a aluna, foi resolvida?

-- A questão? Nossa... Esqueci que você era objetiva e pragmática.

-- Lu, desculpa, mas, eu achei que era só uma paixonite... Perdoe-me se fui insensível.

-- Tudo bem Celina, acho que sou eu que estou sensível demais, deve ser TPM.

-- Luiza, não posso dizer que não estou surpresa, sempre te achei muito sensata, apaixonar-se por uma aluna, bem, você já sabe minha opinião, não vou repetir, por que sei que te magoa. Só quero te lembrar, que isso terá consequências.

-- É, eu sei. Podemos não falar sobre isso?

-- Claro! Sabe o que devíamos fazer depois de jantar?

-- Beber? – Sugeri depois de esvaziar a taça de vinho.

-- Também! Mas, eu tenho muitas saudades de caminhar na praia com você, podemos?


Compramos mais uma garrafa de vinho, e fomos para a praia, conforme o pedido de Celina, que tirou os saltos finos que usava e correu para a areia, bebeu o vinho na boca da garrafa mesmo, e me chamou aos berros:


-- Vem, Luiza!


Cedi, tirei meus saltos também, e fui ao encontro de Celina. Corremos juntas pela praia como duas idiotas daqueles filmes de comédia romântica que passam na sessão da tarde, e para fechar o clichê, caímos na areia, e terminamos de beber a garrafa de vinho.


-- Adoro esse cheiro de mar... Pensei que não sentiria tanta falta...

-- Você quase não vinha na praia, odiava areia grudada nos pés, Celina, se dizia muito urbana para esses programas com a natureza.

-- Continuo odiando a areia grudada, estou falando do cheiro do mar... Não quebra o clima, Luiza!

-- Clima? Que clima?


Antes que eu me desse conta, as mãos de Celina já seguravam meu rosto, e sua boca me roubava um beijo quente, faminto. A princípio me afastei, mas minhas defesas caíram, lembrei-me das palavras da Cris, sobre eu viver minha solteirice.


Retribui ao beijo e puxei Celina pela cintura, e já estávamos deitadas na areia, rolando, aos beijos, mais um clichê de filme.


-- Lu...

-- Oi...

-- Areia...


Não aguentei, sorri, e me levantei, puxei Celina pela mão, e convidei:


-- Então, vamos sair daqui.


Caminhávamos em direção ao meu carro, quando ouvi um aplauso solitário, vindo de um dos quiosques da orla. Era Beatriz, parecia estar na espreita, pronta para um novo espetáculo.


-- Que piegas! Namoro na praia? O que vem agora? Vão pra um motel com teto espelhado? – Beatriz estava com voz arrastada, certamente bêbada.

-- Mas, que entidade baixou em você, criatura? Algum tipo de perseguidora de atração fatal? – Celina perguntou irritada.

-- Beatriz, você vai entrar em um taxi e vai para casa, está bêbada! Você estava seguindo a gente? Enlouqueceu? – Disse preocupada.

-- Quem enlouqueceu foi você, Luiza! Jogar fora nossa chance pra se aventurar com essa daí, ela te deu um pé na bunda! Eu que te ajudei a levantar e seguir, eu te pedi um tempo pra te reconquistar e você dá pra essa daí na primeira cantada dela? – Beatriz já falava alto, descontrolada.


-- De pé na bunda você entende, já que você deu um tão grande na Luiza que deixou ela fora de órbita! – Celina já respondia no mesmo tom.

-- Celina, por favor, está todo mundo olhando. – Segurei o braço de Celina. – Beatriz, vá para casa, de táxi, sua namorada, noiva, mulher, seja lá o que ela seja sua, deve estar te esperando, se você não for, eu mesma ligo para ela e digo onde você está.



Segui para o carro, enquanto Beatriz sentava na cadeira que estava sentada no quiosque. Eu tremia, quase não conseguia dar a partida no carro.


-- Ei... Calma... – Celina passava a mão na minha perna. – Está tudo bem.


Mas, não estava tudo bem para mim. Algo dentro de mim, estava errado e nada tinha com o escândalo que Beatriz promoveu. Cada carinho que Celina me fazia durante o trajeto até minha casa, eu não conseguia ficar à vontade, sorria sem graça. Ela acariciava meu rosto, passava a mão em minha coxa, segurava minha mão e a beijava, e eu mal retribuía com um toque na sua face. Na minha casa, Celina, beijou-me suavemente, olhou em volta e disse:


-- Eu senti mais falta desse lugar do que do mar, com certeza.

-- Está dizendo isso, por que está cheia de areia pelo corpo, vou pegar toalha, deve estar louca por um banho.

-- Lu! Você vem comigo?

-- Aonde?

-- Para o banho, Luiza!

-- Ah! Vai na frente, já vou indo.


Mas, não fui. Joguei uma água no corpo no banheiro do quarto vizinho, vesti um roupão, e quando voltei ao meu quarto, Celina ainda me chamava:


-- Lu, já usei a cota de água do planeta para cinco banhos... você não vem?


Apareci no banheiro, estendi a toalha para ela, e pelo olhar, ela entendeu. Desligou o chuveiro e me encontrou no quarto. Eu estava sentada na cama, de mãos entrelaçadas:


-- Celina, eu não consigo. Desculpa.


Ela não me disse nada, sentou-se ao meu lado, e como amiga, envolveu um braço oferecendo seu ombro para minha cabeça.


-- Esse sentimento tomou conta de mim, Celina. Parece que estou traindo a mim mesma quando vou contra esse sentimento. Como isso pode ser possível? Tão platônico, e tão grande? Tão intenso e nem teve a chance de existir!

-- As vezes a intensidade existe justamente por isso, pela possibilidade do que ainda pode acontecer.


Celina dormiu comigo naquela noite, como amiga, logo cedo a deixei no hotel, esperei-a arrumar as malas e fui deixa-la no aeroporto, constrangida pelo que aconteceu na viagem, pelos dois espetáculos que Beatriz a expôs e principalmente pelo meu comportamento na nossa intimidade.


-- Celina, nem tenho palavras para me desculpar o suficiente com você...

-- Que coisa mais chata! Luiza, você está parecendo dvd arranhado, sei nem se alguém usa dvd ainda, mas, foi o paralelo mais próximo que achei. Você está se desculpando desde ontem, e hoje umas duzentas vezes, para!

-- Mas...

-- Eu supero! – Celina brincou- Luiza, você não me prometeu nada, nós somos mulheres livres, e sempre fomos amigas, eu me diverti muito, você sempre será a minha melhor referência de namorada. Sabe o que eu percebi?

-- Que eu estou ferrada?

-- Isso também, mas isso é detalhe, bem complicado na verdade. Mas, o que percebi, foi que você se conhece. Talvez, até pudesse ter feito sexo comigo a noite toda, mas depois se sentiria mal, iria me evitar, iria se sentir culpada. Finalmente, você conhece seus limites, isso é muito bom, use esse dom com sabedoria.


Celina me abraçou e senti paz no abraço, senti que todas as palavras foram sinceras, que eu ainda tinha a minha amiga, e que meu auto conhecimento me salvara de perder a amizade dela.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

CAPÍTULO 20: LIÇÃO 16 – SAIBA RECONHECER SEUS ALIADOS

Eu não sabia o que responder a Cris, ela estava certa. Eu estava mesmo fazendo uma sequência de sandices, e agora ela tinha provas, imaginei, de um suposto relacionamento meu com Marcela. Antes da minha amiga continuar a me xingar de palavras de baixo calão e me dar uma lição de moral, resolvi ser sincera:


-- Não me julgue, Cris. Não sei o que você leu aí, mas... Aconteceu algo que eu nunca esperei que acontecesse na minha vida, perdi o controle, me apaixonei por uma aluna, mas, é mesmo uma loucura, é errado, totalmente errado, antiético, ela tem namorada, eu sei de tudo isso, e também sei que perfil fake é ridículo. Resumi tudo. Não precisa me passar sermão.


-- Você é muito ingênua, Luiza. Eu já desconfiava disso, só joguei a armadilha e você caiu direitinho. Não li nada, quem você acha que sou? Você deixou essa página fake aberta outras vezes, a propósito, eu sou a Maíra Almeida, te adicionei, e papeamos faz uns dois meses, e vi que você tinha a Marcela como sua amiga, e como você curtiu as fotos dela na época. Só o que vi, foi a janelinha aqui com o nome dela piscando, e sua página aberta, eu só confirmei minhas suspeitas.


-- Puta que o pariu, Cris!


-- Ah, quando você ia me falar isso? Qual é, deixa de hipocrisia, Luiza! Pode começar a tagarelar os detalhes sórdidos, por que aí tem coisa, viagem juntas, a menina tem namorada, perfil fake, vamos lá, canta periquita!


E como eu já estava mesmo no inferno, dancei com o diabo. Falei tudo, com todos os detalhes novelísticos, regado as cervejas e pizzas que Cris pediu pelo delivery, cardápio mais versão caminhoneira, impossível!


-- Pronto, agora pode me dar a lição de moral que eu mereço. – Falei bebericando o último gole de cerveja.


-- Lição de moral, eu? Garota você está falando com a amiga errada! Certamente a Clarisse surtaria se ouvisse metade dessa história. Nem seria tão complacente como a Celina foi. Mas, eu? Luiza, eu posso não aparentar ser tão romântica, mas, sempre defendi o amor livre, isso inclui a relação entre professor-aluno, empregado-empregador, seja o que for, desde que seja feito dentro de limites, o que tenho certeza que você conhece bem.


-- O que você está querendo me dizer com isso? Você me apoiaria se eu e Marcela...


-- Se vocês namorassem? Claro! Mas... Se ela soubesse o que quer. Lu, pode ser a idade, ou sei lá, ela gosta dessa menina, ou sente culpa... Ou pior, se julga inferior a você. O mais importante nisso que eu acho é que, ela não sabe o que quer, por isso, nesse momento, eu não encorajaria você a tomar nenhuma decisão a respeito dela.


-- Cris, eu não tenho nada a decidir. Não tem nada nas minhas mãos.


-- Claro que tem! Você está solteira, viva sua solteirice, deixa a garota sentir que você não estará para sempre disponível esperando por ela.


-- Quem disse que estou esperando por ela? – Perguntei indignada.


-- Luiza... Desde que você beijou a Marcela, quem você beijou? Em quem você pensou, ou pelo menos sonhou?


-- Paola Oliveira?


-- Ela, não conta! Você está apaixonada pela menina, eu entendo, mas, não dá pra ficar passivamente, em um voto de celibato, enquanto ela está lá namorando, e você enclausurada em um laboratório e no seu apartamento, atrás de um perfil fake de facebook, o que vem depois? Perfil fake do Tinder?


-- Que horror, Cris! Você tem um?


-- Tenho, um de homem, já deu certo... Peguei umas héteros desconsoladas que deu “match”.


Gargalhamos. Naquela noite, Cris dormiu lá em casa, foi bom ter minha amiga de volta, e agora uma confidente sobre meus sentimentos em relação a Marcela. Sobre viver a solteirice e sair do celibato, isso era outra história. Não me sentia pronta, não me sentia disponível, isso seria doloroso, mas, imaginar Marcela com a namorada, era doído também, precisava mexer com ela, a Cris tinha razão.

*****************


Na quarta-feira fui buscar Celina no hotel pessoalmente, conversamos amenidades no trajeto, evitando o assunto constrangedor do nosso último encontro no congresso. O auditório estava cheio, Celina estava à frente de pesquisas avançadas do HPV, depois de conquistar destaque na melhora da terapia anti-retroviral contra o HIV. Os colegas docentes, e profissionais de saúde estavam lá como convidados, além dos estudantes.


Foi uma explanação fantástica. Celina trouxe dados inovadores, especialmente argumentos que destruíam qualquer contra-indicação à vacinação de crianças contra o HPV. Eu estava na primeira fileira, fazendo as honras de anfitriã da casa, apesar de não ser a chefe do departamento, Celina informalmente me incumbiu da tarefa. Fiquei lá sentada, esperando as dezenas de médicos, residentes e professores, cumprimentarem Celina após a palestra, levantei-me apenas para atender o celular e me afastei do barulho, acabei por avistar Marcela, nos fundos do auditório com Jessica e outros colegas do grupo de pesquisa.


Empalideci certamente. Mas, acenei com a mão, já que os demais também olhavam para mim. Falei rapidamente com a hostess do restaurante que me ligara para confirmar a reserva da noite, e voltei para Celina que já me olhava meio que pedindo socorro para as sessões de fotos sem fim com aqueles que a prendiam por ali.


-- Pessoal, a doutora Celina tem compromissos ainda hoje, temos que ir agora, desculpem.


Falei cordialmente, pegando a bolsa de Celina, e ela me acompanhou, cochichando: “Obrigada” - Vi enquanto subia os degraus do auditório, Marcela nos seguindo com o olhar e saindo intempestivamente, sendo acompanhada por Jessica. Logicamente, tal evento não passou despercebido por Celina, que só observava minhas reações, educadamente, não comentava nada.


À porta do auditório, Marcela estava com o rosto molhado, encostada em uma das colunas sendo consolada por Jessica, apertei os olhos para vê-la, quando avistei na mesma direção, Beatriz chegando a galope com seus saltos quadrados e olhos fumegando raiva.


-- Essa outra volta, e a universidade paralisa, sua vida para, Luiza? Suas aulas foram canceladas hoje, por causa dela?


-- Oi, professora Beatriz, como vai? – Celina foi sarcástica.


-- Beatriz, fala mais baixo. Quer falar comigo, vamos para a sua sala, ou podemos conversar amanhã?


-- Você deveria comunicar a coordenação quando vai cancelar uma aula sua!


-- Você vai continuar nesse tom, no corredor do auditório do campus? Beatriz, acalme-se! – Falei trincando os dentes.


-- Agora, que tal, você me cumprimentar com esse sorriso cheio de botox na testa, para as pessoas perceberem que fizemos as pazes? - Celina prosseguiu com o sarcasmo, estendendo a face para cumprimentá-la.


-- Celina, as coisas mudaram por aqui, eu não sou mais aquela coitadinha que você pisava. – Beatriz retribuiu o cumprimento, cochichando.


-- Pronto, agora, vamos dispersar, Beatriz eu vou deixar a Celina no hotel, a minha aula não foi cancelada, ela será reposta, e o ofício comunicando isso, está no e-mail institucional, você deveria tê-lo acessado, mas, tem coisas que nunca mudam.


Beatriz me olhou com fúria, e Celina sorriu vitoriosa. Fui obrigada a passar por Marcela para ir para o estacionamento, e não pude evitar olhá-la: os olhos vermelhos, inchados, eu já reconhecia aquelas marcas naquele rosto lindo. Doeu, especialmente por supor o que poderia estar passando na cabeça dela, e eu não sei por que cargas d’água, Celina ainda colocou a mão na minha cintura e disse:


-- Meu amor, você arrasou com sua ex!

sábado, 16 de dezembro de 2017

CAPÍTULO 19: LIÇÃO 15 – O AMOR NÃO TEM PISO ANTIDERRAPANTE

No início dos anos 2000, quando o Mark Zuckerberg ainda não tinha dominado nossa comunicação digital e social, circulava em anexos de e-mails e rolava em tudo que era discurso motivacional um vídeo enfadonho com uma música chiclete, cheio de mensagens positivas, dicas para a vida. No Brasil esse vídeo recebeu a narração do Pedro Bial, com o enredo principal: use sempre filtro solar.


Se você nem sabe do que estou falando, faça uma busca no Google e facilmente encontrará esse conteúdo, o fato é que, eu poderia fazer um parecido, com uma mensagem semelhante:


Use sempre calçados com solados antiderrapantes. Andar é arriscado, mas é preciso! As quedas machucam, te ensinam o valor do chão, mas, convenhamos, se você estivesse usando o calçado certo, não teria caído. Quantas quedas você já sofreu sem necessidade? Tudo por falta do solado que te fez escorregar, por isso, nunca se esqueça, sempre use calçados com solado antiderrapante.


Eu não chamaria o Bial para narrar, chamaria a Maria Rita, alguém mais tem tesão na voz daquela mulher? Pergunta idiota... A questão é que esses escorregões, que ficamos expostos quando nos aventuramos ao amarmos são tremendamente cruéis. E não adianta o calçado mais seguro, por que você vai escorregar, e pior se não escorregar, você cai do mesmo jeito, por que te puxam o tapete também.


De uma vez só, eu escorreguei, e Marcela foi lá e também puxou meu tapete.
Quando estávamos entregues finalmente àquela paixão guardada desde o início do semestre, desde aquele primeiro esbarrão no corredor, eu já tinha me desfeito da camiseta dela, e apertava seus seios por baixo do sutiã me preparando para colocar ali minha língua Marcela gemia baixinho, não teve a iniciativa de tirar nenhuma peça de roupa minha, mas, não me importei, eu tinha pressa de beijar cada pedaço da pele dela que se arrepiava, e eu sentia meu sexo se enchendo da volúpia, de um fogo que consumia meu corpo a ponto de me fazer suar, mesmo com o ar condicionado ligado (não, não estava no 15°).


Eu precisava sentir o sexo de Marcela, podia presumir que ela estava tão excitada quanto eu, ainda com meu corpo sobre o dela, ousei abrir o botão da calça dela e abri o zíper e tentei colocar minha mão por dentro de sua calcinha. Quando eu disse: tentei, que fique registrado, esse foi o momento da minha queda, escorregão, puxada de tapete. A atitude que até então Marcela não teve com suas mãos, ela enfim tomou. Segurou meu braço, e disse mais alto do que seu gemido:


--Luiza, não. Para.


As coisas não estavam bem para mim. Era a segunda vez que eu estava em cima de uma mulher, e elas me pediam para parar. Precisava de mais alguma coisa para me sentir rejeitada?


-- Mas... Marcela...

-- Não está certo isso.


Marcela, passou a mão pela cabeça, e não me olhava mais, fixou o olhar no teto. Ainda bem, por que se me encarasse, ia ver uma expressão patética em mim: frustrada sexualmente, suada, rejeitada e prestes a receber uma lição de moral de uma menina de vinte e pouquíssimos anos. Tive a dignidade de me levantar, antes que Marcela me tirasse de cima dela.


-- Você deve achar que estou me divertindo com você, mas, não sou assim...

-- Marcela, eu não sei mais o que achar de você. Eu só te beijei por que você disse que me queria. E você me freia e diz que não está certo, qual é? Joga a isca pra me fisgar e depois me devolve pro rio?

-- Não... Claro que não... Como você pode pensar isso? – Marcela disse catando a camiseta, cobrindo seu colo.

-- Estou tentando te entender. Eu estava quieta, tentando manter uma distância segura, por que sei o que sinto por você desde aquela noite do congresso, aí você vem aqui cobrando explicações e me despeja um desejo contido, e quer que eu pense o que?

-- É, não pode mesmo pensar nada diferente disso. Sou uma irresponsável, que pode brincar com a vida das pessoas, com o sentimento das pessoas, me apaixonar por uma mulher que é muito pra mim, muito, e dizer pra minha namorada, olha, fica aqui me esperando, que vou ali viver uma paixão com minha professora, se der certo, eu não volto, mas se der certo, a gente, eu e você seremos só amigas, como sempre fomos.

-- Ah, então você está apaixonada por mim, e é assim que me diz isso?


Marcela balançou a cabeça negativamente, aliás, isso era uma expressão que ela repetia muito, acompanhada de um franzido de testa que me deixava impaciente. Ela vestiu a camiseta, ajeitou os cabelos no elástico que os prendia, e sem me encarar disse:


-- Não dá pra acreditar que uma mulher como você não tenha percebido isso, que estou apaixonada por você, claro que você sabia disso.


Ah Marcela, se você soubesse como essa mulher vira uma menina assustada quando se trata de amor! A gente desaprende tudo!


-- Não coloque sobre mim o peso de ser “uma mulher como eu” – fiz o gesto das aspas com os dedos – Você não sabe nada sobre isso. O que você sabe sobre mim, Marcela? Sobre minha história, sobre as mulheres que você deduz que estão na minha vida?

-- Ah para, Luiza. – Marcela soltou o riso irônico outra vez – A novinha aqui, não é tão boba assim.

-- Então, você não é boba, e eu sou a mulher experiente, devoradora, sedutora, com uma galeria de troféus? Com um currículo lattes lesbos?!

-- Odeio sarcasmo, não conhecia essa sua face.


Marcela se levantou irritada e foi em direção à porta.


-- E olha a novidade, você vai me dar as costas, de novo? Agora, eu quero respostas, Marcela.

-- Que resposta, Luiza? O que você espera de mim?

-- Honestidade, pra começar.

-- Então, vou ser honesta. Eu estou muito confusa, não sei o que fazer. Não quero magoar a Laura, ela não merece, não merece isso que aconteceu aqui hoje entre nós.

-- Isso?


E lá veio ela: outra puxada de tapete. Impiedosa. Esse piso escorregadio, ah o amor... Que terreno mais perigoso!


-- Você entendeu, não complica mais, Luiza. Eu não posso te magoar também.

-- Eu tenho então que te dar uma informação, você está magoando. Já magoou. O que vejo aqui, é uma questão de quem você vai escolher magoar mais, se a mim, ou a sua namorada.

-- Não é uma questão de escolha. Eu estou magoada, qualquer decisão que eu tome, vou sofrer... Estou sofrendo, desde que te conheci tudo mudou.

-- Mudou? Então por que ainda está no mesmo lugar? Namorando alguém, se está apaixonada por outra pessoa?

-- As coisas não são tão simples assim, Luiza. São bem complicadas. Temos uma história juntas, não dá pra me deixar levar por uma paixão e esquecer essa história, somos amigas desde sempre. Tem muita coisa envolvida, eu a respeito muito, ela já aguentou muita coisa por mim.

-- Quer saber, Marcela... Volta pra sua namoradinha perfeita, vai lá brincar de casinha com ela, finge que não aconteceu nada aqui, foi só um delírio. Uma mulher como eu, não pode ser a outra de uma estudante universitária, você tem razão, eu sou muito, não caibo nesse papel.

-- Nossa...


Marcela estava com os olhos marejados, e eu, dei as costas para ela não ver as lágrimas que já se derramavam pelo meu rosto. Ela bateu a porta, e eu caí no sofá, fisicamente, não foi um piso escorregadio, mas, emocionalmente, eu estava estatelada no chão frio, solitário, duro, com o corpo dolorido e alma sangrando. Chorei o que não permiti chorar nos últimos dois meses, e pela primeira vez na minha vida acadêmica, dormi no laboratório.
****************


As semanas se passaram, e o que eu entendia como uma calmaria sofrida, silenciosa, se perpetuando a cada encontro com Marcela, que agora, alternava entre me encarar com tristeza, outra hora se furtava do encontro com meus olhos. Ao menos relaxei da obsessão com prazos e artigos, entregando-me ao refúgio solitário da minha casa, e adivinhem só, tanta solidão, deu espaço para uma companheira nada original: a grande rede.


Lembrei-me da minha personalidade secreta, ou seja, meu “fake”: Lorena Bachio, quem sabe, encontraria alguma companhia fantasiosa, sem compromisso, para me tirar daquele poço, fingir ser outra pessoa por alguns minutos, afinal, eu podia inventar o que eu quisesse.


Assim que fiz o login, mil solicitações de amizade estavam acumuladas, notificações de bate-papo, e logicamente, fiquei curiosa, me perdi no tempo visitando as páginas dos perfis me questionando quantas eram tão falsas quanto a minha. Não respondi às janelas de bate-papo, ao contrário do que eu imaginava, não me interessei, exceto quando vi o nome de Marcela piscar em uma delas. Hesitei em responder, era como abrir a caixa de Pandora, não tinha noção do que poderia encontrar, e de como as coisas iriam se desenrolar a partir de um clique. Na minha cabeça um “tic-tac” de relógio começou a ecoar junto com cada batida forte do coração, até ser interrompida pelo som da campainha do interfone.


Assustei-me, e lógico, pensei: isso é um sinal! Um sinal de que não devo abrir essa janela de bate-papo para Marcela. Corri e atendi o interfone:


-- Lu, sou eu, Cris.


Estranhei, a Cris, nunca se anunciava, ela conhecia o porteiro, sempre subia sem permissão, coisa que irritava Beatriz profundamente.


-- Ué, o que houve, Cris? Você sempre sobe direto, que novidade foi essa de tocar o interfone?

-- Eu precisava mesmo vir aqui... Luiza, o senhor Valdir está de férias, aliás, ele já está quase voltando das férias dele, você não percebeu que tem outro porteiro no seu prédio, faz quase um mês?

-- Ah é? Eu praticamente não entro pela porta da frente né, Cris? Só pela garagem.

-- Sei... Então, também não tem ido na padaria, na academia, correr no parque esse tempo todo? Ou está indo de carro até a esquina?

-- Cris, vai lá, e vê se tô por lá, vai. - Tentei disfarçar, berrando da cozinha. – Você trouxe algo para beber? Nunca vem de mãos vazias, cheia das novidades hoje, a lei seca foi instituída e não estou sabendo?

-- Cheia das gracinhas, você... O que está me escondendo, Luiza?


Cris, já estava encostava na pia da cozinha me encarando, enquanto eu buscava algo para beber na minha geladeira praticamente vazia.


-- Cris, você me pegou, cometi um delito grave, estamos na segunda semana do mês e não fiz supermercado!

-- As coisas estão piores do que eu pensava...


Cris abriu os armários, e encontrou o equivalente a uma cesta básica, buscou meus esconderijos de bebidas, e as garrafas estavam quase esvaziadas.


-- Tudo bem, Luiza, vamos conversar, agora! – Puxou-me pela mão até a sala.

-- Ah, pronto! Uma intervenção?

-- Ainda não, mas, se eu não tiver as respostas que procuro, eu vou ligar o Skype, e convocar o Ed, e bater tambor pra atrair aquela entidade que é a Clarisse, e vamos sim intervir.

-- Cris, que drama é esse? Final de semestre caramba, sou professora, minha vida está um caos. Não tem nada demais em não fazer uma feira!

-- Luiza, pra cima de mim? Sério? Há quanto tempo nos conhecemos? Cara, a gente se conhece desde que usar piercing no umbigo era sensual, desde que Malhação era uma novela que se passava numa academia. Porra, a gente saiu de uma cidade do interior pra fazer faculdade juntas aqui nessa capital, passamos aperto pra assumir nossa sexualidade, enfrentamos nossos pais, irmãos, primos, amigos, vizinhos, ex-namorados, ex-namoradas, gente de tudo que é espécie, e em todo esse tempo, eu posso dizer que sou a pessoa que te conhece melhor, aí você me vem com esse papo, que eu tô fazendo drama? Fala o que você está me escondendo!

-- Eu não estou mentindo, você está fazendo drama sim, apelar pra toda nossa história, é fazer drama! – Disse com a voz embargada.

-- Caraca, Luiza... Você não é assim, sempre me fala tudo, é a maior chorona, fala pelos cotovelos dos seus sentimentos, de uns tempos pra cá, tirando as confusões da Beatriz, você se fechou, é claro que tem alguma coisa que não quer me contar, e se não quer contar a mim, imagino, que não contou a ninguém.


Respirei fundo, tentando achar as melhores palavras para começar a narrar o emaranhado que eu estava envolvida. Eu não tinha ideia de como a Cris iria reagir.


-- Cris, não é nada demais. Estou confusa, cansada. Eu prometo te explicar, aconteceram algumas coisas sim, mas, não estou pronta para falar ainda.

-- Oi? Não está pronta? Como assim? Abre a boca e começa pelo começo!


Cris, a minha amiga mais delicada, só que não! Eu ia ter que falar, não ia conseguir enrolar, quando eu ia começar:


-- Bom, tudo começou quando...


Meu celular tocou, era Celina. Outro sinal? Se era ou não, resolvi atender, mesmo sob o olhar de reprovação da minha amiga.


-- Oi, Celina.

-- Lu, oi, tudo bem?

-- Tudo bem, e você?

-- Tudo em paz. Estou te ligando, para avisar, que estou indo te visitar, na verdade, estarei no Campus, para dar uma palestra.

-- Jura? Quando?

-- Na quarta que vem, pensei que podíamos sair depois para jantarmos.

-- Claro! Claro que sim, Celina, nos vemos na quarta, vou me programar para assisti-la e combinamos o jantar.

-- Beijos, até quarta.


Eu sabia que enfrentaria um interrogatório de Cris após o telefonema de Celina, minha ex-namorada me avisando que viria à cidade, e jantaríamos. Qual não foi a minha surpresa, quando procurei Cris na sala e não a encontrei.


-- Cris? Cris? Cadê você?


Fui até a cozinha e não a encontrei, o banheiro do corredor também estava vazio. Ela não tinha ido embora por que não ouvi barulho na porta, imediatamente me apavorei ao supor onde ela poderia estar: meu quarto. Corri para lá e da porta, vi Cris sentada na poltrona junto à escrivaninha, boquiaberta olhando meu notebook.


-- Com que direito você entra no meu quarto e mexe nas minhas coisas, Cris? – Indaguei com a voz trêmula.

-- Vim no quarto para atender o meu celular e não atrapalhar a sua ligação. Não mexi em nada, sentei aqui, o notebook estava aberto. Mas, que merda é essa, Luiza? Quem porra é Lorena Bachio? Você agora tem um perfil fake?


Antes que eu respondesse, por que eu não conseguia, completamente gaga, Cris fez o que eu hesitei tanto em fazer: clicou na janela que piscava com o nome de Marcela.


-- Marcela? Espera, essa não é aquela menina que é sua aluna? Aquela da praia?


Cris estreitou os olhos e leu o conteúdo do bate-papo, que nem eu tinha lido ainda.


-- Mas... Que merda é essa, Luiza? Que grande merda você está fazendo?! Você perdeu o juízo de vez?!

domingo, 10 de dezembro de 2017

CAPÍTULO 18: LIÇÃO 14 – CADA CACO SEU, É VALIOSO

Quantas vezes um tecido é capaz de se regenerar? Quantas vezes uma célula pode se replicar? Em quantos pedaços uma peça pode se quebrar? Em quantas frações pode se dimensionar sucessos ou fracassos? Algumas respostas a essas perguntas eu tenho, na verdade, algumas eu até enxergo pela lente do microscópio agora, e até projeto na tela para meus alunos o passo a passo, agora, com um novo software, fazemos o vídeo em 3D a replicação da bactéria para nossos primeiros experimentos com a nova droga.

Dois meses se passaram desde o congresso, e eu praticamente não fiz nada da minha vida, que não fosse fugir de Marcela, vestindo uma capa de professora metódica extremista, viciada em prazos e resultados. Graças a isso, e ao fomento das agências financiadoras de pesquisa que consegui no congresso, tínhamos quatro publicações de alto impacto, o que já me garantia no programa de pós-graduação por mais um ano sem fazer mais nada, o que logicamente eu não desejava. Meus dois orientandos do mestrado estavam com suas bolsas garantidas, assim como Marcela, Jessica e Artur, por agências diferentes.

A fuga de Marcela foi algo que me sugou físico e psicologicamente. Voltei aos meus colegas “faixa preta” como diria a Cris, bebia compulsivamente solitária nos finais de semana, dormia pouco, ministrava aulas medíocres, e se não fosse meus colegas docentes do grupo, o rendimento do GRUFARMA seria um fracasso. Manter minha performance em uma crise emocional na qual eu precisava esconder de todos, inclusive de Beatriz, exigiu de mim, mais do que profissionalismo, requereu sacrifício, sacrifiquei minha saúde mental.

Como eu sobrevivi a esses dois meses sem meus fiéis escudeiros? Ou melhor, como eu escapei dos meus cães-guia Cris, Ed e Clarisse? Primeiro, contei com o azar ou com a sorte do Ed finalmente ter conseguido fazer seu curso maquiagem na Make Up For Ever Academy em Nova Iorque, e emendou com um estágio em Los Angeles, a Cris estava muito envolvida com projetos de condomínios Alphaville na zona metropolitana, nos vimos poucas vezes para almoçarmos, e na maioria das vezes, falamos de trabalho e planejamos férias, concordando que estávamos cansadas, talvez o cansaço tenha sido suficiente para não permitir que minha amiga visse o quão obscura minha alma estava. Quanto a Clarisse, esta, estava namorando (a mesma garota do final de semana da praia), e ela era do tipo que quando namorava, o mundo se transportava para a vida da outra pessoa, por isso, quando nos víamos ela só falava da felicidade dela, e dos feitos da namorada dela, e eu me contentava em ouvi-la e falar do meu trabalho.

Quanto a mim, estava ali, não estava inteira, estava quebrada, contudo, sobrevivendo. Parece que a natureza queria me ensinar algo. De toda ciência da qual eu tinha propriedade e defendia, eu precisava me empoderar de alguma fundamentação darwiniana ou evolucionista para não submergir à vontade de voltar ao primeiro capítulo dos lenços e ansiolíticos a cabeceira da cama, ao menos dos lenços, eu tinha me livrado. Não que eu não sentisse vontade de chorar mais, pelo contrário, eu queria fazer isso todo tempo, mas, não tinha mais energia, chorar exige disposição e desprendimento, que eu não me permiti.

Mas, fugas tem prazo para findar-se. Uma hora, o sangue falta às pernas, e não conseguimos mais fugir, ou o “predador” desconhecido nos pega desprevenidos e sem armas. Foi o que Marcela fez naquela noite no laboratório. Nesse tempo, minha rotina era ser a última a deixar o laboratório, e ela percebeu isso, e se aproveitou para me abordar, depois que os colegas do grupo deixaram o lugar, entrou no meu gabinete sem bater, sendo direta:

-- Por quanto tempo mais, vai me tratar assim?

O efeito da presença dela, pela primeira vez, depois desses meses, após nosso momento mais íntimo, foi imediato. Tudo que estava dormente e talvez mergulhado em uma amarga latência veio à tona, os olhos marejados dela, me desarmaram. Ela estava de cabelo preso, e nervosa, mexia os dedos impacientemente e continuou a falar, antes que eu conseguisse responder à primeira pergunta:

-- Agora você me odeia? Ou é alguma exigência da sua namorada? Ficar longe das alunas?

-- Marcela, eu não estou entendendo. – Tentei ganhar tempo para disfarçar meu pânico.

-- Não está entendendo? Sério? É isso? Vai simplesmente fingir que nada aconteceu? - Marcela soltou um riso irônico. – Tá bom, então.

-- O que eu não estou entendendo é você vir me pedir explicações agora, dois meses depois do que aconteceu naquele quarto de hotel. Não estou entendendo por que você vem me falar de exigências de minha namorada, quando você só tem certeza de que quem tem namorada é você e ela sim deve fazer exigências, não é mesmo?

-- E você já tem todas as respostas, por que é a Doutora Luiza, e meu lado da história não importa? – Marcela já não tinha a segurança na fala que demonstrava nas primeiras perguntas.

-- Deveria importar, Marcela? Você entrou aqui me fazendo uma sequência de perguntas, fez suas suposições, não me deu uma explicação para seu silêncio naquela noite, no dia seguinte, e em todo esse tempo, e eu estava aqui, todos os dias, era eu que tinha que te procurar?

-- Acha que não tentei? Quantas vezes bati nessa porta e você me disse “agora não posso, Marcela”. E todas as vezes que me chamava para conversar era sempre em público, sempre para assuntos da pesquisa, tem estado obcecada com prazos, com produção de artigos, nem parece aquela professora que me encantei, aliás, que todos se encantaram nas primeiras semanas. Você ergueu um muro, e eu sou um nada, um nada perto desse muro, perto de você, perto daquela Celina, e de sei lá quantas mulheres estão na sua vida...

Marcela desabafou e desabou também, chorou, e eu me desfiz da armadura. Levantei-me e pedi:

-- Acalme-se. Senta um pouco, Marcela. Deixa eu te pegar um pouco de água.

Marcela se sentou, baixou a cabeça, e tirou os óculos, para limpar as lágrimas. Trouxe-lhe água, e ela só balançou a cabeça, recusando a água.

-- Eu precisei me afastar de você, Marcela. Precisava manter o relacionamento só no campo profissional, no mais tradicional possível. Sabe que ultrapassamos um limite perigoso.

-- Eu não merecia ser comunicada dessa decisão?

-- Marcela... Sobre o que estamos discutindo, afinal?

-- Sobre você ter se transformado em outra pessoa, desde que chegamos daquele congresso! Estou enlouquecendo, e você me ignorando, depois de...

-- Depois de? Você não consegue nem falar em voz alta o que aconteceu naquele quarto. Acha que eu precisava te comunicar alguma decisão? Você tem sua vida, e eu sou o que nela? Sua professora, orientadora na pesquisa, só, não é? Sou mais alguma coisa?

Era a deixa que eu precisava para cavar alguma esperança, pela primeira vez, eu abria espaço para Marcela me dizer o que sentia por mim.

-- Não é justo me perguntar isso...

Marcela se levantou com os olhos inchados do seu choro, caminhando em direção à porta. Fui mais rápida e impedi sua saída, ficando diante da porta, insistindo:

-- Sou mais do que sua professora?

-- Você sabe que sim! Eu penso em você todo tempo, eu quero ser a melhor aluna pra que você olhe pra mim! Estou completamente confusa desde o congresso, por que...

-- Por que? Fala, Marcela!

Eu já estava ofegante, coração galopando, pernas bambas, o muro estava à beira de se romper por completo.

-- Eu te desejo! Eu te quero!

Marcela não teve tempo de pensar no que acabara de confessar. Avancei em seu corpo, puxei-a pela cintura com uma mão e com a outra mão segurei sua nuca para conduzir um beijo volupioso, intenso, apaixonado. Ela correspondeu, no começo, assustada, mas aos poucos se rendeu e me envolveu com seus braços também, na minha cintura, passando a mão pelos meus cabelos, e sem descolarmos nossos corpos, já estávamos deitadas no sofá de dois lugares do meu gabinete. Meu corpo sobre o dela, com minha boca passeando pelo seu pescoço, mordiscando orelha, e eu, completamente excitada com os gemidos que Marcela deixava escapar.

Ela puxava meus cabelos, voltando minha boca para a sua, e meus quadris se remexiam sobre os seus, sentia meu sexo se encher do prazer de finalmente ter nos meus braços a mulher que sonhava desde que vi pela primeira vez. Os beijos ficaram mais intenso, as línguas quentes se misturaram, ela chupava com sede meus lábios, sua pele eriçava quando minha boca lambia seu pescoço atrás da orelha, não faltava muito para gozarmos sem precisar tirar um peça de roupa, mas, minhas mãos já tentavam levantar a camiseta de Marcela, e ela não ofereceu resistência.

Estava acontecendo... Mesmos aos cacos, os valiosos cacos, se refaziam para amar de novo.

sábado, 9 de dezembro de 2017

MANUAL NADA PRÁTICO: CAPÍTULO 17: O CONGRESSO – PARTE II

A palestra transcorreu de maneira tranquila, pelo menos, era o que eu pensava. Procurei não focar meus olhos para os rostos conhecidos da plateia, mas, o nervosismo estava ali, latente. Foram os cinquenta minutos mais longos já enfrentados que desafiaram meu equilíbrio acadêmico-científico-romântico-tesudo-apaixonado-profissional: UFA! Mas... Calma aí, muito cedo para comemorar Luiza, aquele sexagenário que mediava a mesa, tinha que abrir para a plateia fazer perguntas, eu ainda enfrentaria mais alguns galopes do coração e fugas loucas de olhares de duas mulheres específicas, uma em cada lado do auditório.

Para minha boa sanidade mental, tive a brilhante ideia de tirar os óculos de grau, deixando a miopia me proteger. Para ministrar palestras, sempre abri mão das lentes de contato, qualquer mal posicionamento delas, me colocaria em maus lençóis. Graças a essa estratégia todo o público não passava de um grande borrão, e eu respondia na direção da voz que me apontavam, apertando os olhos, praticamente fazendo uma caricatura de uma coreana da 25 de março.

Minha participação no congresso estava salva, ao menos diante do grande público, e com os contatos das agências de fomento que assistiram minha palestra. Uma prova disso, foi a dificuldade que tive para deixar a sala que ficava atrás do palco, equivalia a uma sala vip para os palestrantes e convidados, ali as conversas informais que se excederam, assim como os registros fotográficos, fazendo com que eu me esquecesse da minha bolsa com os benditos óculos na mesa na qual aconteceu a palestra.

Em meio a tantas pessoas, eu não consegui encontrar meus colegas do grupo, e para o desconforto ser maior, os organizadores do evento desconheciam o paradeiro da minha bolsa, contendo não só meus óculos, mas meu celular, carteira, laptop, enfim, todos os meus pertences. O constrangimento era geral, pedi que localizassem Aurélio, e até mesmo Cecília, já que era conferencista, talvez fosse mais fácil encontrar seu número de contato. Naquela confusão de pessoas falando pelos rádios comunicadores, celulares, procurando me dar explicações, me acalmar, pedir desculpas, e eu vendo tudo embaçado, percebi a celeuma que causei por uma imaturidade emocional sem precedentes. Estava perdendo o controle da situação, por uma paixão, ou pior, por uma fantasia.

Minha fantasia ou minha paixão tinha nome e tinha o sorriso mais lindo do mundo, e foi ele que me sorriu, e como diria Samuel Rosa, “quando a vida lhe sorri, por que não sorri de volta?”, bom, no meu caso, eu demorei a sorrir de volta, por que só vi esse sorriso, quando Marcela, delicadamente colocou meus óculos no meu rosto.

-- Acho que a senhora esqueceu seus olhos...

Quando enxerguei Marcela, e claro, seu sorriso tão de perto, suspirei alto sem perceber, e logicamente retribui o sorriso.

-- Muito obrigada, eu estava literalmente perdida.

-- Não imaginei que a senhora fosse tão míope, até recolher seus óculos sobre a mesa, apesar de quase ser confundida com uma ladra – Marcela parou para rir – o professor César se apresentou a comissão organizadora, e recolhemos suas coisas. Eles foram para um restaurante aqui perto, fiquei com a missão de leva-la, vamos?

Acenei em acordo, e saí com um sorriso radiante acompanhada de Marcela do Centro de Convenções.

-- O professor Aurélio disse que pedíssemos um “uber”, está demorando muito a chegar táxi essa hora. – Marcela disse.

-- Ah, é verdade. Deixa eu pedir.

Esperamos não mais do que dez minutos, em um silêncio recheado de sorrisos e olhares e poucas palavras do tipo:

-- A palestra foi maravilhosa!

-- Para de exagero, garota!

O motorista chegou e disse:
-- Dona Maria Luiza?

-- Sim, eu mesma.

Conferi a placa e a marca do carro e abri a porta para Marcela entrar.

-- Restaurante, Trattoria, no centro, conhece? – perguntei ao motorista.

-- Sim senhora.

Marcela me olhou com aquele sorriso de canto de boca e fiquei curiosa.

-- Maria Luiza?

-- É, meu nome. Não sabia?

-- Não sabia que tinha um “Maria”. A senhora sempre se apresenta Luiza de Antero Carvalho. Nunca percebi nem mesmo nas publicações que havia um “Maria”.

-- Nas publicações só aparece o Carvalho mesmo... o nome do meu pai leva os créditos no final das contas. Talvez você não tenha visto com atenção o “M” abreviado.

Marcela me encarou intrigada, o que manteve minha curiosidade.

-- Por quê está me olhando assim?

-- Tem um motivo?

-- Motivo pra que?

-- Ah, esconder o Maria, abreviar o M...

-- Nada demais, só não gosto de nomes compostos.

Fui enigmática, mas o motivo era tão esdruxulo, que me envergonhava. Preferi manter um certo ar de mistério, para instigar a imaginação de Marcela, pelo olhar dela, parece que consegui.

-- Chegamos, senhora.

O motorista avisou. Descemos e logo estávamos com os demais membros do grupo de pesquisa, no terraço do restaurante charmoso, que tinha a vista mais linda da cidade noturna. Jantamos, bebemos, rimos, e dessa vez, Marcela estava do meu lado, vez por outra, nossos braços roçavam, e literalmente nossa energia era sentida, coisas da física...Mas, como eu sou da química, prefiro não adentrar nessa descrição.

Por um momento, juro que senti o dedo mindinho de Marcela tocando o meu, quando minha mão estava na minha perna, depois de ajeitar a saia que subia. Não mexi minha mão, retribui o toque, mais que um toque: uma carícia, nossos dedos ficaram entrelaçados por alguns minutos, nem sei por quantos, o mais importante era que estávamos ligadas, anatomicamente por um dos menores ossos, mas, era uma ligação.

Antes de sairmos do restaurante, vi em outra mesa, me observando atentamente: Celina. Uma das hipóteses mais certas era a que minha ex, enxergara naquela noite o que eu mesma me recusava a assumir: estava apaixonada por uma aluna, uma jovem aluna, algo que eu e ela, sempre recriminamos no nosso meio de professores.

No quarto, aquele mesmo ritual: mala rosa, muitas necessaries, roupas no banheiro, pijama juvenil, e os passos tímidos em direção a cama.

-- Professora, eu posso mesmo dormir no sofá...

-- Ai que conversa enfadonha, Marcela... - Disse batendo nos travesseiros dela. – Aqui, seu lugar na cama. Vê se não ronca hoje, e baba só no travesseiro, ontem você babou em mim.

-- Eu?!

Marcela arregalou os olhos assombrada, e ruborizou. E eu me segurei para não rir.

-- É, você. Bebeu demais, bem bebê chorão você né? Fui consolar, aí o que eu ganho? Um festival de ronco e litros de baba no meu peito.

-- Ah não! Agora que eu não durmo aqui mesmo! Que vergonha!

Marcela deu um pulo da cama, e eu a segurei pela cintura, puxando-a de volta, fazendo-a cair perto de mim na cama. Meus braços envolveram a cintura dela e ela os segurou e voltou a cabeça para trás encontrando a minha que estava apoiada em sua nuca. Senti seu cheiro, respirei forte, meu coração, essa bomba vagabunda traiçoeira, pôs-se a galopar no peito, bombeando mais sangue pelo corpo, fazendo acelerar meu fôlego, e as pontas dos meus dedos, tremiam.

O corpo humano tem essa química perfeita diante do instinto mais primitivo: medo. Você se prepara para correr, ou para lutar. O cérebro envia a mensagem química para nossos sistemas serem ativados para centralizar as forças nos braços para a luta ou nas pernas para correr. Eu, estava cheia de medo, mas, um medo bom, meu sangue corria quente, queria sim a luta, lutar contra as convenções, contra minhas ideias ultrapassadas, e lutar por Marcela, mostrar minha paixão por ela com meu corpo e rouba-la para mim de uma vez por todas. A luta não era solitária, Marcela correspondia: suas mãos apertavam as minhas, subiam pelos meus braços, arranhava, arqueava a cabeça contra meu nariz e quando parecia inevitável, o telefone dela, ali do seu lado da cama, perto abaju, tocou, e pelo visor, não tinha um nome, tinha apenas um pronome:
“Ela”

Não foi ela a me soltar, fui eu. Soltei Marcela imediatamente e corri para o banheiro e tomei um banho demorado. Nem sei se ela atendeu. Na verdade, nem queria saber, eu desejava esquecer, desejava que a água lavasse o desejo que eu tinha por Marcela. E pela primeira vez me dei conta o quanto eu sofria por não tê-la, e desde Beatriz, não experimentei chorar por uma mulher como chorei por Marcela naquela noite, naquele banho de esconderijo.

Saí do banho envolvida no roupão, mexi na minha mala, e para meu desespero, meu amigo “rivotril” não estava na minha bolsa como sempre, já fazia um tempo que não apelava para ele. Marcela estava deitada de costas na cama, não disse nada, e agora, era eu que não tinha forças para deitar do seu lado. Fui para a antessala, sentei no sofá e mexendo no celular, vi uma mensagem de Celina, de mais cedo, de logo após a palestra:

-- “Brilhante como sempre, linda como nunca, cada vez mais excitante te ouvir, por que não lutei por nós?”

Olhei aquela mensagem e pensei: “por quê não?”. Abri o frigobar, tomei uma cerveja, dessas coloridas, misturadas com vodka, e respondi a mensagem de Celina.

“-- Está no hotel? Se está, está acordada?”
“-- Sim e sim.”

Olhei para a cama, Marcela estava imóvel. Pensei, ela se arrependeu. A consciência doeu, a namorada ligou, “ela” ligou, deve estar se consumindo de culpa. Beatriz traiu Alicinha comigo, e agora, Marcela estava a beira de trair a namorada comigo, que mulher estou me tornando? E ainda sim, eu esperava uma palavra de Marcela, mas, seu gesto, de virar-me as costas, foi o sinal que eu precisava para sair do jeito que eu estava, de roupão, direto para o quarto de Celina.
Duas batidas na porta e Celina abriu, visivelmente assustada por me ver naqueles trajes.

-- Luiza, você está louca? Todos os conferencistas do congresso estão nesses andares do hotel e você passeando nos corredores assim?!

Eu não dei ouvidos a Celina, desamarrei meu roupão, e fiquei nua na frente dela.

-- Você prefere conversar assim?

Celina se sentou no sofá completamente atordoada. Não tirou os olhos de mim, para meu ego, isso foi excitante. Ela levou as mãos à cabeça, como se não acreditasse no que estava acontecendo.

-- Quem é você? O que diabos aconteceu a você?

-- Cala a boca, e me come.

Sentei com as pernas abertas no colo de Celina e lhe roubei um beijo voraz, segurando seus cabelos curtos, mordiscando seus lábios, deixando a minha ex-namorada sem alternativa que não fosse corresponder. E quando eu começava a me remexer sobre as coxas de Celina, ela me pediu:

-- Luiza, para.

-- O que? – Perguntei ofegante, beijando seu pescoço.

-- Para. – Celina me afastou delicadamente. – Ontem, você não me quis, e hoje, eu sei o motivo.

-- Hoje, é outro dia. Você sempre me disse isso.

Tentei me aproximar mais uma vez de Celina, ela segurou meu rosto, acariciou, suspirou fechando os olhos e disse:

-- Provavelmente eu vá me odiar nos próximos dias, anos, por fazer isso, por não aproveitar uma noite maravilhosa de um sexo incrível com você, por que, ai meu Deus, eu já fiquei excitada quando você começou a desamarrar aquele roupão...

-- Então para de ser broxante, vamos curtir essa noite, matar nossa saudade.

-- Lu... Você lembra do que a gente falou sobre sempre sermos honestas uma com a outra? E foi por esse motivo que terminamos, por que fui honesta sobre não te dar garantias que não iria te trair namorando à distância...

-- Sei, isso passou, não estou propondo voltarmos a namorar, chatonilda! – Beijei, seus lábios.

-- Lu, ei, colabora vai... você está nua, me beijando, eu estou tentando ser uma mulher digna...

No fundo, eu sabia o que Celina queria falar, mas, eu não queria conversas. Queria sexo sem compromisso, com alguém confiável, o corpo dela era familiar, era confortável nas minhas lembranças, não existiam mágoas entre nós, era seguro.

-- Fala, Celina. Você conseguiu.

Levantei-me e vesti o roupão.

-- Não sou mulher de meias palavras, sou objetiva. Você está apaixonada por aquela aluna, a Marcela, não é? O que está acontecendo entre vocês?

Fiquei muda. Encarei Celina fingindo surpresa nos primeiros dez segundos, depois baixei a cabeça por não conseguir encarar os olhos cheios de verdade que ela transmitia e pior, que ela enxergava.

-- Vamos Luiza, eu juntei as peças. Quem está de fora, pode perceber com mais nitidez, pelo menos, quem te conhece como eu. Primeiro, você totalmente sã, recuperada de um relacionamento doentio com a Beatriz, mesmo convivendo com ela no mesmo campus, está mais bonita, com esse brilho no olhar, dividindo quarto com uma aluna, e me disse que estava envolvida emocionalmente com outra pessoa. Observei de longe vocês juntas, você assistiu as apresentações dela com olhar apaixonado, nem me notou na sala, ela te olhava com um fascínio perturbador na sua palestra, tanto que você até tirou seus óculos, e por fim, no restaurante, vocês eram praticamente um casal.

Coloquei os punhos na testa, e joguei a minha cabeça para trás, encostando na parede. As lágrimas sorveram fácil minhas palavras.

-- Lu... Você é a mulher mais inteligente que eu conheço, além de ser a mais altruísta e apaixonante. Eu te disse ontem, que você pode ter a mulher que quiser! Mas, você parece estar...

-- Eu quero a Marcela.

Saiu como um sussurro. Mas foi forte o suficiente para abalar Celina que se preparava para me dar uma chacoalhada. Era a primeira vez que meu pensamento confuso tomava forma em palavras e eu pronunciava.

-- Luiza, você se ouviu? Consegue perceber a insanidade do que acabou de dizer? Ela é sua orientanda do grupo de pesquisa, é sua aluna também?

-- É.

-- Luiza, isso pode ser um escândalo, pode detonar sua vida acadêmica, e a dela também. Imagina o que ela pode sofrer pelos comentários por ser a protegida da professora, por mais competente que ela seja. E como seria para uma menina que tem sei lá, 20 anos? Ter um relacionamento com uma mulher como você: realizada, admirada, de outro mundo.

-- Celina, como assim de outro mundo? Desde quando você tem preconceito de idade? Tenho muito em comum com a Marcela.

-- O grupo de pesquisa? Luiza, não estou falando de idade. Estou falando que você é professora, e ela é aluna, sabe que existem regras sobre isso, um processo administrativo pode ser aberto, podem questionar a presença dela no grupo de pesquisa, o nome dela nos artigos, basta uma pessoa insatisfeita, um aluno que não passou na seleção questionar isso, se descobrir esse romance...

-- Não tem romance nenhum! Porra, Celina! Acha que que existisse alguma coisa entre eu e Marcela eu estaria aqui? Nua, me oferecendo para você, que é a minha ex-namorada que eu mais sinto saudade? A que eu mais confio?

-- Caralho, Luiza... Não sei se me ofendo, ou se me sinto honrada com essas palavras.

-- Desculpa. Eu tenho que voltar para o quarto, já te enchi demais. Estou me sentindo ridícula.

-- Depois de resisti a você nua, com as pernas abertas roçando nas minhas pernas, eu já posso professar meus votos de castidade... Dorme aqui, amanhã cedo, você vai para o seu quarto, deve ser uma tortura dormir do lado dela sem poder...

-- Ah, nem me fala...

E desabei. Chorei que nem criança abraçada a Celina, que para minha sorte, andava com amostras grátis de uns primos mais modernos do rivotril, me deu, que me fez dormir logo. Antes que Celina acordasse, meu celular despertou, era hora de voltar para o meu quarto. Encontrei Marcela na mesma posição, por certo, nem se deu conta que não dormi ali. Aproveitei para adiantar o banho, foi quando percebi o vazio da caixa de lenços no banheiro, se Marcela não teve uma crise de rinite alérgica, não fui a única a derramar algumas lágrimas na noite anterior.

Quando saí do banho, ela já estava desperta. Eu era a adulta, tinha que agir como tal:

--Bom dia. O banheiro está livre. É bom deixar as malas prontas, para que passemos só para pegá-las no final do dia, não vai dar tempo tomar outro banho antes de irmos ao aeroporto. Vamos deixar no guarda-volumes do hotel.

-- Bom dia. Tudo bem, já está mais ou menos pronta.

No café da manhã o silêncio imperava. Pelo menos entre eu e Marcela, os demais estavam animados. Até que Aurélio sugeriu:

-- Luiza, os meninos já apresentaram os trabalhos, você já deu sua palestra, essa cidade é incrível, só tem uma palestra hoje de manhã que vale a pena vermos. Que tal, se a gente assistir a palestra e depois turistar!

Os olhares jovens se iluminaram, exceto os de Marcela, esses continuaram baixos, mexendo a colher na xícara.

-- Aurélio, você foi contaminado pelo quarto compartilhado? César, você também? – Brinquei.

-- Você fala como se fosse uma mulher climatérica! Tenha dó, Luiza! Venha conosco. – César retrucou.

-- Façam o seguinte: assistam a palestra, vale a pena, eu já assisti em Barcelona, no ano passado. Vou me reunir com o representante da Fundação Folley, aqui mesmo na sala de reuniões do hotel, talvez consigamos um financiamento para duas bolsas e artigos que temos engavetados. Depois, podem ir conhecer e curtir a cidade, mas, lembrem-se do horário do vôo, a gente não tem grana para remarcar.

-- Então pessoal, rapidinho, subam nos quartos, e coloquem nas mochilas uma roupinha mais leve, uma chinela de dedo, um tênis, para sairmos direto do centro de convenções. – Aurélio orientou.

-- Eu vou ficar no congresso, e encontro com vocês aqui no hotel para irmos ao aeroporto. – Marcela falou.

-- Tá doida? Não mesmo!

Jessica puxou a amiga para o saguão e de longe observei as duas batendo boca. Marcela só balançava a cabeça, franzia a testa, sem falar muita coisa, só Jéssica gesticulava e falava muito. Para agendar a sala de reuniões do hotel, fui ate a recepção e não pude deixar de ouvir o que Jessica falava:

--“Ah mas, como a Laura mudou não é mesmo? Ela pode sair na hora que bem entender, com quem ela quiser, pra onde ela quiser, dá notícias quando tiver vontade, e quando se trata de você, aí existem regras? Você está em um congresso, tinha que atender no meio de uma palestra? Ela brigou com você por que você saiu com seus colegas de faculdade e seus professores?”

-- “Eu prometi que ligaria, ela ficou preocupada, essa cidade é grande, Jessica, é diferente, ela não faz parte desse mundo, se sente insegura”

--“Insegurança é problema dela, eu não vou deixar você não aproveitar essa viagem por xilique da Laura. Ela achou ruim você ficar com a professora Luiza, por isso está infernizando, mas, você não vai ceder, anda, vai pegar uma sandália.”

Ah Luiza, que nível você chegou, bisbilhotando conversa de alunas. E pior, ter subsidio para nuvens e nuvens de hipóteses sobre os motivos dos desentendimentos entre Marcela e Laura, será que eu era um deles? Tentei não pensar nisso naquele dia, e fiz minha própria agenda. Não fui turistar, com os demais, mas, não consegui dividir o espaço do quarto com Marcela depois de ouvir aquela conversa, depois daquela noite, era muita informação e sentimento para ser equacionado. Fiz minha mala, e fiquei no bar esperando o horário marcado para seguirmos para o aeroporto.

-- Dois bourbons com gelo, por favor.

A voz familiar atrás de mim, logo se fez presente do meu lado. Celina se sentou do meu lado no bar.

-- Bourbon? Nossa, está disposta! Você só bebe isso em duas ocasiões: quando precisa ficar bêbada, ou quando quer ficar bêbada.

-- Existe agora uma terceira ocasião: quando eu preciso ficar bêbada com alguém, que está muito ferrada.

-- Ah, muito obrigada, mas eu não vou viajar bêbada com um grupo de alunos, obrigada pela oferta.

-- Uma dose não vai te deixar bêbada. Vamos, tome comigo.

-- Tudo bem... O que é um peido para quem está cagada não é mesmo?

-- Isso aí! Eu bebo a isso!

Brindamos.

-- Luiza, não parei de pensar no que conversamos, na sua situação, e eu estou preocupada. Nunca te vi daquele jeito, tão vulnerável. Olha que te vi no fundo do poço com a Beatriz, mas, eu vejo um risco emocional muito profundo, com dano colateral para muitos lados...

-- Eu já entendi, Celina. Tenho que por um fim a esse romance platônico. Você tem razão.

Viramos o resto da dose e nos abraçamos. Quando nos desvencilhamos, Celina me deu um beijo afetuoso na testa, se despedindo e sorriu, soltei sua mão, e quando olhei para a saída do bar, vi Marcela observando toda a cena. Acho que a vida providenciou um atalho para a decisão que eu acabara de tomar e comunicar a Celina.