terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

LEIS DO DESTINO: 2ª FASE - Capítulo 20

2.20 Agenda
*Que deve ser feito

            Diana não podia negar a estabilidade que Rosana lhe dava nesses momentos de conflito. Talvez pela sua formação acadêmica em psicologia, ela sabia conduzir os sentimentos da loirinha para um ponto de equilíbrio, o qual mesmo com todo amor, carinho e zelo de Natalia ela não encontrou naquela noite.

            Aquela aflição fez a loirinha tomar mais um ansiolítico naquela madrugada, o qual fazia parte do seu tratamento contra a dependência de drogas que Diana ainda seguia conforme orientada pelo seu terapeuta. Essa era outra questão que a aproximava de Rosana uma vez que esta sabia de sua condição e do seu recente retrospecto com as drogas e enfrentou com ela o duro período de desintoxicação, efeitos colaterais da abstinência e das drogas utilizadas para combater o estado de dependência que Diana se encontrava.

            Por vergonha ou medo de decepcionar Natalia, Diana ocultou esse trecho da sua história, não queria que a promotora tão rígida nos seus padrões morais e éticos a visse como uma doente ou marginal. Por tal concepção, Diana apelou para os comprimidos resistindo à tentação de usar o álcool para relaxar. No seu status de ex-dependente ela sabia que isso poderia representar um start no seu vício.

            No entanto, aquela angústia lhe consumiu de todas as formas aguardando Danilo no seu apartamento para enfrentarem uma conversa franca com seu pai. Hesitou, mas, invocou a sensatez e a sobriedade de Rosana para lhe tirar daquele estado perigoso de nervos.

- Rô? Acordei você?

- Di?

- Desculpe, sei que você fez show ontem, ainda nem é meio-dia aí não é?

- Para de bobagem meu amor. Aconteceu alguma coisa?

- Estou esperando o Danilo. Vamos até a fazenda falar com o senhor Acrisio...  Ele vai contar sobre as denúncias, sobre as atrocidades que o Douglas tem cometido...

- E você está apavorada não é?

- Hurrum... Mal consegui dormir essa noite, mesmo com os ansiolíticos que o Dr. Foster me passou.

- Honey escute-me com atenção: você não é mais aquela menina que vivia refém do senador Acrisio. Você é uma mulher forte, independente, que não precisa mais se submeter às exigências e chantagens do seu pai. Não há nada mais que ele possa fazer contra você. O que acha que ele pode fazer? Deserdar você? Ameaçar contra a vida da Natalia ou a carreira dela? Ele usou isso há um ano, e você alertou Natalia e mesmo assim ela continuou nesse processo por que é a função dela, se ela for recuar a cada ameaça que sofrer, terá que deixar o cargo de promotora em breve.
- Mas Rô... Ele pode achar que convenci o Danilo a denunciá-lo, que estou agindo por vingança...

- Baby o que menos vai importar a seu pai é a sua motivação para estar lá. O mais importante é que você faça o que deve ser feito, e, sobretudo, aja de acordo com seu papel que não é de vingadora. Você estará lá para apoiar seu irmão que está tentando fazer a coisa certa, se foque nisso. E outra coisa: o que uniu você e o Danilo nisso é muito maior do que a mágoa que possa existir entre você e seu pai, não deixe que ele provoque mais estragos em sua alma do que você já permitiu a vida toda.

- Você tem razão Rô... Antes eu me preocupava como a mamãe, como ela ficaria se outra vez eu guerrilhasse com ele, mas não tenho mais essa preocupação. Obrigada minha querida.

- O que seria de você sem mim hein?

            Diana deixou um riso sem graça escapar.

- Tudo certo pra sua vinda ao fim do mês não é Di?

- Sim, estarei aí como prometi, preciso ir Rô, o Danilo está ligando.

            Como fez nos últimos dias, Diana desligou apressada o telefone para que não dar oportunidade de uma despedida romântica tão comum entre elas para encerrar uma ligação. No trajeto até a Verdes Canaviais pouco conversou com o irmão, no entanto, o afago que Danilo fez no seu braço falou muito sobre a apreensão que ambos compartilhavam.

            Acrisio recebeu Danilo com um abraço apertado e não notou a presença da caçula que observava o gesto paterno como uma visão estranha a sua história familiar.

- Que besteira foi essa de não me avisar sobre o acidente? Meu filho o que aconteceu? Você dirige sempre tão bem, como isso pode acontecer? Você está bem mesmo?

- Está tudo bem sim pai. Não quis atrapalhar sua viagem. Nós viemos aqui para conversar um assunto muito sério com o senhor que envolve o meu acidente.

- Nós?

            Acrisio indagou quando Diana se aproximou.

- Sim, eu e Danilo.

- Diana? Pensei que nem fazia mais parte dessa família! Disse que eu não era mais seu pai, e está de novo em minhas terras?

- Papai, por favor. A Diana está aqui a meu pedido.

- Danilo meu filho eu agradeço sua tentativa de refazer seus laços fraternos com ela, mas não creio que possa operar um milagre e nos aproximar. Sua irmã não quer fazer parte dessa família, nunca quis, e agora que sua mãe não está mais entre nós, duvido que ainda tenha algo que ela queira aqui além de nos destruir.

- Pai! Desse jeito o senhor só piora as coisas!

- Relaxa Danilo, vamos direto ao que interessa, ele tem razão, isso não é uma reunião de reconciliação familiar.

            Diana falou fingindo frieza.

- Pois bem... Papai é melhor que se sente a história é longa e bem delicada.

            A narrativa dos fatos feita por Danilo teve atenção total de Acrisio que por várias vezes interrompeu o filho incrédulo sobre detalhes dos episódios que envolviam Douglas e seus métodos até o momento em que Danilo detalhou as circunstâncias do seu acidente.

- Chega Danilo! Isso é um absurdo sem tamanho! Quem te convenceu disso? Foi ela? É isso o que você quer Diana? Acabar com sua família? Que espécie de plano de vingança é esse?

            Acrisio apontou para Diana que até então era apenas uma ouvinte dos relatos do irmão.

- Eu sabia que era uma péssima ideia vir com você Danilo! Ele queria um bode expiatório para o que ela julga delírio seu, e você o trouxe! Não preciso ouvir mais insultos desse homem Danilo.

            Diana se levantou furiosa avançando para a porta da saída.

- Diana espere! – Danilo gritou. – Papai se o senhor quiser continuar a se enganar escondendo a doença do Douglas faça isso, mas não desconte isso machucando e agredindo mais a sua filha como fez durante anos! O senhor sabe muito bem que não estou falando nenhum despautério, o senhor conhece o Douglas, sabe que ele é capaz disso!


            Danilo encarou o pai com tom forte de voz, com os olhos cintilando a coragem e a fortaleza que nem ele mesmo acreditava possuir. Tal demonstração de audácia do irmão fez Diana frear seu impulso de sair.

- Eu estou aqui apelando para seu amor de pai para proteger sua família e as pessoas inocentes das monstruosidades que o Douglas é capaz de cometer, mas, se o senhor não fizer nada, eu farei sozinho.

- Será que você é mesmo capaz de apoiar o Douglas até nisso? Você é também responsável pelo que ele fez, estava seguindo seu exemplo, pronto, eis o filho perfeito à sua imagem e semelhança, carne e sangue para você se orgulhar!

            A bravura de Danilo e o questionamento de Diana renderam Acrisio. O velho homem deixou o corpo antes de pé exaltado pela discussão, cair sobre aquela poltrona sem forças, com o peso de uma verdade que só ele conhecia, mas que era chegada a hora de ser revelada.

- Ele não é meu filho.

- O que?! O senhor está dizendo que vai resolver as coisas renegando-o agora?

            Diana retrucou exasperada.

- Não Diana eu estou dizendo que Douglas não é meu filho biológico.

            Em uma das raras vezes em toda sua vida, Diana reconheceu verdade nos olhos do pai.

- Papai o que o senhor está dizendo? – Danilo indagou incrédulo.

- Isso mesmo que vocês ouviram: Douglas não é meu filho biológico.

- Está nos dizendo que ele não é nosso irmão? – Diana inquiriu.

- Não, eu estou dizendo que ele não é meu filho. Mas, é irmão de vocês sim.

- Isso não pode ser... Está me dizendo que a mamãe estava grávida de outro homem quando casou com o senhor? – Diana perguntou em tom de revolta.

- Foi isso. – Acrisio respondeu com dificuldade.

- Ela está morta seu crápula! Nem pode se defender dessa acusação! Vai dizer agora que a mamãe era uma traidora e você um santo que assumiu o fruto de uma traição? – Diana berrou.

- Acalme-se Diana! Eu nunca ousaria macular a memória de sua mãe! Ela era a mulher mais integra da face da terra! Nunca me trairia ainda que eu merecesse isso e muito mais!

- Merecia mesmo! Por todo o sofrimento que causou a ela! – Diana disse exaltada.

- Minha irmã se acalme. Pai, como isso pode ser possível? – Danilo ponderou.

- Eu amei sua mãe desde a primeira vez que a vi. Parecia uma visão de tão linda que ela era. Eu era só um matuto ignorante, um bicho do mato andando pela capital, e sua mãe aquela princesa saindo de uma escola cara cercada de amigas ricas como ela, nunca olharia para mim, se eu não tivesse sido praticamente atropelado por um ônibus que apesar de buzinar insistentemente eu não ouvi fascinado pela beleza de Alice.

- Isso a mamãe nos contava papai. Que ela foi te ajudar e quando vocês se olharam se apaixonaram imediatamente. – Danilo resumiu.

- O que vocês não sabem é que nossa história não foi um conto de fadas tradicional. O enredo do rapaz do interior sem cultura, ignorante e a uma delicada moça da alta sociedade e toda sua família contra esse romance não foi um simples clichê. Seus avós me odiavam, fizeram de tudo para me separar de sua mãe, usaram de toda sua influência para me dissuadir a desisti da filha deles.

- Isso vocês nunca falaram. – Diana comentou curiosa.

- Sua mãe e eu quando enfim conseguimos nos casar, nos prometemos não trazer alguns fatos do passado para nosso presente, era doloroso e não acrescentava em nada na nossa vida remoer essas tristezas.

- Inclusive a verdade sobre o pai de Douglas? – Danilo questionou.

- Principalmente isso. Doía especialmente em Alice essa lembrança.

- O que aconteceu de fato? – Danilo insistiu.

- Bem, nessas tentativas de me separar de Alice, seus avós usaram do poder que tinham no meio político e rural para me sabotar. Como vocês sabem, herdei um pedaço de terra de meu avô, e o multipliquei às custas de muito trabalho.

- E de apropriação indevida de terras também. – Diana acrescentou.

- Era uma terra sem dono, sendo comida pelo mato, eu a tornei produtiva, conquistei a posse dela com meu trabalho, dando emprego a gente necessitada.

- Diana, por favor... – Danilo suplicou.

            Diana acolheu o pedido com um gesto e Acrisio continuou o relato.

- Quando eu conheci a mãe de vocês já não era mais um pobre coitado da roça. Estava na capital justamente para receber o dinheiro a venda da minha safra, como se tratava de uma boa quantia, fui aconselhado a abrir uma conta no banco, enfim, eu precisava de uma orientação nesse ramo, o que foi muito difícil para mim, vocês sabem que sequer eu sabia ler.

- Sim papai, sabemos. – Danilo incentivou a continuar.

- Em suma, eu fiz alguns investimentos, ampliei minha produção, comprei algumas dezenas de cabeça de gado, e minha colheita três vezes maior já estava vendida com a promessa de que seria toda comprada se eu tivesse mais para vender. Isso despertou minha ambição, sabia de um bom pedaço de terra plantada que um fazendeiro colocou a venda, e o pedi um empréstimo ao banco para comprar a tal terra. A essa altura eu já estava com sua mãe, e cada vez mais eu queria ser alguém, para que os pais dela me aceitassem, e ela tivesse orgulho de mim.

- Mas o senhor já entendia essas coisas de banco nessa altura? – Diana perguntou.

- Não era mais um analfabeto, eu mesmo pedi a Alice que me ensinasse, e ela fez isso com tanto orgulho, era mais uma desculpa para passarmos mais tempo juntos. Alice me incentivava, mas ao mesmo tempo freava meus impulsos ambiciosos, afirmando que me amaria de qualquer forma. Mas, eu não confiava nisso, me deixei levar pela sede de crescer, e com esse empréstimo do banco eu compliquei minha vida, por que eu não sabia que o banqueiro era um dos melhores amigos dos pais de Alice e eles usaram isso contra mim.

- Como? – Danilo indagou.

- Se eu não pagasse o empréstimo, perderia minha fazenda.

- Mas... Foi tanto dinheiro assim?

- Não, mas colocaram juros absurdos, e eu ignorante, não sabia do que se tratava.

- Que vacilo hein senhor Acrisio? – Diana foi sarcástica.

- Eu não tinha mais que vinte anos nessa época, ainda guardava aquela inocência de menino do campo, não podia resolver as coisas na cidade como eu resolvia nas minhas terras, na base da honra, da palavra.

- Ou na bala, na faca... – Diana deixou escapar.

            Danilo fez uma expressão de censura para a irmã que disfarçou olhando o chão.

- Uma arma seria mais honesta do que aquele contrato que assinei. Principalmente com a cilada que seu avô me preparou, com um incêndio criminoso, destruiu grande parte da minha lavoura, só não perdi a plantação da fazenda que comprei com o dinheiro do empréstimo. Por sorte, com o que sobrou da colheita, vendi e recuperei o dinheiro para saudar o empréstimo, mas não restou praticamente nada para reconstruir o que perdi, foi então que pedi novo empréstimo ao banco e me foi negado.

- Por causa da influência do vovô suponho. – Diana comentou.

- Sim. Ele deixou isso muito claro quando me procurou no momento em que saí do banco naquele dia. Disse com todas as letras que eu não teria sucesso em nada que eu tentasse fazer nos negócios, estaria sempre me sabotando até me deixar na miséria. A única forma de me deixarem em paz era se eu deixasse Alice. Conseguiu me convencer que eu não era bom o suficiente para ela e que um dia ela perceberia isso, que nunca se conformaria com uma vida menos luxuosa do que sempre teve e que eu nunca iria dar, e ainda acrescentaram que deserdariam Alice.

- E você desistiu da mamãe? – Diana indagou.

- Não foi tão simples como parece. No fundo o que ele me dizia fazia todo sentido, se já era difícil nossa convivência com o abismo intelectual que existia entre nós, notava o receio de Alice em me levar a determinados lugares que ela gostava aquelas coisas que ela sempre gostou como teatro, balé... Imagine então o que seria se eu a obrigasse a viver numa fazenda sem o menor conforto, em meio a peões e bichos? Eu cedi. Mais por medo de causar a infelicidade de Alice do que pelo medo da pressão do pai dela. Sumi de Campo Grande deixando para ela apenas um bilhete de despedida.

- Nunca imaginei Acrisio Toledo como um covarde. – Diana cuspiu o insulto.

- Você deveria ser a última pessoa a me falar isso Diana. Você deu uma prova de amor para a promotora no passado abrindo mão dela para protegê-la não foi?

            Despertando a mágoa no coração da filha, Acrisio pareceu penetrar o dedo na ferida de Diana que retrucou com todo ressentimento guardado por anos.

- Protegê-la de você não é querido papai!

- No fundo você é a mais parecida comigo Diana, por isso eu tinha certeza que você não hesitaria em proteger a menina, mesmo que fosse abrindo mão dela, assim como eu fiz por sua mãe.

- Não ouse me comparar ao senhor!

- Diana, papai, por favor! Não é hora para troca de ataques! Papai o que tudo isso tem a ver com o fato do Douglas não ser seu filho?

            Acrisio se sentou de novo na poltrona retomando a calma, e Diana ainda fumegando sua raiva fez o mesmo.

- Depois que sua mãe recebeu meu bilhete de despedida, muito magoada comigo, aceitou ficar noiva do almofadinha que os pais dela escolheram, na noite do baile de formatura dela do segundo grau, ele se aproveitou do falta de costume dela para bebida, e aí... Foi quando o Douglas foi gerado.

- E aí o cara não assumiu? – Diana perguntou.

- Certamente assumiria, a intenção das famílias era que eles se casassem, e sabendo disso apressariam. Mas sua mãe adquiriu tamanho nojo do filho da mãe que decidiu fugir. A essa altura eu já estava refeito do prejuízo que sofri e lucrei com a crise financeira do país, conseguindo comprar terras por barganhas, já tinha algum prestígio entre as lideranças políticas locais, o que me deu certa visibilidade.

- A mamãe fugiu para onde? – Foi a vez de Danilo indagar.

- Para meus braços. Um belo dia Alice chegou à minha fazenda, acho que me apaixonei de novo quando a vi atravessando o portão com os cabelos assanhados pelo vento, uma aparência tão cansada de quem passou dias viajando. Não pude fazer outra coisa que não fosse correr para abraça-la, eu trocaria todos os meus bens por aquele abraço, naquele dia eu tive a certeza que nunca mais ninguém nos separaria, nem mesmo o poder dos pais dela. Alice temeu que eu a rejeitasse pelo que tinha acontecido com o salafrário, mas o que eu sentia por ela era tão maior do que meus ciúmes além de me sentir culpado pelo que acontecera, afinal se eu não a tivesse abandonado...

- E então? – Diana instigou a continuação.

- Eu a pedi em casamento, e corri para marcar a data assim que ela me disse sim. Marcamos para o dia seguinte ao aniversário dela de dezoito anos, faltavam poucos dias, e respeitei sua vontade. Acreditávamos que o casamento resolveria tudo, que os pais dela teriam que aceitar. Mas até o casamento ainda enfrentamos a ira dos seus avós que chegaram a minha fazenda com policiais me acusando de ter raptado a filha menor de idade deles.

- Minha nossa... – Danilo pensou alto.

- Mas sua mãe foi tão corajosa, enfrentou os pais declarando o amor dela por mim, se colocou na minha frente quando os policiais apontaram para mim as armas a ponto dos seus avós recuarem.

- Parece coisa de filme... – Danilo comentou.

- Ainda havia um drama nesse filme, que só descobrimos dois dias antes do nosso casamento quando Alice desmaiou no jantar que os moradores organizaram para nós. O médico que mandei chamar na cidade atestou sua gravidez. Como eu a respeitei, sem ter intimidades com ela até o casamento, sabia que o filho não era meu. Alice mais uma vez tentou fugir, acreditando que eu nunca aceitaria isso. Eu não permiti que ela fugisse de mim, prometi que amaria o filho dela como meu, que ele seria nosso primogênito, e foi isso o que fiz.

            Chocados com a história que acabaram de ouvir, Diana e Danilo pareciam sem voz. Diana em especial estava diante de um homem que ela nunca vira, um homem que amou com generosidade, que se sacrificou, perdoou, aceitou e foi capaz de tudo pela mulher que amava. Agora era tão mais fácil entender sua mãe, e sua dedicação incondicional aquele homem austero, tantas vezes estúpido e insensível. Diana não contava as vezes que questionava a mãe sobre a submissão que tinha por Acrisio e em todas as vezes obteve a mesma resposta:

- Eu não me submeto minha filha, eu simplesmente amo do jeito que ele é, assim como ele me ama.

            Diana podia ouvir naquele momento a voz de Alice ecoando no seu pensamento aquela resposta. Questionava-se o quanto tinha de seu pai na forma de amar. “Será mesmo que sou parecida com ele?” – Até mesmo se perguntar incomodava Diana tal comparação.

- Acho que o fato dele ter descoberto isso o descontrolou. - Acrisio refletiu.
- Do que o senhor está falando pai? – Danilo interrompeu a reflexão do pai.

- O Douglas ouviu uma discussão minha com sua mãe. Ela me cobrava outra postura em relação ao envolvimento de vocês nos meus negócios, até no calor das palavras ela disparar que eu não era o pai do Douglas e que eu não tinha o direito de usá-lo assim para meus propósitos sujos.

- Vocês sempre discutiam por isso... Como sabe que o Douglas escutou? – Diana inquiriu.

- Ouvimos um barulho vindo do corredor e atestamos que era ele, mas ele fugiu, não nos deu chances de conversar naquela noite. Eu estava de partida para Brasília, Douglas iria me acompanhar, mas não me atendeu, ao invés disso, retornou a nossa casa e discutiu com sua mãe.

- Espere um pouco papai... Eu estava com o senhor, lembro que esperamos mais de uma hora pelo Douglas no jatinho e ele estava sempre os telefones na caixa postal, no dia seguinte soubemos do segundo infarto da mamãe.

            Danilo lembrou-se juntando os fatos.

- Alice não teve oportunidade de me contar em detalhes a discussão, só me pediu que eu cuidasse dele com todo amor que eu sempre lhe dei, por que ele era o filho que mais precisava ser amado.

            Acrisio se emocionou rememorando a última conversa que teve com Alice. Outra vez deixando Diana confusa quanto aquele lado de seu pai que ela desconhecera.

- Nessa conversa Alice também me pediu que eu te mantivesse afastada da perseguição da imprensa, dos meus inimigos, que sua vida já era muito difícil para ainda ser exposta como algo imoral. Por isso não deixei que ninguém te avisasse, não sei se você lembra Danilo do que enfrentávamos na ocasião.

- Lembro papai. A onda de boatos sobre o caso extraconjugal do seu vice com um cabo eleitoral.

- Seria um prato cheio para a oposição sua presença aqui, seria um tormento a mais para você.

- O senhor não fez isso por um pedido da mamãe. Se for para usar honestidade total, chega de mentiras não é? O senhor não queria era sujar ainda mais sua campanha com sua filha lésbica, melhor escondê-la longe das fronteiras! Por que não me disse isso quando te perguntei? Mais uma jogada sua para se fazer de super. pai?

- Diana eu não te disse por que não adiantaria. Você não ia acreditar assim como não está acreditando agora. Eu estava cansado demais, com uma dor sem limite para ainda gastar minhas energias em embates com você. Era mais fácil aguentar suas agressões do que mostrar meu lado fraco.

- Gente será que vocês não conseguem dar uma trégua nessa guerra? Pai o Douglas sempre foi violento, cruel, mas de fato depois da morte da mamãe ele está sem controle, faça o que a mamãe pediu: ame-o! Ele está doente! Precisa de tratamento! Ele tentou me matar! Qual será a próxima loucura dele? Essa fazenda está sobre um cemitério de corpos de trabalhadores que ousaram lutar contra Douglas e as ordens dele, o senhor se envolveu tanto na campanha assim como eu que não sabe de metade das atrocidades que ele cometeu aqui, a revolta desses homens vai explodir e as consequências serão desastrosas pai!

- Não posso simplesmente internar seu irmão Danilo!

- O Douglas não é só doente pai. Ele é um criminoso. Assassino, sádico, um psicopata. Alguém precisa pará-lo, e se não for o senhor, vai ser a justiça. Eu vim aqui hoje também para dizer que entreguei ao Ministério Público todas as provas e informações que eu tinha contra Douglas e o senhor.

- Você enlouqueceu?!

- Não pai. Estou fazendo a mesma coisa que o senhor faria pela mamãe. Estou protegendo a mulher que eu amo. Estou casado há mais de um ano com Lídia, a filha de Bernadete. Ela está esperando um filho meu, e não quero expô-los ao risco de ter o Douglas perseguindo-os para me atingir.

- Isso só pode ser uma grande piada de mau gosto! Você delatou sua família por causa de uma empregadinha? Por isso se mancomunou com essa daí não foi? Agora sua namoradinha tem o que precisa para me prender não é Diana?

- Estava demorando a mostrar sua verdadeira face hein senhor Acrisio. Passou horas falando de amor, e desmerece o amor do seu filho por uma mulher de outro nível social, mas bem acima do seu quando conheceu a mamãe. Dois pesos, duas medidas. Afinal o senhor não é igual a todos os mortais não é?

- Diana já chega! Durante todos esses anos eu tolerei de você os piores insultos, as palavras mais duras, os gestos mais odiosos e até hoje busco na minha memória quando foi que você deixou de ser a minha caçula, meu anjinho, para ser uma menina revoltada sempre pronta a me ferir, me ofender e espezinhar. Quando, porque Diana você escondeu de mim aquela menina doce, alegre que pulava no meu colo todas as vezes que eu chegava a casa, mesmo que eu tivesse saído só por meia hora?

- Ela foi desaparecendo a cada vez que eu ficava esperando você voltar para casa para pular no seu colo para ouvir suas estórias fantasiosas da princesa que se apaixonou pelo vaqueiro viajante. – Diana pausou para rir – Eu sempre procurava esse conto de fadas nos livros da escola e nunca achei lógico! Eu esperava ansiosa, todas as noites, não conto as vezes que a mamãe me levou nos braços para minha cama quando me encontrava no sofá dormindo. Quando você se envolveu com a política, mal vinha em casa, e quando vinha, estava sempre acompanhado de gente estranha, que falava alto e passava horas no seu escritório trancado.

- Mas eu sempre ia ao seu quarto antes de dormir quando eu estava em casa, sua mãe nunca me deixava eu te acordar, mas eu ia sempre te ver, dormindo como o anjinho que você era. Eu era tão alucinado por você minha filha... Você tinha e tem a beleza da sua mãe e minha personalidade forte, determinada, passional, a prova disso é que só você tinha coragem de me enfrentar.

- E mesmo assim você me afastou de você. Expulsava-me da sala, das conversas, era grosseiro comigo, e eu uma criança ficava me perguntando o que eu tinha feito de errado para ser punida por você daquela forma. A mamãe me consolava, tentava me tranquilizar, mas tudo que ela conseguia era me fazer dormir me fazendo cafuné, mas eu guardava aquela culpa sem saber exatamente de que.

- Não eram assuntos para crianças ouvirem. Eu perdia a paciência com você, porque era insistente, teimosa que nem uma mula selvagem! Empacava no canto e só saía se eu a espantasse com minha ira. Eu não podia supor que te repelia assim.

- Eu era uma criança pai! O que o senhor esperava? Eu queria estar perto do meu pai! De tantas vezes eu ver o senhor chegar naquele escritório e se trancar com aquelas pessoas, uma noite eu decidi me esconder lá, esperar o senhor acabar aquela reunião infindável. Nesse dia escondida atrás da cortina eu ouvi o senhor ordenar a morte de homem. Desde esse dia, eu descobri que você não era o herói que eu pintava. Era um monstro que tomara o lugar do meu pai amoroso.

            Acrisio empalideceu. Até Danilo que por repetidas vezes tentou interromper a discussão paralisou. Diana deixou as lágrimas escorrerem pelo rosto com abundância, como se estas estivessem represadas por toda vida.

- No começo eu tive medo daquele monstro, depois eu fui aprendendo a enfrenta-lo, então eu briguei com ele de todas as formas, quanto mais o irritava, mais eu me sentia forte, tinha esperanças que um dia eu pudesse vencer o monstro, para ter meu pai de volta. Mas eu fui crescendo, e me dei conta que se existisse um monstro mesmo eu não conseguiria derrota-lo, eu queria mesmo era ficar longe dele, porque me fazia tanto mal olhar para a fisionomia dele usurpada do meu pai... Ao longo dos anos eu fui refém desse monstro, por mais que eu o atacasse ele encontrava uma forma de me prender novamente.

- Eu não sou um monstro minha filha. Sou seu pai.

            Acrisio se levantou e caminhou até Diana que se esquivava como se buscasse proteção numa barreira invisível que criara contra o pai.

- Um pai não faz comigo o que o senhor fez. Um pai não despreza, não maltrata, não manipula, não chantageia nem ameaça.

- Eu só queria te manter perto Diana para tentar recuperar o que eu não sabia por que estava perdido. Tinha esperança que te mantendo sob meu domínio, acharia uma forma de ter de novo minha caçula, meu anjinho me olhando com esses olhos doces.

- Que mentira! O senhor praticamente me enxotou de casa quando descobriu que era lésbica. Mandou-me para outro país! Anos depois o senhor ameaçou prejudicar a família da mulher que eu amava em favor dos seus interesses, como esperava reconquistar meu amor de filha assim?

- Não suportava ler o que aquelas pessoas publicavam a seu respeito. As piadas, a malícia, eu queria te proteger, queria te manter a salvo de tudo isso. Não queria que você sofresse.

- Para! Isso é mentira! E chega dessa conversa! Não viemos aqui para isso! Danilo você já disse tudo que tem a dizer, vamos embora!

- Diana... – Danilo se aproximou da irmã, mas, foi repudiado por um gesto.

- Não quero ficar aqui! Vamos agora!

            Como se pedisse autorização do pai, Danilo olhou para Acrisio que apenas acenou em acordo, autorizando que o rapaz cumprisse a vontade de Diana.

- Pai, esse é o meu número novo, desativei os outros. Analise bem a situação e me dê um retorno o quanto antes.

            Acrisio deu um beijo na testa do filho visivelmente abalado com o saldo daquela conversa.

            O trajeto de volta a São Paulo foi ainda mais silencioso do que a ida, o único som ouvido no carro eram os soluços do choro incessante de Diana que mentalmente refazia cada memória, cada discussão, cada mágoa construída ao longo dos anos na relação com seu pai. O que mais incomodava a loirinha era o fato de que as boas lembranças que ela escondera na profundidade da sua alma, como uma fantasia qualquer de uma criança inocente, dos bons momentos que teve na infância com o pai.