segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

LEIS DO DESTINO: 1ª FASE - capítulos 40 e 41

CAPÍTULO 40: Suo tempore

No momento oportuno.

                Mais um semestre letivo se iniciava. Com quase três meses de atraso por conta de uma demorada greve, os estudantes retornavam às suas atividades depois de apenas quinze dias de recesso, do semestre anterior que se encerrara em março de 2004.

                Diana finalmente chegara ao semestre de Prática Jurídica, depois da façanha histórica de passar em IED com média dez para o desespero de Dorothea que perdera seu alvo preferido de tortura. Sem entraves das disciplinas de pré-requisito já concluídas, seu curso avançou sem problemas.  Sua carreira de DJ não teve espaço depois que a fotografia passou de hobby e sonho para uma profissão bem remunerada, proporcionando um razoável acúmulo de economias que seria bastante útil nos seus planos após sua formatura.  Diana  alcançava notoriedade no meio da moda como o primeiro editor que lhe deu uma chance previu, entretanto, Julia continuava a ser sua ponte para a fotografia artística, seu trabalho no site lhe conferiu certo prestígio entre os artistas plásticos, lhe rendendo outros convites interessantes que enriqueceram seu currículo.

                Lucas se formara junto com o irmão no semestre anterior, continuava morando em São Paulo, preparando-se para o exame da ordem, mas, obviamente não mais na Álibi. Dividia um apartamento com Pedro que se recuperou quase totalmente da amnésia, este se preparava para seleção de mestrado na mesma universidade que se graduara, concomitantemente estudando em cursinhos preparatórios para concursos e para sua habilitação.

                Natália conseguiu o que queria ao menos ao que se referia aos estudos. Desgastada com os relacionamentos que teve, mergulhou sua vida nos livros, envolvendo-se em monitorias, atividades de extensão e pesquisa, tornando sua trajetória acadêmica brilhante, bem como estava nos seus planos ao chegar a São Paulo.

                A rotina e o tempo trataram de encaixar no contexto da normalidade os personagens que compuseram o conflituoso primeiro semestre de Natalia na faculdade. O saldo do quadrado amoroso formado pelos gêmeos, Diana e Natalia, foi uma amizade findada entre a loirinha e seus ex-melhores amigos, a desilusão amorosa de Pedro que não conseguira reconquistar Natalia, esta lhe dedicava apenas a simpatia e gratidão já conhecidas pelo seu heroísmo, a amargura de Lucas por ter sido repetidas vezes rejeitado por Natalia deu lugar também a um sentimento de revolta e despeito por Diana, o que impossibilitou até mesmo de cumprimentá-la ao encontrá-la pelo campus. Quanto a Diana e Natalia, o tempo e a rotina foram vilões que sentenciaram o distanciamento das suas vidas. Encontravam-se no campus raramente, não cursavam mais disciplinas juntas, os compromissos profissionais de Diana a afastou das festas e eventos do curso, restringindo ainda mais os encontros com Natalia, que a contragosto era arrastada pelas meninas da república para essa badalação acadêmica.

                As poucas vezes que o acaso as sorteava com um encontro toda avalanche de sensações e sentimentos as acometiam como se fosse à primeira vez, como se o amor à primeira vista se prorrogasse a cada novo olhar novo sorriso. A paixão latente, o amor contido dividia as almas de ambas que também provavam o dissabor ambíguo de também se sentirem estranhas uma a outra, se contentando em acompanhar suas vidas através de terceiros, de notícias superficiais de amigos em comum, cumprindo uma penitência imposta por regras que elas sequer aceitavam e mesmo assim se submeteram.

                Por muitas vezes, em segredo, à espreita, Diana assistiu disfarçada, jogos de vôlei onde Natalia jogava, fotografava, e passava horas revelando cada foto, acariciando-as sentindo seu peito ser apertado pelo vazio que a ausência de Natalia causava em seu ser.

                Natalia por diversas vezes voltou da porta do prédio de Diana, se auto condenando como criminoso que subverteu uma ordem de restrição. Resistiu à tentação de vê-la tocando em alguma boate temendo principalmente encontrá-la com outra pessoa, uma vez que a frase que ela dissera no último encontro ecoava em seus pesadelos: “não vou te esperar para sempre”.

                É bem verdade que Diana tentou não esperar, mas foi incapaz de se relacionar com alguém por mais de uma noite, e ainda sim quando fazia, era necessário imaginar naqueles rostos, naqueles corpos, a imagem de Natalia.

                A aversão a homens e o amor por Diana, afastou Natalia de qualquer contato amoroso com homens ou mulheres. Apesar de seus traumas desencadeados por Sandro e depois por Pedro estarem sendo bem tratada com a terapia de Rosana, Natalia ainda não se sentia pronta para outra pessoa, talvez pelo motivo mais óbvio: amava Diana, e desejava ela e mais ninguém.

                Sem saber, Rosana era um elo entre Natalia e Diana. Sua ética profissional impedia a psicóloga de revelar uma para outra quão forte e presente o amor ainda existia entre elas, mesmo com quase um ano de distância. Esse elo ficou ainda mais evidente quando uma daquelas coincidências que o destino arma provocou o reencontro de Diana e Natalia.

                Natalia saiu do consultório de Rosana, distraída, procurando em sua mochila o celular que tocava, certamente era Carla apressando-a para fazer as compras mensais da república. De cabeça baixa andando ainda à procura do aparelho, não viu a placa alertando sobre o piso molhado à frente, e derrapou pelo corredor atingindo uma moça loira que caminhava pelo corredor equilibrando dois copos de alguma bebida escura a qual voou sobre suas cabeças no momento do impacto das duas.

                Coberta do líquido, aparentemente um achocolatado, Natalia sentiu o efeito da queda em seus músculos, e do chão ouviu a faxineira exortá-la:

-- Você não tem o costume de ler placas mocinha?

                Uma voz conhecida debochou:

-- De onde ela vem as placas só dizem: zona rural a 100metros e fim da zona urbana logo em seguida...

                Natalia ergueu os olhos disposta a despejar desaforos a uma desconhecida abusada vitimada pela sua distração. Mas, sua raiva se desfez ao se deparar com Diana lhe sorrindo, oferecendo a mão para lhe ajudar a levantar-se.

                Um sorriso abobado escapou imediatamente dos lábios de Natalia, e aceitando a ajuda, segurou a mão de Diana que a puxou com força, deixando seus corpos muito próximos ao erguê-la.

-- Você me deve dois chocolates gelados. – Diana disse em tom jocoso.

-- Você está fazendo bico de traficante de guloseimas para os pacientes desse hospital agora?

-- Não é para pacientes! Você sempre pensa o pior de mim não é? – Diana brincou.

-- Não seja dramática vai...

-- Sério? Nem mesmo um pedido de desculpas?

                Diana fez charme, riscando o piso com seu All Star colorido, espalhando o conteúdo derramado.

-- Tudo bem desculpa. Peça desculpas por mim também pra dona do outro chocolate.

                Natalia disse disfarçando sua curiosidade.

-- Ah, ela vai te desculpar sim... Ela é treinada para desculpar e ensinar os outros a perdoarem também...

-- Nossa, ela é freira?

-- Não... Psicóloga. Era para Rosana, cai na besteira de dizer pra ela que estava perto da Starbucks ela exigiu que eu viesse deixar um chocolate para ela... Vou só esperar ela desocupar para contar a tragédia.

-- Ela já está desocupada, eu era a última paciente.

-- Você é paciente da Rosana? – Diana perguntou surpresa.
-- Há mais de um ano.

                Diana sorriu incrédula.

-- Algum problema com isso?

-- Claro que não, bom para você está fazendo terapia...

-- É, tem me feito muito bem.

-- Bom... Então é isso...

-- Preciso ir, a Carla está impaciente me esperando no supermercado.

                Um clima tímido entre as duas se instalou, como se as palavras precisassem ser controladas para não entregar os sentimentos intensos submersos naquele encontro.

-- Não vou te prender então.

                 Diana fez menção de se afastar quando Natalia praticamente rompeu o peito transpondo seus medos e barreiras interiores e perguntou:

-- Diana? Posso te ligar uma hora dessas?

                Segurando um sorriso inesperado de felicidade, Diana disse num tom melancólico:

-- Você sempre pode Nat.

                As duas trocaram um sorriso, andando de costas, como se não quisessem se separar, evidenciando o comportamento ridículo de qualquer pessoa apaixonada na expectativa do melhor pela frente.

                Com o sorriso bobo no rosto Diana entrou no consultório de Rosana.

-- Se o pessoal do controle de infecção hospitalar descobrir que tem passarinhos verdes soltos pelo hospital... – Rosana comentou deduzindo o que poderia ter acontecido.

-- Han?

-- Deixa pra lá. Onde está meu chocolate gelado?

-- Houve um pequeno acidente no corredor...

                Diana foi se justificando e recordou que fora manipulada pela psicóloga e aumentou o tom de voz gradativamente.

-- Com certa paciente sua que por acaso é o motivo de você ter me feito vir até aqui no seu expediente com um desejo descabido de tomar chocolate! Ah Doutora Rosana essa você me paga!

                Diana arremessava os papéis da mesa no rosto de Rosana que se desviava em meio às próprias gargalhadas.

-- Você sabia que vindo essa hora eu a encontraria de alguma forma não é? Como você me escondeu durante um ano que estava fazendo a terapia da Natalia?!

-- Está louca? Sou uma profissional séria ow sua maluca!

-- Seríssima! Usou minha boa vontade pra armar esse encontro! Você é maquiavélica!

-- Ah, não uso meus poderes para o mal sua má agradecida! Não posso falar dos meus pacientes, mas nada me impede de fazer meus pacientes se encontrarem por acaso.

-- Um ano Rosana! Você me viu sofrendo por ela um ano! Por que não provocou antes esse encontro?

-- Por que pra tudo tem um momento oportuno minha cara... Aprenda isso.

-- Então... Você está me dizendo que... A Natalia está pronta pra viver nossa relação?

                Diana chegou a gaguejar emocionada com sua dedução.

-- Isso só quem pode dizer é ela.

*************

                Natalia não dividia mais o quarto com Carla na república, com a conclusão do curso por duas outras meninas, como combinado, Natalia herdou um quarto por assim dizer. E essa herança foi o cenário de uma dúvida que lhe consumiu toda noite, enquanto encarava seu celular com o número de Diana no display.

                Seria muito cedo para ligá-la? Ora, faziam apenas algumas horas que elas se falaram, vai parecer desespero... E afinal, o que havia entre ela e a doutora Rosana? Tanta intimidade, porque Diana atravessaria toda cidade só para levar uma guloseima para ela? Seria um gesto romântico? E se já fosse tarde demais? Ela mesma disse que não esperaria a vida toda, já se passou mais de um ano. Agora ela fazia carreira de fotógrafa em meio a modelos espetaculares, festas badaladas, o que ela ia querer com uma caipira cheia de problemas? Dezenas de perguntas angustiavam e minavam a coragem de Natalia tomar a iniciativa de procurar Diana.


                A manhã chegou sem que ela sequer se desse conta, deve ter cochilado poucas horas, e despertou exatamente do mesmo jeito do jeito que estava na noite anterior: angustiada, ansiosa com o celular na mão.

                Era sábado, e o time de vôlei do curso reiniciaria seus treinos. Natalia seguiu para a quadra do campus ainda distraída com seus pensamentos conectados na vontade incessante de procurar Diana.

                A loirinha mal conseguiu fazer companhia a Rosana no Mess durante a noite, se pegando por diversas vezes vigiando seu celular na esperança de atender a chamada de Natalia. Num gesto incomum, levantou-se cedo naquele sábado, revivendo o encontro do dia anterior com sua amada, se deliciou com as lembranças do seu sorriso, do seu cheiro que ressentiu quando ela se aproximou e supôs que naquele momento a encontraria no treino de vôlei. Durante aquele ano, Diana frequentou em segredo tais treinos a fim de assistir como fã apaixonada os lances de Natalia em quadra. Não teve dúvidas, arrumou-se abusando do seu estilo e rumou para o campus.

                Pela força do hábito, Diana tentou ficar imperceptível pela arquibancada, pelo túnel de acesso, disfarçando qualquer olhar curioso. Entretanto, Carla a reconheceu, e em quadra ao lado de Natalia não perdeu a oportunidade de compartilhar o estranhamento à presença da loirinha ali.

-- Estou vendo direito? Aquela é a Diana?

                A hora para o comentário não poderia ter sido pior. Carla indagou no momento em que a equipe adversária sacava justamente em cima de Natalia que estava ao fundo da quadra e instintivamente olhou na direção que a amiga apontou, sendo acertada em cheio na cabeça com o saque violento da ponteira adversária.

-- Meu Deus, Natália!

                Carla berrou quando viu a colega desabar na quadra. Em um reflexo óbvio, Diana saiu do suposto anonimato e correu para quadra se ajoelhando ao lado de Natalia.

-- Nat! Está me escutando?       

                Carla tentava chamar atenção da amiga que permanecia estatelada ao chão, apertando os olhos encarou com dificuldade a forma do rosto que lembrava o de sua amada. Estaria alucinando ou era mesmo Diana ali aos seus pés?

-- Diana?

                Natalia perguntou franzindo a testa esfregando-a, atestando a protuberância consequente da pancada ali.

-- Procure não se mexer, foi uma pancada forte.

                Diana respondeu para Natalia ter a certeza de que era ela mesma ao seu lado. Outra jogadora chegou trazendo uma bolsa de gelo a qual Carla se precipitou em posicionar sobre o hematoma.

-- Estou bem meninas, não precisam se assustar.

                Natalia se sentou a contragosto de quem a assistia. Fernanda tratou de dispersar as outras pedindo que o material do treino fosse guardado, já que o horário dos meninos usarem a quadra já chegara. Carla se levantou fazendo menção de ajudar Natalia a fazer o mesmo:

-- Vamos sua tonta, cuidar desse chifre aí sua cabeça dura!

                Diana também se pôs de pé e estendeu a mão para Natalia:

-- Deixe-me te ajudar.

                Natalia aceitou, entretanto, a tontura provocada pelo incidente obrigou Diana a segurá-la forte pela cintura impedindo a garota de cair, colando seus corpos de uma maneira perturbadora para ambas.

                Carla observou a cena e suas suspeitas foram reavivadas e interrompeu o clima:

-- Está tonta mesmo não é? Vamos, eu te ajudo.

                Querendo protelar aquele contato Natalia hesitou em se afastar e Diana permaneceu segurando-a, quando Ricardo chegou à quadra chamando a namorada:

-- Estou atrasado?

                O rapaz cumprimentou a namorada alheio à cena.

-- Não meu querido. Vamos passar na república e deixar a Natalia, ela tentou jogar futvolei e não se saiu bem.

                A garota brincou arrancando uma careta de Natalia.

-- Pode deixar Cacá, eu levo a Natalia.

                Diana se apresentou solícita. Carla acenou em acordo e saiu da quadra com o namorado.

-- Então, consegue andar em linha reta?

                Natalia sorriu e respondeu:

-- Aí é querer demais não acha?

-- Então vamos em zig zag mesmo.

                A troca de olhares deixou as duas tímidas, especialmente pelo esforço de conterem o desejo implícito em cada toque acidental das peles. À porta da república, Diana anunciou:

-- Pronto, está entregue moça. Tente se manter de pé, acho que sua cabeça dura precisa de um descanso hoje.

                Natalia sorriu e balançou a cabeça positivamente. Tímida, abriu a porta do carro, mastigando a vontade de mentir a desculpa de que não se sentia bem, para forçar a gentileza de Diana em ficar mais tempo com ela. Mas, só conseguiu dizer:

-- Obrigada pela carona.

-- Não por isso.

-- Não sabia que você assistia treinos de vôlei.

-- Ah... Não assisto, estava passando por acaso.

                Diana ruborizou dissimulando seu “delito”. Reconhecendo seu talento em ler a loirinha, Natalia sorriu se enchendo de esperanças de ser o motivo pelo qual Diana fingia o acaso em estar em pleno sábado no campus. Fez menção em sair do carro, mas antes continuou seu jogo inocente de sedução:

-- E sobre aquele telefonema... Ainda posso te ligar uma hora dessas?

-- Claro que sim, quando quiser.

                Natalia desceu do carro e viu Diana arrancar devagar. Não esperou a loirinha se afastar nem dois metros e sacou seu celular, fazendo o que desejou durante os últimos intermináveis meses:

-- Diana?

                Com o coração saltando à boca e um sorriso emocionado a loirinha parou o carro e respondeu:

-- Pois não.

-- Você disse que eu podia ligar quando quisesse...

CAPÍTULO 41: Res non verba
Fatos e não palavras. Citada quando se pleiteia a ação imediata e não promessas. 


                Com a respiração acelerada, Natalia caminhou para o interior da republica, procurando as melhores palavras para continuar aquele telefonema:

-- Está ocupada agora?

-- Não. Já cumpri minha tarefa de boa moça hoje, socorrendo uma caipira ferida.


-- Importa-se em dar meia volta e me ajudar a achar meu quarto? Ainda me sinto tonta.


                Diana não pensou duas vezes. Estacionou o carro e correu em direção à república, encontrando Natalia à porta. Os olhares expressaram tudo. O brilho deles denunciava o que ambas lutavam para controlar. Mas tal luta foi vencida pelo desejo, pela paixão e pelo amor que rompeu qualquer fosso que o tempo e a distância pudesse alargar e Diana avançou em direção a Natalia jogando por terra o mínimo vestígio de dúvida sobre a intensidade do sentimento que as unia com um beijo apaixonado, completo, visceral.


                A fusão das bocas, a exploração das línguas parecia coadjuvante diante da emoção experimentada pelas almas embebidas na intemperante ânsia de se entregarem uma a outra como se jogadas a seu carma, ou simplesmente pela necessidade de cumprir seu intento, abraçar seu destino em estarem unidas.

                Tanto para falar, mas tão pouca disposição para interromper a linguagem transcendental dos sentidos. A saudade tonante conduziu o casal até o quarto de Natalia, que livre de pudores empurrou Diana para sua cama e em seguida sentou-se sobre os quadris da outra com suas pernas encaixadas ali, se desfez da sua camiseta e jogou seu tronco contra o de Diana, com uma volúpia que inflamou a níveis incontroláveis o corpo da loirinha.

                Amor e paixão, corpo e alma, razão e vontade estavam prontos, fundidos naquele harmonioso movimento de mãos, bocas, seios, quadris. Desnudas, transformaram aquela reconciliação em uma excitante coreografia. Diana se derramou no roçar dos sexos, Natalia se deixou inundar no veemente prazer molhado entre suas pernas. As peles quentes, os gemidos roucos e as declarações de amor entrecortadas por gritos de prazer culminaram com o ápice em comum, manifestado pelos músculos trêmulos, os espasmos intermitentes e sorrisos absolutamente libertos.


                O silêncio falou muito naquela cama. Diana e Natalia abraçadas trocaram carícias delicadas na face e colo enquanto mergulham no olhar uma da outra. Olhares honestos, puros que sorriam a sensação plena de felicidade.

-- Eu senti tanto sua falta Di... Meu peito parecia sufocar roubar minha respiração...

-- E quanto a mim, desejava roubar você dos meus próprios sonhos, te arrancar das minhas lembranças e te abraçar e nunca mais deixar você se afastar.

                Diana abraçou Natalia com a força que descrevera e cochichou com a voz embargada:

-- Não vou deixar você se afastar de mim nunca mais... Eu te amo.

                Comovida Natalia sorriu, segurou o rosto de Diana e disse:

-- Não vou me afastar de você meu amor, quero estar com você assim todo tempo, grudadinha no seu corpo.

                Natalia beijou Diana com ternura, transmitindo a mais absoluta segurança daquelas palavras. Nesse instante a porta se abriu, e Carla foi entrando dizendo:

-- Não é possível que você ainda esteja dormindo Nata... Ai meu Deus!

                Carla tomou um susto e tapou os olhos com as mãos ao ver as amigas nuas na cama. Enquanto Natalia e Diana puxavam os lençóis a fim de se cobrirem.

-- Eu e essa minha mania de entrar sem bater... – Carla pensava alto completamente constrangida.

-- Cacá nós estamos cobertas pode tirar a mão dos olhos. – Natalia disse enquanto se vestia por baixo dos lençóis.

-- Eu... Eu vou deixar vocês à vontade...

                Diana foi a primeira a levantar, vestindo apenas a camisa e a calcinha acudiu a colega aturdida pela situação. Trancou a porta e se aproximou de Carla dizendo:

-- Você nos encontrou completamente à vontade, esse não é o problema. – Diana brincou.

-- Ok tem algo errado aqui. Muito errado. Parece que entrei numa cena do jogo dos sete erros, e já achei o que não faz parte dessa cena: você Diana! Como assim?

                Carla brincou ainda incrédula com o que via. Natália se levantou, envolveu seus braços no pescoço de Diana e disse:

-- Não tem nada errado Cacá. Agora está tudo mais do que certo.

                Beijou Diana depois de encará-la apaixonadamente.

-- Eu sabia! Quer dizer... Eu suspeitei. Ai merda! Esse meu gaydar ainda vai comprometer minha heterossexualidade!

-- Como assim você suspeitava?

-- Eu achei que era coisa da minha cabeça, o desconforto entre vocês quando estavam no mesmo ambiente, os olhares, quando vi a Diana fotografando você em um dos nossos treinos eu tive certeza, mas achei loucura por que você estava sempre comigo, quando se encontrava com ela?

-- Como assim me fotografando no treino?

                 Natalia perguntou sorrindo para Diana que fazia careta como quem fora pega em flagrante.

-- Meu amor, você fez isso? – Natalia insistiu.

-- Hurrum. – Diana respondeu tímida.

                As duas se encararam de novo e aproximaram os rostos para mais um beijo quando Carla as interrompeu:

-- Alouuu, estou aqui ainda! Dá pra parar de se pegarem na minha frente?

-- Por que Cacá? Ciúme ou inveja? – Diana brincou.

-- Nenhuma coisa, nem outra! Diana!

                Carla estapeou o braço de Diana.

-- Como foi isso? Diana você roubou a namorada do seu amigo? Mas... Então foi por isso que a amizade entre vocês acabou não é?

-- Se alguém roubou a namorada de alguém, foi exatamente o contrário, mas, é uma longa história, a Nat te conta depois com calma. Linda, preciso ir, passo a noite para sairmos, tudo bem?

-- Claro meu amor.

******

-- Que lugar é esse?!

                Natalia disse olhando em volta.

-- Um pedaço de um pub londrino mesclado a outro pedacinho de um reduto cultural de Nova York... Um dia te levo a esses lugares para você concordar comigo.

-- Mess? Quer dizer bagunça não é?

-- Isso, mas é uma bagunça organizada, você vai ver.

                Diana segurou Natalia pela mão e a levou até o bar, apresentando-a a John. O clima de romance entre as duas era tão suave e doce, a cumplicidade era tão natural que nem parecia que ficaram tanto tempo separadas.

                A surpresa da noite ficou por conta de Natalia, ao ver sua psicóloga comandando As anfíbias. Depois do choque, e de alguns minutos boquiaberta, a moça se entregou ao carinho de Diana que assistiu ao show inteiro ao seu lado, hora envolvendo sua cintura, e beijando seu pescoço, hora puxando-a para dançar.

                Rosana de cima do palco deu seu jeito de enviar seu apoio à reconciliação que tinha seu dedo, ou seria sua flecha?

 


Equalize

Pitty

Às vezes se eu me distraio
Se eu não me vigio um instante
Me transporto pra perto de você
Já vi que não posso ficar tão solta
Me vem logo aquele cheiro
Que passa de você pra mim
Num fluxo perfeito
Enquanto você conversa e me beija
Ao mesmo tempo eu vejo
As suas cores no seu olho, tão de perto
Me balanço devagar
Como quando você me embala
O ritmo rola fácil
Parece que foi ensaiado
E eu acho que eu gosto mesmo de você
Bem do jeito que você é
Eu vou equalizar você
Numa frequência que só a gente sabe
Eu te transformei nessa canção
Pra poder te gravar em mim
Adoro essa sua cara de sono
E o timbre da sua voz
Que fica me dizendo coisas tão malucas
E que quase me mata de rir
Quando tenta me convencer
Que eu só fiquei aqui
Porque nós dois somos iguais
Até parece que você já tinha
O meu manual de instruções
Porque você decifra os meus sonhos
Porque você sabe o que eu gosto
E porque quando você me abraça
O mundo gira devagar
E o tempo é só meu
E ninguém registra a cena
De repente vira um filme
Todo em câmera lenta
E eu acho que eu gosto mesmo de você
Bem do jeito que você é
Eu vou equalizar você
Numa frequência que só a gente sabe
Eu te transformei nessa canção
Pra poder te gravar em mim (2x)


                E na mesma frequência Diana e Natalia deram continuidade ao namoro. Não fizeram alarde sobre estarem juntas, não precisavam da aprovação ou consentimento de alguém, se preservaram pelo simples fato de manterem sua privacidade a salvo, no entanto, não saíram da condição de rivais diante dos colegas de faculdade, estavam sempre juntas, motivando o surgimento de especulações e fofocas, que àquela altura pouco importava para ambas.

                Carla precisou de alguns dias para processar aquela informação, mas logo apoiou as amigas e mais que isso as protegia, recomendando a Ricardo que não comentasse ainda com os amigos Lucas e Pedro sobre o novo casal da turma.

                A rotina tomou uma nova conotação entre elas. Nada era comum, cada beijo, cada declaração de amor, cada gesto simples era algo extraordinário. Estavam na vida uma da outra intrinsecamente, vislumbrando um futuro juntas. Construíram planos, sonhos, e o mais importante acreditavam na realização de cada um deles. A mãe de Diana monitorava de perto o namoro, cobrindo as duas de recomendações, conselhos e exortações. Cada vez que Natalia precisava voltar para república Diana protestava, fazendo tais momentos constantemente raros.

                Foram semanas tranquilas, doces, os quais encheram Natalia e Diana de esperança sobre sua vida juntas. Semanas que despertaram ilusões, despertaram a ingenuidade sobre um relacionamento livre de preconceitos e empecilhos.

                Em uma tarde de domingo, enquanto Diana estava deitada no colo de Natalia que compenetrada lia um livro afagando os cabelos da outra, um assunto veio à tona depois de uma observação da loirinha.

- Amor, suas roupas estão ocupando metade do meu guarda-roupa acho que preciso me desfazer de umas coisas...

- Hurrum.

-- Acho que posso colocar uma escrivaninha lá no quarto para você, perto da janela, é melhor do que você estudar aqui na sala não é?

-- Hurrum amor.

-- E aqui estão suas chaves.

-- Hurrum...  – Natalia pausou por segundos indagando em seguida - Han? Minhas o que?

-- Suas chaves. Como você vai entrar em casa quando eu estiver trabalhando?

-- Mas...

                Natalia jogou o livro sobre o sofá, retirou os óculos de leitura e encarou Diana com uma interrogação na face.

-- Você está tentando me dizer alguma coisa Di?

-- Está tão óbvio assim? – Diana brincou.

-- Acho que você precisa ser mais clara... – Natalia segurou um sorriso emocionado.

-- É que eu acho que sua mochila já está muito gasta pra você ficar sacrificando a coitada entupindo-a de roupas, sapatos, livros... É por pena da sua mochila mesmo, acho que você deveria aposentá-la desse cargo e deixar suas roupas aqui de vez, a maioria já está aqui mesmo...

                Natalia balançou a cabeça negativamente deixando um riso iluminar seu rosto.

-- Esse é o seu jeito romântico de me convidar para morar com você meu amor?

-- Aaaff... – Diana revirou os olhos. – Tudo bem protagonista de novela das seis... Você quer um pedido romântico?

-- Naturalmente! E olha que estou te dispensando da viagem ao interior para pedir ao meu pai... – Natalia fez pose direcionando o rabo de olho para Diana.

                A loirinha se levantou para em seguida se ajoelhar diante de Natalia sentada no sofá.

-- Natalia Ferronato Martins, a senhorita me daria a honra e imensa felicidade de compartilhar comigo esse pequeno espaço de seis cômodos, ocupar o lado direito da cama, aquele virado para a janela, tomar posse de duas gavetas do meu guarda-roupas, encher minha geladeira com frutas e verduras e seus tuppewares irritantemente organizados, e deixar seu perfume o dia todo espalhado pelos meus lençóis, travesseiros... Enfim, quer morar comigo meu amor?

                Natalia que já desistira de conter as lágrimas, respirou profundamente tentando achar controle para falar, suspirou alto e perguntou:

-- Só duas gavetas do guarda-roupas?

                Diana deixou escapar um sorriso ansioso.

-- Podemos misturar nossas calcinhas na mesma gaveta... Só se você me prometer não guardá-las em saquinhos de pano!

-- Combinado.

-- Então...

                Diana esperou aflita a resposta de Natalia.

-- Você tem alguma dúvida do meu sim?

                Natalia puxou Diana pela gola da camiseta, arrancando um beijo sôfrego, fazendo a loirinha se sentar em seu colo com as pernas abertas.

-- Isso é um sim?

                Diana mordiscou os lábios de Natalia, intercalando com beijos delicados.

-- Sim, sim, sim.

                Natalia abraçou Diana, procurando espaço pelo seu pescoço para acariciá-lo com sua língua. Antes de coroar aquele momento especial entre as duas, Natalia interrompeu as carícias quentes e interrogou:

-- Você não vai me dar nenhum anel? Que pedido foi esse?

-- Não foi um pedido de casamento...

-- Não?

-- Ainda não... Você ainda tem que passar em alguns testes.

                Natalia fez cara de poucos amigos.

-- Mas, se um anel é importante para você... Não tenho, mas, deixe-me pensar... Você tem um segundo furo na orelha?

-- Sim...

                Diana tirou da sua orelha uma pequena argola com minúsculos brilhantes e substituiu o brinco simples que estava na orelha de Natalia por ela.

-- Pronto, eis as nossas alianças de brilhante.

                Natalia se jogou nos braços de Diana numa entrega emocionada, marcando aquele momento para sempre nas suas vidas.