segunda-feira, 4 de junho de 2012

HISTÓRIAS ABCLES FORA DO AR. Excesso no Banco de Dados


Como vocês devem ter notado a Seção de Histórias está fora do ar. Ela vinha apresentando um grave problema: estava usando MUITO de sua taxa de banco de dados. Por conta disso acabamos extrapolando o limite do servidor e a Seção de Histórias foi bloqueada por eles.
Para que ela volte preciso deixá-la mais “leve” (tentar fazer uma “limpeza” nos scripts). Além de não ser programadora, estou toda enrolada com um projeto e a faculdade. Não sei quando consigo terminar essa faxina. Irei trabalhando nisso aos poucos, até ficar pronto.
Pode demorar. Por isso, peço paciência.
POR FAVOR, repassem a notícia em sua rede social, a fim de que eu não fique com a caixa postal cheia de gente perguntando a mesma coisa, sendo que a resposta está aqui.
Conto com a compreensão de todas.
Abraços,
DH.

Leis do Destino- Penúltimo Capítulo


2.39 Pede poena claudo
O castigo claudica. Muitas vezes, o crime não é imediatamente castigado. 
           
            Natalia se viu mais uma vez protagonizando um pesadelo, em sua vida mais um enredo, mais uma cena policial para compor suas memórias ruins. A respiração arquejante de Douglas em seu pescoço, o cano frio daquela pistola queimava sua pele ao mesmo tempo em que congelava seu sangue corrente. Ao seu redor o nervosismo imperando no rosto pálido de Carla, no olhar apavorado de Danilo, nos gestos reticentes de Lucas e na expressão enigmática de Acrisio não tinham tanta importância como a face de Diana.

            A sensação ruim que Acrisio pressentiu agora fazia sentido para Diana. O desespero outra vez assolou o coração da loirinha ao ver sua amada em perigo novamente. Precisava fazer alguma coisa, mas temia que qualquer atitude contribuísse para exacerbar a ira do irmão.


-- Eu quero que vocês soltem meu pai agora, ou eu estouro os miolos dela! Eu não estou blefando! Vamos, soltem! Pai o senhor não pensava mesmo que eu ia deixar o senhor ser preso pelo que eu fiz não é? Vou tirar o senhor dessa enrascada. Soltem agora!


-- Escute rapaz nós estamos em um tribunal, tem policiais por toda parte, em minutos o prédio estará cercado, pense um pouco, se acalme, largue a doutora, solte essa arma e vamos esquecer tudo isso, os advogados da sua família recorrerão, quem sabe outro júri entenda que seu pai é inocente e ele fique livre... – A juíza Valentina interferiu.


-- Meu pai é inocente senhora juíza! Esse julgamento foi uma palhaçada que essa daqui arquitetou pra se vingar do meu pai! Mas eu não confio na justiça desse país, por isso vou sair daqui com meu pai agora! Vou fazer as coisas do meu jeito.


-- Meu filho, por favor, abaixe essa arma, vamos conversar, assim não vamos conseguir nada...

-- Eu já pensei em tudo pai, temos nosso jatinho esperando, vamos sair desse país de merda, ninguém vai nos achar, deixe-me resolver as coisas, eu sou como o senhor pai, eu sei o que estou fazendo.

            Douglas falava rápido, atropelando as palavras, ignorando o apelo do pai.

-- Lucas você tem que fazer alguma coisa. – Diana disse com olhos de súplica.

-- Calma Diana, eu já solicitei apoio, por enquanto temos que manter a calma, tentar negociar com seu irmão, deixar que ele acredite que está no controle.


-- Deixar que ele acredite? Lucas ele está no controle! - Diana desabafou.

            Os olhos de Acrisio encontraram o olhar de Diana. Ele viu desespero, pode perceber a angústia, o medo que corroía a fortaleza que ele sempre admirava na sua menina, no seu anjo. E quando os olhos de pai e filha se encontraram na mesma sintonia, Acrisio sabia que precisava ser de novo para seu anjo o herói da infância, dos contos de fada que só existiam para eles, Diana precisava de uma prova de que seu pai era o mesmo que lhe amou e mimou quando era criança, era a hora de mostrar a verdade do seu amor paterno.

-- Você me orgulha meu filho, eu não pensaria em algo melhor! Você tem razão, essa merda de país não sabe o que é justiça para um homem como eu. Vamos sair daqui e deixar tudo isso para trás!


-- Agora sim é o meu pai falando! Já estava com medo do senhor estar caducando pai. Vamos, soltem meu pai!


            Lucas acenou positivamente para os policiais que cercavam Acrisio, que se afastaram depois de tirar as algemas do réu condenado.

-- Vamos sair daqui filho. – Acrisio disse se aproximando de Douglas.

-- Eu vou sair daqui com meu pai, e se alguém tentar impedir a doutora aqui morre!

            Natalia encarava Acrisio com ódio, se tinha alguma dúvida do caráter do seu inimigo aquele momento a dissipou. Mesmo sem compartilhar o mesmo sangue ela viu que pai e filho eram iguais e lamentou Diana não ter reconhecido isso e por esse ser um dos motivos da separação delas.

            Diana por sua vez estava perdida, não sabia o que supor, o que fazer ou falar para livrar Natalia daquele perigo, se estava nas suas mãos a obrigação de salvar sua amada, sentia-se a pessoa menos preparada para aquilo. Os olhos verdes marejados que assistiam a cena de horror repousaram nos olhos apavorados de Natalia, refém de uma cilada do destino, por um segundo, a tensão daquele instante deu uma trégua para revelar naquela troca de olhares cúmplices o amor que existia entre elas com toda sua força.

-- Vamos filho, estou aqui do seu lado.

            Com a permissão de Lucas, o policial melhor posicionado, aproveitou a distração de Douglas com o pai e avançou no deputado travando uma luta corporal com ele. Natalia se afastou imediatamente, no entanto, Douglas não perdeu seu alvo, e do chão, ainda com a arma em punho atirou contra a promotora.


-- Nãoooo! Nataliaaaaa!

            O grito de desespero de Diana ecoou no tribunal, os segundos seguintes pareceram transcorrer em câmera lenta aos olhos da fotógrafa. Os passos, os gestos, as expressões dos rostos e o por fim o inesperado: o cavalheiro herói em um reflexo incomum se interpôs no trajeto daquela bala, salvando sua amada.

-- Não! Pai! – Douglas gritou.

-- Paaai!

            Diana berrou enquanto Acrisio caía ao chão, alvejado pelo tiro. Douglas foi rendido pelos policiais em estado de choque.

-- Pai, pai, fala comigo... – Danilo se ajoelhou perto de Acrisio.

-- Alguém chame uma ambulância! – Diana gritou se juntando ao irmão.


            No meio daquele alvoroço, amparada pela assistente e amiga, estava Natalia, atordoada com o cenário, com o contexto daquele quadro. Seu inimigo como herói, abatido por uma bala que estaria em seu corpo não fosse o ato inesperado de Acrisio. Estranhamente como se não fizesse parte daquele filme, Natalia assistiu o desespero de sua amada, chorando ajoelhada diante do pai inconsciente coberto de sangue enquanto o autor do disparo era retirado da sala praticamente catatônico.

            O socorro não demorou, os minutos de espera foram uma eternidade para a angústia dos filhos de Acrisio. Pedro acompanhou Douglas a pedido de Danilo. Diana mesmo apreensiva pelo estado do pai buscou com os olhos Natalia naquela confusão encontrando consolo pelo fato de vê-la inteira, ilesa, a salvo. Quanto a Natalia, assustada, permanecia imóvel, o único movimento do seu corpo era o de lágrimas lentas escorrendo por sua face.

            Diana não saiu de perto do seu pai, acompanhando-o na ambulância escoltada por viaturas da policia. O atendimento a Acrisio foi feito em um hospital público como era preconizado no caso de detentos, no entanto, pela gravidade do quadro do ex- senador seus advogados conseguiram graças a influência do nome de Acrisio e a grande repercussão do caso na imprensa, a transferência para um hospital particular de grande porte.

            Acrisio passou por uma cirurgia de emergência para conter a hemorragia abdominal, pela extensão do dano, pelo grande volume de sangue perdido e sua idade avançada, seu estado após a cirurgia se manteve gravíssimo, assim, foi transferido do centro cirúrgico para a unidade de terapia intensiva ainda inconsciente.

            A apreensão dos filhos e mais tarde dos demais familiares que se uniram a Danilo e Diana no hospital não cessou. Coube a Pedro o papel de relações públicas e lidar com a imprensa, ficando para outros advogados do escritório dele a defesa de Douglas.

            Natalia depois de cumprir suas obrigações legais naquele dia fatídico, pediu imediatamente uma licença do seu cargo devido ao seu abalo emocional. Carla não a deixou só, levou-a para seu apartamento e orientada por sua irmã que era médica, administrou um calmante que fez a promotora dormir a noite inteira, mas não a livrou dos pesadelos que mostravam outro desfecho para seu trauma mais recente.


-- Bom dia! Dormiu bem amiga? – Carla perguntou ao ver Natalia na cozinha.


-- Tenho a impressão que fui dopada com um sossega-leão... Nem me lembro como cheguei naquela cama. – Natalia respondeu com uma careta.


-- Você precisava descansar, tive que apelar, mas acordei algumas vezes com você gritando, teve pesadelos não é?


-- A noite toda Cacá. Ainda sinto aquele cano frio na minha cabeça e a voz do Douglas fica ecoando no meu ouvido de uma maneira tão real que me assusta.


-- Nem posso imaginar seu trauma minha amiga, mas graças a Deus o pior não te aconteceu. Aliás, graças a Acrisio Toledo também não é?

-- E isso não é outro pesadelo? Surreal! O homem que ajudei a condenar recebeu um tiro por mim!


-- E um inocente não é?


-- No fim das contas Danilo e Diana estavam certos, ele só queria proteger o filho que é claramente doente, uma atitude equivocada que não o faz inocente, mas, prova seu amor de pai.


-- Provavelmente ele proteger você desse tiro foi outra prova de amor à filha dele...


-- Meu Deus! Quando isso vai acabar? Quando? – Natalia desabafou.


-- A vida não tem dado trégua a vocês não é?


-- Não... Mas, me diga Cacá, tem notícias de Acrisio? O Lucas ligou?


-- Falei com ele cedo, a cirurgia de Acrisio durou até a madrugada, ele ainda está inconsciente em estado gravíssimo, na UTI.


-- E o Douglas?

-- Detido, mas não preso, ele tem foro privilegiado, está afastado do parlamento, mas continua no seu mandato, segundo Lucas ele está em estado de choque, completamente mudo, o Pedro solicitou que o psiquiatra dele o avaliasse ainda hoje, parece que um médico de Brasília que o acompanhou virá.



-- Preciso ver a Diana. Vou ao hospital Carlinha.


-- Você está louca? A imprensa vai te comer viva! Tudo que você não precisa é protagonizar um escândalo Nat! Daqui a pouco a gente assume o cargo de juízas, isso pode afetar sua credibilidade...


-- Carlinha eu vou ficar do lado da Diana, ela precisa de mim. – Natalia interrompeu a amiga.


-- Nat você acha que será persona grata lá? Esse julgamento está tendo muita repercussão minha amiga, inclusive sobre sua relação com a Diana, o Pedro está lá, você viu do que ele é capaz, com a imprensa cercado esse caso não será difícil ele complicar as coisas reforçando a linha de defesa usada por ele.


-- Eu tenho que ir Cacá.


            Carla deu de ombros, reconhecendo que seus argumentos não dissuadiriam a amiga.

************

            Como esperado, Diana não deixou o hospital, mesmo com a insistência de sua tia Alda e seu irmão Danilo. Estava sentada em pequeno sofá no corredor, perto da entrada da UTI do hospital na expectativa de qualquer notícia do pai. Não tinha o hábito de rezar, mas foi o que fez durante toda a madrugada quando Acrisio era operado, e como sobrevivera ao procedimento, Diana cria que Deus estava ouvindo atentamente suas preces.

**********

            Natalia precisou da ajuda de Lucas para entrar no hospital repleto de jornalistas na entrada. Caminhou pela imensidão daquele prédio com o coração aos galopes, ansiando confortar Diana em seu colo, compartilhar da angústia dela, amá-la.

            No quarto andar, diminuiu o ritmo dos passos, e observando a mulher de sua vida ali abatida, frágil, sentiu seu peito sufocar, e um medo violento afligiu sua alma: - E se ela me culpar pelo estado do pai? E se ela estiver me odiando por não ter acreditado na inocência dele? – Esquivou-se atrás de uma coluna para se refazer, nesse momento não pode deixar de notar uma bela mulher correndo na direção de Diana, demorou alguns segundos para reconhecer de quem se tratava, até os instantes seguintes confirmarem sua memória.

            Daniela se sentou ao lado de Diana abraçando-a ternamente.

-- Minha querida eu peguei o primeiro vôo para cá, que loucura foi essa? Não entendi direito no telefone, como seu pai está?


-- Sedado. Perdeu muito sangue, a bala atingiu uma artéria importante, teve complicações na cirurgia, mas o quadro é considerado estável. Foi um horror Dani, um horror, eu estou com tanto medo...


-- Eu sei baby, eu sei... Estou aqui com você tudo bem?


            Diana apenas balançou a cabeça deixando o pranto desabar no abraço da amiga. Para Natalia aquela cena teve outra conotação. E por causa dessa interpretação recuou. Não achou justo impor sua presença naquele momento tão delicado para Diana trazendo instabilidade ao namoro que ela julgava existir entre ela e Dani.

-- E quanto a ela? A Natalia? Está machucada?


-- Não. Pelo menos não fisicamente eu acho.


-- Ela veio aqui?


-- Não... Imagina se ela viria aqui. Ela não ia se expor assim, além do mais ela é orgulhosa demais para reconhecer que um monstro como meu pai a salvou. – Diana comentou magoada.

            Dani lamentou e abraçou mais uma vez a amiga. Natalia respirou profundamente para suportar a dor que lhe sufocava, a covardia que lhe abatia, a mágoa da sua amada lhe afetara de uma maneira inesperada, chorou silenciosamente enquanto caminhava até o estacionamento do hospital quando encontrou Pedro.


-- Ora ora ora... Olha só quem apareceu por aqui. A ilustre representante do Ministério Público veio conferir a punição do seu inimigo? A promotoria veio atestar sua vingança devidamente cumprida?


-- De vingança o caro colega é mais habilitado do que eu para julgar o cumprimento dela. E você? Está satisfeito com o circo que você armou naquele tribunal?


-- Circo talvez seja a palavra certa, uma vez que eu domei a fera no picadeiro, a poderosa Natalia Ferronato baixou a cabeça diante de todos, diante da verdade vergonhosa que mostrei.



-- Você domador? Pedro, os anos não fizeram você perder só os cabelos, você também perdeu sua inteligência e bom senso. Meu caro aquilo foi um circo por que um palhaço fez o espetáculo, ou seja: você! Sua atuação foi lamentável, um festival de trapalhadas, usou a pior estratégia na defesa de Acrisio, o resultado catastrófico foi digno da sua linha de defesa.


            Pedro com o rosto nitidamente corado, com os olhos transbordando fúria, apertou as mãos, contendo a raiva que fervilhava a ponto de deixar sua testa ampla completamente molhada de suor.


-- O que foi doutor Pedro? Não está pensando em pegar seu chicote de domador para contra argumentar não é? – Natalia zombou.


-- Sabe de uma coisa doutora Natalia? Sobre vingança, eu me sinto realizado sim, minha maior vitória é saber que aquele julgamento serviu para acabar de uma vez por todas sua história com Diana. Depois do que houve, duvido que a Diana consiga olhar pra você novamente. Se Acrisio morrer, será por sua culpa, se sobreviver, passará o resto da vida na prisão, por culpa sua também, bem, quem você acha que ganhou no final?


            Natalia mudou a expressão imediatamente.


-- Eu não sei se houve vitoriosos nessa tragédia Pedro, todos nós perdemos, alguns a liberdade, outros a credibilidade, outros as vidas, outros o amor de sua vida, e por fim você, perdeu sua dignidade e decência. Tenho pena de você Pedro, um homem sem dignidade nunca será grande, vai ser sempre um cidadão de segunda categoria, medíocre, amargurado, alguém que lamento muito ter conhecido e chamado de amigo um dia.


            Pedro que tinha um sorriso cínico nos lábios, igualmente mudou sua expressão diante as palavras de Natalia, que virou-lhe as costas e partiu dali com sua alma ainda mais ferida.
*******

            A recuperação de Acrisio foi mais rápida do que o esperado. Cerca de quinze dias após a cirurgia, o ex-senador foi transferido da unidade de terapia intensiva para um dos quartos do hospital. Diana nesse período praticamente se mudou para o hospital, cercando o pai de cuidados e carinho.

            A Danilo coube a dura tarefa de lidar com o irmão. Gozando dos privilégios de parlamentar e com o atestado do psiquiatra de surto psicótico, Douglas foi internado em uma clínica onde passou a maior parte do tempo sedado. Enquanto isso, Pedro acompanhava a denúncia de tentativa de homicídio contra Douglas feita pela Procuradoria Geral da República.

            Natalia não voltou ao Ministério Público, durante a licença que pediu foi convocada para assumir o concurso que passara para juíza estadual. Foi designada para 12ª Vara Criminal de São Paulo, Carla assumiu a 8ª Vara Cível.

            Dani foi leal, permaneceu ao lado de Diana até a transferência de Acrisio da UTI para o quarto, o apoio dela foi fundamental para o equilíbrio da fotógrafa, que se ressentia pela ausência de Natalia por todo esse tempo.

-- Dani eu nunca vou te agradecer o suficiente pelo que fez por mim, jogou tudo pra cima para ficar aqui comigo, que triste maneira de você conhecer meu país que é maravilhoso... Eu fico te devendo uma super excursão para cá, pelo menos vai amortizar minha dívida com você.

-- Ah para com isso Di, sua dívida comigo já está acumulada para suas próximas cinco vidas, serei paciente para cobrá-la, especialmente por que preciso voltar a esse país, ow paraíso de mulheres lindas!


-- Fico te devendo então, mais essa.


-- Você sabe quando voltará para Nova Iorque?


-- Não sei Dani. Há muito a ser resolvido por aqui.


-- Natalia?


-- Absolutamente não! Não tenho nada a resolver com Natalia, a ausência dela nesses dias, depois de tudo que aconteceu me deu todas as respostas. Estou me referindo a situação do meu pai e do meu irmão. Não posso deixar o Danilo sozinho com tantos problemas e decisões a serem tomadas.


-- Então você não vai procurar a Natalia? E aquele papo sobre definir sua situação com ela de uma vez por todas e ficar livre para amar de novo...


-- Estou livre Dani, minha história com Natalia acabou da pior forma, como uma grande decepção e a sensação que perdi muito tempo de minha vida amando alguém que não valia a pena.


-- Então está livre pra mim?


            Dani perguntou mordendo os lábios. Diana sorriu se aproximou da amiga, beijou seu rosto o segurou entre as suas mãos e respondeu:


-- Sei que o charme e a sensualidade da mulher brasileira te conquistaram, essa loirinha aqui está livre sim, mas, não inteira, vamos deixar as coisas assim por enquanto.


-- Droga! Vou voltar mesmo no prejuízo?


            Diana gargalhou, abraçou Daniela e se despediu da amiga. As decisões que precisava tomar com Danilo sobre o destino do pai e do irmão dependiam também de convencer Acrisio a apelar da sentença de setenta anos de prisão depois da confissão pública de Douglas acerca dos crimes cometidos na Verdes Canaviais.

            Douglas permanecia internado, a repercussão na mídia parecia ter sido abafada, ou substituída por outras notícias como é típico nos escândalos da imprensa.

-- Pai, os médicos não podem mais protelar sua alta, o senhor precisa se decidir, precisamos recorrer e sei lá anular aquele julgamento, o senhor viu que nada adiantou assumir a culpa de Douglas. – Danilo disse.


-- Meu filho, vamos deixar as coisas como estão. Você sabe que mereço essa prisão.

-- Deixar as coisas como estão? Não depende do senhor, felizmente existe alguma justiça nesse país e dessa vez o senhor não vai nem pode manipulá-la. A denúncia contra Douglas já foi feita, mesmo que demore, ele perderá os direitos políticos e será julgado na justiça comum, mesmo que seja julgado como incapaz, ele não escapará desse julgamento. – Danilo explicou.


-- Pai, o senhor não pode desistir de nós assim. – Diana pediu.


-- Não estou desistindo de vocês minha filha, pelo contrário, estou fazendo isso por vocês.


-- Ficar trancafiado em uma penitenciária pelo resto de sua vida, deixando de participar de nossas vidas assim, por fazer sua própria justiça é sim desistir de nós, desistir de compartilhar de nossas vidas, de ver seu neto crescer e de ver nosso sucesso, negar seu amor de pai do qual passei tanto tempo sem sentir, é sim pai, é desistir de nós. – Diana desabafou.


            Emocionado Acrisio baixou os olhos e respondeu:


-- Se vocês ainda me querem na vida de vocês, eu farei o que estão me pedindo.


            Aliviados Danilo e Diana abraçaram o pai. Dois dias depois, Acrisio recebeu alta e foi transferido para um presídio no interior de São Paulo. Preocupada com suas obrigações de trabalho, Diana marcou uma rápida ida à Nova Iorque, dois dias antes de partir, resolveu retirar do seu quarto escuro no apartamento, todas as lembranças de Natalia, decidia a esquecê-la para sempre. Recolheu todas as fotos, e as mergulhou na água com solvente fotográfico, e ali ficou a observar, as imagens se desafazendo, assim como desejava que acontecesse às suas memórias, uma espécie de exorcismo que lhe provocou uma crise de choro dolorida.

            Sabia que aquela dura tarefa de enterrar sua história com Natalia não se dissolveria tão fácil como aquelas fotografias. Por mais que doesse reconhecer isso, ainda sentia a dimensão do seu amor pela ex-namorada ao lembrar com saudade dos sorrisos, dos beijos, dos reencontros. Absorta naquele sentimento dúbio, pensou em voz alta:


-- Por que Natalia? Por que tinha que ser assim?


-- Não tem que ser assim meu amor.


            Natalia disse com a voz embargada, encostada na porta.


-- Natalia? Mas... O que faz aqui? Como você...?


            Diana assustada gaguejou, limpando imediatamente as lágrimas do rosto.


-- Desculpe-me, eu não queria te assustar. Eu tinha a chave daqui ainda, bati, te chamei, mas acho que você não me ouviu.


            Natalia respondeu se aproximando de Diana que se esquivou imediatamente caminhando em direção a porta. A morena olhou com tristeza as fotos que continuavam ali submersas se desfigurando, perdendo as formas.


-- Diana nós precisamos conversar...


-- Não temos mais nada para conversar doutora Natalia, eu soube que se afastou do Ministério Público, que agora assumiu uma função condizente com sua personalidade: juíza! Parabéns.

            Diana foi irônica, deixando exposta sua mágoa, deixou o quarto escuro caminhado em direção a sala, que surpreendentemente estava repleta de rosas, e outras dezenas de fotos dela com Natalia espalhadas.

-- Mas... O que é isso? Como você fez isso?


-- Acho que você demorou demais naquele quarto escuro, pensei que você nem estivesse aqui...


-- Pra que? Por isso Natalia? – Diana perguntou desconcertada.


            Natalia com a voz embargada caminhou até as fotos e respondeu:

-- Pra te pedir perdão. Pra dizer que você é o amor da minha vida e que preciso que você me perdoe e volte pra mim. Por que nossa história não pode acabar. Cada foto dessas tem um pedaço da nossa história, não vê que ela não tem um final? Nossa história começou com essa foto aqui, não foi você que fez, virei motivo de piada na faculdade, mas, apesar de todo mal que ela me causou também é um marco do primeiro dia que te vi. Está vendo essa daqui? Foi a primeira que você fez minha, no Ibirapuera, aquele dia eu percebi que minha vida mudaria pra sempre e que em nada coincidia com meus planos. E essa aqui foi do dia mais mágico da minha vida, foi quando eu me entreguei pra você naquela cabana, não tem imagem nossa, só daquela árvore que você subiu para fazer as fotos... Enfim a desculpa que você utilizou para me prender ali e me fez a mulher mais feliz do mundo. Essas daqui eu retirei do nosso quarto, no dia que você me preparou aquela surpresa de aniversário, que foi o mais perfeito de toda minha vida por que logo depois veio o carnaval mais fantástico que tive até hoje porque foi nele que você me chamou de namorada pela primeira vez, acho que minha felicidade está bastante óbvia nessas fotos que fizemos lá no meu quarto na casa dos meus pais... Essa foi naquele dia que você pagou a aposta e se vestiu de caipira na aula da Dorothea, a caipira mais linda que vi em toda minha vida. Essas foram as primeiras daquela câmera digital que ganhou de sua mãe, se lembra? A gente estava morando juntas cheias de planos... – Natalia pausou limpando as lágrimas – Essas, são mais recentes, no dia da sua exposição aqui na embaixada, e essas tiramos em Nova Iorque... Todas revelam o quanto pertencemos uma a outra, são anos de uma história de amor que não pode acabar assim. Eu errei Di, você errou, a gente deixou que outras pessoas interferissem na nossa história, mas, eu vim aqui hoje te pedir perdão e te pedir pra continuar a nossa história como ela merece, com todos os nossos planos que não se concretizaram e todas as promessas que não foram cumpridas. Eu te amo Di, fica comigo.


            Diana completamente tomada pelo pranto olhava para as fotos com os braços cruzados. Natalia se aproximou igualmente emocionada e repetiu:


-- Volta pra mim meu amor.


            Lentamente Natalia tocou o rosto de Diana colhendo suas lágrimas, a fotógrafa por sua vez, permanecia de braços cruzados e imóvel. Quando Natalia buscou os lábios da loirinha se decepcionou com a recusa magoada de Diana, que se afastou, descruzou os braços para alcançar o jornal que estava sob uma poltrona.


-- Você esqueceu uma foto da nossa história Natalia.

            Diana entregou o jornal aberto com a foto e uma pequena notícia da prisão de Acrisio Toledo. Natalia baixou os olhos e ficou muda.

-- Acho que essa foto encerra essa história.


-- Não Diana, não encerra. Você mesma disse que não era seu pai que estava nos separando e hoje eu sei disso. Minhas atitudes nos separaram estou aqui assumindo isso e quero me redimir, mas preciso do seu perdão, preciso de uma chance para te mostrar o quanto te amo e o quanto estou arrependida por ter sido tão dura, cega, intolerante.


-- Agora é tarde Natalia. Não te mostrei essa foto como fim de nossa história por causa da prisão do meu pai, essa foto mostra nosso fim porque ela representa o contexto da minha conclusão. Meu pai quase morreu para salvar sua vida, de uma vez só eu enfrentei a dor de ver meu irmão tentando matar a mulher que eu amei e atingir o meu pai que sobreviveu para passar o resto da vida preso por algo que não fez, eu passei um mês esperando que você mesmo que não ligasse para a vida de meu pai aparecesse nem que fosse para aparentar gratidão pelo que ele fez, ou ao menos me consolar como uma amiga, e onde você estava Natalia? Escondida para que a lama dos Toledo Campos não respingasse na sua reputação?


-- Não Diana, eu não me escondi, eu só não queria complicar mais as coisas para você, para sua família.


-- Mentira! Você só pensa em si mesma Natalia. Demorei muito tempo para enxergar o tamanho do seu egoísmo. Amava você demais para reconhecer isso, mas agora está tudo muito claro.


-- Amou? – Natalia perguntou com lágrimas nos olhos.


-- Chega Natalia. Nós sabemos que tudo isso aqui – Diana apontou para as fotos e as flores. – Não resolve o que nos afasta. Você não foi capaz de dar um passo em minha direção quando mais precisei, e será sempre assim, por que você nunca vai se rebaixar ou se expor pela filha de Acrisio, ainda que esse homem tenha arriscado a própria vida para lhe salvar para me provar seu amor de pai. Todo esse tempo e você aparece só agora, depois de estar tudo calmo, devidamente protegida na privacidade do meu apartamento para declarar seu amor. Que amor é esse Natalia? Como seria se eu te aceitasse? Continuaríamos em segredo por que afinal de contas meu pai é um assassino condenado e meu irmão um psicopata que daqui a pouco será condenado também, como ficaria sua reputação de juíza se todos soubessem da sua relação comigo?


-- Não Diana, não é bem assim, acharíamos uma solução juntas como sempre encontramos...


-- Cala a boca Natalia, não venha usar seu talento com as palavras para me ludibriar, não sou membro de um júri que você precisa convencer. Você nunca vai sair da sua zona de conforto de me manter como seu segredo sujo.


-- Di por que você está falando assim comigo meu amor? Nunca vi nada de sujo em nosso amor. Pelo contrário ele é o que tem de mais puro em mim. Eu estou aqui lutando por nós, não fala assim meu amor...


-- Essa luta exige mais do que um gesto romântico entre quatro paredes Natalia, exige atitudes que eu sei que você nunca vai tomar.


-- Como não vou tomar? O que você quer que eu faça pra te provar que estou disposta a tudo por você?


-- Case comigo Natalia.

-- Claro que caso meu amor! – Natalia respondeu emocionada.

-- Casa mesmo? Publicamente, com tudo que isso implica, buscar um cartório que faça isso, lutar na justiça para nossa união seja reconhecida, enfrentar as pessoas, seus pais, a imprensa, tudo isso. Aceita?


-- Di, pra que isso? Nós nunca precisamos levantar bandeiras, nunca precisamos nos expor, por que isso agora? Não basta a exposição de você, sua família teve nos últimos anos, pra quê colocar um alvo em nossas testas para levantar polêmicas, você sempre criticou isso, sempre se preservou, e agora me pede o contrário?


-- Quero essa atitude, você casa comigo assim?


-- Você está impondo essa condição? Só casa comigo nesses termos? O que houve com nossos planos? Não precisamos disso tudo para provar nosso amor.


-- Eu sabia que você não aceitaria. Não preciso mesmo de tudo isso, mas eu queria saber se você realmente seria capaz de se expor por minha causa, e como eu pensei você não é.


-- Diana você fala como se eu te escondesse por vergonha. Até hoje meus motivos para manter nosso namoro em segredo foram bastante justos não acha? Você lembra que eu queria que todos soubessem na faculdade e você não deixou?


-- Eu tinha meus motivos, desnecessário relembrar isso por que você sabe bem que eu estava certa, e agora, quais são seus motivos?


-- Convicção, bom senso e a certeza de que isso não é um ato de amor, é um capricho seu, um desafio, e não quero mais jogar, estou sendo honesta, transparente, você é o amor da minha vida e quero me casar com você, não me tornar uma líder da causa gay.


            Diana deixou escapar um riso sarcástico.


-- Você não entendeu nada mesmo não é Natalia? Acha que é um capricho também esperar que você fique ao meu lado até mesmo quando isso significar você se expor?



-- Não, não é. Eu tive a intenção de ficar ao seu lado, mas...

-- Seu medo, seu orgulho foram maiores não é?

-- Não Diana, não foi por orgulho, eu só vi a Dani e você juntas e...

-- E deduziu tudo, como sempre, tirou suas próprias conclusões e preferiu me deixar a lutar por mim, assim como me deixou partir anos atrás, você simplesmente desistiu, não devo mesmo valer a pena para você.

            Diana berrava em um tom magoado sem pausas, enquanto Natalia balançava negativamente a cabeça:


-- Quer saber Diana? Essa briga já me cansou.


-- É e o que você vai fazer a respeito? Fugir de novo?

-- Não. Vou fazer isso...


            Natalia avançou empurrando Diana contra a parede, roubando-lhe um beijo urgente, faminto, derrubando todas as defesas da loirinha que a principio hesitou em corresponder, mas, acabou se entregando ao desejo despertado pelas memórias do seu corpo que pertencia a Natalia, por isso a cada toque da morena em sua pele alva Diana se desfazia em gemidos que excitavam ainda mais Natalia.

            A morena dominou o corpo leve de Diana completamente, arrancou com volúpia algumas peças de roupa da loirinha, suspendeu seu corpo encaixando sua coxa entre as pernas da fotógrafa e deslizou sua língua pelo pescoço e colo dela, arrancando arrepios da sua pele. Diana travava com sua razão e seu desejo uma luta, cravou as unhas nas costas de Natalia, anunciando quem vencia aquela batalha.

            Natalia conhecia as reações do corpo da sua amada, assim seguiu aquilo que lia no arrepio da pele, no arqueamento do tronco, no descompasso da respiração, e finalmente no sexo pulsante e encharcado de Diana, quando o tocou levemente massageando o clitóris que se edemaciava a cada movimento.

            Buscando mais espaço Natalia arrancou o short de Diana e a conduziu até o sofá deitando sobre ela. Por uma fração de segundos os olhos se encontraram, e o desejo que transbordava deles deu lugar a um lampejo de culpa, uma epifania de sensatez, claros o suficiente para fazer Diana se travestir de autocontrole.

-- Não Natalia, para.

-- Mas Di...

-- Para, você sabe que isso não nos levará a nada.

            Diana afastou Natalia e se levantou procurando as suas roupas. A morena constrangida fechou sua blusa entreaberta, balançou a cabeça negativamente enquanto seus olhos marejavam.

-- Que nós nos desejamos isso não tenho a menor dúvida. Eu sinto uma falta absurda do seu corpo, de estar com você, dos seus beijos, de fazer amor com você, mas isso não basta. Está evidente que algo se rompeu Natalia, então um sexo quente entre nós agora é tão sem sentido quanto continuarmos essa conversa.


-- Não tenho dúvida que isso aqui não é só desejo, não é só saudade. A gente se ama Diana, mas você está tão ferida que está negando até isso. O que não faz o menor sentido para mim é ficarmos separadas, eu nasci pra você e você pra mim. Mas você claramente não acredita mais em nós.


-- Não acredito mais que você seja capaz de me amar como preciso, ou como é necessário para ficarmos juntas. Não aceito as condições que vivemos até hoje. Não concebo mais a ideia de aceitar qualquer coisa para fazer dar certo. Eu quero tudo de você Natalia, eu quero a felicidade, o amor completo, não um arranjo que me conforme a uma relação limitada.


-- Acha mesmo que não posso te dar isso? Que não podemos conquistar isso juntas?
- Natalia indagou em tom magoado deixando as lágrimas escorrerem por sua face.



-- Não Natalia.


            Também tomada por lágrimas Diana respondeu caminhando em direção a porta, abrindo-a. Entendendo o convite a se retirar, Natalia viu-se invadida por uma dor descomunal, aos soluços caminhou até Diana que sequer conseguia lhe encarar.


-- Eu vou te provar que você está errada Di.

            Natalia saiu do prédio sentindo seu coração esmagar-se dentro do peito. Relembrando as expressões de mágoa, as palavras ressentidas, e a recusa de sua amada em reatar, a morena se arrependia por cada discussão sem sentido que promovera, por cada gesto de desconfiança, por cada marca que deixara em Diana. Lamentou sua própria covardia, lamentou profundamente suas decisões inconsistentes com a dimensão dos seus sentimentos, lamentou os “nãos” ao amor e os muitos “sins” que permitiu a separação delas por tantas vezes.

            Quanto a Diana, atestava o que seus medos já adiantavam. Recolheu as fotos espalhadas na sala, aparentemente conformada com o fim. Entretanto, a raiva pouco a pouco foi se apossando daquele duro momento de constatação, Diana se revoltava com o destino cruel do seu grande amor e em minutos destruiu sua sala, arremessando contra os quadros, as esculturas, as rosas dispostas pelo lugar. Exausta sentou-se no chão entregando-se ao pranto ouvindo a trilha da novela na TV ligada acidentalmente.





Depois

Marisa Monte

Depois de sonhar tantos anos,
De fazer tantos planos
De um futuro pra nós
Depois de tantos desenganos,
Nós nos abandonamos como tantos casais
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
Depois de varar madrugada
Esperando por nada
De arrastar-me no chão
Em vão
Tu viraste-me as costas
Não me deu as respostas
Que eu preciso escutar
Quero que você seja melhor
Hei de ser melhor também
Nós dois
Já tivemos momentos
Mas passou nosso tempo
Não podemos negar
Foi bom
Nós fizemos histórias
Pra ficar na memória
E nos acompanhar
Quero que você viva sem mim
Eu vou conseguir também
Depois de aceitarmos os fatos
Vou trocar seus retratos pelos de um outro alguém
Meu bem
Vamos ter liberdade
Para amar à vontade
Sem trair mais ninguém
Quero que você seja feliz
Hei de ser feliz também
Depois
 * * * *

            Acrisio estranhou quando o carcereiro avisou:


-- O senhor tem uma visita especial doutor.


-- Mas hoje não é dia de visita. E falei ontem com meu advogado, quem está aí para me visitar?


-- Eu só cumpro ordens doutor, o senhor sabe, só mandaram vir pegar o senhor.


            Acrisio entrou na sala reservada para seus encontros com seu advogado e se surpreendeu com sua visita.


-- Bom dia senhor Acrisio.


-- Doutora Natalia? O que a traz aqui? Aconteceu algo com minha filha?


-- Acalme-se, Diana deve estar em Nova Iorque, está bem. Eu vim conversar com o senhor.

            Em um clima estranho, os dois sentaram-se de frente para o outro.

-- Eu não tive oportunidade de agradecer ao senhor pelo que fez no tribunal. O senhor salvou minha vida colocando a sua em risco por alguém que ajudou na sua prisão e condenação. Eu fui ao hospital, mas... Enfim eu não consegui então eu vim aqui dizer muito obrigada, foi um ato heroico.


-- Sabe doutora Natalia, por um tempo eu fui esse herói para minha filha, quando ela era uma criança, eu costumava contar estórias para ela, mas, nada daqueles contos de fadas com um príncipe loiro que andava em um cavalo branco com uma espada na cintura. O mocinho era sempre um fazendeiro corajoso, destemido que salvava animais atolados, uma bela dona em perigo... A Alice ficava danada da vida porque a Diana achava as estorinhas dela tediosas, essas da Branca de Neve, Rapunzel, e pedia que ela contasse “igual as do papai”... – Acrisio pausou para um riso emocionado – Certa vez na fazenda, um cavalo arredio saiu em disparada quando Alice o montou, meu peão garantiu que estava pronto, mas, não estava e aí montei no meu, até alcança-los e salvar Alice de um acidente... Eu olhei para Diana quando retornei com a mãe dela na minha garupa... Aqueles olhinhos verdes brilhantes me fitando com um encantamento inocente... Eu nunca me esqueci deles, e sempre sentia falta desse brilho quando olhava para minha filha, eu só enxergava decepção, mágoa, estava sempre armado pronto para uma resposta mal criada, uma provocação, uma ofensa... Eu revi esses olhos assim que abri os meus naquela UTI, só isso valeria mais mil balas no meu corpo, a senhora não tem que me agradecer por nada, aquela bala que acertaria você me redimiu e trouxe meu anjinho de volta a minha vida.


-- Bom, então o senhor foi herói para ela e para mim também. O senhor não precisava fazer aquilo, justo por mim...


-- Por que diz isso? Por que você foi a promotora que teve a coragem que nenhum homem teve de me enfrentar? Mesmo quando não tinha esse cargo você teve “macheza” para me enfrentar.


-- Sim, mas eu ajudei a condenar o senhor, era meu dever ir a fundo nessa história, aceitar outra possibilidade que no final das contas foi a real, de que nos casos da Verdes Canaviais o senhor era inocente.


-- Eu confessei doutora Natalia, não se culpe. Eu queria ser condenado. Eu sou culpado pelo descontrole de Douglas. Eu devia ter agido de outra forma, todos esses anos eu via os sinais da doença do meu filho, mas, me enganava, foi virando uma bola de neve, eu estava sempre ordenando uma solução definitiva para encobrir os crimes do meu filho, tudo para proteger minha família e olha o resultado... Eu mereço estar aqui.


-- A justiça não é um mecanismo de compensação que o senhor pode designar como e quando deve cumpri-la. Não eram seus delitos passados que estavam em julgamento, nem tão pouco seu comportamento paterno. Desculpe-me senhor Acrisio, não foi para recriminar o senhor que vim aqui.


-- Veio me agradecer por ter salvado sua vida, e eu lhe digo, fiz o que meu coração pediu, minha filha não suportaria perder você.


-- Mas... Não estamos mais juntas. Ela não me perdeu, eu a perdi.


-- Por que não reconheço agora aquela menina atrevida que se recusou sair da vida da minha filha? Você lutou por minha filha afirmando seu amor por ela, e agora fala conformada que a perdeu?


-- Não estou conformada, só estou sendo realista. Não sei como lutar por alguém que está tão ferida comigo e não confia nos meus sentimentos por ela.


-- Eu não sei o que acontece entre vocês duas, sou um ignorante, mas estou aprendendo que amor, seja qual for a sua forma, deve ser preservado, protegido, a qualquer custo, por que no fim, não importa quanto poder você tenha, quantos bens você acumulou, quanta reputação seu nome carrega, quão grande foi sua história, o que importa de verdade é o quanto você amou.

            Visivelmente emocionada e constrangida, Natalia se viu diante do homem que era seu inimigo agora lhe dando conselhos amorosos.


-- Eu não sei o que dizer senhor Acrisio.


-- A mim você não tem que dizer nada, mas se ama mesmo minha filha, lute por ela, eu tenho certeza que você sabe o que precisa fazer.


            Insegura a cerca da certeza que Acrisio tinha uma vez que ela mesma se via perdida ao pensar como reconquistaria sua amada, Natalia ficou muda por instantes.


-- Faça valer a pena meu ato de heroísmo doutora. Eu salvei você para felicidade de minha filha.


-- Senhor Acrisio, o senhor também faz parte da felicidade dela, reconsidere essa confissão falsa que o senhor fez no processo e deixe que a justiça seja feita.

-- A senhora continua no meu caso?


-- Não faço mais parte do Ministério Público, mas tenho certeza que posso ajudar de alguma forma.


-- Pode sim. Faça minha filha feliz, ela já perdeu muito nessa vida, não merece perder seu amor.


            Natalia escutou exatamente o que precisava ouvir, mas da última pessoa do mundo que poderia imaginar. Sentiu ao sair da penitenciária uma estranha sensação de paz, se viu livre de um sentimento pesado, denso que passou a fazer parte dela desde a juventude: o ódio por Acrisio Toledo. Liberta desse sentimento, tudo parecia mais leve, mais claro para a juíza que viu um lampejo de esperança de reconquistar Diana e não tardou em colocar seu plano em prática.