quarta-feira, 22 de novembro de 2017

NOVO: MANUAL NADA PRÁTICO

CAPÍTULO 14: LIÇAO 12 – A VERDADE NEM SEMPRE É COLORIDA

Pausa para pânico. Processar aquelas informações que Ed acabara de nos trazer.

Chegamos à sala, prontas para nos entregarmos a polícia, eu, imaginando minha carreira descendo lama abaixo em um noticiário das 6 com a voz do Datena anunciando a prisão da professora universitária, e eu, cobrindo com minhas mãos o rosto para não matar meus pais de infarto ou AVC ao mesmo tempo. Numa fração de segundos imaginei a Cris se tornando a nova dona do pedaço na carceragem, com uma namorada em cada pavilhão, e eu, sendo a eterna protegida dela.
Clarisse merecia uma medalha de honra ao mérito pelo sobriedade e sensatez naquele final de semana, certamente, as cinco encarnações que ela odiaria a Cris mereciam a recompensa nessa vida ainda. Ela já estava na sala, entregando as chaves do carro, explicando toda situação, e para minha surpresa, um dos amigos do Ed, era advogado, e logo chamou para si a responsabilidade de nos defender. Felizmente, o carro foi localizado em uma rua próxima a boate, exatamente no local que a foto registrava. A dona do carro, era nada menos do que a morena sensacional da Cris, que tão bêbada quanto nós, não lembrara onde estava seu carro, muito menos as chaves.

O mal entendido foi esclarecido, e aquela noite rendeu o suficiente de assunto para o resto do final de semana. Para nosso alívio, até para diminuir o pagamento do carma, Karla voltou a casa de praia, e enfim, se entendeu com a Clarisse. E eu, vez por outra escapulia, para espiar minhas redes sociais, na esperança de que naquela lista de solicitações de amizades que as notificações do Facebook me mostrava, houvesse o pedido de Marcela.
A frustração me acompanhou, e a imaginação continuava a fluir, e cada vez mais me sentia mais convicta em colocar em prática o plano da criação de um perfil fake para “stalkear” a vida de Marcela. Esqueci-me apenas do pequeno detalhe naquela confusão do feriado na casa de praia: a memória da Cris, ela não me deixaria em paz até descobrir o que eu sentia por Marcela.
***************
Diante da tela do meu notebook eu só pensava: “Que nome atrairia Marcela?”. Naquele território inexplorado para mim, nada que uma boa “googlada” para achar o mais vasto repertório para fazer nascer uma nova pessoa: fotos, imagens, frases, afinal de contas, até sites especializados no assunto já estava disponível. E eu me sentindo a criatura mais desesperada do universo, ahah! Advinha só? Como eu, existiam milhões de mulheres que apelavam para o mesmo recurso.

Mas, não podia ser qualquer imagem, qualquer nome. Paradoxo ridículo: ser única no meio de tantos perfis falsos, única e irresistível para que Marcela me aceitasse. Não perdi a esperança da própria me adicionar no meu perfil verdadeiro, entretanto, a vida, essa adorava me fazer de trouxa. Ironicamente, naquele feriado, eu devo ter aceitado todas as solicitações de amizade de alunos, exceto a que eu mais precisava.
E... pronto! Estava criada a mais nova gata sensual, blogueira, intelectual moderna, enigmática e filósofa Lorena Bachio. A última vez que passei tanto tempo fazendo escolhas, foi no supermercado, na minha frustrada tentativa de me tornar vegana (tentativa que durou exatamente 12horas e um estoque de soja que alimentaria uma expedição da NASA por um mês pela órbita terrestre).
O encerramento do meu feriado, foi coroado com “essa nova mulher, aqui dentro de mim”. Dentro de mim uma ova, Lorena Bachio era para mim, o estereótipo que se adequava a Marcela, a imagem de Laura foi um bom parâmetro, já que eu, concluíra sozinha que a garota possessiva era a namorada da minha pupila.
Perfil criado, personagem montado: estudante de mestrado em farmacologia da mesma universidade, graduada em farmácia, amante de artes cênicas, feminista. Em questão de horas, Lorena já tinha mais solicitações de amizade do que eu. E eu, experimentando algo novo, uma liberdade que só a internet pode dar de uma maneira fugaz: SER QUEM VOCÊ QUISER. Saí adicionando as menininhas todas, que tinham alguma ligação com aquelas que me adicionaram, e aquela janelinha do bate papo, saltava horrores. Assuntos fúteis, convites para “sociaizinhas”, pedido de homem tarado para ligar a webcam, e eu inusitadamente, me divertia naquele mundo, até ter a coragem de enviar a solicitação de amizade para meu alvo principal: Marcela.
Dormi ali por cima do meu notebook, exausta de copiar e colar as mesmas coisas naquele monte de janela de bate-papo, ow mundo brejo! Muita sapa nesse universo! Por pouco não perdi a hora para chegar à universidade, porque precisava conferir se meu plano estava evoluindo, e agora, eu precisava logar em duas contas diferentes de Facebook. Mentalmente eu já começava a fazer mil conjecturas, se, eu conseguisse conversar com Marcela, sob a segurança de outra personalidade. Perceberam o tamanho da minha enrascada emocional? Eu não... Hora, estava olhado o telefone, hora olhava o tablet, hora o notebook, e aquelas malditas bandeirinhas vermelhas começaram a me escravizar.
Na sala dos professores, se eu já estava reclusa pela presença espaçosa de Beatriz, agora, estava absorta, assumindo um costume nada benéfico: viciada no mundo virtual. Alheia a qualquer pauta sobre as manifestações do sindicato dos professores, o corte de verbas para as pesquisas e bolsas, eu me focava nos meus apetrechos tecnológicos. Busca completamente insana, e até então, sem êxito. Antes de deixar o campus, decepcionada por não encontrar Marcela nem no mundo virtual e tampouco no mundo real, passei pelo laboratório na última esperança de ter algum sinal de fumaça daquela que me roubara todos os pensamentos.

-- Oi Humberto! Está sozinho aqui? Nenhum dos seus colegas veio hoje?

Perguntei tentando disfarçar minha real dúvida. Humberto, era um dos novos bolsistas aprovados no GRUFARMA, colega de Marcela.

-- Ah, oi professora! Marquei com mais dois colegas, mas, furaram comigo. Tudo bem, se eu ficar por aqui? Quero finalizar o resumo para o congresso que a senhora falou. A Alessandra estava me ajudando nessas lâminas.

-- Claro que pode ficar aqui, mas, não é a Alessandra que tem que te ajudar no trabalho. Ela é técnica do laboratório, onde estão seus colegas?

-- Então, o Artur está em aula ainda, e a Marcela, não apareceu hoje.

-- Marcela não apareceu? Aconteceu algo? – Meu coração já acelerava.

-- Nem sei dizer professora, ela só me mandou mensagem avisando que não poderia vir, e me disse que faria a parte dela em casa.

-- Ela acha que pode fazer atividades de laboratório em casa? Faça-me o favor de avisar que se o trabalho não for feito aqui por todos, não permitirei que o nome dela entre na submissão.

Mal percebi que não disfarcei minha decepção raivosa, e completei a tempo:

-- Diga o mesmo a Artur. A função da Alessandra não é substituir os alunos nos trabalhos.

Respirei fundo e saí dali me sentindo uma bruxa mal amada. Talvez por isso, meu novo vicio no mundo virtual me deu alento. Não podia negar o quanto me envaidecia o assédio das meninas no meu perfil falso, já que no meu perfil verdadeiro, eu não conseguia derrubar a barreira que eu lutei anos para construir, não dando espaço a qualquer aluno me incomodar através daquela mídia social. Fazia questão de estabelecer essa norma para todos, sem exceção, era mais um dos fatores que contribuía para minha péssima fama de chata e inflexível.
************
Durante a semana, Marcela sumira. Não compareceu as aulas, nem a reunião do grupo de pesquisa. Entre os membros do grupo, foi a única a não se manifestar sobre o andamento dos resumos para submissão do congresso, o primeiro que iríamos como atividade do grupo. Não respondeu e-mails, nem mesmo um simples emoticon no grupo de whatsapp. Isso não só me preocupava, me tirava a paz!

Ao contrário de Marcela que me fez sofrer com sua ausência, Cris não me esqueceu. A noite de sexta chegou com a minha amiga na minha porta, me sacaneando, com uma garrafa de tequila na mão.

-- Demorei, baby, mas, estou aqui!

-- Chagas abertas! Você entra Cris, esse demônio aí em forma de garrafa não!

-- Dramáticaaaa! Cuervo fica aqui, para lembrarmos o quão mulherzinha nós somos!

Cris colocou a garrafa na mesa de centro da sala, depois de me arrancar uma gargalhada.

-- Estamos ficando velhas, fato! Quando um “Cuervo” nos derrubava assim? Nunca! Acho que batizaram nossa bebida, não é possível... – Cris comentou.

-- Cris, nós enfiamos o pé na jaca, não foi só essa garrafa que bebemos... Meu cartão de crédito pelo menos me disse isso.

-- Você também pagou conta alta? Tem algo errado aí, toda aquela bondade da Clarichata tinha um motivo, ela nos deu um golpe, isso sim!

-- Para de falar bobagem! Você vira o próprio Neymar, quando está bêbada, fica milionária, pagando bebida pra todo mundo, e quem garante que não foi a morena fenomenal que você estava pegando? Clarisse não precisa disso, Cris.

-- Ah! Que seja, pagaria de novo, se eu a encontrasse, depois de tentar roubar o carro dela, pensei que nos veríamos...
Gargalhamos, foi inevitável.

-- E por falar em carro roubado... Quem é Marcela?

-- Oi?! – Fiz cara de surpresa.

-- Não banca a sonsa. Essa foi a pergunta que fiz no final de semana, quando fomos interrompidas pelo Ed, falando do tal roubo do carro. Manda a real, quem é Marcela?

-- Marcela? Sei lá, de onde você tirou esse nome? – Levantei-me e caminhei em direção a cozinha. – Quer uma cerveja?

-- Luiza, qual é! Alouuu, quem pensa que engana? Eu te conheço de muitas tequilas, cervejas e porres atrás! Sem enrolação, manda, quem é essa garota?

-- Cris, de boa, não sei do que você está falando. Você se lembra do que o Ed contou? Eu estava na pista de dança com mulheres lindas, uma até batizei com meu vômito, vai ver o nome de alguma delas era esse... Quer ou não a cerveja?

Berrei da cozinha a pergunta, querendo me esquivar de novo do interrogatório.

-- Traz essa cerveja, mas, não pense que você me enrola não. Tem perereca aí nesse brejo, e eu vou descobrir mais cedo ou mais tarde.

-- Não duvido da sua habilidade de caçar perereca! – Gargalhei – E falando especificamente nesse anfíbio... O que faz você estar aqui no meu apartamento em plena noite de sexta?

-- Semana puxada, e estou de plantão na obra do condomínio novo, então, vou dar oportunidade para outras caçadoras brejeiras...

-- Então, quando você está de castigo, minha companhia é seu destino?

-- Menos, Lu.

Cris revirou os olhos, e como era tão próprio dos nossos encontros, ela me fez rir e esquecer por alguns momentos, o motivo que absorvia as energias dos últimos dias. Contudo, não o suficiente para me impedir de mergulhar no universo virtual em busca das meia-verdades, a ilusão e a esperança de ser outra pessoa através de likes e bate papos bobos e fantasiosos. A ausência de Marcela me confundia, e pior, me perturbava.

Aquela chuva de informações me saturou. Eu precisava de notícias de Marcela, precisava de um passo em direção a ela, também pelo meu dever como professora e orientadora dela no grupo de pesquisa, aquele sumiço poderia representar atraso no rendimento dela, e nas atividades da pesquisa. É, vez por outra, eu consigo a façanha de enganar a mim mesma, qualquer terapeuta de meia tigela veria meu subterfúgio para justificar minha necessidade de ligar, mandar mensagem, e-mail, com remetente específico. Não era a professora Luiza preocupada, era Luiza, a mulher aturdida como uma adolescente apaixonada.

Peguei o telefone, e pelos dados do grupo de pesquisa, puxei uma janela no whatsapp com contato de Marcela, e com as mãos trêmulas, enviei:
“Marcela, bom dia. Estou preocupada com você, preciso de respostas aos e-mails do grupo de pesquisa, aguardo seu retorno”.
Talvez a mensagem fosse fria, mas ela continha tanta preocupação. Postei imediatamente no meu perfil fake um verso de um poema, de um filme do Oswaldo Montenegro:
“E se acaso não crer em minha partida, comece a contar de sempre os dias da minha ausência”
Era minha outra personalidade pedindo perdão por ser tão distante nas palavras, de alguém que sofria insana e precocemente a ausência contada, dia a dia, em outros parâmetros, a cada visualização da caixa de entrada do e-mail, mensagem do celular...
Não podia mais tolerar tamanho silêncio. Assumi meus TOCs, e comecei uma faxina daquelas que começou na minha escrivaninha e quando me dei conta, já estava com lenço na cabeça, revirando os papéis e pastas da minha estante. Com a faxineira incorporada, nem percebi a noite cair, somente quando o interfone tocou me dei conta da escuridão que estava pela casa, quando tive que tatear os interruptores até atender a chamada.

- Oi, quem é? – Perguntei ofegante.

- Oi Professora Luiza, desculpa o incomodo, sou eu, Marcela.

Pausa para uma pequena vertigem e um turbilhão de sensações. Disfarçando minha agonia e pressa em vê-la, fui econômica nas palavras:

-- Oi Marcela, melhor você subir.

Respondi de pronto, autorizando a entrada do meu desassossego. Logicamente esqueci-me do meu status de mulher do lar, ao passar de frente a geladeira de inox, eu vi meu visual doméstico. Para! Marcela não pode me ver assim! Tarde demais, a campainha já tocava, e eu não tinha poderes da “Supergirl” e sair tirando minha capa de “diarista”. Uma conferida no poder do Rexona no máximo foi o que deu tempo.

-- Oi Marcela!

Cadê meu fôlego? Subitamente me vi sem ele, alguns rastros me sobraram, acenando com a cabeça pedindo para Marcela entrar. Minhas pernas tremiam, e meu coração palpitava, primeiro pelo alívio de vê-la sã e salva na minha frente, segundo, por que ela, bem... Não me perguntem como, mas, ela estava mais linda desde que a vi...Pareceram meses... E foram apenas dez dias?
As mãos dentro do bolso da frente do jeans rasgado, na cintura uma camisa quadriculada amarrada, e uma camiseta com estampas da Minie. Que sexy! Não riam! Aquela imagem, era de longe, uma das mais sensuais que registrei em muito tempo. O sorriso, bem, esse estava opaco, Marcela mal me encarava, os óculos de grau disfarçavam as olheiras, não o suficiente para meus olhos atentos.

-- Professora Luiza, eu gostaria de pedir desculpas pelo sumiço, esses dias sem cumprir meus compromissos com o grupo de pesquisa... Eu estava passando aqui perto, bom, achei que merecesse um pedido de desculpas pessoalmente e não por e-mail...

-- Marcela, o que houve? Você não parece bem...

Não deu tempo eu concluir o meu texto, e já percebi uma lágrima escapar pelo canto do olho de Marcela. Contive minha vontade de abraça-la e apertar seu rosto no meu peito, e consolá-la, seja qual fosse sua aflição.

-- Ei, sente-se um pouco. Respire. – Conduzi Marcela até o sofá e pedi que sentasse, e fiquei diante dela, sentada no puff – Agora me conte o que está acontecendo.

-- Professora, eu tive alguns problemas, na verdade, não são problemas meus, mas, me afetaram, e tive que me ausentar esses dias.

-- Tudo bem, Marcela, todos temos problemas, mas, me diga, posso ajudar em algo? – Eu estava aflita, e queria ela confiasse em mim.

-- Está tudo bem agora professora, pelo menos... Acho que está. Só queria deixar claro que esse sumiço não vai se repetir e amanhã mesmo eu concluo minha parte nos resumos, e na segunda, enviamos para sua avaliação.

-- Marcela, calma. Estou preocupada com você, não com os trabalhos da pesquisa, sei que vocês farão a tempo. Posso te perguntar uma coisa?

-- Claro, professora.

-- Antes do feriado, quando estávamos no estacionamento do campus, aquela garota...

Marcela baixou a cabeça e a balançou negativamente, e deixou uma expiração longa quase resmungar.

-- Laura, o nome dela. Sinto muito professora, ela não é daquele jeito. Mas, foi grosseira e mal educada com a senhora, perdoe-me.

-- Lembro-me do nome, isso mesmo, Laura. Impressão minha, ou ela, não gosta de mim? Eu já fui professora dela? Não costumo esquecer-me de alunos, mas...

-- Não, professora, Laura é da minha cidade natal. Ela só conhece a senhora de nome, falo muito sobre a senhora...

-- Senhora? Pensei que já combinamos deixar esse tratamento formal de lado... Ora Marcela...

-- Estou me policiando...

-- Policiando, mas, por quê? Não estou entendendo.

-- Professora, aceite minhas desculpas, foi uma situação desagradável, mas, não vai se repetir também. – Marcela desconversou.

-- Tudo bem então. A Laura então é da sua cidade e veio passar o feriado com você e estava com problemas?

-- Mais ou menos isso. Ela veio passar o feriado comigo e depois disso, resolveu ficar.

-- Resolveu ficar?

Minha curiosidade já começava a se mostrar de maneira invasiva, mas, minha língua desenfreada pouco ligou para isso. Marcela levantou-se e outra vez notei outra lágrima densa escapar pelo seu rosto.

-- Ela está morando comigo agora. Surgiu uma oportunidade de estágio aqui, ela acabou de se formar, e não tinha onde ficar, então ela está morando comigo agora.

-- Ah... – Uma indagação ainda permanecia: quem diabos é essa garota para ela? Contive-me. – Então você tem uma nova colega de apartamento. Isso é um problema?

-- Como isso é difícil de falar... Professora, ela é minha namorada.

Maysa (a cantora já morta, não aquela menina prodígio que Silvio Santos criou) cantou no meu ouvido: Meu mundo caiu...

-- Estávamos praticamente terminando o namoro, mas, essa reviravolta, ela precisando começar uma carreira, e com oportunidade aqui, não pude negar... Então passei a semana procurando um apartamento com mais um quarto, já que estava tudo acertado para eu dividir apartamento com a Jéssica, tivemos que procurar outro, e aí além de fazer a minha mudança, acabei tendo que ajudar na mudança da Laura também...

-- Então era esse o problema que te fez sumir esses dias todos?

-- É complicado...

Respirei fundo, como se compartilhasse a angústia de Marcela.

-- Você está com medo, de ter que de uma hora pra outra morar com sua namorada, quando o namoro já não estava indo bem...

Marcela só concordou com um gesto, e sentou em outra poltrona do sofá. Aproximei-me dela e não sei de onde surgiu aquele insite de serenidade, e consolei-a:

-- Vai ficar tudo bem. Você praticamente passa o dia na faculdade, terão rotinas diferentes, não se sinta pressionada, e já que está me dizendo que ela não é daquele jeito como se comportou, considere que será uma boa companhia, e quem sabe faça bem para o namoro de vocês.

-- É que... As coisas não são mais como eram lá no interior, na nossa cidade. Alguns sentimentos mudaram, novas pessoas... Saí daquela cidade para ser um pouco mais livre...

-- Não sofra por antecedência, vai dar tudo certo. Não se prive de sua liberdade, isso não seria saudável para nenhuma de vocês.

Marcela deu de ombros, demonstrando sua completa insatisfação. E eu, amargava minha decepção. Quem foi que escolheu uma bandeira colorida como representação do mundo gay? A verdade para minha “sapice” ali era cinza, assim como a noite daquele sábado e o domingo inteiro de chuva.

CAPÍTULO 33 - LEIS DO DESTINO (1ª FASE)

CAPÍTULO 33 Tutari voluit
*Intenção de proteger


Pedro acompanhou Natalia até a delegacia, onde um dos preceptores de prática jurídica da universidade os aguardava, se apresentando como advogado da moça a pedido do amigo.

-- Natalia pode ficar calma, pedi para o Doutor Prado vir só pra te deixar mais segura, mas é só um depoimento.

A menina apenas acenou em acordo, visivelmente tensa. Narrou para o delegado tudo que aconteceu entre ela e Sandro até o seu último ataque. Reviver aquele pesadelo em cada palavra trouxe à tona a fragilidade da aparente moça forte do interior. Exatamente por tal motivo, Natália lamentou interiormente não poder contar com o apoio da namorada, que insistia em manter em segredo a relação.

-- Natalia, você está bem?

A jovem apenas acenou em acordo apaticamente à pergunta de Pedro.

-- O Sandro está preso, mas não vou mentir: em breve ele sairá e responderá ao processo em liberdade.

-- E vai estudar na mesma sala que eu, vai me perseguir, publicar aquelas fotos na internet, ou seja: fará da minha vida um inferno.

-- Não! Não vou permitir isso!

-- O que você poderá fazer Pedro? Vai me escoltar?

-- Faria isso se fosse necessário, aliás, faria com todo prazer, só pra ficar ao seu lado o dia inteiro...

O rapaz disse com os olhos cintilando sua paixão.

-- Entretanto, temos outros meios mais eficazes para lhe proteger. Faremos isso judicialmente. O Doutor Prado vai solicitar uma ordem de restrição, que proibirá Sandro de se aproximar de você, a coordenação do curso terá que agir, certamente vai sugerir a transferência dele para o curso noturno.

-- Isso vai demorar quanto tempo?

-- Com a influência do pai da Diana, garanto que isso será rápido!

-- O pai da Diana?

-- É, sabe que estou verdadeiramente surpreso com o empenho da Diana pra te ajudar. O pai dela tem intervindo todo tempo para acelerar as coisas, não é típico de a Diana requisitar assim o poder do pai dela.

-- Mas, por que o pai dela tem tanto poder assim?

-- Você não sabe quem é o pai da Diana?

-- Não! Por que deveria saber?

-- Por que todos na faculdade sabem...

-- Ok, o que a faculdade toda sabe?

-- A Diana é filha do senador Acrisio Toledo Campos.

Natalia franziu a testa, como se evidenciasse uma interrogação.

-- Você não sabe quem é Acrisio Toledo Campos? – Pedro indagou surpreso.

-- Esse nome não é estranho, mas não lembro exatamente de quem estamos falando.

-- Ele é o dono do Mato Grosso. Era um advogado pouco convencional, o mais procurado pelos criminosos mais famosos do país, rapidamente multiplicou o patrimônio da família investindo principalmente em terras e gado, até ingressar na carreira política. Volta e meia aparece uma denúncia contra ele, inclusive naquele escândalo de compra de sentenças, na participação de grupos de extermínio...

-- Claro! Sei quem é! – Natalia interrompeu.

-- Ele é seu mais novo defensor.

A expressão de Natalia ao ouvir isso foi tão confusa quanto seu sentimento diante daquela situação. Para ela, Acrisio Toledo Campos era a personificação de tudo que ela mais repugnava no meio político, o exemplo da politicagem opressora.

-- Agora posso entender porque Diana odeia que a chamem pelo nome completo... – Natalia pensou alto.

-- Como você sabe disso? – Pedro perguntou.

-- Pela reação dela nas aulas de IED... – Natalia disfarçou.

-- Essa é outra história... A professora Dorotheia odeia Acrisio Toledo e tenta se vingar perseguindo Diana na disciplina dela.

-- Então pelo jeito serei mais uma a ter rabo preso com o senador Acrisio?

-- Pergunta capciosa heim... Na verdade, o que me intriga é o empenho da Diana em pedir ajuda do pai. A consciência dela deve mesmo pesar muito, ela julga que é culpada por essa perseguição do Sandro...

-- Mas isso é absurdo, eu nunca pensaria dessa forma!

-- Eu sei disso, mas de qualquer maneira, a intervenção dela, do pai dela, vai nos ajudar muito, inclusive para obter esses originais das fotos, pode se tornar uma moeda de troca para diminuir a pena dele em um acordo.

-- Quais são os próximos passos nesse processo?

-- Bem, o advogado do Sandro deve conseguir um Habeas corpus nos próximos dias, e ele responderá em liberdade. Entretanto, o Doutor Prado vai entrar com um pedido para que você seja incluída no programa de proteção a vítima imediatamente.

-- Obrigada por tudo Pedro, agora, preciso ir pra casa.

-- Sua casa... Esse é outro ponto que gostaria de conversar com você Natalia.

-- O que tem minha casa?

-- Não sei, nunca entrei lá... Mas, sei que é no fim do mundo! Muito arriscado você continuar morando lá!

-- O que você sugere Pedro? Meus pais não tem grana pra pagar os preços absurdos dos apartamentos perto do campus...

-- Pensei nisso com o Lucas, e conversamos com algumas amigas que estão se organizando para abrir vaga na república delas.

-- Pedro...

-- Não se preocupe Natalia, as meninas são ótimas, algumas você já conhece do time de vôlei.

Natalia ficou pensativa, a dedicação apaixonada dos irmãos despertava além de culpa por enganá-los escondendo seu namoro com Diana, um sentimento de segurança. Pedro e Lucas, gratuitamente manifestavam o carinho protetor que ela tanto precisava naquele momento. O cuidado da namorada era indiscutível, mas o teor clandestino do relacionamento provocava em Natalia a incômoda sensação da instabilidade do namoro.

******

Diana mal conseguiu prestar atenção nas aulas, seu pensamento e seu coração estavam com a namorada, na delegacia, depondo contra Sandro. Sua vontade era de estar ao lado de Natalia, mas, seus receios impediram tal atitude.

A mensagem no celular recém comprado por Natalia foi suficiente para fazer a loirinha sair no meio da última aula e correr para casa.

-- “Estou em casa. Esse é meu novo número. Nat”.

A caminho de casa, parou em uma confeitaria, comprou a torta “floresta negra”que Natalia confessara ser seu doce favorito. Encontrou a namorada na cozinha, aparentemente concentrada preparando o almoço.

-- Olha que posso me acostumar com isso... – Diana disse abraçando Natalia pela cintura.

-- Isso o quê?

-- Você me esperando em casa, preparando nosso almoço...

-- Ah... Você quer me contratar como sua cozinheira?

-- Claro que não! Quem vai fazer a faxina se você ficar só cozinhando?

Diana gargalhou depois da expressão indignada da outra.

-- Falava da sua companhia sua boba... – Diana beijou os lábios de Natalia.

-- Mas vai ter que desacostumar...

Natalia falou se afastando de Diana. A loirinha franziu a testa estranhado a reação da namorada.

-- Do que você está falando?

-- Tenho que voltar para meu apartamento.

-- Mas Nat, você mal se recuperou...

-- Diana não tive ferimentos sérios, posso me cuidar. – Natalia interrompeu.

-- Ah pode? Da última vez, um louco quase te violentava! E seus ferimentos físicos até podem não ter sido sérios, mas como vai ser quando você acordar no meio da noite com pesadelos, sozinha naquela caixa de fósforos que você chama de casa?

Natalia se encostou no balcão da cozinha baixando os olhos.

-- Nat não tem sentido você sair daqui. Mesmo que o advogado consiga uma ordem judicial limitando a aproximação do Sandro, não é bom você ficar sozinha nesse momento. E não há porque isso acontecer, já que você não está sozinha!

-- Não mesmo Diana?

-- Claro que não! Você não acredita que estou ao seu lado?

-- Não vi você do meu lado naquela delegacia hoje...

-- Não estava ao seu lado fisicamente, mas estava te protegendo com os recursos que tenho...

-- Os recursos os quais você se refere são os recursos do seu pai, o grande senador?

-- Se você acha que meu cuidado com você se limita às intervenções do meu pai, você não tem noção do quanto gosto de você e o quanto é importante para mim.

-- Acho que entre quatro paredes, longe do mundo você deixa isso muito claro, mas sinto falta de mais...

-- Por que não estou publicamente ao seu lado? Estou nos bastidores, passando por cima de meu orgulho e das minhas promessas interiores, só pra te proteger.

-- Não quero você nos bastidores da minha vida Diana. Quero você ao meu lado no palco.

Natalia saiu da cozinha deixando Diana sem palavras. Estava muito clara a insatisfação dela com o namoro, e isso angustiou a loirinha profundamente. Diana seguiu a namorada até o quarto e com voz mansa a chamou:

-- Nat...

-- Oi Diana.

-- Você está chateada comigo?

-- O que você acha?

-- Seu tom já me respondeu...

-- Diana é querer demais que minha namorada fique do meu lado?

-- O fato de eu não estar em público com você, não quer dizer que não esteja ao seu lado. Por que é tão importante pra você assumirmos nosso namoro para todos? Acho que não tem noção das consequências disso.

-- Se não podemos assumir nosso relacionamento, permanecer aqui mais tempo é muito arriscado para seus amigos nos flagrarem.

Diana tentou argumentar, mas, os seus argumentos pareciam frágeis diante do tom magoado da namorada, engoliu as palavras, enquanto observava Natalia recolher suas coisas espalhadas pelo quarto.

-- Nat, por que você está guardando suas roupas?

-- Por que é hora de voltar pra minha casa ou caixa de fósforos como você chama.

-- Natália para com isso! Você não vai a lugar nenhum!

Diana se aproximou da namorada tomando as roupas que ela tinha nas mãos.

-- Você não vai se expor a riscos sem necessidade, não vai ficar sozinha, continua aqui até essa confusão toda se resolver, e se os meninos nos flagrarem, eu não vou esconder nada!

-- Então vamos continuar mentindo esperando um flagrante?

-- Só te peço um pouco mais de tempo Nat... É um momento muito tenso para carregarmos de mais drama ainda.

-- Acho que você está é me enrolando!

-- Nat... Será que não mereço um crédito? Um tempinho?

Diana fez cara de anjo, arrancando um sorriso tímido de Natalia.

-- Tudo bem... Vou te dar mais alguns dias, até essa história do Sandro se resolver, os meninos sossegarem mais...

-- Ótimo! Agora vamos comer, estou faminta, trouxe sua sobremesa favorita e você nem ligou!

-- Jura que você trouxe torta charlote?

-- Não é floresta negra a sua favorita?

Diana perguntou sem graça. Natalia sorriu e respondeu:

-- Vai passar a ser agora, só pra você tirar essa cara de frustração.



Natalia se aproximou dos lábios de Diana, roubando um beijo delicado selando o acordo, acreditando que sua insatisfação tinha os dias contados, numa esperança ingênua de que os problemas no namoro se encerrariam em breve.