quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Novo Conto: Leis do Destino


Esse romance é dividido em duas fases.


1º CAPÍTULO

Fumus Bonis Juris

** Fumus Boni Iuris – a fumaça do bom direito, um dos requisitos a ser preenchido quando se busca a antecipação de tutela – decisão de caráter provisório – a fim de se evitar danos irreparáveis até o julgamento final da lide. … a presença de fortes indícios de que se tem um determinado direito alegado, mas cuja situação de fato ainda precisa ser comprovada.

Por: Têmis



Finalmente Natalia viu seu nome no listão da FUVEST. Foram dois anos de dedicação exclusiva a maratonas exaustivas de cursinhos pré-vestibulares de matérias específicas, inúmeros simulados, horas infindáveis de mergulho em apostilas, livros, provas e bizus de vestibulares, o desafio de decorar fórmulas indecifráveis e inúteis fora vencido e o grande sonho da menina do interior finalmente se iniciara: cursar direito na Universidade de São Paulo.

Natalia não se conformaria com nada menos do que um dos melhores cursos de Direito do país, por isso, não iniciara antes sua graduação quando conseguiu aprovação em outras faculdades do Brasil. Para alcançar seu objetivo, abdicou a vida social, até mesmo de qualquer diversão por mais inocente que fosse, e isso não foi tarefa fácil. Nunca fora a mais popular da escola, mas seu jeito descontraído atraiu boas amizades as quais foram responsáveis pelas maiores aventuras na vida da jovem morena de olhos verdes.

Também nunca aceitou a condição de certinha, de CDF. O que lhe definia melhor era a palavra determinação. Nisso ela exibia orgulho. Até aquela fase de sua vida comemorava satisfeita o mérito de sempre ter conseguido tudo o que queria. Suas conquistas nunca vieram fáceis, mas sim, à custa de muito esforço o que lhe dava ainda mais garra para continuar na sua obstinação. Assim foi para conseguir a bolsa de estudos no melhor colégio da cidade, nos cursinhos particulares, nas premiações das olimpíadas escolares. Quando seus pais não dispunham de recursos para lhe patrocinar uma viagem, uma festa, a menina não tinha medo de encarar o batente depois das aulas e conseguir o dinheiro para o que precisava. Foi assim também que conseguiu luxos para uma menina como ela: computador, celular moderno, essas coisas que adolescentes classificam como fundamentais eram sempre oferecidos em concursos de redação, olimpíadas de matemática, as quais Natalia participava com a certeza que conseguiria arrematar os prêmios.

O jeito firme de encarar a vida era motivo de orgulho para os pais da moça. Era a segunda filha de uma família simples de três filhos. O irmão mais velho casara precocemente depois de engravidar a namorada, no interior ainda se preserva o costume de honrar as moças de família com o casamento quando “defloradas”. A irmã mais nova era a caçula tipicamente mimada, nasceu em uma fase mais branda da vida financeira apertada da família, talvez por isso não se sentisse na obrigação de lutar tanto por algo como Natalia estava habituada.

Os pais, o senhor Álvaro e dona Fátima eram comerciantes conhecidos na cidade. Proprietários de uma loja de material de construção viram sua vida financeira melhorar com os incentivos do governo no setor habitacional nos últimos dois anos, fato que pode proporcionar a condição para manter sua filha estudando na capital em condições razoáveis.

Depois das comemorações pelo ingresso na USP, as energias de Natalia se concentraram em achar um bom lugar para morar, de preferência perto do campus, já que não conhecia a maior metrópole do país e aquele medinho de menina do interior dos perigos das grandes cidades por mais escondido que estivesse, residia nela. Seu pai acompanhou-a até São Paulo quando Natalia foi matricular-se, aproveitaram para procurar um apartamento, perto do campus os preços absurdos por uma quitinete simples alarmaram o modesto comerciante.

-- Minha querida, eu não imaginei que fosse tão caro! Não posso arcar com esse valor só de aluguel, ainda tem taxa de condomínio e o dinheiro que preciso enviar para você se manter aqui!

No fundo Natalia concordava com o pai, mas se ressentia pelo fato de não ter dado despesas nos últimos anos e por quase nunca pedir dinheiro, uma vez que até os estudos em colégios particulares, conseguira bolsa de estudos, e quando dependia exclusivamente do dinheiro dos pais para continuar seu sonho, seu pai lhe mostrara o limite.

-- Vou procurar vaga na casa de estudantes pai, não se preocupe.

Com o olhar condoído o senhor Álvaro acompanhou a filha para conhecer as acomodações da casa de estudante, e não gostou do que viu. Por mais simples que fosse nunca deixara faltar nada para sua filha, e deixar que ela residisse naquela casa sem o menor conforto e privacidade nem de longe era o que ele desejava para sua querida Natália.

-- Não minha filha, aqui você não fica! Vamos procurar outro lugar para você, nem que seja mais longe daqui.



E assim, pai e filha peregrinaram pela cidade até encontrar um quarto e sala mobiliados, com um preço acessível, superior aos planos do senhor Álvaro, mas acabou cedendo diante da expressão angustiada da filha.

Dois meses depois Natalia chegava de mala e cuia em São Paulo. Primeiro passo de uma longa trajetória, minuciosamente planejada. Não que fosse uma apaixonada por leis e tribunais, bem verdade que isso também lhe atraía, entretanto, a vontade obstinada de sair daquela cidadezinha do interior e batalhar sua independência era o sonho de Natália desde que se deu conta que aquele marasmo não cabia no seu futuro.

Arrumou tudo do seu jeito caprichado. As dezenas de “tuppeware” amontoados em caixas que dona Fátima fez questão de comprar para o novo cantinho da filha até pareciam charmosos nos armários enferrujados da cozinha. Natalia era pura ansiedade, tinha as melhores expectativas, os planos mais extraordinários para sua nova vida. A ansiedade era tanta que dormir foi tarefa difícil para a caloura.

******

O campus estava lotado, certamente na maioria eram calouros, veterano nunca aparece no primeiro dia de aula, exceto aqueles que desejavam aplicar trote nos “bichos”.

Medo, euforia, desorientação, ansiedade.

Tudo misturado.

Natália experimentou aquele turbilhão de emoções enquanto adentrava pelos portões da universidade à procura do prédio do curso de direito. Encontrar alguém disposto a lhe dar uma informação ali foi difícil, mas arriscou se orientar pelas placas do campus.

O salão de atos estava lotado, o curso de direito era um dos poucos que mantinha a tradição de reunir os discentes na aula inaugural de cada semestre. O desembargador aposentado Jorge Campos proferiu a aula inaugural, depois de se afastar das atividades de desembargador, dedicava-se à docência na universidade que o formou.

Natalia escutou atenta, se lamentando por não poder copiar no caderno tudo que o famoso jurista relatava. Estava realizada, experimentou a sensação de ter escolhido o curso certo, sim seu esforço valeu à pena.

Na saída do salão de atos estranhou a disposição dos alunos encostados lateralmente fazendo um corredor humano, quando associou o que poderia ser aquilo, não tinha como escapar, os veteranos pegaram os calouros para o famoso trote.

O amontoado de alunos espremidos e amarrados por um cordão se transformou em alvo para bexigas cheias de água e tintas, depois de ser coberta por tintas de todas as cores, Natalia relaxou e entrou na brincadeira, o que foi fundamental para se enturmar com calouros e veteranos.

-- Ok bicharada! Segunda parte do trote na república Álibi! – Berrou um estudante mais animado.

Natalia já estava empolgada o suficiente para aceitar convite até pra beber em bar no morro em meio a um tiroteio. Não permitiu que seus receios de menina do interior a impedissem de se envolver nesse mundo novo.

A república Álibi era um sobrado, localizado a poucos quarteirões do campus. Estava lotado como era de se esperar num dia de trote. Natalia se entregou à farra, aceitando todo tipo de bebida que lhe oferecessem. De repente o batido de uma colher no fundo de uma panela convocou o silêncio:

-- Aí galera, aí bicharada, a nossa DJ chegou!

Todos dirigiram os olhares à moça estilosa que exibia pose de estrela acenando para a platéia: loira de cabelos curtos, magra, cheia de estilo com calças folgadas e camiseta colada mostrando sua barriguinha bem definida, na cabeça um chapéu branco Panamá era um charme a mais no seu visual. Diana era seu nome, a DJ distribuiu simpatia montando sua pick-up improvisada, encantando veteranos e calouros, uma em especial: Natália.

Sociedade Secreta Lesbos: Capítulo 32

Capítulo 32



-- Boa tarde Sra. Anderson.

-- Você? O que está fazendo aqui?

-- Acho que temos assuntos a tratar... Posso entrar?

Ao ouvir a voz de Esther, Ellen escondeu-se no banheiro da suíte deixando a porta entreaberta, uma vez que ouvir aquela conversa, era do interesse dela.

Esther entrou no quarto, enquanto Sandra a acompanhava com os olhos, avaliando-a em cada minúcia:

-- Não posso imaginar o que você quer conversar comigo, menina!

-- Notei que não aprovou a vida de Amy aqui, e como conheço pessoas como a senhora, achei justo comunicar que não vou permitir que mesmo sendo sua mãe, estrague a felicidade dela.

-- Mas que petulância! Você não pode se meter assim da vida de minha filha sua...

-- O quê?

-- Ora, menina... Você não tem nada o que fazer aqui... Por favor, retire-se!

-- Sra. Anderson, não pense que a senhora pode pisar em mim como fez com minha mãe...

-- Sua mãe? Do que você está falando?

- Minha mãe, que a senhora conheceu tão bem: Carmem Gonzalez.

Sandra Anderson pareceu ouvir um nome amaldiçoado. A cor sumiu de seu rosto, os olhos verdes arregalaram-se numa expressão de espanto. Com a voz trêmula, Sandra indagou:

-- Mas... Não sabia que você ainda estava viva... Depois do acidente... As informações que tive é que não houve sobreviventes...

-- Meu pai me tirou do carro, quando voltou para tentar salvar o tio Joseph, o carro explodiu e...

-- Wiliam morreu...

-- É... Assisti tudo... Não pude fazer nada... Caminhei pela estrada, fui resgatada por um padre de uma capela próxima, como não tinha mais ninguém para cuidar de mim, fiquei no orfanato que o mesmo padre administrava. Por muito tempo ninguém me procurou, só 5 anos depois meu avô Antonio me encontrou e me tirou do orfanato.

Sandra Anderson sentou-se com os olhos marejados, chocada com o que estava ouvindo. Olhou para Esther dessa vez com mais atenção e menos raiva, e comentou:

-- Olhando bem pra você... Não há como negar... Lembra muito sua mãe, mas seus olhos são iguais aos de Wiliam... Mas, por que você não procurou nossa família... Você tem direitos...

-- Não quero nada da sua família... Você e os Anderson já fizeram mal o suficiente para minha mãe e para mim também.

-- Esther... Eu... Não sei o que dizer, mas... Sua mãe também me fez muito mal... Apenas me defendi...

-- Sra. Anderson, não vai falar da minha mãe... Ela está morta! Agora sim não temos mais nada a dizer, já avisei, respeite as decisões de sua filha...

Esther saiu segurando o choro, não permitiria que Sandra Anderson a visse desabar. Esta, por sua vez, sentia suas carnes tremerem, tamanho o abalo por ter encontrado um pedaço do seu passado na filha de Carmem Gonzalez, filha a qual Sandra julgava ter morrido no acidente de carro no qual Wiliam e Joseph Anderson morreram há mais de dez anos.

Ellen ainda digeria o que acabara de ouvir, maquinando como aquela informação seria útil para seus planos. Saiu do banheiro encontrando Sandra atônita, trouxe-lhe um copo de água e perguntou:

-- A senhora está bem?

-- Sim... Só um pouco surpresa... Ellen, peço que espere um pouco para colocar em ação esse seu plano... Entrarei em contato, agora, por favor, me deixe sozinha.

Na mansão gama-tau, Amy subiu as escadas às pressas à procura de Esther, frustrou-se ao não encontrar sua amada em seu quarto. As outras irmãs de fraternidade foram as primeiras a ver seu presente, vibraram junto com Amy, que se impacientava por Esther não chegar logo. Passada quase uma hora, o coração de Amy acelerou ao ouvir o ronco da motocicleta de Esther se aproximar, e correu em direção a morena tão logo ela estacionou:

-- Minha linda, olha o que eu ganhei!

Esther sorriu amarelo sem conseguir disfarçar seu abalo, mas não podia contar o motivo para Amy, respondeu desanimada:

-- Que bom, linda, você merece...

-- Ah, vamos lá, estava te esperando pra dar uma volta comigo... Estrear meu carro novo, vamos?

-- Amy, desculpe-me, não estou me sentindo muito bem, vamos deixar pra outro dia?

-- Mas, Esther, estava só esperando você...

-- Desculpa, Amy...

A morena entrou na mansão sem olhar para trás, subiu direto para o seu estúdio, sentou em frente ao piano e uma canção triste, conhecida das veteranas soou pela casa.

Rachel reconhecia de longe aquela música, era uma composição de Esther para seus pais, logo deduziu que algo despertara as lembranças do seu passado trágico.

Amy perdeu toda empolgação com a frieza de Esther, já estava nas escadas, quando Laurel a chamou:

-- Amy... Quero estrear o seu presente, vamos lá...

-- Ah, irmã... Fica pra outro dia, vou ver o que Esther tem, ela estava estranha.

-- Uma dica: está ouvindo essa música?

-- Sim... Vem do estúdio, deve ser Esther tocando... Vou subir.

-- Amy, a Esther sempre toca quando quer ficar sozinha; essa música, ela fez para seus pais.

-- E o que tem de triste nisso?

-- Amy... Você não sabe? Esther perdeu os pais ainda criança, primeiro a mãe, de a um câncer, depois seu pai em um acidente.

-- Bom... Sabia que ela havia perdido o pai, já que o barco é herança dele... Mas não sabia que havia sido tragicamente assim... Nossa, não sei quase nada dela... E estou assim, tão apaixonada...

O rosto de Lauren parecia encher-se de tristeza ao ouvir isso da loirinha, e retrucou:

-- Apaixonada? Mas... Pensei que fosse tudo apenas uma provocação...

-- No começo sim, Laurel... Mas agora... Até enfrentei minha mãe, e revelei que estou apaixonada por Esther.

A ruiva tentou disfarçar, mas a decepção no seu rosto era evidente. Pediu licença a Amy reiterando o conselho de deixar Esther sozinha, e saiu da mansão caminhando sem destino pelas ruas das fraternidades. Uma cena chamou-lhe a atenção: Ellen conversando intimamente com uma das meninas da fraternidade, uma das muitas que Esther já teve caso... A cena era incomum uma vez que para ambas estarem conversando fora da mansão, deveria ser mesmo algo muito secreto que nem as irmãs de fraternidade poderiam desconfiar.