terça-feira, 17 de julho de 2012

Beautiful Dangerous - Terceiro Episódio


EPISÓDIO 3 – PERTO DEMAIS



                Fernanda chegou ao local acompanhada de Leticia. Um velho galpão na Zona Leopoldina, próxima a antiga estação do mesmo nome.
               
                De longe Beto acenou para a colega, o local já estava cercado de outros policiais e peritos.

-- Outra menina, mulher branca, 28 anos, foi encontrada por pedintes, garantem que ela estava sem bolsa ou qualquer outro pertence, ou seja, não sabemos quem ela é. – Beto resumiu.

                Fernanda se aproximou do corpo junto com Leticia, arregalou os olhos e com a voz trêmula disse:

-- Nós sabemos sim, eu a conheço.

-- Você a conhece? – Beto indagou surpreso.

-- Conheço, quer dizer, conhecia. Nara Medeiros, ela trabalhava em uma multinacional, era gerente de RH. Voltou ao Rio há três dias. Estive com ela ontem. Meu Deus...

                Os policiais se encararam, Leticia fez os primeiros exames no corpo ali mesmo, supondo a causa da morte.

-- Aparentemente ela foi estrangulada. As marcas do pescoço indicam que foi utilizado um fio com diâmetro pequeno. Ela não lutou, o que me faz acreditar que a exemplo da outra vítima, ela foi dopada para ser trazida para cá, a marca da seringa reforça minha suspeita, exatamente no livro de Catherine Morgan, a segunda vítima foi vítima de estrangulamento. – Leticia explanou.

                Nitidamente abalada, Fernanda acariciava o rosto da vítima, quando a médica disse:

-- Ela era muito bonita.

                Fernanda acenou em acordo.

-- Encontraram mais alguma pista aqui Beto? – Fernanda perguntou.

-- Temos alguns rastros, marcas de solado de calçado na lama. Mas isso não nos ajudará, muitos pedintes passaram por aqui. – Beto respondeu.

-- Nenhum deles viu nada? – Fernanda insistiu.

-- Se viram negaram. – Beto respondeu.  - O rabecão chegou.

-- Doutora, a senhora se incomoda se eu assistir a autópsia do corpo? – Fernanda indagou.

-- Tem certeza que você terá estrutura para isso? Não é nada agradável, especialmente você a conhecendo. – Letícia interrogou complacente.

-- Eu quero e preciso, não quero deixar que nenhum detalhe escape, eu quero pegar esse louco assassino o mais rápido possível.

                Letícia balançou a cabeça positivamente concordando com o pedido da policial.

-- Vamos começar hoje mesmo então.

                Saíram juntas, logo após o corpo ser removido.

-- Preciso avisar a família dela, tenho que fazer isso pessoalmente. Incomoda-se de ir com o Beto para a delegacia doutora Letícia?

-- Claro que não investigadora Garcia.

                Antes de deixar o local, Fernanda avisou um movimento suspeito por trás de uma das colunas do galpão. Andou apressada nessa direção, surpreendendo Dulce que inutilmente tentava se esquivar.

-- Dulce?! Porra de novo?!

                Fernanda puxou a amiga pela jaqueta.

-- Qual seu problema?! Acaso está trabalhando de agente funerário? Agora vive cercando cena de homicídio?! – Fernanda berrava indignada.

-- Calma aí Nanda... Estou precisando trabalhar! Pow eu fui demitida, preciso de boas reportagens “freela” pra pagar minhas contas! Segui você quando falou de outra vítima do assassino do livro.

-- Ainda não sabemos se é o mesmo assassino. – Fernanda disse irritada.

-- Tinha que ser a primeira noticiar isso, tem um louco caçando mulheres por aí, eu fui a primeira a noticiar isso, quero continuar acompanhando esse caso, facilita aí Nanda...

-- Você é doida! Não quero apavorar a população, tudo que menos preciso é uma repórter intrometida fazendo sensacionalismo.

-- Uma repórter que tem uma testemunha te interessa?

-- Testemunha? Não foi encontrada nenhuma testemunha...

-- A policia não encontrou, mas eu sim.

-- Desembucha Dulce!

-- Em troca eu ganho cobertura exclusiva?!

-- Em troca eu não te prendo!

-- Se você me prender não falo o que descobri com a testemunha...

                Fernanda encarou Dulce furiosa.

-- Dulce não me provoca...

-- É pegar ou largar.

-- Tá! Desembucha sua mala!

-- Um dos mendigos viu um homem sair daqui acerca de duas horas.

-- Ele tem alguma descrição desse homem?

-- Nada muito específico, exceto que o homem tinha uma mão seca. Não entendi o que ele quis dizer com mão seca, ele só explicou que o homem tinha uma mão esquisita, com os dedos tortos.

-- O Capitão Gancho...
**************
                Fernanda chegou ao laboratório de necropsia nitidamente abalada. O rosto denunciava que chorara há pouco tempo. Letícia não notou sua chegada até a policial quase derrubar a bandeja de instrumental da pericia, ao ficar tonta diante do corpo aberto da vítima.

-- Investigadora Garcia?! Você está bem?

                Leticia perguntou se aproximando de Fernanda que se apoiava em um balcão.

-- Estou é que...

                Fernanda continuava tonta, desviou o olhar do corpo exposto. Leticia se aproximou mais e a policial se afastou com cara de nojo. A médica franziu o cenho estranhando a reação da morena que apontou para as luvas de Leticia sujas de sangue.

-- Oh! Desculpe-me. – Leticia retirou as luvas.

-- Tudo bem, você está trabalhando, eu não quero atrapalhar...

-- Você está pálida, vamos para minha sala, beber uma água, sentar-se um pouco, vai te fazer bem.

                Fernanda assentiu. Em sua sala, Leticia serviu um copo de água para a policial que permanecia com um olhar triste, abalado, encarando o chão.

-- Ainda não consigo acreditar que ela está morta. Eu sempre tive medo que na minha profissão um dia isso acontecesse: investigar o assassinato de alguém que eu amei.

-- Vocês eram muito amigas? – Leticia perguntou se sentando ao lado da policial.

-- Sim... Éramos muito intimas.

                Fernanda pausava procurando as melhores palavras.

-- Eu sinto muito.

                Letícia segurou a mão de Fernanda suavemente. A policial sentiu seu corpo estremecer com aquele gesto delicado. Fernanda correspondeu a manifestação gentil da legista com um sorriso discreto e um olhar desarmado.

-- Obrigada doutora.

-- Tem certeza que ainda quer assistir a autópsia?

-- Realmente não é um bom programa para essa hora da noite.

                Fernanda brincou tentando minimizar o clima triste.

-- Vou tentar agilizar o máximo que puder a conclusão, e mantenho você informada, te prometo.

-- Não vou deixar você sozinha aqui a essa hora da noite com um cadáver, pela sua boa vontade de colaborar com sua competência e rapidez, vou te fazer companhia e providenciar algo para comermos.

-- Não precisa se preocupar agente Garcia. Não estou com fome.

-- Doutora eu sei que seu trabalho tira o apetite, eu até agora estou com o estômago meio embrulhado, mas imagino que a senhora precise comer uma hora. Estou com você desde a hora do almoço, nem eu, nem você comemos nada, deixe eu te trazer ao menos um sanduíche...

-- Mas...

-- Ah doutora! A senhora come não é? Você tem cara de só comer folha e vento, posso trazer um “cheese salada”.

                Leticia sorriu e acenou em acordo.

-- Então segura as pontas aí que vou providenciar nossa bóia.

**********

                Fernanda voltava para a delegacia com sacolas na mão quando Carol a encontrou no corredor que dava acesso ao laboratório de necropsia onde Leticia estava.

-- Nanda! Eu fiquei sabendo agora! É verdade sobre a segunda vítima do Capitão Gancho? Era a Nara?

-- Era sim Carol.

-- Meu Deus! Que coisa horrível! Como você está amiga?

-- Chocada Carol. A Nara estava tão bem, cheia de planos, acabou de ser promovida na empresa, você sabe como ela dava o sangue pela carreira dela, a ponto de sacrificar até nosso relacionamento... Quando a vi ali estendida...

                Fernanda pausou com sua voz travada. Carol a abraçou.

-- O que você está fazendo aqui? Por que não vai para casa?

-- Estou aqui para ajudar a doutora na autópsia, quero saber de qualquer coisa que me leve a esse monstro!

-- Nanda eu não acredito nisso! Você quer ver o corpo de sua ex-namorada ser remexido, cortado, está louca?!

-- Shi... Fala baixo! Quer que todos saibam que a segunda vítima de um serial killer já foi minha namorada? Era tudo que o pulha do Wellington precisa pra me tirar do caso!

-- Nanda você não precisa passar por isso...

-- Eu não preciso, mas quero, devo isso a Nara.

                Da sua sala, Leticia escutou sem querer a conversa das policiais. Carol olhou para as sacolas nas mãos de Fernanda e indagou curiosa.

-- O que são essas sacolas?

-- Jantar para mim e para doutora.

-- Dogão do Aguiar? Você trouxe um dogão do trailer da esquina para a mulher que usar Dior e Gucci para trabalhar?!

-- O que é que tem? É o melhor cachorro quente do bairro!

-- Nanda você não existe...

                Fernanda deu de ombros e entrou na sala da legista.

-- Nosso jantar doutora.

                Fernanda sentou-se no sofá, e foi tirando os embrulhos da sacola, dispondo na mesa de centro.

-- Eu não sabia do que você gostava então pedi um completo.

                Leticia sentou-se vizinho a policial no sofá, olhando com estranheza o tamanho e a forma do sanduíche. O amontoado de ingredientes coloridos empilhado sobre uma baguete gigantesca.

-- Salsichão, carne moída, purê de batatas, milho verde, cenoura ralada, azeitona fatiada, batata palha, molho e mostarda.

                Fernanda listou, entregando o hot dog para a médica. Leticia encarou o sanduíche se questionando mentalmente como comeria tamanha “iguaria”, duvidava que coubesse em sua boca aquela montanha de ingredientes. Enquanto pensava, Fernanda mordeu o cachorro quente deixando escapar pelo canto da boca molho e as sobras que obviamente não cabiam numa só mordida.

-- Delícia! Não vai provar o seu?

                Sem cerimônia, limpando a boca Fernanda disse com a boca cheia. Desajeitada, Letícia se preparou para morder o sanduiche da melhor forma, mas, conseguiu se sujar mais do que Fernanda, sujando além da boca, o queixo e o nariz. Fernanda não se conteve, vendo o rosto da médica pintado do amarelo da mostarda, vermelho do molho de tomate e branco do purê, sorriu divertida.
               
-- Oh... Isso é mesmo delicioso. Nunca comi nada parecido.

                Leticia notou os risos de Fernanda e perguntou depois de morder mais uma vez o cachorro quente:

-- O que foi? Do que você está rindo investigadora?

-- Nada não... É que você está parecendo o Ronald McDonald...


                Leticia parou de mastigar imediatamente, sem graça pegou um dos guardanapos e limpou a boca.


-- Não é só sua boca que está suja... – Fernanda disse sorrindo.

-- Não?!


                Fernanda balançou a cabeça negativamente, e a limpou ela mesma o rosto de Leticia delicadamente. Os olhos se cruzaram por segundos. A atração desconhecida que mantinha aqueles olhares unidos era tão forte que fez Leticia recuar, a ruiva desviou o olhar perguntando:

-- Limpou tudo?

                Fernanda baixou os olhos depois de acenar em acordo.



-- A mulher do Dior já provou esse cachorro quente?


Letícia perguntou inocentemente. Fernanda sorriu.


-- Isso não está registrado na biografia dele com certeza...Mas, não deixa de ser uma possibilidade.


-- Mas nem sei se ele foi casado...


                Quando Leticia começava a argumentar Fernanda sorriu mais uma vez balançando a cabeça negativamente.


-- Ah... Você não estava se referindo ao estilista Dior não é?

-- Não, falava do vestido que você usava quando nos conhecemos...

                Letícia sorriu tímida.

-- Aquela mancha saiu? Ou te devo alguns meses de salário por um vestido novo? – Fernanda perguntou.

-- Saiu sim, não precisa se preocupar. E sobre sua impressão de quão improvável seria eu comer um cachorro quente pitoresco da rua, bem, confesso que nunca fui adepta dessa culinária, mas a julgar por esse sabor...

-- Descobriu que perdeu muito tempo da sua vida comendo folha e vento com azeite né?

                Leticia acenou em acordo com a boca cheia.

-- Hurrum.
                Fernanda sorriu mais uma vez, mas agora, com encantamento encarando a legista.

********

                Leticia prosseguiu com a necropsia, tendo Fernanda como espectadora. Gravou no seu mp3 o que via, em detalhes: as marcas e hematomas, as escoriações, tudo corroborava para a tese de que se tratava do mesmo assassino.

-- Ela também foi arrastada? – Fernanda quis saber.

-- Sim, mas, por uma distância pequena.

-- Algum palpite sobre arma do crime? – Fernanda perguntou.

-- Isso é curioso. Nesse ponto, o assassino fugiu do padrão do livro.

-- Como assim?

-- No livro o assassino usa um fio de nylon para estrangular a vítima, mas nesse caso, o fio não era desse material. Vê essas marcas aqui? Foram pequenos cortes, encontrei resquícios de uma espécie de pó cortante. Isso é compreensível porque ele não teria forças para estrangulá-la devido a sua lesão.

-- Cerol? O cara usou uma linha com cerol?

-- Cerol?

-- É uma mistura com pó de vidro que os irresponsáveis que usam nas linhas das rabiolas...

-- Rabiolas?

-- Pipas, conhece?

-- Ah!

-- Então, essa mistura corta a linha das outras empinadas...

-- Entendi. Então, o assassino usou cerol na linha que estrangulou a vítima. Certamente usou uma luva resistente para não se cortar.

-- Doutora esse monstro não deixou um vestígio na roupa, no corpo dela? Algo que nos leve a identidade dele?

-- Hum... Não quero te dar falsas esperanças, mas encontrei na pulseira do relógio da vítima fragmentos de células da pele, se tivermos sorte, essa pele não é dela.

-- Pode ser do assassino não é? O relógio pode ter arranhado o assassino enquanto ele a arrastava não é isso?

-- Exatamente investigadora!

-- E o resultado daquela ponta de cigarro que a Gisele me entregou?

-- Amanhã teremos o resultado.

-- Então amanhã é o dia que avançaremos nessa investigação finalmente.

-- Vou terminar a autópsia para liberar o corpo. – Leticia disse.
*************

                Fernanda chegou nitidamente abalada ao departamento. Cumprimentou rapidamente os colegas e subiu para o laboratório onde Leticia estava analisando lâminas no microscópio.

-- Investigadora Garcia! Estava mesmo querendo falar com você... Mas, o que houve? Você não me parece bem.

-- Estou chegando do sepultamento da Nara.

-- Oh...

-- Doutora eu preciso de boas notícias! Por favor, me diga que você tem boas notícias!

-- Acho que as tenho. Conseguimos extrair o DNA da ponta de cigarro e das células epiteliais presas no relógio da segunda vítima, e se tratam da mesma pessoa.

-- Yes!

-- E não é só isso... Agora temos a idade aproximada do assassino, quero dizer, do suspeito, o que vai nos ajudar a filtrar os resultados do SINAN, amanhã nós teremos um relatório com os casos notificados de hanseníase com grau de incapacidade, tendo a faixa etária, nos dará uma margem para filtrarmos os resultados.

-- E aí colhemos amostras para comparar com o DNA que temos e...

-- Pegamos o Capitão Gancho! – Leticia falou empolgada.

                Foi inevitável para Fernanda não sorrir com a reação da médica.

-- Não temos motivo para comemorar?

                Leticia indagou sem jeito.

-- Acho que devemos comemorar quando prendermos esse monstro.

                Leticia acenou em acordo, afastou-se da bancada do microscópio e no trajeto até um dos armários, tropeçou, sendo amparada por Fernanda. Ficaram tão próximas, que podiam sentir a respiração uma da outra. Tão perto uma da outra não havia como fugir daqueles olhares cheios de uma atração tão intensa que chegavam a confundi-las.

                O contato que não demorou mais do que segundos, mas estes foram suficientes para acender em ambas um turbilhão de sensações inéditas. No entanto, aquele clima foi devidamente interrompido, pela chegada de Wellington.

-- Doutora Letícia? O que está acontecendo aqui Garcia?!

-- Ow... Delegado...  A doutora ia caindo e... Eu só segurei...

                Fernanda se atrapalhou para explicar, se apoiou na mesa que abrigava um cadáver.

-- Aiii!

                A policial sacudiu a mão apavorada. Letícia segurou o riso e Wellington mudou de assunto.

-- Eu só passei aqui para saber dos avanços da investigação...

-- Ah! Sim, avançamos bastante, já temos amostras de DNA para comparar com uma lista de possíveis suspeitos que teremos amanhã. - Leticia informou empolgada.

-- Ótimo doutora! Sabia que a sua competência e inteligência extraordinárias, era o que precisávamos para colocar esse departamento no time dos melhores!

                Fernanda fez careta de nojo ao ouvir a rasgação de seda do chefe.

-- Obrigada delegado, mas o sucesso do meu trabalho só é possível quando trabalho com os melhores investigadores, e o senhor tem isso no seu departamento.

                Wellington não deu importância a observação da legista.

-- Bom, eu vim também para confirmar nosso encontro de mais tarde. Tudo certo para nosso happy hour doutora?

--Er... Ah, eu... – Leticia gaguejava desconcertada olhando para Fernanda.

-- Não vá me dizer que se esqueceu doutora! – Wellington disse franzindo o cenho.

-- Não, é que estou com tanto trabalho...

                Fernanda mantinha os olhos baixos, brincando com uma liga de elástico.

-- Doutora Leticia, hoje é sexta-feira, foi uma semana muito cansativa, vamos lá, relaxar um pouco. Não aceito um não como resposta!

                Leticia tentou argumentar, mas foi inútil. Wellington encerrou o assunto avisando:

-- Espero você em meia hora. Ah! Garcia, a dona Gisele da Silva acabou de depor, quer falar com você. Você aprontou algo com ela? Garcia ela é sobrinha do secretario de segurança do estado, não faça besteira!

-- Não torra Wellington! Vá lá pro seu happy hour – Fernanda fez um gesto caricato – E me deixa em paz!

                Fernanda saiu irritada do laboratório e encontrou Gisele assinando o seu depoimento com Carol.

-- Gi? Queria falar comigo?

-- Oi Nanda!

-- O delegado disse que você queria falar comigo. Aconteceu alguma coisa?

-- Será que tem um lugar que possamos conversar a sós?

-- Claro. Carol a sala de reuniões está desocupada?

-- Sim, está. – A escrivã respondeu.

                Gisele dispensou seu advogado e seguiu Fernanda até a sala de reuniões.

-- E então? Aconteceu algo? – Fernanda indagou preocupada.

-- Nanda, eu não tenho dormido desde o assassinato em Itatiaia. Tenho pesadelos todos os dias com aquela moça. Eu me sinto tão culpada Nanda...

-- Ei! Para com isso Gi! Você não tem culpa de nada! O cara é um louco! Você poderia estar morta também!

-- Mas ele está se inspirando nos meus livros Nanda!

-- Gisele tem maluco de todo jeito nesse mundo! Se você soubesse o tanto de doido que já prendi! Eles nem precisam de inspiração não, acredite!

-- Nanda, eu preciso fazer algo para ajudar a prender esse assassino. É minha obrigação!

-- Gisele você já está fazendo. Tem colaborado incondicionalmente nas investigações.

-- Nanda, eu quero e posso fazer mais. Eu escrevi aqueles livros, eu sei criei aqueles assassinatos, eu posso ajudar a esclarecer, analisar a personalidade do assassino.

-- Uma espécie de consultoria?

-- Chame como quiser, só me deixa ajudar em algo Nanda, eu preciso disso.

-- Tudo bem Gi. Fique tranquila, vou ter que comunicar ao delegado, e outra condição: não quero que você se exponha, nem se arrisque ok? Esse assassino te conhece, e se ele for um fã maluco seu... Enfim, você promete que vai me obedecer?

-- Ok, eu prometo.

                Fernanda sorriu segurando o braço da amiga que correspondeu ao sorriso. Saíram da sala e avistaram Wellington e Letícia saindo em direção ao elevador. O delegado com a mão na cintura da legista visivelmente constrangida.

-- Aquela dali não é a doutora gracinha que estava com você em Itatiaia?

-- É.

                Fernanda disse aborrecida. Carol se aproximava olhando da mesma direção.

-- Quem diria que o delegado ia partir na frente... – Carol comentou.

-- Que pena a ruiva gata não jogar no mesmo time que eu... – Gisele lamentou.


                Fernanda acompanhou com o olhar o delegado e Leticia esperando o elevador e antes de entrar, a médica encontrou os olhos atentos da policial. Fernanda desviou o olhar com um convite inusitado:

-- Gisele, você quer sair pra beber alguma coisa comigo?

--Eu?!

-- Tem outra Gisele aqui?

                Carol apertou os olhos lendo intenções da amiga.

-- Opa! Vamos lá! – Gisele aceitou animada.

********

                Fernanda levou Gisele a um barzinho na orla da praia de Copacabana. Lá, as amigas de infância relembraram suas histórias, riram com as lembranças confusas, principalmente as armações delas no colégio de freiras.

-- A irmã Conceição caía direitinho nessa sua cara de santa oriental! – Fernanda disse depois de gargalhar.

-- Não tenho culpa da minha carinha de anjo. Além do mais, alguma de nós tinha que ter alguma credibilidade. A Dulce era uma mentirosa compulsiva, toda semana ela matava uma tia pra justificar os atrasos dela nas aulas de educação física.

-- Morta de preguiça de acordar mais cedo isso sim! Isso quando ela não fingia uma crise de asma pra não correr em volta da quadra...


                As duas gargalharam de novo relembrando.


-- E você Nanda, era a rainha das peças. E era também a mais sortuda! Nunca foi pega! Você passou pó de mico no terço da Irmã Paulina antes da prova final de matemática! A coitada ficou toda empolada, só conseguiu voltar às aulas uma semana depois!

-- Ah eu não sabia que ela era alérgica pow! Só queria desconcentrá-la pra gente colar com mais calma... – Fernanda tentou se justificar.

-- Você quase mata a velha isso sim!


                Riram de novo e beberam mais uma tulipa de chopp. A vigésima da tarde que já virara noite. Quando deram por si, já nem sabiam mais contar quantos chopps haviam tomado. Estando mais perto do flat de Gisele, tomaram um táxi e seguiram para lá.


-- Caraca Gi fazia muito tempo que eu não bebia assim...

                Fernanda falava com a voz pesada, entre risos, jogada no sofá.

-- Vem dançar comigo Nanda? Você ainda se lembra da nossa coreografia do final de ano de Lua de Cristal?

-- Caracaaaa!

                Fernanda foi arrastada pela amiga e com dificuldade se equilibrou para acompanhar Gisele na letra e na coreografia.

--“ Tudo pode ser, se quiser seráaaa sonhos sempre vem pá quem sonhaaar, tudo pode ser só basta sonhar, tudo que quiser pra ser lutarrrrr”

                Gisele errava a letra da música fazendo movimentos hilários com as mãos, sendo imitada por Fernanda que mais ria do que dançava.

--“Vamos com você nós somos invisíveis pode crer! Todos somos um e tudo não existe só mais ummm... Lua de cristal que me faz chorar cai a minha estrela que eu já sei pulaaaar”

                Fernanda pulou como a nova versão da música cantada por Gisele pedia, mas o salto duplo twist carpado da policial acertou em cheio a coreógrafa e as duas caíram juntas no chão.

-- Não me lembro dessa parte da coreografia... – Gisele deixou escapar.

-- Se tivesse essa parte, garanto que nosso sucesso estava garantido, pelo menos dariam risada da nossa queda e não da sua fantasia mijada!

                Gisele fez bico, segurando o choro, como fazia quando criança. Fernanda retrucou:

-- Ah não Gi! Engole esse choro!

-- Por que você tinha que falar nisso agora?!

                Gisele falou chorando aos soluços.

-- Tudo bem, chora, mas não molhe as calças!


                O berreiro de Gisele foi maior, Fernanda só conseguia rir, até que os risos contagiaram a amiga chorona que intercalava choro e gargalhada.

-- Como eu vivi tanto tempo sem você?!

                Gisele disse encarando a policial.

-- Deixe-me ver... Tendo uma carreira de sucesso como a maior autora de romances policiais da atualidade, ficando fica e ainda mais linda... Acho que você se saiu bem sem mim todo esse tempo sim.

                Fernanda disse afastando uma mecha de cabelo do rosto da escritora.

-- Eu senti sua falta Nanda, pensava em você sempre.

-- Eu também Gi, afinal a gente nunca esquece o primeiro beijo não é?

-- Pelo menos não o primeiro beijo em uma mulher...

                Gisele disse mordendo os lábios. Fernanda olhou para a boca da escritora e não resistiu, puxou o rosto de Gisele para um beijo lânguido. Sobre o corpo de Fernanda, Gisele encaixou os joelhos na cintura da policial, investindo em outro beijo igualmente voluptuoso, enquanto a morena arrancava as roupas da escritora.

                Sem as roupas, Gisele ofereceu seus mamilos eriçados à boca de Fernanda, que em pouco tempo depois de lamber com voracidade o que era ofertado, sentiu o peso do corpo de Gisele sobre o seu.

-- Gi, você continua deliciosa... – Fernanda sussurrou ofegante.

-- Hurrum...

                O murmúrio de Gisele excitou ainda mais Fernanda que insistiu enquanto suas mãos passeavam pelas costas e bumbum da escritora:

-- Quero seu corpo todo nu sobre o meu, sentir você inteira Gisele...

                Fernanda não teve a resposta esperada. O que ouviu foi um sonoro:

-- Roooonc...

-- Não acredito! Puta que pariu! Gisele!

                Não adiantou o brado. Gisele roncava, em um sono profundo, tão profundo que não se incomodou ao ser jogada ao chão por Fernanda, que a deixou dormir no chão e tomou posse da cama espaçosa sozinha, como se aquilo representasse alguma vingança pelo tesão naufragado naquela noite.

************

                O barulho da campainha acordou Gisele como se fosse uma buzina de um transatlântico.

-- Calma aí! Já vai!

                Do jeito que estava só de lingerie Gisele se levantou, envolveu-se na camisa de Fernanda sobre uma cadeira e abriu a porta.

-- Dulcinha?!

-- Oi amiga, desculpa te acordar assim, mas é uma emergência. Nossa, que trajes são esses Gi? Ai meu Deus! Estou interrompendo algo?!


                Sem cerimônia, Dulce foi entrando no flat com suas malas olhando em volta, analisando a bagunça instalada.


-- Dulcinha que emergência? O que aconteceu? E o que são essas malas? Você está fugindo de alguém?!


-- Mais ou menos... Fui despejada amiga, preciso de um abrigo.

-- Han?!

                Enquanto Gisele se dava conta da surpresa que Dulce lhe preparara, Fernanda aparecia na sala com sua típica calcinha box e top.

-- Nanda?! Ai meu Deus! Vocês?! Nãaaaao?! Juraaa?

                Dulce abria e fechava a boca com os olhos arregalados.

-- Nãao. Não né?

                Gisele perdida olhava para Fernanda em busca de respostas. Com um tom de irritação a morena respondeu:

-- Não Gisele. O que é que essa doida está fazendo aqui essa hora?

-- Está quase na hora do almoço tá! Estou aqui por que não podia contar com mais ninguém! Fui demitida, sem emprego, o dono do meu apartamento não renovou meu contrato, me despejou, e não tenho grana pra ir pra hotel. – Dulce explicou.

-- E sua família Dulce? Sabe que era uma coisa que eu queria te perguntar mesmo... Como você vive nessa pindaíba com o dinheiro que sua família tinha? – Gisele interrogou.

-- Você disse quase hora de almoço?! Droga! Estou atrasada, tenho que encontrar a doutora Letícia! – Fernanda disse procurando suas roupas.

-- Minha família continua cheia da grana, mas não quero pedir dinheiro ao meu pai. – Dulce foi evasiva.

-- E sua mãe? – Gisele insistiu.

-- Minha mãe é uma alienada que torra o dinheiro do divórcio com uns boyzinhos mais novos que eu, nem sei onde ela está morando agora.

-- Mas Dulce, seu pai tem obrigações com você, é hora de deixar esse orgulho pra trás e pedir ajuda...

-- Olha aqui Gisele, se você não puder me ajudar fala tá? Eu vou pra debaixo da ponte, mas não procuro meu pai! – Dulce interrompeu.

-- Sempre dramática... Devia ter aproveitado esse talento nato para o teatro, você escolheu a carreira errada...

                Fernanda disse chegando à sala já vestida.

-- Tudo bem Dulcinha, pode ficar. Mas isso aqui é um flat, não tem muito espaço, vai ter que dormir no sofá quando eu estiver aqui.

-- Claro Gi! Não se preocupe, você nem vai notar minha presença aqui.

-- Sei... Espaçosa do jeito que você é Dulce, até na casa da Gisele em Itatiaia faltaria espaço para ela mesma!

                Fernanda disse, em resposta Dulce lhe mostrou a língua, despertando o riso da policial.

-- Gi, eu estou indo, mantenho você informada. E cuidado com essa daí viu, reviste-a, procure por alguma câmera escondida nela...

                Dessa vez Dulce atirou uma almofada contra a policial que escapou mostrando a língua.

-- E então amiga, vamos pedir almoço?! Ouvi falar que o restaurante daqui é maravilhoso!

                Gisele suspirou pressentindo que sua paz estava seriamente ameaçada pelo presente de grego que acabara de receber.