quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

1ª TEMPORADA: PORQUE SEI QUE É AMOR - capítulo 17 - CAMILA

A residência e o projeto de pesquisa estavam consumindo a maioria do meu tempo.

Vendo meu desempenho, Camila aumentava minhas responsabilidades, eu não me queixava, gostava disso, não só porque a pesquisa era fascinante, mas porque isso me obrigava a passar mais tempo com Camila.

Laila me ligou umas duas vezes, ainda ansiosa pela convocação da seleção brasileira para a disputa do Grand Prix, mas não parecia empolgada em aprofundar nossa relação como pareceu pessoalmente, decepcionei-me um pouco com isso, mas de certa forma, me deixava de consciência limpa para aceitar os convites para sair de Camila.

Camila tratou de deixar minha sexta-feira com a noite livre no cronograma, não me restando alternativa - como seu quisesse outra - quando me chamou para ir ao cinema com ela. Não permitiu sequer que eu fosse em casa trocar de roupa, segundo ela, pra que eu não tivesse chance de escapar. Saímos do hospital direto pro shopping.

Cada vez mais, Camila se revelava uma pessoa descontraída, de companhia encantadora, o humor dela era leve, às vezes demonstrava uma inocência nos gestos e nas palavras, que discrepavam daquele jeito sedutor dela.

Ao que me parecia, toda aquela postura de mulher irresistível escondia uma mulher carente e insegura. E eu me sentia tentada a desvendar essas faces dela.

Escolhemos uma comédia, ela pediu que guardasse um bom lugar na sala, enquanto nos compraria pipocas, eu a obedecia como vício do trabalho, afinal ela era minha chefe.

Em poucos minutos vi uma das cenas mais engraçadas da minha vida: Camila entrava na sala, equilibrando um balde gigante de pipoca, com um copo de cerca de 1 litro de refrigerante e, pendurado no braço, uma sacola de plástico com dezenas de doces. Não me contive, caí no riso, enquanto ela se esforçava para subir as escadas sem derrubar nada... Mas que falta me fez naquele momento algum popular celular com câmera! Aquilo merecia uma foto: Dra. Camila Drumond, neurocirurgiã conhecida internacionalmente, era uma criança grande, definitivamente.

- Isabela, você não vai me ajudar aqui? - Camila falou baixinho em pé à minha frente.

- Mas você me parece tão habilidosa como equilibrista... Não achei que precisasse de ajuda.

- Ah muito engraçada... Isso aqui é culpa sua! – disse se acomodando na poltrona vizinha a minha.

- Culpa minha? Ué... Eu por acaso te convenci que nas próximas duas horas sofreríamos uma catástrofe e ficaríamos privadas de glicídios e lipídios?

- Bahhh – fez uma careta mostrando a língua. – Sua culpa porque não sabia se você gostava de pipoca doce ou salgada, então como não ia conseguir trazer dois potes separados, pedi que juntasse os dois tipos aqui, mas não me pergunte onde está a doce ou a salgada. O refrigerante também não consegui trazer os dois, assim fiz o mesmo, mas os dois são diet para equilibrar as calorias – sorriu.

- E esses doces, Chapeuzinho Vermelho, pra quem são? – perguntei sorrindo.

- Também sua culpa. Como não sabia sua preferência, saí colocando um de cada tipo, então temos: jujuba, chocolate branco, chocolate ao leite, com avelã, com castanha, com flocos, amargo, e também bala de menta, chicletes de vários sabores, amendoim salgado, paçoca. E... Ah! Bolinhas de chocolate – exibiu item por item retirando-os da sacola.

- Gente, temos quanto tempo pra comer tudo isso? Depois disso temos que tomar insulina para queimar tanto açúcar...

- Acho tem outras formas de queimarmos açúcar... Atividade física, por exemplo...

- Ah não, você não vai querer voltar pra casa fazendo Cooper, né? – brinquei fingindo não ter entendido sua sugestão.

- Deixa de falar besteira Isabela... O filme vai começar, começa aí também a comer essa pipoca.

Foi maravilhoso ver Camila daquele jeito, rindo que nem criança. Ela estava lambuzada de chocolate; no canto da boca, um pouco de leite condensado da pipoca doce. Nem de longe parecia aquela mulher que me assediou e que quase me despiu com os olhos na frente de minha ex-noiva.

Como previsto, não agüentamos comer nem metade dos doces, tampouco do balde gigantesco de pipocas. Saímos do cinema rindo disso, parei na frente dela e limpei, com um lenço tirado de minha bolsa, sua boca, seu queixo e a ponta do seu nariz, encarando seus olhos.

-Nossa... Como você me deixou sair do cinema mascarada de doces?

- Não fazia idéia que você comia com a pele toda... No escuro do cinema não estava tão evidente – disse segurando o riso.

-Sei... Olha Isabela, pensei em te convidar pra jantar depois do filme, mas dada a situação, eu não consigo ver comida mais hoje... Mas ainda é cedo... Quer dar uma esticada?

- Ai, Camila... Só me estico numa cama hoje...

- Isso é um convite?

- Han? – interroguei ruborizada.

- Deixei você sem graça? Ora finalmente! Você só me sacaneou hoje... Ponto pra mim...

Passávamos em frente a um Play de jogos eletrônicos e parei com os olhos fixos... Lembrei de Suzana jogando vídeo game com Lívia na casa de titia... Me deu um aperto no peito, uma saudade dela... Enchi meus olhos de lágrimas, quando Camila me chamou atenção:

- Ow... Parece que não é só eu com apelos infantis não, né? Quer jogar Isabela?

- Ah não... Mico né! Duas médicas disputando espaço com moleques no vídeo game...

- Ah pára com isso! Mico vai ser quando você perder feio pra mim! – entrou na pracinha me puxando pela mão.

- Eu? Perder pra você? E’ ruim heim...

- Vamos comprar as fichas, quem conseguir mais tickets das máquinas ganha, e aí, pode pedir o que quiser da perdedora.

- Fechado! Prepare-se... Não vou dar moleza só porque você é minha chefe!

Eram várias máquinas de fliperama e vídeo games, na medida em que fazíamos pontos, as máquinas liberavam tickets que poderiam ser trocados por brindes.

Saímos feito loucas, correndo pras máquinas, levando a sério a competição. Camila já parecia estar familiarizada com os jogos. Eu observava com desespero, vendo ela passear de uma máquina pra outra com tiras de metros de tickets, enquanto eu catava uns dez em cada máquina, ainda consegui umas tiras em um jogo que não exigia tanta precisão cirúrgica...

Não era a toa que a fila de crianças de seis anos era interminável perto dela, tratava-se só de acertar a cabeça dos jacarés que apareciam na mesa com um martelo, passei na frente dos pirralhos a custo de muitos protestos dos pais, dispensei o martelo e saí usando as duas mãos, “matando” os jacarés.

Camila sentou-se de tanto rir vendo meu desespero, minhas mãos estavam vermelhas e doloridas por causa da minha caça aos jacarés, Camila se aproximou de mim, colocou minhas mãos de palmas viradas pra cima sobre as suas e as beijou:

- Você acha que se beijar sara?

- Ei... Nem adianta querer me agradar viu, não vou desistir da aposta... Vai ter que pagar! – disse tímida diante do gesto dela.

- Porque eu iria desistir? Eu ganhei querida!

- Imagina... Sabe contar não? Olha aqui – exibi minhas tiras de tickets.

- Olha aqui você, doutora... – exibiu cerca de três vezes mais que eu de tickets, rindo faceira enquanto balançava as dezenas de tiras.

- Não é possível... Você subornou esses pirralhos pra que eles te vendessem os tickets deles!

- Xi você é uma péssima perdedora! Também bota a culpa no juiz quando seu time perde?

- Olha lá, não põe meu time no meio... - empunhei minhas mãos em sua direção.

- Calma... Olha só, não roubei não... Mas escondi minhas habilidades... Sempre trago meus sobrinhos pra jogar aqui, então, eu tenho prática...

- Ah Camila, pow...

- Ah Camila, nada! Vai ter pagar a aposta... Posso pedir o que quiser de você... Mas ainda não decidi o que quero.

Chegando à tal loja do Play para trocar os tickets, qual nossa surpresa, tudo tão caro! Meus tickets só davam pra trocar por... DOCES, isso já tinha de sobra... Vi uma caneta que brilhava e resolvi trocar por ela. Camila já escolhera antecipadamente, nem demorou na troca, estava dentro de uma sacola e nem cheguei a ver. Seguimos para o estacionamento e lá, dentro do carro, abri minha bolsa e estendi a tal caneta para ela:

- Pra você doutora, o fruto da minha dura caçada aos jacarés, quero que fique com você.

- Não pense que vai me comprar não, viu caçadora! Ainda tem uma aposta a pagar. – tentou disfarçar, mas ficou visivelmente sem graça com meu gesto.

- Deixa de ser desagradável... Eu te ofereço meu troféu de caçadas, claro, deveria ser uma bolsa ou um sapato de couro de jacaré, mas como sou ecologicamente correta, preferi esse e você me acusa de suborno!

- Desculpa, vai, você tem razão e pra me redimir, meu troféu é seu, na verdade já era seu, mas não ia te dar agora...

Abri a sacola, era um bichinho de pelúcia caramelo, de olhos azuis, muito fofinho.

- Achei sua cara, loirinho e de olhos azuis...

Não disfarcei meu encantamento com o presente, beijei-lhe a face demoradamente. Que cheiro inebriante... Que pele macia... Sua boca tinha urgência de ser beijada, quando entendi isso e reclinei meu rosto em direção aos seus lábios, o celular de Camila tocou, reflexivamente me afastei. Ela atendeu irritada:

- Espero mesmo que seja importante, Aline. Tem certeza? Fizeram os exames? Ok estou a caminho. Chame todos.

- Algum problema, Camila? – perguntei retomando meu ritmo de respiração.

- Problema não, mas temos que voltar ao hospital agora. Temos uma candidata perfeita para inserção do neurochip, mas antes de inserir, temos que operá-la, antes que um aneurisma se rompa.

Seguimos para o hospital, nos detendo em falar de trabalho. Chegando lá, toda a equipe já nos aguardava.

- Mostrem-me a tomografia com a localização do aneurisma, quero histórico completo da paciente. Isabela, prepare a paciente para a cirurgia e se prepare para entrar também na cirurgia. E antes que você argumente que não é neurocirurgiã, eu digo, preciso de você para avaliarmos a técnica toda depois, ok?

Apenas balancei positivamente a cabeça, encantada pela segurança dela em ordenar e organizar as coisas rapidamente. Como imaginávamos, a cirurgia foi longa, durou cerca de seis horas, quando saímos do centro cirúrgico já era manhã. O procedimento foi um sucesso, a técnica de Camila, era menos invasiva, o implante foi realizado, deixamos a cargo da outra equipe a monitorização da paciente.

Na mesma semana realizamos outro procedimento semelhante, isso acelerou a produção científica, nos tomando muito tempo.

Eu e Camila estávamos sempre juntas, às vezes Bernardo nos acompanhava em almoços e lanches na cantina, ele já tinha se tornado presidente do fã-clube Camila Drumond e praticamente me jogava nos braços dela.

Sempre me lembrava de sua dívida com ela, mas nossos horários estavam uma loucura, não deixando brecha para sairmos de novo. Surpreendeu-me ver sempre no bolso do jaleco de Camila a caneta brilhante que lhe dei, ela nem ligava pros olhares dos pacientes, e dos outros funcionários para as luzes da caneta, eu às vezes segurava o riso, mas estava mesmo toda boba por isso.

Mesmo na correria, eu não esquecia Suzana, um cheiro, uma música (parei de escutar Ana Carolina desde o término do noivado com ela), uma imagem, tudo me trazia Suzana de volta, ainda era ela meu primeiro pensamento antes de dormir e ao acordar, me perguntava como ela estaria com Bárbara, se estava feliz, quando nos veríamos, porque parara de me ligar...

No final de junho, para celebrar nosso sucesso na pesquisa e nos procedimentos, Camila convidou sua equipe para uma festa junina na chácara de seus pais. Bernardo foi comigo, eu sentia que finalmente Camila e eu teríamos uma nova oportunidade.

Seus pais foram muito simpáticos, Camila estava irremediavelmente linda. Suas inseparáveis botas cano longo, jeans apertado, camisa xadrez e por cima um casaco de couro, no pescoço um lenço amarrado, me apresentava como seu braço direito e que, como seu avô, eu também era mineira.

A chácara era maravilhosa, me lembrava a chácara que morava com meus pais até a morte deles. Uma grande fogueira no centro do terreiro aquecia a todos, estava muito frio naquela época. No alpendre da casa, um trio de forró pé-de-serra animava com músicas tradicionais da festa. À frente da casa uma grande mesa decorada, farta de comidas típicas.

A mãe de Camila era uma senhora muito divertida, meio louca também, ela e Bernardo pareciam amigos de infância conversando. Seu pai, por outro lado, era mais sério, mas muito atencioso, não parava de me servir bebidas. Convidou-me para conhecer o interior da casa, com o intuito de mostrar fotos antigas de Camilinha, ela naturalmente estava sem graça, e nos acompanhou na excursão.

O interior da casa me lembrava ainda mais a nossa em Valença, senti um aperto no peito constatando isso. Havia uma grande estante de madeira com porta-retratos, um em especial me chamou atenção. Aproximei-me e vi uma foto antiga de um senhor com trajes médicos, acompanhado de um casal mais jovem. Não acreditei, eram meus pais e pelo que me lembrava, não podia ser muito antes do acidente, era assim que me lembrava deles:

- Camila... Quem é esse senhor na foto? – perguntei nervosa e emocionada.

- Nessa? Esse carequinha é meu avô Elias, sou médica por causa dele... Ele é mineiro como você, sabia?

- Não... E esse casal, o que seu avô é deles?

- Era, na verdade. Esse casal foi aluno de meu avô quando ele ensinava na universidade, depois trabalharam com meu avô no hospital de Belo Horizonte, por muito tempo foram pra ele como filhos.

Emudeci, não conseguia explicar para Camila porque estava curiosa e emocionada, ela continuou:

- Lembro que meu avô sempre falava deles com muita saudade, que eram os melhores médicos que ele já trabalhara, que tinha grandes planos para eles...

- Mas, ele perdeu contato com eles?

- Ai não sei, Isabela... Quanto interesse nisso! Posso saber por quê?

- Camila... São meus pais na foto com seu avô.

Camila arregalou os olhos, parece que as palavras também as deixaram... Vendo meu nervosismo segurou minhas mãos e me conduziu até o sofá próximo a lareira:

- Isa... Você tem que conhecer uma pessoa.

- Quem?

- Meu avô Elias.

- O da foto? Ele ainda está vivo?

- Sim, sim, até ano passado quando minha vó ainda era viva ela morava em BH, depois da morte dela, mudou-se para cá, mora em um chalé aqui do lado.