terça-feira, 3 de janeiro de 2012

LEIS DO DESTINO: 2ª FASE - Capítulo 10

2.10 Major e longinquo reverentia
Maior reverência ao que está distante. Refere-se Tácito à reverência que temos por aqueles que se acham afastados de nós no tempo e no espaço. 


            Natalia sofria a ausência de Eduarda, que após a briga no fim de semana não a procurou, ignorando suas ligações. As notícias ruins sobre o fracasso do cumprimento do mandado de busca e apreensão da Fazenda Verdes Canaviais só completaram seu início de semana desagradável.

- Meses esperando por essa ação, e os policiais não encontraram nada?

- Certamente se precaveram Natalia. Esconderam as provas em outro lugar, legalizaram alguns trabalhadores, o que só nos dá mais suspeitas, porque para o porte das plantações só aqueles trabalhadores registrados não dariam conta de uma colheita. Mas, as provas que precisamos, os policiais não encontraram.

            - Isso é frustrante sabia?

            - É sim chefe, muito! E agora? Qual serão os próximos passos?

            - Agora é torcer para que as investigações nos tragam mais algum elemento para esse processo, de preferência alguma prova contundente de assassinato de trabalhadores, isso nunca foi provado, temos uma lista de agricultores desaparecidos há anos que trabalharam naquelas terras segundo a família deles, mas nenhuma prova que estão mortos.

            - Sem corpo, sem crime não é?

            - Filho da mãe mafioso!

            - A hora dele vai chegar Natalia.

            - Droga!

            Natalia lançou o seu celular ao chão irritada depois de tentar falar com Eduarda e ter mais uma vez sua chamada ignorada.

- Opa! Qual a culpa do seu celular nisso?

            Natalia andou de um lado pro outro impaciente.

- A culpa dessa raiva toda é mesmo só Acrisio Toledo?

- Não... Briguei com a Duda no sábado.

- O que aconteceu? Por que vocês brigaram?

- Adivinha? Por causa da Diana!

- Gente como assim?

- A Duda encontrou por acaso aquela foto do velório da mãe da Diana no meu notebook, não satisfeita fuçou meu histórico de sites visitados e encontrou minha pesquisa sobre a vida da Diana.

- Opa opa opa! Peraí! Você não deletou aquela foto? Que vacilo heim! E você fez uma pesquisa sobre a Diana na internet?

- Ai fiz Carlinha! O que você queria? Anos sem notícia dela, e agora o destino está fazendo piada comigo, a Diana me aparece em sonho, estou namorando uma garota que é a cópia dela da época da faculdade, e agora ela aqui no Brasil! Isso mexeu comigo!

- Tenso... Mas, a Duda escarafunchou mesmo seu note?

- Pois é, nunca esperei isso dela. Tão fina e educada!

- Nat, o ciúme é irracional, não respeita regras de etiqueta e boa educação. O que você disse a ela?

- Ah eu desviei a questão discuti por ela ter invadido minha privacidade. Depois disso ela saiu lá de casa e não me atendeu mais.

- Por que você não foi atrás dela?

- Simplesmente por que não sei o que dizer Cacá! Como vou justificar isso? A Duda nem engoliu o fato de eu chamar o nome da Diana enquanto durmo como vou explicar isso agora?

- Você está mesmo encrencada heim...

- É eu sei... – Natalia se sentou com uma expressão triste.

- Nat você precisa procura-la pessoalmente.

- E dizer o que?

- A verdade... Dá uma disfarçada nessa sua paixão eterna pela Diana, ninguém merece isso né? Só diz que ficou balançada com a morte da mãe dela e ficou curiosa...

            Natalia acenou em acordo, e não protelou a resolução dessa situação com a namorada, procurou-a em seu apartamento depois do expediente.

- Posso entrar? – Natalia perguntou timidamente.

- Não te deixei subir pra te deixar plantada na minha porta...

            Eduarda respondeu friamente, dando um sinal qualquer para Natalia entrar.

- Você não atendeu minhas ligações, nem respondeu minhas mensagens, resolvi vir pessoalmente. Precisamos conversar Duda.

            Eduarda não parecia nenhum pouco receptiva para uma conversa, mas, Natalia insistiu:

- Duda eu sei que você tem todo direito de estar chateada comigo, no seu lugar também estaria, mas não é exatamente o que você está pensando...

- Chateada? Você está simplificando demais as coisas Natalia.

- Duda, quando eu soube da morte da mãe da Diana eu pesquisei sim as notícias e encontrei a foto dela, e realmente isso atiçou minha curiosidade, há anos não tinha notícias dela, e de repente o acaso está trazendo ela de volta pro meu presente, lógico que isso mexeu comigo.

- Mexeu com você, por que você ainda a ama!

- Não Duda, isso não é verdade!

- Natalia, há um tempo quando conversamos sobre sua ex-namorada que você vivia chamando enquanto dormia, eu senti uma intuição sobre essa história, um alerta me dizia: Duda cai fora antes que você se apaixone! Mas eu ignorei esse alarme, me deixei envolver mais ainda, mas agora está tudo muito claro, mesmo que agora seja tarde demais...

- Tarde demais pra que Duda?

- Pra não me apaixonar por você.

            Natalia ficou sem palavras. Eduarda levantou-se e concluiu:

- Mas eu não vou ceder a essa paixão Natalia, já aprendi o suficiente com meus erros a me proteger dessas armadilhas do meu coração.

- O que você está querendo me dizer com isso?

- Não estou querendo te dizer, estou te dizendo Natalia: não dá mais. Por mais que eu te queira, não vou continuar esse namoro, por que está muito claro o quanto você ainda ama sua ex-namorada, e eu não quero de você menos do que estou te oferecendo.


- Eduarda não faz isso...

- Natalia eu preciso fazer isso, eu sei que vou me machucar se persistir nesse relacionamento com você.


- Mas Duda...  Eu não quero te machucar, eu quero você! Quero amar você!

- A gente não escolhe quem vai amar Natalia, mas são nossas escolhas que definem o lugar de quem amamos em nossas vidas. O que você me mostrou até agora é que sua escolha para Diana é no seu presente, mesmo que diga que ela está no seu passado, suas atitudes revelam outra coisa. Não quero o segundo lugar na sua vida.

- Mas quem está falando em te colocar em segundo lugar?

- Está além da sua vontade Natalia...

- Eduarda você está sendo irracional!

- Não, agora eu estou usando a razão.

            Natalia não se conformou, e ousou se aproximar de Eduarda, apelando para a forte atração que as unia. Depositou um beijo em sua nuca e envolveu sua cintura e sussurrou:

- Eu não vou desistir de você.

            Eduarda sentiu seu corpo estremecer em um esforço sobre-humano resistiu aquele contato de Natalia.

            Frustrada, Natalia deixou o apartamento de Eduarda com um sentimento incômodo de perda e pior, com um remorso ainda mais angustiante por ter magoado alguém como Eduarda.

********

            Rosana disfarçou seu descontentamento com a decisão de Diana com a desculpa de uma enxaqueca insuportável que a deixou completamente indisposta até para o jantar.

- Rô? A tia Alda mandou preparar algo leve para você, coma um pouco.

            Diana acomodou a bandeja ao lado de Rosana na cama.

- Agradeça a ela por mim, mas não me desce nada...

- O que não está te descendo é o fato de eu ficar no Brasil não é?

- Acho que o fato de estar apavorada por medo de te perder...

            Rosana não conteve a voz embargada o que sensibilizou Diana que a abraçou ternamente.

- Você não vai me perder minha querida... Mas, eu não posso deixar que meu pai descarregue a ira dele na Natalia. Você lembra como ela era idealista, forte, ela só estava tentando fazer a coisa certa contra meu pai, e ele vai jogar sujo, até contra a vida dela se for preciso, eu tenho que fazer algo para impedir.

- Como você vai fazer isso?

- Eu ainda não sei.

- Você vai procura-la não é?

            Rosana baixou os olhos, segurando o lençol que a cobria.

- Ainda não sei Rô, farei isso se for preciso, mas somente se for preciso.

            Rosana enxugou as lágrimas ainda de cabeça baixa como se evitasse que Diana as visse.

- Ei honey... Eu só vou ficar mais alguns dias, eu prometo e logo volto pra você. Pra ficar lá te aplaudindo como fã número um que sou sua todas as noites, e depois te levar pra casa e te amar até nos cansarmos e você me acordar com seus exercícios vocais matinais e me fazer comer aquelas gosmas naturais que mais parecem experimento alienígena...

            Diana brincou arrancando um sorriso discreto da namorada.

- Só não te peço pra ficar porque sei o quanto sua agenda está atolada e o quanto você precisa cumpri-la.

- Os meninos estão enlouquecendo com a cantora substituta...

- Eu imagino meu bem, porque você é insubstituível, na minha vida inclusive.

            Rosana encarou Diana com os olhos marejados e tímida desabafou:

- Eu sei que não combina comigo esse comportamento inseguro e adolescente, sei que quando começamos nosso namoro eu estava a par do seu passado com Natalia, conhecia os riscos dessa sua situação mal resolvida com ela, mas no fundo, eu não esperava um reencontro de vocês assim tão rápido, e agora estou apavorada.

- Rô, eu tenho um passado com Natalia, você disse bem. É você que está no meu presente. Não há situação mal resolvida com ela, o tempo se encarregou de resolver isso. Não precisa ficar apavorada, se existir um reencontro com Natalia, não vai mudar nada entre nós.

            Diana beijou Rosana delicadamente, mas, exprimindo toda paixão que sentia por ela, a fim de lhe transmitir toda segurança acerca de suas palavras. Entretanto, Rosana voltou para Nova Iorque apreensiva, temerosa pela intensidade do passado de Diana e Natalia confrontar o presente decretando o fim de sua relação com Diana.

******

            O término do namoro com Eduarda desviou os pensamentos de Natalia de Diana e pela primeira vez em sua vida, a promotora teve que usar de todos os métodos que ela sequer conhecia, para reconquistar Eduarda.

            Como há muito tempo não demonstrava sua veia romântica, Natalia não foi das mais originais nessa tarefa, o que despertava muitas risadas de Carla.

- Eu pensei que lésbicas entendessem mais de mulher...

- Ah Carlinha, qualquer mulher gosta de rosas e chocolates!

- Essa frase é horrorosa sabia?

- Por quê?

- Por que você não está tentando reconquistar qualquer mulher, você está tem que trata-la como única, especial, a mulher que você quer não é qualquer mulher!

- Carlinha você tem certeza da sua sexualidade? Você seria um arraso no mundo lésbico!

- Ah não... Deixe-me com os organismos mais simples da espécie tá? Previsíveis, fáceis de agradar, é uma complicação a menos na minha vida.

            Natalia gargalhou e refletindo o que a amiga disse, concluiu:

- Acho que preciso ser mais incisiva no que quero com Eduarda não é? Ela sempre repetiu que é uma mulher objetiva, que é clara sobre seus desejos, vou falar a língua dela então.

- Você está captando o espírito da coisa chefe.

- Não acredito que vou pedir a ajuda do Fernando! Mas não tem outro jeito. Vou precisar daquela bicha por causa do namorado dele.

*******

            Após a partida de Rosana, Diana se concentrou na sua tarefa de proteger Natalia das armações perigosas do pai, e por mais que pensasse não conseguia achar uma solução que a livrasse do alvo de Acrisio, sem se envolver diretamente com as denúncias e para tanto, fez uma detalhada pesquisa de tudo que fora publicado acerca das acusações que o pai sofrera a fim de se familiarizar com o que enfrentaria.

            Não restando alternativa para alertar a promotora sobre os riscos os quais ela estava exposta, Diana decidiu viajar para São Paulo, precisava conhecer a Verdes Canaviais, apurar por ela mesma o conteúdo daquelas denúncias, quem sabe assim poderia barganhar com o pai, ou ainda no jogo que ele conhecia muito bem: o da chantagem, ela pudesse dissuadi-lo da ideia de ferir Natalia ou alguém de sua família.

            O fato de Diana chegar de surpresa à fazenda do pai foi seu melhor aliado para vasculhar como queria o lugar. Tendo ciência que a própria polícia nada encontrara no mandado de busca e apreensão cumprido dias atrás, Diana percorreu as plantações, o alojamento dos empregados, com os olhos e ouvidos atentos às movimentações dos administradores que pareciam treinados para esconder irregularidades e vestígios de crime.

- A moça vai ficar na casa grande?

            Um dos funcionários perguntou.

- Devo passar a noite aqui, por quê? Algum problema?

- Não senhora! A senhora é a patroa! O senhor seu pai que mandou perguntar.

- Ah, você já foi avisar pro seu patrão sobre minha presença aqui?

- A moça não leve a mal, mas nós aqui só cumpre ordem a senhora entende né?

- Claro que entendo...

            Diana continuou seu passeio ciente que todos os seus passos eram monitorados pelos empregados, que agiam como feitores naquelas terras. O que a loirinha testemunhou nas horas seguintes deu-lhe a certeza sobre a culpa de seu pai nos crimes dos quais fora acusado, e principalmente, dava para Natalia uma boa prova para condenar Acrisio à prisão.

            Observando uma movimentação atípica de ônibus e caminhões chegando a um dos galpões da fazenda, Diana escondeu-se atrás de uma das caminhonetes estacionadas, sacou seu celular e começou a fazer fotos do que ela julgou ser uma atitude suspeita.

            Trabalhadores desembarcavam dos ônibus entregando aos capangas da fazenda seus documentos após assinarem papéis, ao que parecia, contratos e notas promissórias. Aquele calhamaço de papéis fora guardando em um fichário de arquivos no próprio escritório do galpão o qual Diana fez questão de esperar ficar vazio para surrupiar um dos documentos assinados.

            Pelo conhecimento legal que tinha, Diana identificou facilmente a série de  cláusulas abusivas, e pior, o quanto eximia o empregador, no caso seu pai de crimes mais graves.

            Retornando a casa grande da fazenda, apressada para partir, Diana foi surpreendida por Acrisio entrando no quarto onde ela estava acomodada.

- Veio conhecer de perto os negócios da família minha filha?