terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

LEIS DO DESTINO: 2ª FASE - Capítulo 24

2.24 Causa possessionis
No Direito: Causa da posse. Fundamento jurídico da posse. 


            Sem bagagem, sem amarras, apenas com o coração livre, carregado de amor e esperanças de uma nova vida com Diana que Natalia chegou ao Hitz naquela madrugada, como combinara com a fotógrafa.

            Por mais que sentisse a carga dos acontecimentos da noite que desencadearam a infelicidade de Rosana pelo lastimável flagrante, o peito de Diana foi inundado de alegria e esperanças proporcionais a que Natalia trazia nos olhos quando bateu à porta do quarto do hotel.


- É aqui que minha futura mulher está me esperando?


            Natalia disse quando Diana abriu a porta.

           
            A loirinha sorriu emocionada e abraçou sem demoras a única pessoa que podia sanar aquela culpa que lhe corroía.


- Jura que você vai ser minha mulher?


            Diana perguntou acariciando os cabelos de Natalia.


- Provavelmente nunca deixei de ser desde que te conheci Di.


            Encantada Diana encarou Natalia. Depositou nos lábios dela um beijo demorado, que ditou a excitação gradual que corria na velocidade do sangue dos corpos, que se aqueciam á medida em que os movimentos das mãos e bocas se completavam. A fusão das peles, os fluídos dos corpos se misturando: suor e saliva mesclados a umidade dos sexos quando se encostaram desnudos, a colisão de todos os lábios, no ritmo sincronizado pelo desejo de prorrogar aquele prazer infinitamente.

            A expressão de felicidade plena era um fator a mais para não fazer cessar a volúpia entre um orgasmo e outro. Sobre o corpo de Natalia, Diana preencheu com seus dedos o sexo da morena, que arqueou o tronco, cravando suas unhas na pele alva da fotógrafa, deixando escapar um gemido rouco de um prazer inenarrável. A voz de Diana sussurrando o passo a passo do que ela faria a seguir com Natalia, incitava ainda mais o prazer daquele momento. Sedenta por ter na sua boca o sabor do gozo da sua amada, Diana mergulhou sua língua na cavidade quente e molhada da morena e lá deslizou por toda extensão dos lábios e clitóris sua boca, beijando, sugando, se deliciando com a vibração emitida pelos espasmos do corpo da outra, levando-a mais uma vez ambas ao auge.

            A noite foi curta para a dimensão dos sentimentos concretizados naquela explosão de amor, paixão e desejos. O dia chegou e as duas assistiram juntas ao amanhecer, trocando juras de amor eterno, como se ainda fosse necessário fazer mais declarações e promessas para quantificar a importância daquele momento.

            O dia que nascera era mais do que o primeiro da nova vida de Natalia e Diana juntas. Ainda era exigido de ambas, desagradáveis detalhes práticos antes da volta ao Brasil para enfrentarem outra batalha. Diana ainda precisava conversar com Rosana, não concebia a ideia daquela separação abrupta e lastimável com a cantora. Natalia por sua vez, ainda enfrentaria outro encontro com Eduarda, uma vez que seus pertences ainda estavam no apartamento da empresária.


-- Você entende que ainda preciso ter essa conversa com a Rosana?

-- Claro meu amor. Ontem foi muito louco mesmo, ela não merecia ver e ouvir aquilo.

-- Eu vou até meu apartamento, depois levo você para buscar suas coisas no apartamento da Eduarda, tudo bem?

-- Claro, eu te espero meu amor, boa sorte.

            Diana não encontrou Rosana no seu apartamento. Este estava exatamente como ela deixara no dia anterior. Deduziu que a cantora não retornara para lá. A tentativa de falar com a ex-namorada no celular dela foi fracassada uma vez que este se encontrava desligado. Lembrou-se da presença de Julia no incidente e a procurou no hotel que a artista sempre se hospedava.

            Como era esperado por Diana, Julia estava de fato hospedada no lugar de sempre, todavia, a artista não a recebeu em seu quarto, desceu ao encontro da fotógrafa no saguão do hotel.

-- Julia desculpe-me, eu não queria te incomodar, acho que você está acompanhada não é?

-- Eu até já aguardava que você me encontrasse aqui Diana. Não podia deixar você subir, desculpe-me. Estou acompanhada sim, mas não foi por isso que não deixei você subir.

-- Você está tão chateada comigo assim? Se for pra me dar uns tabefes melhor subirmos não acha?

-- Deixa de palhaçada Diana! Você bem merece umas tapas mesmo. Não deixei você subir porque a Rosana está no meu quarto.

-- Hã? Quem? Como assim?

-- Calma, não é nada que você está pensando!

-- Nem eu sei o que estou pensando Julia!

-- Eu acompanhei a Rosana na festa que a gravadora deu após o show. Eu e o pessoal: a Dani, Liza, Marco e Gerard. Você pode imaginar que ela não estava bem não é?


            Diana baixou os olhos sentindo o peso de sua culpa.


-- Ela bebeu demais, e antes que ela surgisse como uma nova estrela alcóolatra barraqueira, eu a trouxe, e ela se recusava a ir para seu apartamento.

-- Ela está furiosa comigo não é?

-- O que você acha Diana? Fúria não é bem o que define o estado de Rosana nesse momento. Não entendo como você foi capaz disso. Diana você não é mais uma adolescente para colocar a culpa na impulsividade! Mas que droga será que você não tem o mínimo de consideração pelas pessoas que te amam?

-- Não fala assim Julia! Você sabe que isso não é verdade!

-- Diana pelo que te conheço e eu sei que não é verdade, mas você vem e me mostra o contrário. Foi assim quando me traiu com a Natalia, e de novo traiu com a Natalia uma pessoa que só te fez bem.  Traição Diana, sem o menor escrúpulo, enquanto ela se declarava a você para milhares de pessoas.

-- Não seja cruel comigo Julia... Não fui inescrupulosa... Não estava com uma mulher qualquer... Era a Natalia. É a mulher da minha vida Julia... A mulher que eu amo que sempre amei e que por causa do meu pai, passei oito anos sem ao menos vê-la...

           
            Julia suspirou tentando ponderar seu tom de acusação ao captar as palavras cheias de sentimento da loirinha.


-- Tudo bem Diana. Vamos considerar isso um atenuante: as duas vezes que você traiu foram por amor. Isso pode justificar sua atitude para você, mas não para quem foi traída, digo isso por experiência própria.

-- Julia eu sei que eu errei. Mas me deixa subir e falar com a Rosana, nem que seja para escutá-la me xingar, ou me bater sei lá! Preciso esclarecer para ela que nunca foi minha intenção magoá-la assim.

-- Tudo bem. Mas com uma condição: você a espera acordar, se ela se recusar a conversar, você não vai insistir, vai respeitar a vontade dela, ok?

-- De acordo.


            Julia deixou Diana a sós com Rosana ainda dormindo no quarto. Ao despertar, a cantora se deparou com a loirinha sentada ao seu lado na cama.

-- Diana?!

            Rosana esfregou os olhos e franziu o cenho sentando-se na cama.

-- Imagine que tive um pesadelo horroroso... Sonhei que você estava se atracando com a Natalia durante meu show e eu escutava tudo pelo ponto de comunicação e flagrava vocês duas...


            Diana baixou os olhos.

-- Não foi pesadelo né?

-- Rosana...

-- Pela dor de cabeça que estou sentindo, e percebendo agora que não estou em casa, acho que tudo que me lembro de ontem é mesmo real...

-- Você tem o direito de me expulsar daqui, tem o direito de me surrar, de me ofender com os piores palavrões, eu mereço tudo isso. Mas mesmo assim vim te pedir que você me escute.

-- Você acha que ainda tem o direito de me pedir alguma coisa Diana?

-- Não, eu não tenho o direito de te pedir nada. Não vou insistir se você não quiser me escutar, foi uma exigência da Julia para me deixar subir e mesmo que não fosse por isso, eu não forçaria a barra com você. Por tudo que vivemos e pelo que fez por mim eu preciso que você entenda que não fui leviana...

-- Espera aí Diana! Não tem adjetivo pra você pelo que fez ontem, ou tem feito há não sei quanto tempo... Quem sabe desde que voltou ao Brasil!

-- Não Rô, fazem alguns dias só que reatei com a Natalia, não queria te enganar, mas não seria justo terminar com você por telefone, ainda mais às vésperas do seu show...

-- Mas foi justo você comê-la com minha voz na trilha sonora não é? Quem sabe se você tivesse me contado antes eu teria dedicado a vocês duas um single!

-- Rosana não faz assim... Não tem justificativa para o que eu fiz, mas aquilo não foi proposital. Preciso que você saiba disso...

-- Pra que Diana? Só para você ficar com a consciência tranquila e viver seu grande amor de sempre e o resto do mundo que se foda? Foi para isso que você veio esfregar na minha cara o quanto ainda ama a Natalia? Para salvar sua honra de boa moça, ou por pena de mim? Vá à merda com essa sua necessidade!


            Rosana bradou se levantando da cama, se afastando de Diana. Esta por sua vez ergueu-se na tentativa de se aproximar, mas a cantora continuou o seu desabafo impedindo qualquer aproximação da fotógrafa:


-- Não ouse chegar perto de mim Diana! Não me vem com esse olhar angelical de bichinho fofo de desenho animado! A sua imagem para mim agora é aquela que vi ontem excitada como uma cadela no cio atracada com aquela falsa moralista, outra traidora!

-- Você está magoada comigo, tem o direito de falar assim. Mas eu juro Rosana, que minha intenção era ser honesta com você, não era assim que eu queria que as coisas acontecessem...

-- Diana eu não dou a mínima para seus planos para acabar nossa relação!  O que eu considero são os fatos: primeiro você me traiu da pior maneira, ignorou qualquer senso de lealdade, respeito, integridade, ou seja, todas as qualidades que eu amava em você, isso me leva ao segundo fato: você é uma farsa, uma mentirosa, que me fez acreditar que existia entre nós uma relação de cumplicidade e confiança, você disse que me amava Diana!


-- E amo Rosana!

-- Para de ser cínica Diana! Não precisa mais essa máscara! Eu vi, ouvi você se esqueceu disso? Quem ama não faz isso que você fez comigo! Que amor é esse?

-- Rosana meu amor por você é diferente do que sinto pela Natalia. Não menti para você em nenhum momento. Enquanto estava com você fui leal, te amei com o que restou de mim. Procurei te dar o que eu tinha de melhor e que você foi capaz de enxergar e fazer surgir de novo, mas você também melhor do que ninguém sabe o quanto de mim se perdeu e foi machucado quando deixei Natalia. Eu não resisti quando o destino expôs tudo isso de uma vez só: minhas feridas, meus sentimentos, Natalia. Você não tem a menor obrigação de me entender, muito menos de me perdoar, eu não sou merecedora disso. Nos meus melhores sonhos esperei contar com sua amizade no futuro por que sinceramente não sei o que vai ser de mim sem sua sensatez e sua fortaleza. Mas eu sei que eu ferrei tudo com o que Julia chama: ataque de adolescente. Eu poderia listar as razões para você me odiar, mas sou incapaz de mencionar uma razão forte o suficiente que me mantenha em sua vida.

-- Nisso você está certa Diana.


-- Não esperava nada vindo até aqui, eu só precisava vir. Se um dia você puder me perdoar, ficarei muito feliz em saber disso. Conte comigo para qualquer coisa, sempre estarei disponível para te ajudar, nunca agradecerei o suficiente o que você fez por mim. Vou acompanhar orgulhosa seu sucesso, estarei sempre torcendo.


            Diana caminhou em direção à porta com os olhos marejados, sentindo antecipadamente a ausência de Rosana em sua vida: da sua sensatez, sobriedade, sabedoria. Era tão fácil para ela desabafar com a psicóloga, ser honesta com a amiga, ser transparente para a companheira. Sem dúvida, Rosana era uma das grandes mulheres da sua vida, assim como sua mãe fora, como Júlia outrora, como Liza e Dani também e claro o amor de sua vida: Natalia. No entanto, com todas as outras ela podia contar, até com Dona Alice, de uma maneira transcendental sentia o cuidado materno dela, mas com Rosana, Diana tinha ciência da quão profunda era aquela marca que provocara com aquela traição, certamente fatal para qualquer esperança de manter a amiga em sua vida.

           
            Rosana não ficou imune à sinceridade das palavras e dos olhos da fotógrafa. Transparência sempre foi uma característica de Diana. A sensibilidade da cantora foi superior à sua dor e sua mágoa, e antes que a loirinha cruzasse aquela porta Rosana disse:

-- No fundo eu sempre soube que isso aconteceria. Sempre soube que nosso namoro teria um prazo de validade: até o dia que Natalia voltasse para sua vida. Acabei me deixando enganar nesse tempo que ficamos juntas, que isso demoraria tempo suficiente até eu te mostrar todo meu amor e você optasse por mim quando precisasse escolher. Ledo engano não é?

-- Rosana...

-- Ingenuidade, sintoma típico dos apaixonados. O fato é que mesmo sabendo disso, eu imaginei um futuro pra nós. Eu me esqueci do quanto é perigoso construir o futuro com as arestas do passado se misturando no alicerce.

-- Eu também tinha planos para nós Rosana. Mas...

-- Não quero ouvir mais nada Diana. Não quero ouvir sobre a dimensão do seu amor por Natalia. Eu só queria te dizer antes de você ir embora que você me fez muito feliz, mas o sofrimento que você está me causando agora é proporcional... Não sou capaz de te perdoar agora e talvez por muito tempo Diana, mas não te desejo mal.

-- Obrigada Rosana. Já é um começo.

            Diana quase riu, mas Rosana baixou os olhos escondendo uma lágrima que descia solitária pelo seu rosto.

-- Hoje mesmo pego minhas coisas do seu apartamento. Vou alugar um quarto aqui mesmo nesse hotel até encontrar um lugar.

-- Você pode ficar no apartamento o tempo que precisar. Volto ao Brasil em dois dias no máximo, não sei quando retorno.

-- Não tenho a menor disposição de ficar lá.

            Entendo o contexto daquela afirmação Diana apenas assentiu com a cabeça.

-- Adeus Rosana.

-- Adeus e se cuida Diana.


            O caminho de volta até o hotel onde Natalia lhe esperava durou o tempo que Diana precisava para se recompor da tristeza que sentia por provocar aquele sofrimento em Rosana. Seu coração estava menos angustiado do que antes da conversa, mas a culpa ainda a fazia rememorar as palavras magoadas da cantora. Certificou-se de que Julia se manteria por perto como boa amiga que era para apoiar Rosana no que fosse necessário quando ligou para agradecer a gentileza e seguiu com Natalia até o apartamento de Eduarda.

-- Está tudo bem mesmo meu amor? – Natalia perguntou preocupada.

-- Vai ficar tudo bem amor.

            Diana afagou o rosto da morena ternamente.

-- Não demoro meu amor.

-- Vou ficar esperando no carro, não demore mesmo... Quero te levar para ver a exposição das minhas fotos antes de voltarmos ao Brasil.

-- Claro meu amor, vou com todo prazer e orgulho ver seu talento exposto...

            Olharam-se apaixonadamente e trocaram um beijo calmo, mas, intenso. Deixaram as testas unidas sentindo o hálito doce, a respiração entrecortada pelo contato das suas bocas e se permitiram aquela troca de carinhos como combustível para enfrentar aqueles difíceis desfechos que se concretizavam de maneira desgastante para todas as envolvidas.

-- Eu te amo Nat.

-- Também te amo Di.

           
            Trocaram outro beijo apaixonado, antes de Natalia subir à cobertura, endereço dos Lancester em Manhatan.

            Natalia foi anunciada e sua entrada foi autorizada, Eduarda estava na sala, com as duas mãos segurando sua cabeça baixa, encarando o chão.

-- Eduarda?

            Natalia chamou a atenção da empresária que se levantou imediatamente, deixando à mostra seu rosto inchado, vermelho, denunciando as muitas lágrimas derramadas nas últimas horas.

-- Natália!

            Eduarda correu na direção de Natalia abraçando-a fortemente se entregando a um pranto incontrolável.

            Desconfortável com a situação Natalia praticamente não correspondeu ao abraço, tentando se esquivar dos braços de Eduarda, prevendo que a ex-namorada iniciaria uma desagradável tentativa de reatar o namoro terminado na noite anterior.


-- Eduarda, por favor...

-- Natalia, o que eu vou fazer agora?

-- Eduarda para com isso. Não apela assim, você é tão superior a esse tipo de atitude...

-- Natalia... Estou falando do meu pai... Ele morreu essa noite.


            Natalia arregalou os olhos e a sua voz faltou, enquanto Eduarda procurava mais uma vez seus braços. A morena não podia fazer nada além de acolher a empresária em um abraço confortador.

            Compadecida com a perda de Eduarda, Natalia se deteve em apenas em consolá-la, mas mentalmente estava atordoada, pensava: “E agora? O que vou fazer?”. Sentiu Eduarda se acalmando o suficiente para narrar as circunstâncias da morte do pai.

-- Eu sabia que havia algo muito estranho nessa decisão do papai em passar para mim a presidência do grupo. Meu pai sempre dizia que o trabalho o mantinha jovem, fazia questão de saber de absolutamente tudo que acontecia nas empresas, por isso sempre investiu em tecnologia, e de uma hora para outra larga tudo com mil planos de viajar o mundo todo com minha mãe. Eu tinha que ter desconfiado de algo.

-- Ele já estava doente?


-- Pelo que soube do meu tio, que é o homem de confiança dele, ele soube há poucos meses. Foi tomando essas decisões se preparando para a morte... Ele descobriu que tinha um tumor no cérebro, daqueles mais injustos, localização impossível para a retirada, tinha apenas alguns meses de vida no máximo, por isso se apressou para viver o que restava ao lado do amor dele, a mamãe... Antes que o tumor lhe tirasse a capacidade de andar, falar, enxergar...


            Eduarda pausava aquele relato todo tempo para dar vazão às lágrimas. Natalia carinhosamente segurava sua mão apoiando-a, sabia que verbalizar a dor era necessário para aceitar aquela perda.


-- Por que ele fez isso comigo Nat? Por que não me deu o mesmo direito que deu a mamãe para passar o resto da vida dele comigo também?


-- Talvez quisesse te poupar de sofrimento Duda.

-- Não é justo Natalia... Se ele tivesse me dito, eu estaria com ele, aproveitando cada dia...

           
            Eduarda desabou outra vez, sendo acolhida por Natalia.

-- E onde ele estava quando...

-- Ele morreu em Bali. Mamãe sempre quis voltar lá, mas ele sempre recusava por falta de tempo, essas coisas...

-- E... Para onde vão leva-lo agora?

-- Estão providenciando tudo para levarem o corpo para...


            O pranto incontrolado de Eduarda despertava em Natalia o carinho que nutria pela empresária, assim, a promotora se viu sem saída para cumprir o que prometera a Diana de não demorar ali.

-- A família do papai é de Miami... Estão levando o corpo para lá. Eu fiquei esperando você... Eu agi tão mal ontem... Fui uma arrogante, grosseira com você, não te culpo por você ter terminado comigo daquele jeito. Perdão Nat, eu te amo, me perdoa?


-- Duda não é hora para falarmos nisso...


-- Sempre é hora para pedir perdão pra quem a gente ama pelas burradas que a gente faz... Eu estava tão ansiosa para te encontrar, cheia de expectativas para te apresentar como minha noiva, pra dividir com você o que estava acontecendo comigo, que fiquei fora de mim quando você foi tão fria comigo...

-- Duda nós não vamos falar nisso ok? Você tem que se preparar para encontrar sua família em Miami não é? Imagino que tenha muitas providências a tomar...

-- Você vem comigo não é? Meu pai queria tanto te conhecer e... Meu Deus como dói!

-- Duda eu não acho que seja apropriado eu ir...

-- Não faz isso comigo Natalia. Não me deixa sozinha agora. Eu estou completamente sem chão. Eu preciso de você ao meu lado Nat...

           
            Por mais que Natalia soubesse do risco que seria estar ao lado de Eduarda naquelas circunstâncias, seu caráter generoso não permitia que ela agisse de outra forma, considerando os sentimentos dela por Eduarda, sabia que devia isso a ex-namorada, seria crueldade dar as costas á empresária em um momento tão dramático.

-- Tudo bem, eu vou com você. Mas antes eu preciso dar alguns telefonemas, você sabe... Justificar minha ausência no Brasil...


-- Claro, claro meu amor...


            Natalia pressentiu problemas ao ouvir Eduarda chama-la daquela forma, todavia preferiu ignorar, atribuindo à força do hábito.


-- Vou ver se está tudo acertado com o jatinho da empresa, você quer trocar de roupa enquanto isso?


            Natalia assentiu objetivando ficar a sós para ligar para Diana e explicar aquela mudança de planos.

-- Meu amor que demora!


            Diana atendeu ao telefone reclamando.


-- Di, mudança de planos... O pai da Eduarda faleceu essa noite, preciso acompanha-la à Miami para enfim... Ela está muito abalada, não posso deixa-la sozinha.


            Silêncio no outro lado da linha. Diana não sabia ao certo o que pensar o que dizer. Amargurava outra piada do destino na sua história com Natalia. Enciumava-se pelo carinho e cuidado que Natalia manifestava pela ex-namorada, apesar de reconhecer que agiria da mesma forma estando no lugar dela. Revoltava-se pelas voltas e demoras impostas à sua felicidade e seu amor. Deixou-se consumir por aquela aflição apertando os olhos deixando as lágrimas escorrerem.


-- Di? Você está aí meu amor? – Natalia cochichou.


-- Oi.


-- Você me ouviu?

-- Sim. Estou aqui tentando achar alguém para xingar...



            Natalia quase riu imaginando a cara de Diana dizendo isso.


-- Estou indo como uma amiga dela meu amor. Tente entender. Assim que esses eventos fatídicos de despedida acontecerem eu volto para cá e partimos juntas para o Brasil.

-- Natalia se você não estiver aqui em dois dias, eu vou te buscar está me ouvindo?

-- Sim senhora. Vai me arrastar pelos cabelos até a sua caverna?

            Diana sorriu.

-- Não duvide dos meus instintos primitivos.


-- Adoro seus instintos meu amor... Especialmente os sexuais.


            Diana sentiu seu corpo vibrar. Deixou escapar um sorriso malicioso e concluiu:


-- Melhor você não provoca-los então e tratar de respeitar meu prazo viu doutora?


-- Seu desejo é lei pra mim meu amor, sou uma profissional da lei, não ousaria desrespeitar especialmente essa.


-- Acho bom.

-- Preciso ir agora, a Eduarda falou algo sobre apressar o jatinho da empresa para irmos.

-- Qualquer coisa me ligue, não tenho um jatinho, mas posso voar até você ao seu sinal.


            Natalia sorriu encantada mordendo os lábios.


-- Di?

-- Oi meu amor.

-- Eu amo você.

-- Suspeitei disso... Impossível não me amar não é?


            Diana brincou e gargalhou supondo a cara de Natalia ao ouvir isso.


-- Eu também amo você Natalia, você é minha vida.


            Com o coração menos angustiado pela compreensão de Diana, Natalia partiu com Eduarda para Miami. Em outra condição, aqueles eventos seriam uma prova de fogo para Natalia que não imaginava adentrar em um mundo tão distante do seu, onde luxo não estava só nas roupas de marca, nos carros imponentes e joias caríssimas estava também na ostentação estampada na mansão da família Lancester. Os amigos mais próximos e a família aguardavam a chegada de Izabel Lancester, a viúva de Armando Lancester, quando a herdeira da família chegou acompanhada de sua suposta noiva.


            Eduarda foi recebida pelos primos, que para ela, eram como irmãos. Minutos depois da acolhida dos mais chegados à empresária, foi a vez dos olhares e atenções se voltarem à Natalia.

-- Não poderia ter nos poupado desse constrangimento? Aparecer aqui com uma mulher?!

            A tia de Eduarda falou com os dentes trincados.

-- Eu sou lésbica tia, esperava que eu aparecesse com um travesti aqui? E ela não é qualquer mulher, é a minha noiva. Se eu não estivesse tão envolvida na dor de ter perdido meu pai eu te expulsaria agora da minha casa, mas não farei isso, no entanto, se a senhora destratar o mínimo que seja a Natalia, me lembrarei disso no final do mês na hora de liberar a sua retirada de dinheiro mensal da empresa!


            Eduarda foi incisiva, se afastou daquela mulher elegante e preconceituosa deixando evidente sua personalidade forte e sua postura firme diante de quem ousasse pisá-la.


            Durante todas as cerimônias que precederam o sepultamento de Armando Lancester, Eduarda apresentou Natalia como sua noiva o que provocava na promotora um desconforto visível. Contudo pelas circunstâncias, apelar para a memória de Eduarda naquele momento acerca da situação delas era uma crueldade a qual Natalia não era capaz de cometer. Entretanto, a voz de Diana ecoava na sua mente:

-- “Como você pode ser assim tão enrolada?”

            Lembrou-se das vezes que calou, omitiu, consentiu um equívoco e sua história com Diana foi mais conturbada por tal atitude. Mas como não fazer aquela verdade ser outro golpe fatal na alma de Eduarda, tão vulnerável naquele momento? Impôs-se um prazo: encerradas os rituais fúnebres, esclareceria tudo com a ex-namorada acerca da sua presença e apoio ali era tão somente uma manifestação de estima, carinho e amizade, mas que a relação amorosa das duas estava encerrada. Confiou na fortaleza que Eduarda demonstrou todo tempo para que ela aceitasse tal realidade.


            A fortaleza que a empresária exibiu era o consolo e esperança de Natalia para conseguir deixa-la com sua consciência tranquila e foi isso que repetiu todas as vezes em que se esquivava para falar com Diana reafirmando seus planos e juras de amor.


            Por mais de uma vez, Natalia chegou a presenciar discussões cochichadas entre Eduarda e a mãe, talvez por conta do seu inglês não ser tão bom, alguns detalhes lhe escaparam, mas Izabel claramente reprovava a escolha da filha para o casamento.


-- Mãe pelo amor de Deus! Acabamos de enterrar o papai! A senhora pode ficar os últimos dias com ele e eu sequer tive esse direito por causa desse legado que ele me jogou nas mãos! Nem ao menos chorar direito a senhora me deixou tudo em nome de que eu mantivesse uma imagem de mulher inabalável para não prejudicar a confiança dos investidores da empresa! Agora a senhora quer interferir na escolha da minha mulher?


-- Chega a me dar náuseas do jeito que você fala:” minha mulher”!


-- Ok mãe essa discussão é completamente fora de hora, de contexto de tudo! A senhora já devia ter aceitado o fato de eu ser gay, eu sempre fui! Não adiantou os psiquiatras, as medicações, os namoros arranjados, nada que a senhora achou que ia me curar desse “mal” mudou isso. Tudo que eu preciso agora é da minha mãe ao meu lado, por que o meu pai está morto! Se a senhora não puder ser a minha mãe agora, ao menos me poupe de ser uma megera homofóbica preocupada com o mercado de ações.

-- Não fale assim comigo Maria Eduarda! Você perdeu seu pai, que era meu tudo! Sofri por seis longos meses a angústia de todas as manhãs acordar sem saber se o homem que estava ao meu lado na cama estava vivo ou morto, ou se lembraria de quem eu era!


-- Desculpe-me mãe. Mas a senhora não entende que estou me sacrificando para ser a filha que meu pai queria que eu fosse? Acha que não estou apavorada com essa função que ele me deu?

-- Armando sabia da sua capacidade, e você sempre foi a filha que ele quis ter. Ele tinha tanto orgulho de você... Por isso mesmo quero te ajudar nessa missão.

-- A senhora quer me ajudar como? Censurando a minha sexualidade, desdenhando a mulher que eu amo?

-- Eu só quero seu bem Eduarda! Não vê que essa menina não está à altura de sua condição agora? Se já é difícil uma lésbica ser aceita em um ambiente tão machista, imagine se não for do nosso meio.

-- Mãe você era uma modelo de passarela quando o papai te conheceu. Sua família morava na periferia de Porto Alegre, como a senhora ousa ser tão superficial? A Natalia além de ser uma mulher linda, é inteligente, forte, corajosa, orgulharia qualquer homem ou mulher apresenta-la como sua esposa.


-- Você não é qualquer mulher. Você é a presidente do grupo Lancester. Essa menina não tem classe que roupas são aquelas? A nova coleção de uma loja de departamento? Estava todo tempo à sua sombra, desconfiada, distante, parecia um bichinho do mato acuado, aposto que não sabe nem se comportar à mesa.

-- Cala a boca mãe! Nunca ouvi tanta baboseira! Roupas de marca a gente compra, se ela não souber se portar a mesa eu ensino, por que o mais especial dela não está nas roupas nem nos modos dela. Nisso o dinheiro dá um jeito.

-- Eu espero que essa jeca valha mesmo a pena. Espero que ela te ame o suficiente para se transformar na mulher que você precisa nessa sua nova vida. Por que o que não falta são cobras naquela direção querendo seu lugar e qualquer coisa será motivo para destituir você de lá, até mesmo a simplicidade exagerada dessa menina.

-- Eu garanto que a Natalia é a mulher perfeita para mim mamãe, esses detalhes de torna-la uma grande dama, acho que posso contar com a senhora nisso, já que disse que quer me ajudar não é?


           
            Natalia que escutava a conversa no corredor sentiu um profundo alívio por não ter que conviver com tamanha futilidade e infelicidade. Mesmo que amasse Eduarda a ponto de se casar com ela, não suportaria aquela vida superficial, cercada de máscaras e falsidades. Sua integridade nunca sobreviveria em meio a tantas frivolidades.


            Quando Eduarda entrou no quarto, Natalia já se preparava mentalmente para se despedir da empresária, disposta a cumprir seu plano de voltar para os braços de Diana. No entanto, inesperadamente viu o corpo de Eduarda desabar ao chão desmaiada como se não suportasse o peso do próprio corpo e das imposições que enfrentaria a partir de agora.

-- Duda!

            Natalia se ajoelhou ao lado de Eduarda, erguendo seu tronco tentando trazê-la à consciência.

-- Duda, fala comigo...

            Logo a empresária dava sinais de voltar a si. Quando se deparou com Natalia abraçando-a, foi a vez de se entregar ao choro incessante.

-- Eu não vou aguentar Nat... O mundo está sobre a minha cabeça me pressionando, tudo o que eu quero é sumir daqui com você, te proteger dessa gente medíocre, ser feliz do seu lado longe de tanta sordidez...

-- O que aconteceu Duda?

-- Sem meu pai eu me sinto completamente sozinha no meio dos abutres que são minha família e essa corja que é a direção da empresa. Minha mãe está mais preocupada com as aparências do que com a morte do meu pai e os efeitos disso em nossa vida.

-- Se você não quer essa vida, então não aceite. Não vai faltar gente para assumir essa presidência. Financeiramente você continuará tendo toda estabilidade como herdeira, além dos seus próprios negócios no Brasil.


-- Não é tão simples assim meu amor. Meu pai me empossou, não posso ser assim tão negligente.


-- Tenho certeza de que seu pai queria sua felicidade.

-- Eu queria tanto que ele tivesse te conhecido...



            Eduarda afagou o rosto de Natalia que se esquivou, ajudando a empresária a levantar-se.


-- Duda eu estou voltando para Nova Iorque, meu voo para o Brasil parte de lá e não posso mais adiar meu retorno.


-- Como assim Natalia? Você vai me deixar agora? Eu enfrentei minha mãe pra defender você...


-- Espera um pouco, me defender? Por que você precisaria me defender de sua mãe? O que fiz de errado para ser defendida?


-- Não fez nada de errado é que minha mãe tem um padrão diferente para julgar as pessoas. Precisei convencê-la de que ela estava errada a seu respeito.

-- Olha Eduarda, graças a Deus pouco me interessa sua opinião de sua mãe ou de qualquer pessoa nessa casa ao meu respeito. Em uma coisa você estava certa naquela noite quando rompemos nosso namoro: não sou a mulher certa para você, então não gaste suas energias me defendendo, me protegendo de quem quer que seja.


-- Vejo que você ainda está chateada comigo por aquela noite. Eu me comportei muito mal mesmo, te disse coisas absurdas. Mas todo casal enfrenta problemas meu amor, todo casal briga, isso é normal, vamos superar isso.


            Natalia franziu a testa abismada com a reação incoerente de Eduarda.

-- Eduarda eu entendo que você esteja abalada com essa série de mudanças em sua vida, e agora com a morte do seu pai, mas você não pode fingir que nada aconteceu há três dias! Não foi um problema a ser superado nem muito menos mais uma briga, nós rompemos Duda, e isso é definitivo.


-- Mas eu te apresentei a todos como minha noiva, você está aqui como minha noiva! Vamos esquecer essa discussão meu amor, me perdoe, mas fica comigo.


            Eduarda se aproximou de Natalia forçando um beijo o qual a morena repudiou.


-- Não faça isso Eduarda.


-- Não é possível que você de uma hora pra outra não sinta mais nada por mim...


-- Eduarda, por favor, não dificulte mais as coisas. Estive aqui ao seu lado como sua amiga, você me apresentou como sua noiva por que quis, mas sabia que tínhamos terminado tudo em Nova Iorque. Sua vida mudou e eu não quero essa mudança para mim. Não quero deixar a minha carreira, não quero deixar o Brasil.


-- O problema é esse? Então está resolvido! Eu largo a presidência do grupo, e nos casamos no Brasil e viveremos lá.

           
            Natalia levou as mãos à cabeça, relutando em revelar o motivo principal que a separava de Eduarda.


-- Você não está medindo as consequências disso não é mesmo Duda?


-- Antes da minha vinda para cá estava tudo bem entre nós, podemos esquecer esses desentendimentos e recomeçar nossa história meu amor.


-- Não Duda, nós não podemos.


-- Por que não?


-- Por que eu amo outra mulher Eduarda.


            Eduarda se sentou na poltrona sentindo o peso daquela revelação.


-- Eu não queria ter que dizer isso, eu achei que fosse desnecessário, mas você não me deixou alternativa.


-- Você está me traindo? É isso?


-- Eduarda eu não acho que seja necessário falar disso.


-- Mas eu acho! Diga! Com quem você está me traindo? Fala Natalia!


            Eduarda já dava sinais de descontrole, assustando Natalia.


-- Acalme-se Duda. Não é necessário esse escândalo.


- Essa é minha casa, eu falo no tom que eu quiser! Fala Natalia!


            Eduarda se aproximou de Natalia bruscamente.

-- Você está me assustando Eduarda, por favor, se acalme!


-- Você ainda não me viu perder o controle Natalia, não me provoque. Fala quem é a vadia que anda te comendo!


-- Eduarda para com isso! Não vou baixar o nível dessa discussão para esse tipo de ofensa! Estou indo embora antes que digamos coisas que com certeza nos arrependeremos depois.


            Ao fazer menção de pegar sua mala, Natalia foi surpreendida pelo gesto agressivo de Eduarda segurando os braços da promotora veementemente.

-- Eu te fiz uma pergunta e exijo uma resposta!

-- Solte-me, você está me machucando!

-- Fala!


            Eduarda berrou impondo mais força nas mãos que apertavam os braços da morena.


-- É a Diana Toledo! Ela é a mulher que eu amo! Sempre amei e sempre vou amar!

            Natalia bradou e como se pronunciar seu amor por Diana lhe concedesse mais força, conseguiu empurrar Eduarda que cambaleou se segurando na poltrona perto delas.


-- Não queria que as coisas chegassem nesse ponto, queria te poupar disso Eduarda. Mas não há como lutar contra o destino, ela é meu destino.


- Uma ova que ela é seu destino!

            Eduarda partiu para cima de Natalia derrubando-a na cama, prendeu seus braços com violência forçando um beijo truculento.

-- Você é minha! Ninguém vai te tirar de mim!


            A força de Eduarda era tamanha que sequer permitia que Natalia conseguisse se mover. A morena se debatia, evitando os lábios de Eduarda, mas esta a dominava completamente empurrando seu joelho no sexo de Natalia causando-lhe dor.


-- Acha que pode dar isso aqui para qualquer uma? Não pode! Você será minha mulher agora e por toda vida.


            Natalia gemia de dor, apavorada por desconhecer aquela mulher que a violentava. Ao perceber o seu celular ao seu lado na cama tocar e identificar o número de Diana, a morena se desesperou para atender clamando socorro, ou ao menos torcia para que isso distraísse Eduarda e ela pudesse assim se desvencilhar. Assim usou a força que lhe restava para acessar com seu ombro a tecla que atendia as chamadas e gritou:

-- Diana socorro, Eduarda enlouqueceu!

            Foi tudo que conseguiu falar antes da empresária lançar o aparelho contra a parede e em seguida golpear com violência proporcional ao ódio que sentia a face de Natalia deixando-a inconsciente.