LEIS DO DESTINO: 1ª FASE

PRIMEIRA FASE DO ROMANCE : LEIS DO DESTINO



CAPÍTULO 1: FUMUS BONI IURIS

* Fumus Boni Iuris – a fumaça do bom direito, um dos requisitos a ser preenchido quando se busca a antecipação de tutela – decisão de caráter provisório – a fim de se evitar danos irreparáveis até o julgamento final da lide. É a presença de fortes indícios de que se tem um determinado direito alegado, mas cuja situação de fato ainda precisa ser comprovada.

                Finalmente Natalia viu seu nome no listão da FUVEST. Foram dois anos de dedicação exclusiva a maratonas exaustivas de cursinhos pré-vestibulares de matérias específicas, inúmeros simulados, horas infindáveis de mergulho em apostilas, livros, provas e bizus de vestibulares, o desafio de decorar fórmulas indecifráveis e inúteis fora vencido e o grande sonho da menina do interior finalmente se iniciara: cursar direito na Universidade de São Paulo.

                Natalia não se conformaria com nada menos do que um dos melhores cursos de Direito do país, por isso, não iniciara antes sua graduação quando conseguiu aprovação em outras faculdades do Brasil. Para alcançar seu objetivo, abdicou a vida social, até mesmo de qualquer diversão por mais inocente que fosse, e isso não foi tarefa fácil. Nunca fora a mais popular da escola, mas seu jeito descontraído atraiu boas amizades as quais foram responsáveis pelas maiores aventuras na vida da jovem morena de olhos verdes.

                Também nunca aceitou a condição de certinha, de CDF. O que lhe definia melhor era a palavra determinação. Nisso ela exibia orgulho. Até aquela fase de sua vida comemorava satisfeita o mérito de sempre ter conseguido tudo o que queria. Suas conquistas nunca vieram fáceis, mas sim, à custa de muito esforço o que lhe dava ainda mais garra para continuar na sua obstinação. Assim foi para conseguir a bolsa de estudos no melhor colégio da cidade, nos cursinhos particulares, nas premiações das olimpíadas escolares. Quando seus pais não dispunham de recursos para lhe patrocinar uma viagem, uma festa, a menina não tinha medo de encarar o batente depois das aulas e conseguir o dinheiro para o que precisava. Foi assim também que conseguiu luxos para uma menina como ela: computador, celular moderno, essas coisas que adolescentes classificam como fundamentais eram sempre oferecidos em concursos de redação, olimpíadas de matemática, as quais Natalia participava com a certeza que conseguiria arrematar os prêmios.

                O jeito firme de encarar a vida era motivo de orgulho para os pais da moça. Era a segunda filha de uma família simples de três filhos. O irmão mais velho casara precocemente depois de engravidar a namorada, no interior ainda se preserva o costume de honrar as moças de família com o casamento quando “defloradas”. A irmã mais nova era a caçula tipicamente mimada, nasceu em uma fase mais branda da vida financeira apertada da família, talvez por isso não se sentisse na obrigação de lutar tanto por algo como Natalia estava habituada.

                Os pais, o senhor Álvaro e dona Fátima eram comerciantes conhecidos na cidade. Proprietários de uma loja de material de construção viram sua vida financeira melhorar com os incentivos do governo no setor habitacional nos últimos dois anos, fato que pode proporcionar a condição para manter sua filha estudando na capital em condições razoáveis.

                Depois das comemorações pelo ingresso na USP, as energias de Natalia se concentraram em achar um bom lugar para morar, de preferência perto do campus, já que não conhecia a maior metrópole do país e aquele medinho de menina do interior dos perigos das grandes cidades por mais escondido que estivesse, residia nela. Seu pai acompanhou-a até São Paulo quando Natalia foi matricular-se, aproveitaram para procurar um apartamento, perto do campus os preços absurdos por uma quitinete simples alarmaram o modesto comerciante.

-- Minha querida, eu não imaginei que fosse tão caro! Não posso arcar com esse valor só de aluguel, ainda tem taxa de condomínio e o dinheiro que preciso enviar para você se manter aqui!

                No fundo Natalia concordava com o pai, mas se ressentia pelo fato de não ter dado despesas nos últimos anos e por quase nunca pedir dinheiro, uma vez que até os estudos em colégios particulares, conseguira bolsa de estudos, e quando dependia exclusivamente do dinheiro dos pais para continuar seu sonho, seu pai lhe mostrara o limite.

-- Vou procurar vaga na casa de estudantes pai, não se preocupe.

                Com o olhar condoído o senhor Álvaro acompanhou a filha para conhecer as acomodações da casa de estudante, e não gostou do que viu. Por mais simples que fosse nunca deixara faltar nada para sua filha, e deixar que ela residisse naquela casa sem o menor conforto e privacidade nem de longe era o que ele desejava para sua querida Natália.

-- Não minha filha, aqui você não fica! Vamos procurar outro lugar para você, nem que seja mais longe daqui.



                E assim, pai e filha peregrinaram pela cidade até encontrar um quarto e sala mobiliados, com um preço acessível, superior aos planos do senhor Álvaro, mas acabou cedendo diante da expressão angustiada da filha.

                Dois meses depois Natalia chegava de mala e cuia em São Paulo. Primeiro passo de uma longa trajetória, minuciosamente planejada. Não que fosse uma apaixonada por leis e tribunais, bem verdade que isso também lhe atraía, entretanto, a vontade obstinada de sair daquela cidadezinha do interior e batalhar sua independência era o sonho de Natália desde que se deu conta que aquele marasmo não cabia no seu futuro.

                Arrumou tudo do seu jeito caprichado. As dezenas de “tuppeware” amontoados em caixas que dona Fátima fez questão de comprar para o novo cantinho da filha até pareciam charmosos nos armários enferrujados da cozinha. Natalia era pura ansiedade, tinha as melhores expectativas, os planos mais extraordinários para sua nova vida. A ansiedade era tanta que dormir foi tarefa difícil para a caloura.

******

                O campus estava lotado, certamente na maioria eram calouros, veterano nunca aparece no primeiro dia de aula, exceto aqueles que desejavam aplicar trote nos “bichos”. 

                Medo, euforia, desorientação, ansiedade.

                Tudo misturado.

                Natália experimentou aquele turbilhão de emoções enquanto adentrava pelos portões da universidade à procura do prédio do curso de direito. Encontrar alguém disposto a lhe dar uma informação ali foi difícil, mas arriscou se orientar pelas placas do campus.

                O salão de atos estava lotado, o curso de direito era um dos poucos que mantinha a tradição de reunir os discentes na aula inaugural de cada semestre. O desembargador aposentado Jorge Campos proferiu a aula inaugural, depois de se afastar das atividades de desembargador, dedicava-se à docência na universidade que o formou.

                Natalia escutou atenta, se lamentando por não poder copiar no caderno tudo que o famoso jurista relatava. Estava realizada, experimentou a sensação de ter escolhido o curso certo, sim seu esforço valeu à pena.

                Na saída do salão de atos estranhou a disposição dos alunos encostados lateralmente fazendo um corredor humano, quando associou o que poderia ser aquilo, não tinha como escapar, os veteranos pegaram os calouros para o famoso trote.

                O amontoado de alunos espremidos e amarrados por um cordão se transformou em alvo para bexigas cheias de água e tintas, depois de ser coberta por tintas de todas as cores, Natalia relaxou e entrou na brincadeira, o que foi fundamental para se enturmar com calouros e veteranos.

-- Ok bicharada! Segunda parte do trote na república Álibi! – Berrou um estudante mais animado.

                Natalia já estava empolgada o suficiente para aceitar convite até pra beber em bar no morro em meio a um tiroteio. Não permitiu que seus receios de menina do interior a impedissem de se envolver nesse mundo novo.

                A república Álibi era um sobrado, localizado a poucos quarteirões do campus. Estava lotado como era de se esperar num dia de trote. Natalia se entregou à farra, aceitando todo tipo de bebida que lhe oferecessem. De repente o batido de uma colher no fundo de uma panela convocou o silêncio:

-- Aí galera, aí bicharada, a nossa DJ chegou!

                Todos dirigiram os olhares à moça estilosa que exibia pose de estrela acenando para a plateia: loira de cabelos curtos, magra, cheia de estilo com calças folgadas e camiseta colada mostrando sua barriguinha bem definida, na cabeça um chapéu branco Panamá era um charme a mais no seu visual. Diana era seu nome, a DJ distribuiu simpatia montando sua pick-up improvisada, encantando veteranos e calouros, uma em especial: Natália.

CAPÍTULO 2: A REPÚBLICA (LEX LOCI CELEBRATINIS)
* lei do lugar da celebração – Quando da celebração de algum ato, as suas formalidades são regidas pelas leis vigentes no lugar da celebração.

                Diana era a popularidade em pessoa. Não só pela função que desempenhava nas festas do curso como organizadora e DJ, mas pela simpatia e liderança que exibia. Era veterana do curso de direito, mas nem um pouco compromissada com os estudos. Pagava disciplinas em praticamente todos os períodos do curso, não fosse isso, se formaria em um ano como seus maiores amigos.

                Entre seus amigos, estavam os gêmeos, Pedro e Lucas, moravam na república Álibi, no início da faculdade, viveram uma espécie de triângulo amoroso com Diana, mas atualmente, eram apenas os melhores amigos. Pedro e Lucas como a maioria dos gêmeos univitelinos eram opostos. Pedro era mais centrado, considerado um dos melhores alunos da universidade, era bolsista de pesquisa, monitor de disciplinas, estava sempre envolvido com atividades de extensão, exatamente por isso, vivia ás voltas com Diana cobrando mais aplicação nos estudos da amiga, esforço inútil, Diana queria protelar o quanto pudesse o término do curso, na esperança de ganhar tempo para que ela conseguisse se sustentar fazendo aquilo que gostava: fotografia. Lucas não era um aluno relapso, até por conta da influência do irmão, que era também seu melhor amigo, mas, tinha outras prioridades na vida, entre elas, curtir sua fase de farras tão próprias da faculdade, assim, se tornara um das principais companhias de Diana.

                Na república, junto com Pedro e Lucas, moravam mais seis rapazes, todos do curso de direito. As festas de lá eram tradicionais no campus, eram as mais concorridas, as mais animadas e logicamente as mais loucas. Existia até uma série de relatos que se transformaram em lendas no campus de fatos ocorridos na república. Falava-se em orgias, em uso de drogas, em rituais, mas, a maioria desses relatos, não passavam de boatos, de mitos que os moradores da república alimentavam, mantendo a fama da república.

                Os trotes semestrais eram atração à parte na Álibi. Esse semestre não seria diferente. Diana comandou o som da festa com sua animação típica e estilo peculiar, mas, seu trabalho na festa não a impedia de prestar atenção nas caras novas, no comportamento dos bichos e veteranos, e obviamente de lançar seu charme para quem a observava.

                Natália era uma das que observava a DJ com atenção, mesmo sem saber o direito o porquê. Talvez por que o jeito estiloso da moça era a representação das pessoas que Natália esperava conviver, pessoas “da capital”, bem diferentes do estereótipo provinciano o qual ela estava acostumada toda sua vida ou talvez por que, a energia de Diana exercia uma atração diferente em Natália, sensação que a moça do interior não sabia explicar.

-- Ela é uma figura não é?

                Pedro se aproximou de Natália olhando na mesma direção da moça.

-- A DJ? – Natália perguntou.

-- É Diana o nome dela.

-- Ela é muito boa.

                Pedro sorriu acenando em acordo, mesmo entendendo o adjetivo com uma conotação diferente da que Natália usou.

-- Está bebendo o quê? – O rapaz perguntou.

-- Já bebi tanta coisa diferente que não sei te responder essa pergunta.

-- Sendo assim, quer uma cerveja?

-- Aceito.

                Pedro voltou com uma latinha na mão e serviu a moça.

-- Pedro, morador desse hospício.

-- Natália, caloura querendo enlouquecer.

                Nesse momento, a conversa casual, tomou ares de paquera. Pedro apesar da aparência do “politicamente correto” tinha seu charme. Sua beleza não passaria despercebida por nenhuma mulher, especialmente por Natália, mais desinibida pelo álcool. A pele morena daquele rapaz alto de olhos castanhos de barba rala agradou a caloura. Os dois emendaram o clima de flerte, em meio ao barulho dos estudantes protagonizando coreografias sensuais ou bizarras sobre a mesa da sala e aos muitos gritos de incentivo dos que assistiam.

                Pedro não saiu do lado de Natália, de certa forma, a desinibição da moça ajudaria a contrabalancear sua timidez, assim, continuou a lhe oferecer bebidas, as quais a caloura não recusou. A proximidade dos dois chamou a atenção de Lucas, que não hesitou em fazer a brincadeira tão recorrente entre eles. Aproximou-se de Natália quando Pedro se afastou, fingindo já conhecê-la, se passando assim pelo irmão gêmeo.

-- Vamos dançar?

                Obviamente Natália não notaria a diferença das roupas dos irmãos, aceitou o convite acreditando estar dançando com Pedro, sua companhia na noite. Lucas, bem mais ousado que o irmão colou seu corpo na cintura da moça, ensaiando passos sensuais, dominando a moça até roubar-lhe um beijo na pista. Natália não resistiu, o beijo arrancou aplausos, e o casal atraiu não só a atenção de Pedro que voltava inocente da cozinha, como também de Diana.

                Pedro andou a passos rápidos até a pista de dança, afastando abruptamente o irmão de Natália:

-- Pow Lucas! De novo essa brincadeira sem graça?! Deixa de ser mané!

-- Calma Pepê!

                Natália olhava atônita para os dois.

-- Gente, eu acho que bebi demais, estou vendo tudo em dobro...

                Os dois irmãos continuavam se estranhando. Pedro ficou do lado de Natália tentando se desculpar pelo irmão:

-- Natália não liga, esse é meu irmão gêmeo, não é capaz de conquistar uma mulher e fica se aproveitando de nossa aparência idêntica...

-- Ah cala a boca Pedro! Até parece que preciso me passar por você pra conseguir mulher!

                A animosidade entre os irmãos se acentuou até Diana largar a pick-up para intervir no desentendimento dos amigos.

-- Ei que porra é essa aqui? Vão brigar por mulher agora? Ficaram malucos?

                Diana lançou dois petelecos na cabeça de ambos.

-- Ah Di, para vai! – Pediu Lucas.

-- Não quero um piu de nenhum dos dois agora! Dispersando now! Depois teremos um conselho de família, e as duas figurinhas repetidas vão fazer as pazes nem que seja na marra!

                Lucas deu de ombros, deu um beijo no rosto de Diana e se afastou. A loira encarou Natália com faíscas de raiva no olhar, em seguida fez um sinal para Pedro com a cabeça e o rapaz se aproximou dela:

-- Desde quando uma caipira é motivo pra você brigar com seu irmão? Presta atenção seu Mané, olha nosso pacto! Família poxa!

                Pedro balançou a cabeça positivamente, enquanto Diana voltava para a sua pick-up, dissipando aparentemente a situação estranha que se instalara. Entretanto, o incidente foi o suficiente para transformar Natália em principal alvo dos olhares e atenção de Diana o resto da noite. A DJ não admitia que nada abalasse a relação dos seus dois melhores amigos, esse foi um dos motivos do triângulo amoroso ter se desfeito, o fato de Natália ter sido o pivô da discussão de Lucas e Pedro, tornou a moça objeto de sua antipatia, e uma coisa era certa: coitada de quem Diana antipatizasse.

                Diana observou Pedro e Natália perseverarem na paquera, na troca de carícias, e finalmente, seu amigo beijando a caloura ardentemente.

-- Pedro... Eu beijei seu irmão pensando que fosse você...

                Natalia se justificou, colando a sua testa na testa de Pedro depois de afastarem as bocas.

-- Eu sei gatinha...

                A raiva de Diana só aumentava à medida que Pedro e Natália pareciam mais íntimos. Cochichou alguma coisa com uma veterana e esta, “acidentalmente” esbarrou em Natália, banhando-a com vinho tinto.

-- Ai que desastre! Desculpa!

                A moça se desculpou cinicamente.

-- Não tem problema...

                Natalia minimizou o estrago.

-- Ai, mas, sujou tudo... Venha comigo, vamos tentar dar um jeito nisso.

                A garota arrastou Natalia pela mão, subindo pelas escadas da república, e entraram em um dos quartos.

-- Tira o vestido, vou lavar essa mancha rapidinho e passo o ferro quente, vai dá pra você usar.

-- Não precisa... Está tudo bem...

-- Ai, eu não vou me perdoar se você perder esse vestido tão fofinho por causa dessa mancha!

                Natalia cedeu, mais para não parecer antipática, do que pelo incomodo de ficar com a roupa suja. Enquanto a moça saiu com seu vestido para lavá-lo, Natalia ficou no quarto, trajando apenas um conjunto de calcinha e sutiã de algodão, com estampas infantilizadas.

                De repente, um blecaute parou a festa. Escuridão. Natalia sozinha naquele quarto, só de roupas íntimas nada podia fazer que não fosse esperar, entretanto, a algazarra que se fez, em meio a passos apressados correndo pela casa e gritos:

-- É fogoooooooooooooo, salve-se quem puder!

                A moça do interior se desesperou, e saiu correndo do quarto, quando descia às escadas a escuridão se desfez, e a claridade expôs Natália diante de todos, só de calcinha e sutiã, e o sonoro: - Hurruuull! – tomou de conta da república. O macharal em coro berrava elogios ao corpo da caloura completamente desorientada olhando para todos que riam, apontavam, ridicularizaram a menina.

                Natalia subiu as escadas apressadamente fugindo do constrangimento, sendo seguida por Pedro. Os risos ecoavam em sua mente, e o olhar de escárnio de Diana tirou a paz e a alegria do momento da sua entrada na faculdade.

CAPÍTULO 3: A POSTERIORI
A posteriori: Depois.  Método que conclui pelos efeitos e consequências. Que vem depois. Segundo os acontecimentos previstos. É a etapa do conhecimento que advém da experiência, verificado através de percepções sensoriais só alcançadas na prática.


                Como aparecer na faculdade depois do escândalo que protagonizou? Era o que Natália pensou quando o despertador tocou. Na noite anterior Natália fugiu do alarde causado sob a proteção de Pedro, que como cavalheiro que era, providenciou roupas para Natália vir para casa, e a acompanhou até o táxi.

                Não conseguiu dormir relembrando os risos, os olhares, as gargalhadas, a imagem de uma pessoa em especial lhe incomodava: o rosto de Diana.

                Pensou no seu sonho, lembrou-se do quanto se esforçara para estar ali, na confiança que os pais depositaram nela, e levantou-se da cama. Impôs a si mesma a obrigação de comer algo antes de enfrentar a maratona de duas conduções para chegar à faculdade. O táxi da noite anterior lhe custaria algumas semanas sem lanche.

                Na faculdade, andou apressada, evitando olhar para os veteranos, não sabia ao certo quem estaria na república na festa do trote. Mas sua atitude não impediu os cochichos dos calouros quando a moça entrou na sala do primeiro semestre.

                O pesadelo não podia ser pior. Maldita tecnologia e os serviços 24horas das grandes cidades. Algum desocupado fotografou a exibição forçada da caloura no trote em trajes íntimos e revelou o filme a tempo de fazer fotocópias e distribuí-las pelos corredores do curso de direito.

                Natália olhou para a foto pasma, pálida, trêmula.

                Seu primeiro impulso foi de levantar-se e correr, precisou reunir todas as forças para não fazê-lo, torcendo para que o professor logo chegasse encerrando os buchichos que ecoavam pela sala junto com os risos. Mas, Natália descobrira precocemente e no pior momento que na faculdade ninguém chega na hora, inclusive os professores.

                Suportou o quanto pode, mas, a piada de um colega mais engraçadinho foi a gota d’água:

-- Aí coleguinha, a calcinha de ursinho foi feita à mão pela mamãe?


                Natália ergueu-se repentinamente e saiu correndo da sala, e caminhou atordoada pelos corredores. Quando ouviu um grito:

-- Sai da frenteeeeeeee!

                O aviso não chegou a tempo de Natalia se desviar da menina que berrava de cima do seu skate. Choque, desastre e as duas se espatifaram no chão. Enquanto se recompunha da queda ainda no chão, Natália indagou a skatista sem lhe olhar:

-- O que deu em você pra andar com isso em plena faculdade?

                Natália só ouviu um sorriso sarcástico, ao fitar a skatista constatou de quem se tratava:

-- “Isso” é um meio de transporte não poluente, que além de implicar em atividade física, é também divertido! Se “isso” não existe no cafundó de onde você veio, “isso” se chama skate.

                Diana se refestelava no chão usando seu tom mais esnobe olhando para Natalia.

-- Ah! Você não só é imprudente e mal educada andando com “isso” por aí, como também tem outro defeito que eu detesto: sarcasmo.

-- Escuta aqui sua caipira, você estragou a festa que passei semanas preparando, e acabou de acabar com minha manhã perfeita! Sabe de uma coisa: não gosto de você!

-- Nossa você acabou de salvar meu dia! Você imagina que ontem, no meu primeiro contato com os alunos do curso o qual eu passei meu último ano ralando pra conseguir entrar, mudei minha vida, deixei minha casa, minha família, pra morar numa quitinete fedida menor que a dispensa da casa dos meus pais em nome desse sonho, e imagina só: na festa de comemoração com meus colegas, alguém resolve me fazer de palhaça, atração de circo, ou seja, lá o que, me expondo de calcinha e sutiã, e ainda fotografam isso e espalham pela faculdade, na minha primeira aula, eu dispensei minha ansiedade para fugir das piadas e risos, e sou atropelada por uma menininha petulante e irritante, mas veja só que maravilha de notícia ela me dá: ela não gosta de mim! Isso mudou minha vida! Salvou meu dia!

                Diana bufou. Observou Natália se levantar furiosa. Conteve o riso e perguntou:

-- Posso perguntar uma coisa?

-- O quê?

                Natália perguntou irritada, praticamente rosnando.

-- Você sempre acorda com esse bom humor?

                Natália apertou as mãos e dessa vez rosnou. Recolheu suas coisas espalhadas, e caminhou em direção às escadas que davam acesso ao térreo. Parou quando ouviu Diana berrar mais uma vez:

-- Ei, ow caipira!

                Natália bateu a mão na perna, expressando sua irritação.

-- Fala!

-- Onde você está indo? O primeiro semestre é nesse andar!

-- Não tenho a menor condição de assistir aula ouvindo as piadinhas e aquelas fotos percorrendo a sala, já pensou se o professor pegar uma delas?

-- Você estava falando sério com esse lance das fotos?

-- Por que eu inventaria isso ow gênio? – Natalia revirou os olhos.

-- Mas eu não... – Calou-se antes de confessar sua participação no episódio da noite anterior – Se eu fosse você, eu não perderia a primeira aula da Mandimbú.

-- Han?

-- É... Aquele personagem de desenho animado... De Dragon Ball Z, não tem TV na cidade que você veio?

-- Garota deixa de ser ridícula! Minha cidade fica a poucas horas daqui!

-- Então, conhece o personagem? Esse é o nome que batizei a professora de Introdução ao Estudo do Direito.

-- Vou ter que conter minha curiosidade para conhecer essa figura dantesca que você está me descrevendo. Não conseguiria ficar naquela sala hoje.

-- Nunca ouviu falar que notícia de hoje embala o peixe amanhã? Você não é tão importante assim, já deu tempo esquecerem você. Venha assistir aula, assim você começa logo a se decepcionar com esse mundo de leis sem noção.

                Natália estranhou o empenho de Diana em dissuadi-la da ideia de não assistir aula.

-- Por que você continua fazendo direito se acredita que as leis são sem noção?

-- Você acabou de entrar nessa faculdade, acha que vai ter respostas pra dilemas tão complexos como esse? Você ainda é bicho! Primeiro passo para entender é assistir meu duelo com a Mandimbú, vamos?

-- Espera aí... Você faz aula no primeiro período? – Natália perguntou surpresa.

-- Sou uma pessoa de coração enorme, permeio todos os semestres do curso com minha energia superior, com a luz do meu conhecimento... Aproveite essa generosidade em compartilhar minha sabedoria com vocês, meros bichos, e vamos logo antes que cheguemos depois de Mandimbú, você não ia querer atrair a atenção dela, acredite!

CAPÍTULO 4: INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO - Error in judicando
*Erro no julgamento, quando o juiz valora juridicamente um fato de forma errônea ou aplica de maneira equivocada o direito, tal erro contamina a sentença comprometendo sua eficácia e validade.

                Natália voltou à sala, dessa vez acompanhada de Diana, que arrancou a foto das mãos de um aluno sentado próximo a porta. Olhou a foto por alguns segundos, enquanto Natália se acomodava agora, na última cadeira. Diana rasgou a foto, jogou no lixo e saiu entre as filas recolhendo as demais cópias. Alguns alunos ofereceram resistência a entregar as fotos, mas Diana com sua atitude firme franzia a testa, intimidando os calouros, recolheu todas as cópias que circulavam.

                Um dos estudantes mais prepotentes indagou:

-- O que você vai fazer com as outras fotos espalhadas pelo campus, loirinha? Por que essas fotos estão em todos os andares, sem falar que são apenas cópias.

-- Eu não farei nada... Mas quem está espalhando as fotos, e quem fez as cópias terá que fazer algo, se não quiser ser processado por uso indevido de imagem, e banido da Álibi, nem o centro acadêmico, nem os meninos da república apoiam esse tipo de prática, quem for pego distribuindo, olhando, comentando essas fotos, nunca mais participará das festas que eu produzo, ou seja, as melhores.

-- Você é o que? Policial? Detetive? Como vai descobrir quem fez as fotos?

-- Quem fez as fotos não sei se consigo descobrir, mas quem revelou o filme, com certeza descubro.

                Sarcástico o garoto abusado perguntou:

-- Posso saber como? Você é vidente por acaso?

-- Não Manézão, está vendo esse selinho no canto da foto? É a marca da loja que fez a revelação, fica a poucas quadras daqui, de foto eu entendo, e sou a principal cliente dessa loja, descubro fácil quem foi lá revelar esse filme.

                O prepotente rapaz empalideceu. Ficou desconcertado, sentou-se mudo. De repente o silêncio tomou de conta da sala de aula, só Diana permanecia de pé, com o maço de fotos na mão.

                O silêncio não aconteceu a toa, se fez com a entrada da doutora Dorothea Gonçalves, juíza aposentada, uma das catedráticas do curso de direito da USP. Professora titular da disciplina de Introdução ao Estudo do Direito. A obesidade da professora, e as bochechas avantajadas excessivamente rosadas, e seu cabelo preso em um coque, justificavam o apelido dado por Diana. Natália, mesmo tensa pelas circunstâncias, não conteve o riso ao se lembrar disso.

                Dorothea se aproximou de Diana que já se preparava para o primeiro embate do semestre com a professora, quando esta, tomou de suas mãos uma das fotos. A professora acenou a cabeça reprovando o que via, olhou em volta, identificando a modelo da fotografia no canto da sala.

-- Por que não me surpreende reencontrar você no centro de mais uma confusão Diana Toledo Campos? Ouvi pelos corredores sobre uma caloura eleita o “cristo” do semestre, e olha quem eu encontro como crucificadora!

-- Talvez não se surpreenda meritíssima, pelo fato da senhora estar habituada a me condenar sumariamente, o que é completamente absurdo considerando seu histórico de comprometimento com a justiça já que a prática de condenação sumária vai de encontro aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório sequer existe!

-- Olha só quem finalmente aprendeu algum conteúdo do curso de direito! Afinal de contas, cursar minha disciplina cinco vezes deve ter valido alguma coisa.

-- Valeu sim, para mudar meus conceitos sobre ética e docência.

                As bochechas rosadas da experiente professora se arroxearam.

-- Eu não admito que você me ofenda na minha sala de aula Diana!

-- Ora meritíssima, em que momento a ofendi?

                Diana tinha o poder de provocar sem esforço a ira de Dorothea, que normalmente era uma referência de autocontrole e sensatez. A professora respirou fundo, desviou seu olhar para Natália, que assistia o prometido embate entre Dorothea e Diana de olhos esbugalhados.

-- E você menina? Não vai fazer nada para defender sua imagem? Você sabe que pode fazer uma queixa oficial na chefia de departamento do curso? A responsável por isso pode ser punida.

                Natália empalideceu, com a voz trêmula, titubeou para falar, mas quando o fez, foi categórica:

-- Não posso condenar alguém sem provas professora, não sei quem foi responsável por isso.

                Natália não percebeu que sua declaração a colocava precocemente na linha de fogo entre Dorothea e Diana, e pior para uma caloura, naquele contexto, acabara de tomar partido a favor da loirinha veterana.

                Diana esperou o final da aula para entregar as fotos a Natália:

-- Elas te pertencem, seja esperta e vê se ganha algum dinheiro com elas...

                Natalia estreitou os olhos, furiosa. Diana sorriu da reação da novata.

-- Relaxa caipira! Estou te zuando!

                Natalia guardou o calhamaço de fotos e agradeceu:

-- Obrigada pelo que fez, eu não estava sabendo lidar com a situação... E quase se prejudicou com a professora por causa disso...

-- Você se acha mesmo importante né caipira? Estou prejudicada com a Madimbú há pelos menos três vidas, não foi por sua causa não o piti dela. Ela me culpa pelo buraco na camada de ozônio,pela fome da África, pelo desentendimento de judeus e palestinos...

                Natália sorriu.

-- Mesmo assim, obrigada, por recolher as fotos...

-- Ah isso também não foi por sua causa caipira! Foi para defender a fotografia. Fotografia é minha paixão, e não admito que ela seja usada para fins como esses.

                Natália balançou a cabeça negativamente.

-- Você é uma figura...

-- Sou mesmo! E ah, só uma coisa.

                Tirou uma cópia da foto de Natália de dentro da mochila.

-- Essa eu vou guardar pra mim, quem sabe possa ser usada contra você no tribunal!

                Piscou o olho, e saiu pelos corredores em cima do seu skate, deixando Natália sem ação e sem uma opinião formada sobre aquela loirinha intrigante e surpreendente.
               
CAPÍTULO 5: A non domino
*Sem título de domínio ou de propriedade. Expressão utilizada para dizer que alguém não tem propriedade sobre a coisa. Mesmo que detenha a posse não gera o assenhoramento com animus definitivo

                O restaurante universitário estava lotado. Como era de se esperar Natália parecia perdida, e ainda se sentia observada, seguida pelos olhos de muitos. A atitude de defesa de Diana, não parecia ter repercussão fora do primeiro semestre. Deu meia volta e se acomodou em uma das praças do campus, se contentando com um cachorro quente comprado em uma carrocinha como almoço.

-- Sua mãe não te ensinou a não comer porcaria no almoço?

                Era Pedro trajado elegantemente com terno e gravata, segurando uma pasta executiva.

-- Uau! Que estilo heim? O doutor está perdido por aqui?

                Natália brincou, arrancando um sorriso de Pedro.

-- Não estou perdido não, na verdade, acabei de achar quem eu procurava,

-- Estava me procurando?

-- Pois é... Imagina minha surpresa quando meus colegas me mostraram isso aqui no escritório de prática jurídica...

                Pedro exibiu a foto que Natália estava exausta de ver.

-- Pela sua cara estou vendo que não estou com um furo jornalístico nas mãos.

-- Não mesmo Pedro, eu passei a manhã fugindo dos cochichos, risos, piadas...

-- Posso imaginar. Mas, será passageiro.

-- Já ouvi isso hoje.

-- Quem te disse isso sabia o que estava falando.

                Natália acenou em acordo.

-- O centro acadêmico ficou sabendo disso, se você quiser a gente pode tentar punir quem está promovendo isso...

-- Ai, eu não quero mais mexer nessa história. Minha avó já me dizia: minha filha, quanto mais se mexe em cocô, mas ele fede.

                Pedro tapou a boca para esconder o riso.

-- O que foi? Está rindo dos conselhos de minha avó?

-- Não, estou rindo do seu jeitinho falando “cocô”. Você parece nunca ter falado um palavrão na vida!

                Natalia ruborizou.

-- Você acertou, nunca falei mesmo. Sempre temendo que minha mãe lançasse a chinela dela contra minha boca se eu ousasse mencionar um.

-- Esse seu jeitinho de menina certa do interior, é um encanto a mais sabia?

                A menina ficou tímida. Mas, o clima de flerte mais uma vez se fez. Pedro insistiu:

-- Não consegui parar de pensar em você a noite toda, estava louco pra te encontrar hoje.

-- Pedro...

-- Sem forçação de barra ok? Mas, você não quer me acompanhar numa sobremesa depois de seu almoço tão saudável?

-- Sobremesa?

-- Não se preocupe, nada demais, um sorvetinho, que tal?

                Natalia aceitou o convite, e não foi difícil o rapaz descontrair a moça naquele dia tão intenso de tribulações.

-- Preciso voltar para o escritório Natália. Será que eu posso te ligar, pra combinarmos algo, sei lá no final de semana?

-- Pedro, o orçamento da lata de sardinha que moro não inclui uma linha telefônica.

-- E celular? Você não tem?


-- Ah meu celular ainda é daqueles analógicos... Preciso comprar um mais moderno, colocar um chip daqui, enfim, não estou usando.

                Pedro ficou pensativo.

-- Você vai precisar de um celular funcional.

-- Vou falar com meus pais, quem sabe eu ganhe um no meu aniversário.

-- Quando é seu aniversário?

-- Próximo mês.

-- Até lá, como faço para falar com você?

-- Acho que você vai ter que tomar sorvete mais vezes comigo...

                 Natalia mordeu os lábios fazendo charme. Pedro se rendeu, se aproximou dos seus lábios, e se entregaram mais uma vez a um beijo.
******

                A semana passou rápida. E como Diana e Pedro previram, o escândalo dos primeiros dias que envolveram Natália, parecia ter caído no esquecimento. Todos os dias, Pedro e Natália se encontravam na hora do almoço, e assim, a moça ia se acostumando com sua rotina, depois das aulas da manhã, passava as tardes na biblioteca revendo os assuntos das aulas se aprofundando neles. Não reviu Diana naquela semana, logo supôs que esse devia ser um dos motivos pelos quais a moça como ela mesma falava, permeava todos os semestres do curso.

                Pedro passou a ser para Natália seu amigo mais íntimo, mais que amigo na verdade, uma vez que seus encontros diários sempre acabavam aos beijos. Fazer amizades em sua sala a princípio seria difícil, Natália se mantinha com o pé atrás com as pessoas que fizeram tanta chacota. Entretanto, aos poucos, alguns colegas mais interessados no curso, percebendo a dedicação de Natalia aos estudos iam se achegando.

                Era sexta-feira, Pedro esperava Natália na saída da biblioteca.

-- Pedro?! O que faz aqui?

-- Hoje é sexta-feira! Até os nerds relaxam na sexta. Vamos encontrar a galera no Botecão.

-- A galera? Botecão?

-- Um bar aqui perto do campus, e a galera, são os meninos da república, e uns apêndices que vivem acampando por lá.

                Pedro explicou se desfazendo do nó da gravata e jogando o terno sobre os ombros.

-- Pedro, eu não sei estou tão cansada, e nada disposta a servir de palhaça... Essas pessoas certamente estavam lá no trote...

-- Natália, você não vai ficar fugindo das pessoas toda sua vida acadêmica não é?

-- Mas, Pedro...

-- Natália, as pessoas que estão lá, é pessoal do bem, meus amigos, a galera da Álibi, Diana, o centro acadêmico do curso, pessoas que não foram os responsáveis por aquela brincadeira de mal gosto que fizeram com você.

-- Ah, seu irmão que também brincou comigo se passando por você pra me beijar, e a sua amiga que me chama de caipira?

-- Não faça julgamento precipitado garota! Vamos lá, relaxar um pouco, além do mais, você vai estar comigo! Quer companhia melhor?

                Natália se rendeu, temerosa do que encontraria no tal bar.

                O nome Botecão não poderia ser mais apropriado, era mesmo um boteco grande. O clima de um estabelecimento de bairro só não era mais característico pelo fato do local estar lotado, dominado por estudantes. Duas mesas de bilhar, um balcão tradicional e dezenas de mesas e cadeiras de aço com emblemas de cerveja compunham os móveis do espaço.

-- Pepê!

                Uma das meninas da mesa se atirou nos braços do rapaz abraçando-o.

-- Chega aí parceiro!

                Rapidamente os amigos foram acolhendo o rapaz, cumprimentando com simpatia Natália quando ele a apresentou.

-- Essa é Natália, novo membro do clã dos iluminados pelo direito.

                Acomodaram-se, aumentando mais uma mesa, enquanto nas mesas vizinhas, uma roda de samba era improvisada. E surpreendentemente Diana surgiu com uma bandeja na mão, repleta de “cabalitos”, os copos especiais para degustação de tequila, acompanhando a garota, o irmão gêmeo de Pedro, Lucas, com uma tigela cheia de rodelas de limão e um pote de sal.

-- Já na tequila? – Pedro perguntou surpreso.

-- Mano você chegou tarde, nossas tradicionais cinco rodadas de cerva já passaram, agora é a mexicana!

                Pedro sorriu, e nesse momento Lucas e Diana se deram conta da presença de Natália ali.

-- Tem bicho perdido aqui gente! Aliás, um bicho gata! – Lucas falou acomodando a tigela e o pote que tinha nas mãos.

-- Um bichinho do mato você quis dizer Luc! Olá caipira.

                Diana cumprimentou Natália, oferecendo um cabalito.

-- Não obrigada.

                Diana franziu a testa e disse:

-- Você acha que bicho aqui tem vontade própria? Quem você pensa que é para escapar do nosso ritual?

                Por mais irritante que aparentemente Diana se portasse, Natália não conseguia sentir raiva da moça, talvez por conta do último contato das duas, no qual, Diana a livrou de um constrangimento maior com a exposição das fotos.

-- Ritual? – Natália perguntou segurando o cabalito.

-- Isso, a cada cinco rodadas de cervejas no botecão, uma dose de tequila.

-- Meu Deus! Vocês terão fígado quando se formarem?

-- Isso não sei, mas, de qualquer forma, nosso ritual é parte de um acordo multidisciplinar.

-- Hã?

-- É caipira, a gente se compromete a manter os consultórios médicos cheios com nossos rituais, vida sedentária, comendo porcarias, e os médicos continuam a cometer erros sendo nossos clientes fixos.

-- Ah, os estudantes de medicina estão sabendo desse acordo?

-- Oficialmente não.

                Diana abriu um sorriso arrebatador para Natália, inédito, descontraído, desarmado. O sorriso foi o suficiente para Natália além de retribuir o gesto a altura, se convencer a ingressar no tal ritual. O “shot” estava armado e o coro ecoou no botecão:

-- Arriba, abajo, al centro y adentro!

                Os veteranos saborearam o destilado, alguns fizeram caretas, outros só trincaram os dentes, Diana, mais ousada balançou a cabeça, segundo ela, “para misturar a tequila com os neurônios adormecidos”, Natália sentiu a garganta se rasgar, a bebida desceu queimando, as lágrimas surgiram instantaneamente como se acabasse de mastigar uma colher de pimenta dedo-de-moça com maxixe quente.

                A reação da caloura atraiu risos de Diana, Lucas e Pedro.

-- Como vocês conseguem beber isso e depois rir? - Natália falou com dificuldade.

                 A noite avançou nessa atmosfera festiva. A caloura já parecia à vontade entre os veteranos, até Diana que inicialmente antipatizou com a garota, já se mostrava mais amável a seu jeito. Pedro era todo atenção com ela, e foi esse fato que representou o fim do clima cordial entre Natália e Diana. A loira se afastou dos dois visivelmente insatisfeita com o romance óbvio entre eles.

                A beleza e o encanto de Natália não conquistavam só Pedro. Lucas, seu irmão gêmeo, apesar de ver o irmão derretido pela novata, não hesitou em jogar charme, e com seu jeito descontraído e bem humorado, estava arrancando boas gargalhadas de Natália. Se Pedro não conhecesse tão bem o irmão pensaria que toda aquela simpatia seria simplesmente para provocá-lo, mas tal atitude não combinava com o irmão, Lucas não ousaria disputar com ele uma mulher, não depois do que a relação deles com Diana os ensinaram, mesmo assim se incomodou com a proximidade dos dois.

-- Você vai alugar minha gata por muito tempo Lucas? – Perguntou Pedro.

-- Sua gata? – Lucas perguntou surpreso.

                Até Natália se surpreendeu com o vocativo recebido.

-- Você ainda não notou que ela está comigo mano?

-- Brow foi mal, mas acho que nem ela percebeu isso.

                Diana fingia estar distraída com a roda de samba, mas observava o embate entre o triângulo com atenção, com cara de poucos amigos. Os ânimos se exaltaram quando Lucas passou o braço em volta da cadeira que Natália estava sentada, envolvendo seus ombros.

-- Então gatinha? Você está com ele, ou está na pista?

                Natália visivelmente desconcertada, procurava uma resposta a fim de evitar outro episódio de disputa entre os gêmeos, entretanto, a novata se sentia profundamente desconfortável pela precipitação de Pedro, anunciá-la como “sua”, e pelo comportamento inconveniente do seu irmão.

-- Responde Natália, pra esse mané se colocar no lugar dele!

                Pedro já estava exaltado, colocando com violência o copo de cerveja sobre a mesa. Lucas não arredou do lado de Natalia, provocando ainda mais a ira do irmão que avançou em sua direção levantando-o pela gola da camisa. O gesto animoso causou alvoroço entre os amigos, e mais uma vez, Diana se colocou entre os irmãos.

-- Ei, ei, ei, o que está acontecendo aqui heim? Porra de novo vocês se estranhando?!

                Diana falava esmurrando o peito de Pedro empurrando-o.

-- Di, o Lucas está exagerando nessas gracinhas dele!

--O Pepê é que anda se apropriando indevidamente de bens que não lhes são de direito!

-- Vocês dois são ridículos sabia?! – Diana falou empurrando os dois para a calçada.

                Nesse momento Natália recolheu sua mochila, deixou o dinheiro que julgava ser sua parte na conta, e saiu em disparada do Botecão. Quando ouviu um berro de Pedro.

-- Natália?! Aonde você vai?

-- Para minha casa Pedro, aonde mais eu iria?

-- Mas vai sair assim sem me dar explicações?

-- Como é que é? – Natália perguntou franzindo a testa.

-- É, pow, você veio comigo, fica de azaração com meu irmão e agora vai embora sem dizer nada? Sem uma explicação?

                Pedro se aproximava indignado de Natalia , sob o olhar de Diana e Lucas.

-- Olha só Pedro, eu não te devo explicações. Não te devo respostas, nem desculpas. Você é um cara maravilhoso, amigo incrível, está sendo super fofo comigo, mas nós não temos nada mais do que amizade.

-- Mas a gente está ficando Natalia...

-- Pois é, estávamos ficando, e você viaja nessa idéia de tomar posse de mim? Eu não sou “sua gata”, não sou propriedade de ninguém. Lutei muito para conseguir entrar nessa faculdade, me mudar pra cá, não só pelo sonho de cursar direito, mas principalmente pra galgar minha independência, fui até então, a Natália do seu Álvaro e da dona Fátima, não deixei o interior pra ficar conhecida de novo como a “Natália de alguém”.

-- Mas, Natália, eu não tive essa intenção...

-- É a segunda vez que você discute com seu irmão por minha causa em uma semana! A gente não tem nenhum compromisso, imagine se tivéssemos, você me colocaria uma coleira? Depois a caipira, a moça do interior sou eu! Vocês dois agem como se morassem no velho oeste!

                Natália saiu fumaçando em direção ao ponto de ônibus.

-- Eu te acompanho até o ponto de ônibus então... – Pedro fez menção de segui-la.

-- Não! Chega de confusão, de DR essa noite. Boa noite Pedro!

                Diana parecia encantada com a atitude firme da moça. Não enxergara até então a fortaleza, a determinação, a hombridade da moça do interior, aparentemente tão ingênua, quase boba.

                Natalia esperava impaciente a sua condução até o metrô, não só pela demora, mas pelo clima esquisito na rua pouco iluminada e com pouco movimento. Estava tomada de medo, relembrando todos os conselhos dos pais sobre os perigos de assaltos, seqüestros, estupros, todas aquelas tragédias divulgadas na mídia, cotidiano das grandes cidades. Ouviu um barulho ecoar, uma moto se aproximava. O piloto usando o capacete preto, jaqueta de couro na mesma cor, estacionou a moto colada ao meio fio, bem próxima a Natalia. A moça de trêmula passou a bater os dentes se imaginando na manchete das paginas policiais do dia seguinte, a adrenalina lhe impulsionava a correr, mas as pernas não respondiam aos reflexos químicos do corpo, e quando o medo lhe roubara a cor do rosto e o calor do seu corpo, e Natalia estava prestes a desmaiar tamanho o pavor que lhe assolara, o piloto retirou o capacete, sacudindo os cabelos loiros, exibindo um sorriso.

-- E aí caipira? Vai ficar dando mole pra bandido, ou vai subir na minha garupa?

                Diana, convidou a moça com a cabeça para subir na motocicleta. Natalia soltou um suspiro de alívio, e retribuir o sorriso foi inevitável. Não hesitou. Montou na garupa, ajustou o capacete, e sentiu Diana puxar suas mãos para envolver sua cintura.

-- Aperta com força, mas não me quebra, sou marrenta, mas sou magrinha!

CAPÍTULO 6: Ad libitum – À vontade

                Diana deu quatro passos no apartamento virou-se em direção a Natália que estava encostada no balcão da cozinha e disse:

-- Não é possível! Dei quatro passos em 10 segundos e já conheci toda sua casa!

                Natália apertou os olhos, indignada com a piada da veterana, fez uma careta lhe mostrando a língua e lhe entregou uma toalha.

-- Para de fazer gracinhas, e se enxugue logo, antes que você fique resfriada e coloque a culpa em mim.

-- Claro que a culpa será sua se eu adoecer, quem manda você morar onde o Judas perdeu as meias? Deu tempo se formar uma frente fria e cair um toró até chegarmos aqui!

-- Ai que exagerada... Nem é tão longe assim, de ônibus e metrô não gasto nem duas horas.

-- Nossaaaa, pertinho, aposto que uma viagem de duas horas era o máximo que você fazia nas suas viagens de férias na infância no cafundó de onde você veio.

                Natália abriu a boca e tentou falar algo, emendando sílabas, mas não respondeu, engolindo a provocação.

-- Acertei não foi? – Diana zombou.

                Natália jogou a almofada do sofá-cama contra o rosto de Diana que se desviou a tempo de colher o objeto e arremessá-lo de volta, acertando em cheio o nariz de Natália.

-- Aiiii. Sabia que posso te processar por agressão? – Natália dramatizou.

-- Caraca! Uma semana de aula, quatro aulas de Madimbu e você já está com esse vício processual? Introduziram o direito direitinho em você heim...

                Natália franziu a testa.

-- Ei! Você é uma caipira, ingênua, não acredito que você enxergou duplo sentido na minha colocação. – Diana disse empurrando Natália para lhe dar espaço no sofá.

-- Você está falando demais em colocar, introduzir se não fosse você a falar essas coisas, entenderia como assédio sexual, seria outro processo.

-- Meu Deus! Quem é você? Madimbu fez lavagem cerebral na caipira!

                Natália gargalhou.

-- Você é muito boba.

-- Então você me processaria por agressão e assédio?

-- Sim, e com meu jeitinho de moça do interior, facilmente convenceria qualquer um da sua má conduta. – Natália falou fazendo cara de anjo.

-- Você não conhece o meu poder de persuasão. Alegaria legítima defesa na agressão e quanto ao assédio sexual, seria fácil convencer que foi apenas um mal entendido, que você como moça do interior não conhecia as gírias da cidade grande e entendeu outra conotação nas minhas palavras.

-- Pra quem não gosta de Direito e está repetindo a disciplina básica pela quinta vez, você é bem entendida de argumentação legal.

-- Alguma coisa eu tinha que aprender...

-- Como você conseguiu essa façanha? Repetir cinco vezes essa matéria?

-- A primeira vez que cursei, eu ainda lutava para não cursar Direito. Mal aparecia na faculdade. Não fiz as provas, não tive nem o direito de ir para prova final, na metade do semestre já estava reprovada por faltas. Na segunda e terceira vez que cursei fui para prova final precisando de meio ponto para passar, Madimbu fez questão de preparar a pior prova de todos os tempos, com uma única questão, mas, para resolvê-la eu precisaria de no mínimo oito horas, ela só me deu duas horas, o que fiz nesse tempo ela não considerou, e me reprovou. Semestre passado, eu tinha nota suficiente para passar sem precisar sequer da última prova, mas, por causa de uma falta ela me reprovou, falta que ela me deu por que cheguei atrasada. Ela conseguiu empacar minha graduação por que IED é pré-requisito pra um monte de matérias dos semestres posteriores, mas quanto a isso ela me fez um favor.

-- Ela te odeia mesmo! Você não pode fazer nada? Apelar pra instâncias superiores da universidade, fazer uma queixa no departamento contra essa perseguição?

-- Dois semestres atrás eu poderia, mas não o fiz, hoje é impossível.

-- Por quê?

-- Seria inútil, hoje ela é chefe do departamento, e membro do conselho acadêmico. Aquela vaca rosa tem prestígio até com a reitoria, seria perda de tempo.

-- Que absurdo! Suas primeiras aulas com ela não começaram bem por minha causa não é?

-- Pois é você tem uma dívida eterna comigo! – Diana arregalou os olhos numa expressão de cobrança.

-- Por que será que eu acho que estou em apuros devendo a você?

-- Por que você está minha cara! Até já sei como você vai me pagar essa dívida.

-- Ah é? Posso saber como?

-- Muito simples você vai me fazer passar em IED esse semestre.

-- Ha ha ha! Você só pode estar brincando. Como eu teria esse poder?

-- Seja a melhor aluna de doutora Dorothea, conquiste a velha, me coloque sempre nas suas equipes de trabalho, grupos de estudo, monitore minhas faltas...

-- Basicamente, ser sua tutora em IED. – Ironizou Natália.

-- Isso mesmo! Captou direitinho caipira!

-- Já te disseram que você é muito abusada?

-- Pelo menos duas vezes ao dia, que nem remédio pra infecção intestinal.

                Natália gargalhou mais uma vez.

-- E por falar em tutoria, qual é a sua com o Pepê? – Diana perguntou.

-- Ah, então você é mesmo o que parece?  A tutora deles? Ou a orientadora espiritual dos gêmeos?

-- Estou impressionada com sua perspicácia caipira. Mas, de orientadora não tenho nada, de espiritual então... – Diana revirou os olhos- Os meninos hoje são como irmãos pra mim, e não admito que ninguém os magoe, seja motivo de discórdia entre eles.

-- E você está me acusando exatamente de que com esse olhar de censura? Acha que sou uma ameaça à paz fraternal? Acha que estou magoando seu protegido?

-- Por enquanto não estou te acusando de nada, mas te advirto que estou de olho.

-- Já estou me acostumando às pessoas ficarem de olho em mim, uma a mais não vai fazer diferença.

-- Tá se achando né caipira?

                Diana sorriu ao perguntar. Natália deu de ombros e respondeu:

-- Sobre sua pergunta, acho o Pedro um cara maravilhoso, mas, minha prioridade nesse momento é a faculdade, apesar de você me julgar uma caipira ingênua, sou muito focada no que quero qualquer relacionamento pra mim vem em segundo plano agora. Não se preocupe, quebrar o coração de seu protegido não está nos meus planos.

-- Estamos conversadas então.

                Diana se levantou, caminhou até a janela e disse:

-- Odeio essas tempestades de São Paulo. Seu bairro então é uma calamidade! Olha ali, tem até submarino saindo do Tietê!

                Natália foi para a janela imediatamente para conferir o que Diana observou.

-- Onde? – Perguntou inocente.

-- Mas é muito Jeca mesmo...

                Diana caiu no sofá às gargalhadas, apontando para Natalia.

-- Você não se cansa de ser tão boba assim? – Natalia disse emburrada.

                Diana não conseguia falar, entregue ao riso, zombando da ingenuidade da novata. Natalia se aproximou da janela, contemplou a chuva e disse:

-- Você sabe nadar?

-- Han? Claro que sei por quê? – Diana enxugou as lágrimas perguntando.

-- Por que você vai precisar nadar bem pra alcançar sua moto que está sendo levada pela correnteza...

                A reação de Diana foi instintiva: saltou e olhou pela janela, e foi a vez de Natália cair no sofá com uma crise incontida de risos.

-- Ha ha ha, que idiotinha você é! Quem disse que eu acreditei?

                Diana pela primeira vez ficou sem graça diante de Natalia, e isso para a menina do interior só aumentava sua vontade de rir.

-- Quer saber? Vai ficar aí rindo de mim? Vou embora!

                Diana pegou os capacetes e sua jaqueta de couro e avançou em direção à porta quando Natália a impediu de sair perguntando:

-- Você está louca? Sair com essa tempestade? Você vai ser arrastada com moto e tudo!

-- Então para de rir da minha cara!

-- Tá bom esquentadinha! Vou preparar algo para comermos, senta lá.

                Diana sorriu vitoriosa, sentou-se na bancada que dividia a cozinha da sala e perguntou:

-- O que você vai preparar? Deixe-me adivinhar? Sopa de legumes? Não, espera: galinha caipira? Pamonha? Leitão à pururuca?

-- Gente como pode nascer só uma vez e nascer boba desse jeito? Devia te deixar com fome só por causa dessas gracinhas! Não vim do sítio não sua bobona!

-- Então me diz: qual iguaria você vai me preparar?

                Natália abriu a geladeira, e retirou uma de suas dezenas de “tuperware” muito bem organizadas, destampou-a e disse:

-- Risoto de frango.

-- Ah que decepção caipira! Um prato tão urbano...

                Natália apertou os olhos insatisfeita com a ironia da outra. Aqueceu o prato no microondas enquanto Diana continuava a importuná-la:

-- Você não tem algo que toque música? Um rádio de pilhas? Uma vitrola?

-- Tem meu notebook, ali na escrivaninha.

-- Nooossaaaa que moderno! Um notebook?

-- É Diana! E antes que você pergunte, não, ele não funciona a carvão.

                Diana riu estralou os dedos num gesto despojado disse:

-- Foi boa garota! Está aprendendo heim, fez a piada antes que eu fizesse, mandou bem, mandou bem.

                Jantaram o risoto, e Diana foi obrigada a dar o braço a torcer, se rendendo ao talento culinário da menina do interior.

-- Mamãe te preparou direitinho pra casar heim? Também sabe costurar, lavar, passar? – Diana foi sarcástica. – Por que se você fizer tudo isso, tão bem quanto cozinha, esqueça o direito, seria um desperdício o mundo perder uma dona-de-casa como você!

-- Eu não acredito que você pensa isso sobre a sina de uma mulher... Quer dizer que uma mulher só terá um grande carreira profissional se for um fracasso como “Amélia”?

                Diana encheu a boca com uma garfada para evitar responder a pergunta de Natália que insistiu:

-- Não acha que posso ter sido bem criada, para cozinhar bem, saber lavar, passar, costurar, para ser uma mulher independente e que é capaz de se virar sozinha em qualquer situação?

                Diana se viu sem poder de argumentação, envergonhada pelo deboche machista que fez.

-- Sabe de uma coisa caipira?

                Diana a encarou com um brilho no olhar diferente. Natalia esperou a conclusão do pensamento da outra atenta.

-- Você é uma caixinha de surpresas.

-- Esse é o melhor elogio que você consegue me fazer Diana?

                Diana sorriu divertida.

-- Quem disse que foi elogio?

                Natalia riu convicta que não seria tarefa fácil fazer Diana dar o braço a torcer.

-- Está tarde caipira, preciso ir.

-- Mas ainda está chovendo muito, não é seguro você ir.

-- E o que você sugere? Que eu durma aqui?

-- Se você não se incomodar em dividir o sofá-cama comigo...

                Diana olhou em volta, olhou para o sofá-cama e pra não quebrar a rotina disparou mais uma de suas pérolas:

-- Você não dorme de bobs na cabeça e de camisola de bolinhas não né?

-- Ai que garota mais chata! Não! Mas te empresto uma se você quiser!

CAPÍTULO 7 : Sensus Excitabat
Despertada pelos sentidos, despertando sentimentos.

                Diana parecia à vontade trajando aquela camiseta, exibindo suas pernas finas, mas, delineadas, pele alva, sem manchas, nem ficou tímida tentando esconder a calcinha, se espalhou no sofá-cama esperando Natalia que se trocava no banheiro.

                Natália surgiu trajando um baby doll minúsculo, evidenciando suas pernas torneadas, impecáveis, só comparadas às pernas das cantoras de axé baianas. Diana paralisou bestificada com aquela visão. Nunca imaginara que as roupas comportadas da menina do interior, escondiam um corpo tão sensual e delicado ao mesmo tempo. A dona da casa sequer percebeu os olhos atentos e fixos de Diana em seu corpo, inocentemente ingeria um copo d’água, para Diana aquele gesto imprimiu uma sensualidade surreal, a loirinha conseguia até ver a cena em câmera lenta, tamanha era a perfeição do que via.

-- Você quer água? – Ofereceu Natália.

-- Han?

                Diana foi desperta do transe.

-- Perguntei se você quer água.

-- Ah sim, por favor.

                Natália educadamente serviu o copo à Diana, que bebeu com voracidade evitando olhar para o corpo da novata que não poderia imaginar a reação que provocara na outra.

-- Como você dorme? No escuro, ou prefere que eu deixe a luz da cozinha acesa?

-- Escuro total! Se você não se incomoda, claro.

                Diana foi rápida na resposta. Pensava consigo mesma que a escuridão lhe daria a segurança de não ser denunciada pelo olhar de desejo que expressara ao ver Natalia naqueles trajes. Entretanto, mal sabia Diana, que Natália não despertaria só o seu sentido da visão, mas todos.

                O perfume de Natalia quando espalhou seus cabelos no travesseiro inebriou o olfato de Diana, o simples fato da novata se remexer na cama, fazendo sua pele roçar na pele da loirinha, arrepiava-lhe, provocando um desejo quase incontrolável de tocar aquela pele tão macia, delicada, como se seu tato precisasse daquele contato.

                A noite parecia não ter fim para Diana que lutou contra ela mesma para não dar vazão ao desejo até então escondido dela mesma, desde que conheceu Natália. A proximidade das duas, o lado determinado, confiante e maduro da menina do interior propiciou uma intimidade que Diana não estava preparada para entender.

                Como uma típica interiorana Natália acordou cedo. Olhou para a janela percebeu que a tempestade era coisa do passado, o sol já dava sinais de um dia lindo pela frente. Do seu lado, Diana dormia tranqüila, serena. Não pode evitar olhar para a loirinha que daquele jeito nem parecia à moça petulante e irritante que estava sempre com uma piada na ponta da língua. Natalia pode prestar atenção em cada detalhe do rosto delicado, se não a conhecesse, diria até que Diana era uma moça meiga, dada a face de anjo que a veterana tinha.

                Natália não conseguia compreender o porquê de estar tão presa à visão de Diana dormindo, mas passou minutos contemplando-a, antes de se assustar ao perceber sua hóspede se remexendo na cama. Levantou-se rapidamente e foi preparar o café-da-manhã das duas.

                Caprichou e nem sabia o motivo de tanto esmero para agradar Diana. Espalhou pelo balcão pão-de-queijo, café, leite, torradas, até bolinho de chuva Natália preparou. O barulho das panelas e pratos naquele espaço minúsculo acabou por acordar Diana, que com um humor nada agradável saudou a dona da casa.

-- Puta que pariu caipira!

-- Bom dia pra você também Diana.

-- Bom dia? Caraca você trouxe um galo na mala que te acorda quando o sol nasce? – Diana retrucou esfregando os olhos.

-- O sol já nasceu há horas minha cara!

                Diana espreguiçou-se, levantou e se espantou com a “mesa” posta.

-- Nossa! Tudo isso você fez pra mim?

-- Você se acha a última coca-cola do deserto não é? – Natália respondeu sem graça.

-- A última não, mas, a mais gelada e mais saborosa, com certeza sim.

                Diana abriu seu sorriso mais faceiro.

-- Não fiz tudo isso pra você não! Fiz pra mim, mas acho que vai sobrar um pouco pra você.

                Natália disfarçou.

-- Opa! Acho que se você não for rápida, não vai sobrar é pra você!

                Diana avançou no pão-de-queijo sem a menor cerimônia.

-- Se o Direito te decepcionar, você já tem ofício garantido caipira, abre uma padaria!

-- Vindo de você vou entender como elogio. Pelo menos você não me disse de novo que minhas habilidades são de Amélia.

-- O que ninguém gosta em São Paulo, eu adoro!

-- A poluição? Os engarrafamentos?

-- Não né! Esse clima maluco, de uma hora pra outra uma tempestade cai e olha só o sol hoje, nem parece que a cidade se acabava em água na madrugada.

-- É verdade.

-- Com uma luz dessas, não posso ficar parada. Vem comigo?

-- Pra onde?

-- Ah, resposta errada! Quando eu te fizer um convite, você deve responder sim, vamos?

-- Imagina se vou aceitar cegamente ir com você pra qualquer lugar!

-- Eu devia ter imaginado que uma caipira como você é bicho do mato também!

                Diana provocou, despertando a irritação de Natalia.

-- Vamos? – Natália disse levantando-se do banco.

-- Mas, você vai vestida assim?

-- Qual o problema?

                Diana olhou e mais uma vez ficou desconcertada ao se deparar com o belo par de pernas de Natalia.

-- É que... Não sei se de onde você veio é comum sair de pijama... Mas, aqui não!

-- Ué, você está preocupada com convenções? – Natália perguntou sarcástica.

-- Não estou preocupada, mas a gente não vai poder passar perto de um canteiro de obras, os peões vão te atacar!

                Natalia ruborizou.

-- Então, me dá vinte minutos e já me apronto.

-- Não demore, preciso passar no meu AP pra pegar umas coisas.

                Em exatos vinte minutos, Natalia estava pronta. Calça jeans justa, camiseta de alça, tênis, com um moletom nas mãos. O visual da novata apesar de simples e nos padrões de meninas da sua idade, para Diana se apresentou como figurino da sensualidade, delineando suas formas tão femininas.

-- Vamos?

                Diana acenou em acordo. Parou em sua casa no trajeto:

-- Não demoro, prometo só jogar uma água no corpo, trocar de roupa e pegar meu material.

                Ao contrário da quitinete que Natália morava, o apartamento de Diana era bem mobiliado, organizado, bem ventilado, com uma varanda na sala. Bem ao estilo da loirinha. Decoração clean, sofá espaçoso, pilhas de CDs próximo a uma aparelhagem de som moderna, e nas paredes uma exposição de fotos de paisagens, rostos, objetos, todas de muito bom gosto, bem produzidas.

-- Fique à vontade caipira, prometo que não demoro mais de dez minutos.

                Olhando em volta, Natália percebera que a realidade financeira da loirinha, era bem diferente da sua. Como prometera Diana não demorou.

-- Já voltei! Demorei mais de dez minutos?

                Natália saiu de sua distração para balançar a cabeça negativamente.

-- Vamos? – Convidou Diana.

-- Não sei bem pra onde, mas vamos.

                Diana sorriu, e caminhou em direção á porta, Natália esbarrou em uma escultura, e por pouco não espatifou a obra de arte no chão.

-- Desculpa Diana. – Natália disse sem graça.

-- Relaxa caipira, não seria um grande prejuízo não. Era só pedir a escultora ela faria outra pra mim.

-- Nossa que moral que você tem! O que o dinheiro não faz né?

                Diana ficou séria, e Natália percebeu que abusou da ironia no comentário.

-- Minha moral com a escultora não tem nada haver com dinheiro, até mesmo porque o dinheiro não é meu, é da minha família.

-- Eu não quis ser desagradável Diana, desculpe-me.

-- Vamos esquecer isso, a gente está perdendo tempo aqui.

                Em uma cidade repleta de paisagens tipicamente urbanas, não foi surpresa o destino das duas. Diana levou Natália a um dos poucos espaços naturais de São Paulo: o Parque do Ibirapuera.

                Diana abriu sua mochila e montou sua câmera sofisticada rapidamente, e como se cumprisse uma missão, não parou de clicar a paisagem, as pessoas, sob o olhar atento de Natalia.

                Natália estava mais interessada na veneração de Diana à fotografia, do que propriamente à bela paisagem. Sentou-se na grama e observou cada movimento, expressão e olhar da loirinha. Diana passou mais de uma hora fotografando sem parar, por momentos se afastou de Natália, até enfim sentar ao seu lado na grama e voltar ao seu comportamento normal.

-- E aí caipira? Gostou da surpresa? Esse é o máximo de mato que você vai encontrar em São Paulo, deu pra matar as saudades?

-- Até parece que você veio pra cá pra me agradar... Estava praticamente em transe enquanto fotografava.

-- Fotografia é minha paixão, por causa dessa paixão suporto o Direito.

-- O que tem Direito com fotografia?

-- Nada! Esse é um dos motivos pelos quais odeio tanto Direito.

                Natalia sorriu e insistiu:

-- Então, pode me explicar?

-- Meus pais nunca aceitariam me manter longe deles, na verdade meu pai, pra estudar fotografia. Decidi prestar vestibular pra Direito aqui em São Paulo porque aqui, além de estar a quilômetros de distância da vigilância de meu pai, ainda é a cidade onde tem os melhores cursos de fotografia do país. Por isso enrolo tanto a faculdade, preciso me profissionalizar em fotografia, juntar uma grana pra me especializar fora do país, poder me manter, viver de foto, e não depender mais dos meus pais.

-- Agora entendo... E eles apóiam você estudar Direito?

-- Completamente. Desde criança colocam isso na minha cabeça. Meu pai é um apaixonado por leis, as conhece profundamente mesmo que seja só para passar por cima delas com sua empáfia e moral deturpada, eu acho que por ele, latim não era língua morta, vive com expressões em latim na ponta da língua, que ele parece ter aprendido na faculdade, mas nunca freqüentou uma.

-- Ah, ele então é da área?

-- Você não sabe quem é meu pai? Sério?

-- Eu deveria saber?

                Diana ficou sem graça e mudou de assunto rapidamente.

-- Está com fome?

-- Nem vi as horas passarem... Acho que já é hora de almoço não é?

-- Eu esqueci a cesta de piquenique...

-- Sério? Você ia trazer uma cesta de piquenique? – Natalia perguntou surpresa.

-- Caipira só você mesmo... – Diana gargalhou – Olha minha cara de quem faz piquenique no Ibirapuera.

                Natalia mostrou a língua para a outra, numa expressão completamente infantil.

-- Vamos almoçar, estou faminta!

                O contato das duas na motocicleta despertava sensações desconhecidas para Natalia. Não sabia explicar, mas o corpo de Diana tão perto do seu, depois de conhecer uma face diferente da loirinha, menos pretensiosa, mais sensível, Natalia se via incapaz de sentir outra coisa que não fosse carinho e admiração pela loirinha, mas o carinho e a admiração eram confusos, escondiam sentimentos inéditos, que a menina do interior não se preocupava em decifrar, queria apenas desfrutar da companhia de Diana, sentir seu cheiro, escutar sua voz, rir com seu jeito despojado, ou simplesmente se encantar com as diversas faces que ela revelava.

                Almoçaram em um restaurante de comida regional, Diana não se cansava de provocar Natalia, que nem ligava mais pras piadas as quais era alvo. A afinidade entre as duas era inegável, apesar de serem opostas em planos, gostos, e histórias de vida.

                As horas passaram rápidas, e no final da tarde Natalia se viu obrigada pelo seu excesso de responsabilidade a por um fim no seu sábado de folga.

-- Diana, eu preciso voltar pra casa, tenho um trabalho de filosofia pra fazer...

-- Ah para com isso caipira! Filosofia?! Você escreve qualquer besteira e o professor vai achar super profundo! Filosofar é entrar em um quarto escuro, de olhos vendados e ainda conseguir achar um pontinho branco lá!

-- Posso usar essa definição no trabalho?

-- Fique à vontade! Imagina dispensar minha companhia pra filosofar!

                Natalia riu. E quando se preparavam para um novo passeio, para um rumo desconhecido, outra tempestade surgiu, Diana acelerou a motocicleta para seu apartamento, já que era mais próximo dali.
CAPÍTULO 8 PERMISSA VENIA  
* Com o devido consentimento

                Diana retribuiu a gentileza da noite anterior, oferecendo toalhas e roupas secas enquanto Natalia tomava um banho quente. Não teve pressa. Saiu à procura da dona do apartamento quando foi surpreendida pela própria:

-- Portuguesa ou Siciliana?

-- Ai que susto!

                Natália levou as mãos ao peito assustada.

-- O sabor da pizza caipira! Vou logo avisando que não tem de quiabo com carne seca!

-- Ah! Nem de milho?

                Diana apertou os olhos e apressou:

-- Fala!

-- Se não tem meus sabores prediletos, tanto faz.

                Diana fez careta pra outra, e voltou a falar ao telefone concluindo o pedido da pizza.

-- Minha vez de tomar banho! Você já conhece o espaço, então sinta-se em casa, mas não quebre nada!



                Diana brincou deixando Natalia sem graça. Tomou a liberdade de ligar o som, escolheu o CD mais improvável para o gosto da descolada estudante, mas, era um dos seus preferidos: Sandy e Junior. Escolheu a música predileta.

Esse turu,turu,turu aqui dentro
Que faz turu, turu, quando você passa
Meu olhar decora cada movimento
Até seu sorriso me deixa sem graça
Se eu pudesse te prender
Dominar seus sentimentos
Controlar seus passos
Ler sua agenda e pensamento
Mas meu frágil coração
Acelera o batimento
E faz turu, turu, turu, turu, turu, turu tu
Se esse turu tatuado no meu peito
Gruda e o turu, turu, turu, não tem jeito
Deixa sua marca no meu dia-a-dia
Nesse misto de prazer e agonia
Nem estou dormindo mais
Já não saio com os amigos
Sinto falta dessa paz,
Que encontrei no seu sorriso
Qualquer coisa entre nós,
Vem crescendo pouco a pouco
E já não nos deixa sós
Isso vai nos deixar loucos...
Esse turu,turu,turu aqui dentro
Que faz turu, turu, quando você passa
Meu olhar decora cada movimento
Até seu sorriso me deixa sem graça
Nem estou dormindo mais
Já não saio com os amigos
Sinto falta dessa paz,
Que encontrei no seu sorriso
Qualquer coisa entre nós,
Vem crescendo pouco a pouco
E já não nos deixa sós
Isso vai nos deixar loucos...
Se é amor, sei lá...
Só sei que sem você, parei de respirar
E é você chegar
Pra esse turu, turu, turu, turu, vir me atormentar
Se esse turu tatuado no meu peito
Gruda e o turu, turu, turu, não tem jeito
Deixa sua marca no meu dia-a-dia
Nesse misto de prazer e agonia
Eu desisto de entender
É um sinal que estamos vivos
Pra esse amor que vai crescer
Não há lógica nos livros
E quem poderá prever
Um romance imprevisível
Com um turu, turu, turu, turu, turu, turu, tu
Se esse turu tatuado no meu peito
Gruda e o turu, turu, turu, não tem jeito
Nem estou dormindo mais
Já não saio com os amigos
Sinto falta desse turu, turu, turu, turu, turu, tu.
 (Quando você passa – Sandy e Junior)


                Diana a flagrou acompanhando a música empolgada, até franzindo a testa nos tons mais altos da estrofe.

-- Bem que eu devia ter adivinhado, caipira só pode gostar de caipiras...

                Natalia retrucou:

-- Você também gosta dos caipiras... Afinal, o CD é seu.

-- Ah... Ganhei do Pedro, ele é meio sem noção... Não quis jogar fora porque ele perceberia.

-- Sei...

                Natalia fez cara de quem não acreditou na desculpa. Diana se jogou no sofá, praticamente colocando sua cabeça na perna de Natalia.

-- Até que você não é tão chata caipira... Exceto quando você puxa o R das palavras.

-- O que tem meu R?

-- As vezes acho que você vai se engasgar de tanto R que fica na sua boca!

-- Boba!

                Natália ficou sem graça.

-- Por que você gosta tanto de me irritar Diana?

-- É mais forte que eu!

                Diana fez cara de inocente, arrancando um sorriso discreto de Natalia.

-- Você também não é tão chata, acho que você no fundo é muito carente isso sim!

-- Ih... Nem vem com essa de me analisar não, guarde sua psicologia para explorar as testemunhas nos depoimentos, não vai funcionar comigo.

                Natalia sorriu.

-- Olha aí seu instinto de defesa! Fica aí se escondendo em ironias, sarcasmo, piadas, pra esconder a vulnerabilidade, a carência que sente. Toda sua pose de segurança, de menina forte é só fachada.

-- Ah caipira, você só passou algumas horas comigo, não me conhece.


-- Minha mãe sempre me disse, que eu sei ler os olhos das pessoas, e seus olhos são muito fáceis de ler Diana.

                A loirinha em mais uma de suas tentativas de se esquivar da seriedade do assunto, sentou-se e ficou de frente para Natália encarando-a e em tom jocoso, piscou os olhos e perguntou:

-- Então me diga agora o que meus olhos estão dizendo, pode me dizer o que quero através deles?

                As duas se encararam fixamente. Natalia não fugiu daquele par de olhos azuis que cintilavam para ela, e não temeu o que eles lhe revelavam sobre o desejo, assim como, Diana não escondeu daquelas esmeraldas reluzentes que eram os olhos de Natalia para ela o que estava guardado.

                Aproximaram seus rostos sem culpa, naturalmente, como se um ímã as atraísse para perto uma da outra.

                Inevitável deixar vir à tona a atração. Natalia gostava do que estava lendo nos olhos de Diana, e esta se rendia aos encantos da menina inocente do interior que se quer parecia saber sobre o seu poder de sedução.

                Com as bocas quase coladas, desenhando o beijo que se anunciara, foram interrompidas abruptamente pelo barulho da campainha.

                Separaram-se ofegantes. Diana se levantou rapidamente, caminhou até a cozinha e atendeu o interfone, deixando Natalia com taquicardia, completamente atordoada.

-- É a pizza...

                Diana disse visivelmente desconcertada.

-- Vou lá pegar...

                Natália concordou tacitamente.

                O silêncio perdurou durante o jantar. Devoraram a pizza como se quisessem manter as bocas ocupadas a fim de não se sentir obrigadas a falar no quase beijo trocado minutos atrás.

-- A chuva já diminuiu, eu vou indo Diana.

-- Eu vou te deixar...

-- Não, não é necessário, obrigada.

-- Eu nem sei te dizer qual ônibus você tem que pegar pra chegar até o fim de mundo que você mora, é perigoso, fico mais tranqüila eu mesma te deixando em casa.

-- Não precisa se preocupar, eu vou pra estação de metrô, de lá me viro.

-- Como é cabeça dura! É perigoso, está tarde!

-- Ora quem está se comportando como uma caipira na cidade grande agora?

                Diana não conteve o riso e Natalia a seguiu com um sorriso mais descontraído. O riso foi interrompido pelo estrondo de trovões. Diana olhou pela varanda e confirmou a suspeita.

-- Caipira, acho que você terá que ficar aqui mais tempo, a chuva está aumentando novamente.

                Natalia suspirou conformada.

-- Sabe jogar vídeo game? – Diana perguntou. – Aliás, você sabe o que é vídeo game?

-- Ah já ouvi falar, são homenzinhos presos numa caixa mágica controlados por uma máquina do mal.

                Diana franziu a testa estranhando a resposta.

-- É só um jogo caipira!

                Natália gargalhou.

-- Você é muito boba! Liga aí esse troço, vamos ver se sei jogar.

                Natalia não deu chance a Diana, ganhando todos os jogos de esporte e de luta, irritando a loirinha profundamente.

-- Não é possível! Ninguém ganha de mim nesse jogo! Como você sabe desse poder escondido?

-- Coisas da internet...

                Natalia sorria vitoriosa, enquanto Diana jogava o controle do jogo no meio das almofadas, fazendo bico de criança contrariada.

-- Vai ficar emburrada a noite toda? – Natalia perguntou.

-- Ai não enche garota!

-- Que evolução! Primeira vez que não me chamou de caipira.

                Diana não descruzou os braços, e nem desfez o bico. Natalia usou da mais antiga das armas pra arrancar o riso de alguém, avançou na cintura da moça fazendo cócegas, e imediatamente Diana estava se remexendo gargalhando, implorando:

-- Não! Para! Por favor!

                Não demorou até Diana cair por cima de Natalia retribuindo o gesto para se defender, até que sem forças, ambas se propuseram uma trégua. A loira permaneceu sobre o corpo de Natalia, presa ao seu olhar.

                Fusão de olhares.

                Troca de desejos.

                Os movimentos, o ritmo da respiração, das batidas do coração, não estavam mais sob controle das duas. Controle era o que menos elas desejavam ter naquele instante.

                O tempo parou para o encontro dos lábios. Diana aproximou sua boca da face de Natalia que nunca sentira um ímpeto tão forte de avançar na boca de alguém. Entretanto, o beijo não foi impetuoso, foi delicado, foi lento, dando a oportunidade de ambas saborearem o gosto dos lábios, o calor da respiração, o som suave dos suspiros de prazer. Não conseguiam separar as bocas, suplicantes por se unirem indefinidamente. Emendaram outro beijo, agora mais faminto, lânguido, acompanhado do percurso envolvente das mãos das duas explorando os corpos quentes que vibravam a cada toque.

                Não houve espaço para questionamentos, só a entrega do desejo puro, esse desejo justificava qualquer contrassenso, derrubava qualquer argumento que se levantasse contra a formação tradicional da menina do interior. Os corpos se davam libertos, quando o batido seco de palmas interrompeu o momento de Diana e Natalia:

-- Muito bem Diana, estava demorando até você mostrar sua verdadeira personalidade!

CAPÍTULO 9 - Culpa in comitendo

Culpa em cometer, agir por imprudência. É a culpa que surge em decorrência da prática de um ato que causa prejuízo. Quando não cuida de algo que pode vir atingir a terceiros ou a própria pessoa.

                Diana ficou de pé num movimento só. Caminhou em direção à mulher que fulminava Natália com os olhos, com a desculpa mais clichê de todos os tempos:

-- Não é nada disso que você está pensando!

                Natália completamente perdida na situação formulou mil hipóteses sobre quem seria aquela mulher alta, de cabelos ruivos curtos e desfiados, olhos negros, poderia ser alguma tia de Diana, afinal era muito jovem para ser sua mãe, mas velha demais para ser sua irmã.

-- Não insulte minha inteligência Diana! Não estou pensando nada! Eu vi!

-- Mas... Não significa nada...

                Diana parou a justificativa se enrolando com as palavras, sem saber ao certo as conseqüências delas naquele momento.

-- Eu antecipo minha volta por estar preocupada com você que não me dá notícias desde ontem, e olha o que recebo de surpresa! Um belo par de chifres!

                Natalia arregalou os olhos e se sentiu a última das mulheres. Enquanto Diana tentava em vão acalmar a ira da sua suposta namorada.

-- Meu amor, eu posso explicar...

-- Explicar? Diana faça-me o favor! Até demorou pra você procurar uma menininha da sua idade, mas não esperava que você fosse tão vil, trazer outra mulher para dentro da casa que você me chamou para dividir semanas atrás! Como você pode?

                Natalia estarrecida com a situação, e profundamente humilhada, com a declaração de Diana ecoando em sua mente: “não significa nada”, levantou-se e caminhou em direção à porta depois de recolher sua bolsa.

-- Ei mocinha onde você pensa que vai? – A mulher furiosa perguntou.

                Natalia empalideceu, engoliu o pigarro e respondeu altiva:

-- Pra qualquer lugar longe dessa confusão que não significa nada para mim.

-- Você fica, quem vai pra longe dessa confusão sou eu, continuem a se esfregar aí, eu tenho mais o que fazer.

-- Júlia espera meu amor, não sai assim!

                Júlia não esperou, bateu a porta com força, deixando o apartamento de Diana. O clima que se instalou não podia ser mais estranho. Diana se jogou no sofá levando as mãos à cabeça, olhando para o teto, enquanto Natália se perguntava o que ainda fazia ali, na cabeça uma confusão de sentimentos e sensações, na garganta, desaforos e insultos presos, no olhar uma mágoa inédita, inenarrável.

                Abriu a porta, mas, antes de sair, Diana lhe interpelou:

-- Você vai embora?

-- O que você acha?

                Natalia fez menção de sair quando foi impedida mais uma vez por Diana.

-- Ei! Você não precisa ir embora, está louca? Já é madrugada!

-- Perigo maior estou correndo aqui, louca eu fui de confiar em você!

                Natalia saiu, mas, Diana lhe puxou o braço e trancou a porta.

-- Você não vai a lugar nenhum!

-- Quem você pensa que é pra mandar em mim? Afinal não significo nada pra você! Por que você significaria algo para mim?

                Diana baixou os olhos, fugiu da mágoa que jorrava pelos olhar e palavras de Natalia.

-- Eu não quis dizer aquilo, estava nervosa com a presença de Júlia, fiquei atordoada, não sabia o que estava falando. – Diana tentou se justificar.

-- Não queria dizer, mas disse! Quer saber Diana? Não quero olhar na sua cara nunca mais! Quero ficar longe de você! Não sei o que você tem com essa mulher, e nem quero saber! Agora abra essa porta!

-- Entendo que você me odeie e queira ficar longe de mim, mas, não coloque sua vida em risco por minha causa, espere amanhecer, durma no sofá, prometo que não vou te importunar.

                Natalia não respondeu, jogou a bolsa na poltrona, engoliu o choro, não permitiria que Diana visse uma lagrima no seu rosto. Em silêncio Diana deixou cobertor e travesseiro no sofá, enquanto Natalia mantinha seu olhar perdido na réstia de luz que entrava pela varanda.

                Naquele resto de noite, nem Natalia, nem Diana dormiram. Separadas fisicamente por paredes os pensamentos estavam ligados. Uma se martirizava por ter cedido a um desejo inconseqüente, errado, escuso, pecaminoso, quando refletia sua atitude de beijar uma mulher. Martirizava-se ainda mais, por sentir seu corpo queimar ressentindo as sensações daquele beijo, imaginando o que poderia ter acontecido se não fossem interrompidas. E quando pensava na interrupção, o martírio era ainda maior, as imagens se confundiam com o eco da discussão entre Júlia e Diana acentuando o turbilhão de sentimentos contraditórios que inundavam seu interior. A outra se punia pela dupla mágoa que causara, se punia por desejar tanto Natalia, por ter traído Júlia, mas principalmente sofria por saber que Natalia estava tão perto e naquele momento era intocável pra ela.

                Natalia testemunhou o sol nascer, como liberta de um castigo, saiu daquele apartamento disposta a nunca mais retornar.

                Diana amargou a certeza de que Natalia não lhe perdoaria tão fácil, quando percebeu que esta deixara o apartamento muito cedo, sem recados, sem despedidas. Amargou ainda a tarefa de procurar Júlia, e tentar sanar a situação caótica que se instalou no seu namoro com o flagrante da traição.

*******

                Julia não se moveu ao notar a chegada de Diana no seu estúdio. A mulher de seus 35 anos era uma escultora de renome internacional, mas pouco conhecida no Brasil. Mantinha uma relação com Diana há quase um ano e meio, fora responsável por apresentar a loirinha o mundo das artes, indicar cursos e profissionais do melhor gabarito para sua carreira como fotógrafa, além de abrir o olhar da jovem para a sensibilidade de fotos artísticas, em suma, deu ao talento de Diana o molde da arte, talvez por isso, a loirinha além de ter pela escultora uma admiração inabalável, tinha também uma gratidão imensurável.

                Já havia algum tempo que Diana não diferenciava o que sentia por Julia se amor ou uma grande amizade. Verdade seja dita, Julia lhe ensinara muito sobre tudo, sobre arte, história, música, e também sobre a relação entre mulheres, sexo, além de ser de longe a companhia mais agradável para qualquer programa.

-- Oi, precisamos conversar. – Diana falou mansa.

-- Fale em primeira pessoa Diana, você pode precisar conversar, eu não. – Júlia disse sem olhar para Diana.

-- Júlia, eu me sinto péssima pelo que fiz, não tinha o direito de te magoar assim...

-- Você quer que eu lhe conforte por se sentir mal com o que fez?

-- Não é isso Júlia! Eu quero que você me perdoe, foi um deslize, me deixei levar pelo clima, mas não teve importância, foi só um beijo...

-- Diana chega! – Julia se levantou e caminhou em direção a Diana. – Você sabe muito bem o que penso sobre relacionamentos, que não tolero deslealdade nem de amigo, que dirá de namorada. Se não teve importância pra você, isso é ainda pior! Por que você me traiu por algo sem importância.

-- Júlia eu juro foi só um beijo!

-- Diana para! Eu te conheço muito bem, só foram beijos por que cheguei antes que você comesse a menininha! Por que era isso que ia acontecer ontem!

-- Você me conhece, e acha que te trairia despudoradamente assim?

-- É por te conhecer que digo: o que vi ontem, não foi algo sem importância.

-- Como assim?

-- Diana, você sabe perfeitamente do que estou falando.

                Julia lavou as mãos e deu as costas a Diana, em uma atitude metafórica, a escultora encerrou a conversa que não queria ter, apelando para a inteligência e sensibilidade de Diana, fazendo-a entender que era o fim.

*******

                Natalia tentou enganar seus próprios pensamentos, tentando em vão achar uma explicação sensata que justificasse a inquietude do seu corpo, da sua mente, quando revivia involuntariamente os momentos que passara com Diana.

                Passou o dia inteiro para fazer um trabalho bobo de filosofia, a única linha que conseguia escrever, envolvia o conceito que Diana lhe dera, dezenas de folhas amassadas foram o saldo do dia, ao final, um amontoado de respostas sem sentido.

-- Pra filosofia deve servir.

                Pensou sozinha.

                Em lados opostos da cidade, Diana e Natália estavam juntas, se revirando na cama, atestando a insônia como companheira da noite. Natália não conseguia assimilar como sua paz fora abalada tão bruscamente, e o mais estranho de tudo, era que não sentia arrependimento. Era uma afronta á sua sensatez, precisava esquecer o que acontecera e principalmente, banir Diana da sua vida.

CAPITULO 10: Faciem aliis
*O rosto do outro


                Pedro esperava Natália na porta da biblioteca no final da tarde de segunda-feira. Natalia lhe deu um sorriso insosso e o cumprimentou friamente.

-- Ainda chateada comigo?

-- Não, só estou cansada Pedro, não dormi bem esta noite, e foi um dia puxado.

-- Aceita lanchar comigo, um sorvete talvez?

-- Vai ficar pra outro dia Pedro, desculpe-me.

                Natalia falou apressando os passos saindo do prédio.

-- Posso te acompanhar até em casa?

-- Você mora a quinze minutos daqui e está se oferecendo pra atravessar a cidade em horário de pico pra me acompanhar?

-- Gosto de sua companhia oras!

-- Pedro, hoje eu não sou boa companhia nem pra mim mesma, combinamos qualquer coisa outro dia.

                Natália se despediu de Pedro apressadamente, deixando o rapaz decepcionado, e seguiu para o ponto de ônibus. Como esperado, estava lotado, os ônibus então, impossível enfrentar o desafio de entrar em algum deles.

                Em meio ao tumulto das pessoas tentando se espremer para entrar no ônibus, Natalia foi empurrada, caiu no asfalto, e um trombadinha se aproveitou para afanar sua mochila para o desespero da moça.

                Testemunhas alertaram sobre o assalto, e heroicamente, Lucas derrubou o trombadinha no chão, o rendeu, enquanto uma viatura policial se aproximava. O jovem recolheu a mochila de Natalia e correu em direção à moça para ajudá-la:

-- Você está machucada gatinha? – Lucas perguntou.

-- Está tudo bem, só uma escoriação mesmo.

-- Suas jóias, donzela.

                Lucas brincou entregando a mochila a Natalia.

-- Lucas, nem tenho como agradecer pelo que fez.

-- Fica de boa gatinha, não fiz mais que minha obrigação de defensor da lei.

                O jeito brincalhão de Lucas arrancou um sorriso de Natalia.

-- Vamos dar um jeito nesse machucado? Ali tem uma farmácia. – Lucas indicou.

-- Não é preciso, tenho um band-aid  e água aqui na mochila.

-- Que menina prevenida! Mas não acha melhor lavar com água e sabão? Ou você também tem sabão na mochila?

-- Na verdade tenho... – Natalia exibiu a saboneteira guardada dentro da mochila.

                Lucas tapou o rosto com as mãos, balançando a cabeça.

-- Ai gatinha, você é uma figura. Vou ser seu enfermeiro, e vou cuidar disso aí, me dá o material.

                O rapaz foi atencioso, e durante todo o tempo que prestava o cuidado, fazia Natalia sorrir com alguma careta engraçada ou piada, inclusive soprando no machucado.

-- Prontinho!

-- Quanto devo ao senhor enfermeiro?

-- Deixe-me calcular os custos... – Colocou a mão no queixo, olhando para cima – Exposição a agentes de risco contaminantes, a pagação de mico por fazer isso em público, mais meus honorários... Isso vai dar... Um café na padaria!

-- Ah jura? Vejo que seus serviços são baratos, será que você vai ser um daqueles advogados que recebem galinha, bode, ticket refeição como pagamento?

-- Olha se for de uma cliente linda como você... Aceitarei sim.

-- Sei... Um mulherengo liso basicamente!

                Lucas gargalhou e retrucou:

-- Mas feliz por cumprir meu dever com a justiça.

                Sorriram juntos. Caminharam em direção à padaria, a poucas quadras dali. O mau humor de Natalia se dissipou com o astral contagiante de Lucas.

-- Gatinha, você precisa provar o sonho que tem aqui, um absurdo de recheio de doce de leite!

-- Vou ter que passar fome o resto do dia se comer isso!

-- Por quê? Vai me dizer que você é como essas meninas chatas que vivem de dieta!

-- Não, mas vou ter que começar a ser.

-- Ah para com isso! Com um corpo monumental como o seu, pra quê se preocupar com isso?!

-- Deixa de exagero! Não sou gorda até hoje porque sempre pratiquei esportes, mas, como exageradamente, adoro comer! Mas, aqui, estou completamente sedentária.

-- Que esportes você praticava?

-- No colégio eu nadava e jogava handball. Depois que saí, eu e um grupo de amigas nos encontrávamos pra jogar vôlei uma vez por semana.

-- Ah, porque você não entra no time do curso de Direto da faculdade?

-- Nem sabia que tinha!

-- Ah, mas tem sim, posso te apresentar às meninas do time, uma delas vive lá na república vizinha a nossa.

-- Ai Lucas, eu quero sim!

-- Então fica combinado, falo com a Carlinha, e peço pra ela te procurar na sua sala.

                Lucas tinha a mesma docilidade que Pedro. Mas, era mais simpático, mais descontraído, talvez por isso, fosse mais popular entre os colegas. A conversa bem humorada do rapaz fez Natalia perder a hora, quando se levantava apressada a fim de seguir para o ponto de ônibus, foi surpreendida por Pedro, que num tom irritado indagou:

-- Estava cansada demais pra mim ou já tinha encontro marcado com meu irmão Natalia?

-- Pedro?!

                Natália exclamou desconcertada.

-- Esperava isso do palhaço do meu irmão, que cismou de querer tudo que é meu agora, mas de você? De menina boba do interior você não tem nada!

-- Opa! Que é mano?! Para de ser grosso! Você tá vacilando! – Lucas tentou acalmar o irmão.

-- Cala a boca Lucas! Pensei que nosso papo de ontem tinha esclarecido as coisas, mas vejo que não!

                Lucas acenou em desacordo. Natália que odiava exposição preferiu o silêncio, recolheu sua mochila e saiu do local, sendo seguida pelos gêmeos. Foi alcançada a poucos metros, Pedro insistia em cobrar explicações.

-- Você está ficando boa nisso, em dar mole pro meu irmão e sair sem me dar explicações. – Pedro disse ironizando.

                Natalia ignorou apressando os passos.

-- Bem que a Diana me preveniu sobre meninas como você!

                O fato de Pedro citar Diana chamou a atenção de Natalia, que parou imediatamente e indagou exasperada:

-- O que a Diana disse sobre meninas como eu?

-- Disse naquela noite do trote que essas meninas do interior se fazem de inocentes e santas, mas são muito piores que as da cidade grande! Você beijou o Lucas naquela noite, sabendo que não era eu!

-- É isso que você acha?

-- É!

                Natália agora mais furiosa encarou Pedro nem um pouco intimidada com as ofensas do rapaz. Deu-lhe as costas e caminhou altiva até Lucas que até então assistia a discussão calado, envolveu seus braços no pescoço do rapaz, avançando na sua boca, roubou-lhe um beijo avassalador.

                Pedro apertou os olhos e cerrou os punhos na tentativa de conter sua raiva, quando Natalia se afastou de Lucas, e disse:

-- Agora eu beijei sabendo que não era você, e quer saber? Ele beija bem melhor! E só pra sua informação, nunca dei uma de santa nem de inocente, vocês me rotularam assim, posso ser muito pior do que inclusive, a sua queridinha Diana! E que fique claro de uma vez por todas: NÃO SOU SUA! NÃO LHE DEVO EXPLICAÇÕES!

                Saiu pisando firme, Lucas contendo o riso a seguiu, deixando o irmão mergulhado na própria ira, chutando o que encontrava pela frente.

-- Natalia espera! Vou te acompanhar até o ponto!

-- Não é preciso Lucas!

-- Se estava perigoso aquela hora, imagine agora! Prometo que vou ficar calado, serei apenas seu guarda-costas.

                Natalia consentiu. Enquanto esperava sua condução foi sincera com Lucas:

-- Eu quero te agradecer pelo que fez hoje Lucas, você foi maravilhoso. Desculpe-me pelo beijo, queria ferir seu irmão, que não sei por que tomou posse de mim.

-- Opa gatinha! Sempre que precisar me usar, fique à vontade!

                O rapaz brincou.

-- E outra coisa: não brigue com o Pedro por minha causa, não quero problemas com a tutora de vocês.

-- Você está falando da Diana?

-- Sim.

-- Ah relaxa gata. A Diana é só uma amiga, se sente responsável por nós, mas é bobeira, eu e Pedro sempre encrencamos assim um com o outro, mas sempre nos entendemos, ele é meu companheirão sabe, desde que nosso pai morreu ele assumiu essa postura mais séria, mais madura, está sempre cuidando de mim.

-- Por isso mesmo, não vale a pena se desentender com ele.

-- Sossega ta? O Pedro tem que aprender a te tratar melhor, mereceu essa lição. Agora entendo por que ele está tão encantado por você, não é só linda, é forte, divertida, não é difícil se apaixonar por você.

                Natalia ruborizou e antes que um clima de flerte se configurasse claramente, desviou o olhar para o veículo que se aproximava, enfim, era seu ônibus. Despediu-se do rapaz depois de ganhar um beijo na testa e seguiu para casa ainda mais confusa que no dia anterior.

CAPÍTULO 11 Potestatem Argumentandi
*O poder da argumentação

                Diana não se conformava com o término da relação com Julia. Tentou falar com sua ex-namorada diversas vezes durante o dia, mas foi ignorada em todas as tentativas. Não suportava lembrar que decepcionara de maneira drástica alguém tão importante em sua vida. Mas, não era só a culpa por magoar Julia que tirou a paz e o sorriso da loirinha naquele dia.
               
                Natália não saia da sua cabeça.

                Diana reviveu cada momento em sua mente, as risadas, as conversas, o sorriso, o olhar, o gosto, o cheiro, os beijos, e pior, a ira, a mágoa dela em cada palavra, nos olhos marejados, calavam fundo os sentimentos confusos da loirinha.

                Evitou o andar do primeiro semestre naquele dia, não poderia ficar imune à presença de Natália, não era capaz de encará-la. Entretanto, na terça-feira, o encontro seria inevitável: aula de IED, não podia perder aula da doutora Dorothea, esse semestre precisava passar nessa disciplina, sua situação acadêmica estava insustentável.

                Sem seu brilho peculiar, adentrou na sala do primeiro período, o primeiro rosto a encontrar foi o que ocupou seu pensamento nos últimos dias: Natália.

                Os olhos se encontraram e se mantiveram fixos, mesmo à custa da razão ditar o contrário, se buscaram se conectaram. Diana sabia que estava sendo lida por Natalia, e esta, detestava entender o que os olhos da outra denunciavam, por que não queria se sentir tão incomodada, tão inquieta com isso, com a presença de Diana.

                Foram apenas segundos, mas foi tempo o suficiente para provocar em ambas a avalanche de respostas fisiológicas que levam o corpo a se questionar sobre duas atitudes: lutar ou correr. Corações acelerados, respirações sobressaltadas, tremores, palidez, suores, voz travada.

                Natália foi a primeira a decidir lutar. Desviou o olhar, abriu um livro e o folheou com dificuldade, disfarçando suas mãos trêmulas. Diana por sua vez, optou pela luta, não fugiria da presença de Natalia, uma vontade incontrolável de ficar perto dela lhe fez escolher a cadeira paralela, uma das primeiras cadeiras da fila.

                Doutora Dorothea entrou na sala e imediatamente notou a presença de Diana, em uma disposição incomum na aula.

-- Não há vida social sem a presença de regras que venham a reger, com rigor, o procedimento das pessoas. É isso que nos difere dos animais, o homem precisa estar submetido a normas de conduta social. Normas de conduta social são regras que disciplinam o agir, o comportamento do homem na sociedade. As regras jurídicas são uma das espécies de normas de conduta social. Quando essas normas são desrespeitadas, cabe ao homem uma sanção, uma punição. Diana, você que já é praticamente uma estudiosa de IED, me diga, quando essas normas de conduta social são passíveis de sanção?

-- Quando as regras jurídicas são contrariadas.

-- E quem cria essas regras?

-- O homem.

-- Então o homem sanciona a ação do próprio homem?

-- Sim, o homem cria as regras jurídicas, que também são regras éticas.

-- Você chegou a um ponto interessante: regras éticas! As normas éticas preocupam-se com os fins da ação humana, com o que o indivíduo pode ou não pode fazer a fim de comportar-se de modo adequado aos padrões socialmente estabelecidos. A ética rege os princípios morais, então, descumprir as regras éticas, se configura em crime?

-- Não. O cumprimento das regras éticas é facultativo.

-- Entretanto, quem não as cumpre, são imorais não concorda?

-- Depende de quem julga a ética de outra pessoa.

-- Moral é algo que deveria ser obrigatório, não facultativo para quem cria e administra às regras jurídicas, a ética no Direito não é pessoal.

-- Concordo. E ainda afirmo que o Direito deve ser instrumento para aplicação da justiça e bem comum, não um meio para obtenção de vantagens individuais.

                O embate entre a professora e Diana se transformaria discretamente em uma discussão de cunho pessoal, deixando claro que a antipatia recíproca não era gratuita, e aquele semestre era um round importante a ser vencido na vida acadêmica de Diana doutora Dorothea não facilitaria, especialmente porque Diana sabia onde e como atingi-la nas discussões.

-- Justiça e bem comum pode implicar em benefícios pessoais, desde que a ética seja respeitada, e preconceitos sejam subjugados, concedendo os benefícios a quem os são por direito. Isso é fazer justiça. – Com as bochechas mais rosadas, a professora tentou rebater.

-- Realizar a Justiça é tratar “os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida em que se desigualam eis o Princípio da Equidade baseado na visão de Aristóteles a respeito da igualdade”. É dar a cada um o que é seu, conforme o seu merecimento. Praticar isso derruba a empáfia, cessa o poder de quem não sabe regê-lo, ou seja, enaltece a ética e suas normas.

                Diana parecia ter se preparado para deixar Dorothea sem argumentação. O resto da sala ignorava o teor da discussão, exceto os alunos, como Natália, que reconhecia o conteúdo da disciplina implícito em cada argumento, por ter se adiantado no estudo da disciplina depois da primeira semana de aula.

-- Vejo que o Direito não lhe é mais tão desprezível como em semestres anteriores Diana.

                Dorothea disse disfarçado sua frustração por não ter conseguido humilhar a aluna na discussão.

-- Nunca achei o Direito desprezível meritíssima, desprezíveis são alguns que o usam como ferramenta de opressão, manobras ilícitas e imorais, a serviço de seus próprios interesses ou de terceiros.

-- Alguém mais concorda com a colega?

                Silêncio na sala. Ninguém teria a coragem de tomar partido contra a professora. Natália que observava intrigada e principalmente, encantada com a desenvoltura de Diana que não se intimidou com a sabatina da professora, num impulso disse:

-- Eu concordo.

                Não só Dorothea fixou os olhos em Natália, Diana também o fez, surpresa com o apoio solitário da moça.

-- Pois muito bem. As duas que acham que concordam nesse ponto, estão responsáveis por trazerem na próxima aula, casos dos últimos cinco anos, nos quais princípios éticos e morais foram desrespeitados em sentenças, ou foi como a digníssima aluna definiu: “manobra imoral, ferramenta de opressão” caracterizaram a prática do Direito no Brasil, para discutirmos em sala.

                Natalia manifestou o arrependimento imediato com uma careta ao ouvir a “sentença” da professora, punindo-a por ir contra suas regras no seu embate pessoal contra Diana, esta por sua vez recebeu com um sorriso a sanção, por que para ela, naquele momento, se configurava como prêmio por ter vencido a argumentação com a professora, teria alguns momentos mais perto de Natália.

                Concluída a aula, o buchicho entre os alunos era um só: a discussão acirrada entre Dorothea e Diana. Protagonista do debate, a loirinha se aproximou de Natália puxando assunto:

-- Quando podemos nos reunir para prepararmos o trabalho?

-- Por mim, você faz sozinha, foi você quem a provocou.

-- Eu posso fazer sozinha, mas sou obrigada pela ética a relatar isso na ocasião da apresentação.

                Natalia bufou. Apertou os olhos e disparou:

-- Sua ética envolve delatar colegas?

-- Não, minha ética envolve ser fiel aos meus desejos, e meu desejo é fazer essa pesquisa com você.

                Natalia não sabia dizer se sentiu mais raiva ou prazer com a declaração, se deu por vencida e disse:

-- Hoje, depois do almoço na biblioteca, não se atrase!

-- Mas, tenho compromisso, não posso hoje.

-- Imagino seus compromissos... Desmarque seu compromisso com sua namorada, e não se atrase, tenho muito que fazer!

                Diana conteve o riso de satisfação, por sentir o ciúme embutido na exigência da moça, nem explicitou que o compromisso não era com Julia, deixando Natalia acreditar que acertara na suposição.

                Quando saía da sala, sendo seguida de longe por Diana, Natalia foi abordada por uma jovem que perguntou:

-- Você é a Natalia não é?

                Ainda descontrolada pelo curto diálogo com Diana, e receosa pelo escândalo que lhe expôs nos primeiros dias como caloura, Natalia foi agressiva na resposta:

-- Por que você quer saber?

                A moça se assustou com o tom da novata e se defendeu:

-- Ei menina, calma aí! O Lucas me pediu pra te procurar, ele me disse que você estava querendo entrar no time de vôlei do curso.

-- Ah! – Natalia se desarmou e pediu constrangida. – Desculpe-me, como sou grossa, perdoe-me, por favor. Você é a Carla?

-- Sim.

-- Estou nervosa com um trabalho que a professora passou, desculpe-me.

-- IED não é?

-- Isso mesmo.

-- Não se estresse tanto no começo, por que vai ficar muito pior! E a Dorothea adora causar o terror.

-- Percebi. – Natalia disse convicta.

-- Bem, sobre o time, treinamos aos sábados no ginásio poliesportivo, a partir das 7 da manhã, apareça por lá, estamos nos preparando para os jogos universitários que acontecerá próximo mês.

-- Estarei lá!
                Diana observou a conversa de rabo de olho e não se conteve quando Carla se despediu.

-- Você andou falando com o Lucas?

                Natalia viu a oportunidade de plantar a desconfiança em Diana, e lhe provocar:

-- Não que isso te interesse, mas conversamos muito sim, e descobri que ele é um cara maravilhoso, além de fofo.

-- Mas... E o Pedro?

-- O que tem o Pedro? Não tenho nada com o Pedro, nem com ninguém, estou completamente livre.

                Visivelmente irritada, Diana retrucou:

-- Você está brincando com os dois não é?

-- Se eu estiver os dois são bem grandinhos pra decidir se querem ou não brincar.

-- Não vou permitir isso!

-- Quem é você pra permitir algo? Além do mais, não tem moral pra falar de quem brinca com os outros, você é especialista nisso.

                Diana sentiu o ataque, baixou os olhos e respondeu:

-- Acho que me enganei a seu respeito.

-- Possivelmente... Não sou nem a moça inocente que todo mundo engana, nem tampouco a menina do interior que se faz de santa.

                Diana percebeu que Natalia usara as mesmas palavras as quais ela mesma a definiu para Pedro.

-- Santa ou não, você não vai usar meus amigos para me atingir, tenha certeza disso.

                Diana saiu a passos rápidos, obrigando Natalia a engolir o discurso que preparara para rebater a acusação da outra, só pode então berrar:

-- Não se atrase!

CAPÍTULO 12 Cooperantur
*Trabalhar em conjunto


                Diana entrou na biblioteca depois de conferir seu visual usando como espelho a porta de vidro, encontrou Natalia com aparência emburrada, conferindo a hora no relógio.

-- Você está uma hora atrasada!

-- Eu não! Você marcou depois do almoço, acabei de almoçar!

-- São duas horas da tarde!

-- Ah caipira, dá pra você ser menos chata por alguns momentos?

-- Você é muito abusada, estou te fazendo um favor sabia?

-- Não mesmo! Madimbú passou a trabalho para nós duas!

                Natalia bufou e disse irritada.

-- Vamos terminar logo isso! Achei algumas reportagens, acho que podem render uma boa discussão.

                Diana analisou o material que Natalia organizou, em sua mente, buscava algum defeito na pesquisa da novata, intencionando prolongar a reunião de estudo entre elas.

-- Muito fracos esses casos. Madimbu vai nos massacrar, derrubar fácil nossos argumentos.

-- Fracos? Temos argumentos de sobra de quebra de decoro, de corrupção...

-- Sem nenhuma prova caipira! Com a máxima mais conhecida do Direito ela nos deixará sem qualquer argumentação: todos são inocentes até que se prove o contrário.

-- Mas há uma gravação provando o suborno... Como não há provas?

-- Não autorizada pela justiça, não tem peso como prova porque é ilícita.

-- Então eu passei uma hora aqui trabalhando em vão!

                Natalia se exaltou indignada e ouviu um coro de “shiiiii” dos outros estudantes na biblioteca. Diana riu e disse:

-- Aqui não vamos encontrar o que precisamos, vem comigo.

-- Pra onde?

-- Resposta errada de novo!

                Natalia revirou os olhos.

-- Não vou com você pra canto nenhum sem saber onde!

-- Da outra vez que te levei, te meti em alguma encrenca?

-- Não, mas...

-- Não enrola então caipira, vamos logo!

                Diana levantou-se, colocou as mãos na cintura e repetiu:

-- Vamos logo caipira!

                Feito criança contrariada, Natalia recolheu as coisas resmungando, e saiu pisando firme, seguida de Diana, que continha o riso. Sair mais uma vez com Diana não estava nos planos de Natalia, especialmente estreitando o contato físico inevitável na garupa da motocicleta da loirinha.

                Diana se deliciava com as mãos da novata envolvendo sua cintura, por isso, fazia questão de dar freadas bruscas, obrigando Natalia a se aproximar ainda mais. Chegaram até um pomposo prédio na Praça da Sé.

-- Que lugar é esse?

-- Tribunal de Justiça de São Paulo.

-- Mas o que estamos fazendo aqui?

-- Pensei que nosso trabalho envolvia processos, onde achar mais processos do que aqui?

                O tom sarcástico de Diana irritou ainda mais Natalia, mas a loira não se intimidou.

-- Não fique muito longe de mim, se não você se perde.

                Diana disse evitando encarar Natalia para não rir na frente dela.

                Chegaram até uma sala no fundo de um longo corredor em um dos últimos andares do prédio. Diana cumprimentou uma das funcionárias com intimidade.

-- Oi Lu! Tudo bem lindona?

-- Di! Menina sumida! Tudo bem sim, e você o que faz por aqui?

-- Precisando de um favorzinho seu...

                Natalia observava curiosa e com cara de poucos amigos a proximidade das duas, que trocavam sorrisos, afagos nos braços e ombros uma da outra.

-- Você manda!

                Diana fez questão de cochichar bem perto da moça, tinha certeza de estar sendo vigiada por Natalia, não podia deixar de provocá-la.

-- Você vai ter muito trabalho, mas vou te dar uma força, entre aqui.

                A suposta amiga íntima de Diana trabalhava no setor de arquivos do tribunal, e autorizou a entrada das estudantes para realizar a pesquisa.

-- Nessas prateleiras tem os processos cíveis, naquelas lá de trás, os processos criminais, pra sua sorte, iniciamos a digitalização dos processos, e alguns, os mais bizarros que encontramos, estão separados naquele monte lá no canto.

-- Aquela pilha do meu tamanho? – Natália perguntou assustada.

-- Isso mesmo... Divirtam-se!

                Natalia se aproximou da pilha de pastas e espantada disse:

-- Não sairemos daqui nunca mais!

-- Deixa de exagero caipira. Não somos obrigadas a ler todos! Escolhemos uns dois casos interessantes, depois elegemos o mais adequado e pronto.

-- Você faz tudo parecer tão simples!

-- Porque é simples! Deixa de enrrolação e vamos trabalhar!

                Acomodaram-se no chão mesmo, e começaram a ler as intermináveis pastas com processos igualmente extensos. Natalia franzia a testa ao se deparar com toda aquela linguagem técnica e rebuscada que Diana já tinha aprendido a decifrar.

-- Esse é interessante, olha só: o juiz julgou a favor da requerente, concedendo-lhe o direito de se masturbar três vezes ao dia durante o trabalho, depois de um laudo comprovando a necessidade fisiológica da mulher, portadora de uma síndrome rara que exige uma quantidade mínima de orgasmos diários para manter sua homeostase.

                Diana gargalhou após resumir o que leu.

-- Mas isso pode? – Natalia perguntou com cara de espanto?

-- Pode o que? Masturbar-se no trabalho? Ou o juiz autorizar isso?

-- As duas coisas!

-- Ah sei lá! Mas já imaginou conviver com uma mulher dessas em um ambiente de trabalho? Dá licença, hora do meu cafezinho, e ela responde: dá licença minha hora de gozar!

                Natalia tentou segurar o riso, mas não conseguiu. E o clima de risos entre relatos de processos bizarros ditou as horas de pesquisa entre as duas. As horas avançaram e elas só perceberam o quanto já era tarde, quando a leitura ficou difícil pela pouca luz natural que aos poucos se desfizera na sala.

-- Acho que está muito tarde, precisamos nos apressar. – comentou Natalia.

-- A Luciana virá nos chamar, sossega, acho que encontramos nosso caso, olha só que louco: O juiz estadual Antônio Souto ganhou ação no Tribunal de Justiça de São Paulo para obrigar o porteiro e os condôminos do prédio em que mora, em São Bernardo do Campo, a tratá-lo por "doutor" ou "Excelência". A decisão favorável ao juiz Antônio Souto, em caráter de liminar, foi concedida pelo desembargador Gilberto Dias.

-- Que absurdo! – Exclamou Natália.

-- Bem típico da Madimbú, por ela, seria regulamentado, chamá-la apenas de Meritíssima.

                Natalia gargalhou.

-- Pode ser esse caso então?

-- Sim! – Natalia concordou.

-- Então, vamos embora.

                Ao tentarem abrir a porta, a surpresa, estavam trancadas, e para o desespero de ambas, o silêncio do lado fora, mesmo depois de chamarem muitas vezes a funcionária e amiga de Diana.

Nota de Capítulo 1: Processo baseado em um fato real, modificado apenas os nomes e o lugar. O juiz estadual Antônio Marreiro ganhou ação no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para obrigar o porteiro e os condôminos do prédio em que mora, em São Gonçalo, a tratá-lo por "doutor" ou "Excelência". A decisão favorável ao juiz Antônio Marreiro, em caráter de liminar, foi concedida pelo desembargador Gilberto Dutra. 
O presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, Octávio Augusto Brandão Gomes, se disse estarrecido com a informação divulgada e a considerou esdrúxula.
Notícia publicada no Boletim N.º 222 - em 8/11/2004.

Nota de Capítulo 2: O caso da mulher que conseguiu o direito de se masturbar no trabalho também é verídico, foi registrado em uma Vara de Justiça do Trabalho em Vila Velha –ES. A título de informação, nunca poderia estar nos arquivos do Tribunal de Justiça, mas, nos arquivos do Tribunal Regional do Trabalho.


CAPÍTULO 13 Intolerabiles attractiva
*Atração irresistível

                Diana procurou na mochila seu celular, a fim de ligar para sua amiga resgatá-las dali. Esforço inútil, por cilada ou piada do destino, a bateria do seu aparelho estava descarregada, deixando a loirinha furiosa:
- Puta que pariu! - Lançou o aparelho contra a porta.
- Ótimo! Quebrar seu celular vai resolver nosso problema!
                Recolheu o aparelho da outra no chão, ou pelo menos os pedaços dele e lhe entregou.
- E agora? O que faremos? – Natalia perguntou.
- Não faço a menor idéia... Estamos praticamente no último andar desse prédio, dificilmente algum segurança virá aqui.
- Mui amiga a sua heim?
- Ela deve ter esquecido, a Lu é muito distraída.
- Distraída e enxerida, ela estava praticamente te agarrando lá fora.
                Diana segurou o riso e provocou:
- Nem percebi, mas ela é gatinha... Se eu tivesse percebido isso, teria trazido ela pra essa sala sozinha.
- Você não vale nada mesmo não é? Sai catando tudo que é mulher, imagino o quanto sua namorada sofre, com suas traições!
                Natalia disse visivelmente irritada.
- Tudo que é mulher não! Eu seleciono! – Diana retrucou.
- Seleciona como? Por amostragem probabilística? Sai experimentando uma amostra de todo tipo de mulher? Uma loira, uma morena, uma ruiva, uma negra, uma baixa, uma alta...
- Mais ou menos... Uma mais velha, uma da cidade, uma do interior...
                Natalia parecia fumaçar pelo nariz encarando a desfaçatez de Diana. Chutou a porta com força gritando:
- Socorro! Alguém me tire daqui!
- Poupe suas energias, ninguém vem nesse andar essa hora, imagine se tem algum funcionário depois do horário em uma repartição pública.
- Tem que haver uma saída! Não vou ficar aqui com você a noite toda!
- Tem a janela, se você tiver asas, fique à vontade, são só quinze andares.
- Ai! Odeio você! Por que você tinha que me trazer pra cá? Por que não ficamos pesquisando lá na biblioteca? Não, você tinha que se mostrar a descolada, que conhece todo mundo, tinha que fazer as coisas diferentes, olha no que deu! Mas, burra sou eu que ainda caio na sua conversa, de partir pra um destino desconhecido!
- Ai caipira, me poupa desse drama! Vamos passar a noite aqui, é melhor você controlar sua raivinha...
- Raivinha? Eu te odeio Diana! Por mim não te veria nunca mais!
                Natalia levantou a voz encarando Diana com fúria.
- Ah é? Posso saber por que tanta raiva? Por que tanto ódio?
                Diana ingressou na luta de olhares, aproximou-se de Natalia o suficiente para sentir sua respiração tão acelerada quanto a sua, a aproximação da loirinha forçava a outra a dar passos para trás até ser encurralada contra a parede. Diana se mantinha firme encarando as esmeraldas cintilantes de Natalia, aproveitando a distância inexistente entre seus corpos perguntou quase em tom de sussurro:
- Qual o motivo de tanta aversão? Você me odeia por eu ter te beijado ou por que ainda quer me beijar? Odeia pelo fato de eu ter traído minha namorada ou pelo fato de eu não estar livre pra você? Odeia por eu ter te exposto a uma situação constrangedora ou por que me culpa pela frustração de não ter continuado nossos beijos?
                Diana pronunciava cada indagação em tom provocativo, fazendo menção de roçar o nariz no rosto de Natália, mas não o fez, acentuando a sensualidade daquele momento.
                Natalia não conseguia responder, o tom da voz de Diana, a proximidade de seu hálito, de seu cheiro, deixava a menina do interior completamente desarmada, mais que isso, acendia de maneira incontestável o seu desejo.
- Responde...
                Diana insistia, desafiando o autocontrole de Natalia, que a essa altura não conseguia desviar seu olhar da boca da loirinha, explicitando aquilo que seu corpo clamava involuntariamente.
- Não pode responder não é? Por que você me quer... Quer me beijar agora...
                Diana praticamente não concluiu a frase. Natalia avançou em sua boca com sofreguidão, entregaram-se ao beijo como se fosse o último de suas vidas, não se tratavam somente de lábios e línguas se tocando, era a realização de uma necessidade vital daqueles corpos estarem perto, próximos um do outro.
                Natalia como que desperta de um transe, quando percebera que estava de novo nos braços de Diana, empurrou-a com violência.
- Fica longe de mim!
                Diana sorriu, mordeu os lábios, e num só movimento encurralou Natalia mais uma vez contra a parede, segurando as mãos dela sobre a cabeça, encaixou sua coxa entre as pernas da moça e disse ofegante:
- Não posso... Não posso ficar longe de você...
                Foi a vez de Diana beijar Natalia, não foi simplesmente um ato de beijar. Diana devorou Natalia faminta, sugando sua língua mordiscando seus lábios, impondo força contra o corpo da novata, arrancando gemidos de Natalia, que não oferecia mais resistência.
                Diana ousou desprender as mãos de Natália, para percorrer com as suas o corpo da moça o qual se eriçava diante do toque suave da loirinha. Emendaram beijos ardentes e carícias sem pausas para questionamentos, experimentando a sensação inexplicável que estavam fazendo a coisa certa mesmo com todas as circunstâncias contra elas.
                A boca de Diana percorreu o pescoço de Natalia que abria espaço soerguendo a cabeça oferecendo seu tórax aos carinhos da loirinha.
- Diana... Você... Ai...Eu...
                Natalia não conseguia concatenar frases claras, isso pouco importava a Diana. A loirinha queria mais da menina do interior, queria beijar cada pedaço de sua pele macia, sentia um desejo surreal, avassalador por aquele corpo, inédito em sua vida, Natalia por sua vez, não entendia a reação do próprio corpo, em sua vida curta, desconhecia a real sentido de excitação, era incapaz de descrever o vulcão de sensações que Diana lhe apresentara e provocara.
- Quero mais de você...
                Diana sussurrou completamente excitada. Natalia tinha medo de supor o que Diana queria dizer com aquilo, e principalmente, tinha medo de assumir que queria o mesmo que ela.
                Antes de responder com outro beijo ao desejo de Diana, ouviram passos se aproximando, e uma voz conhecida chamou:
- Diana? Diana você está aí?
                Era Luciana, a funcionária do arquivo e amiga de Diana, que retornara ao prédio, depois de deduzir que prendera as estudantes sem querer.
                Não sabendo descrever se era alívio ou frustração o que sentia, Diana se recompôs e respondeu:
- Oi Lu, estamos aqui!
                A porta se abriu, e Luciana estava acompanhada de um dos seguranças do prédio.
- Mil desculpas, amiga! Di, esqueci completamente de vocês aqui!
- Tudo bem Lu, ainda bem que você lembrou.
                Luciana abraçou Diana, e insistia em se desculpar, agora cobrindo a loirinha de beijos no rosto e afagos no cabelo.
                Natalia recolheu as coisas e saiu da sala envergonhada e enciumada, como se o seu “crime” estivesse exposto em sua face ruborizada ainda. Atravessou os corredores e desceu sozinha no elevador, intencionando fugir de uma conversa com Diana, fugir também de testemunhar o flerte entre ela e a funcionária distraída. Antes de sair do prédio, Diana a alcançou:
- Ei apressadinha! Aonde você pensa que vai?
- Para minha casa, aonde mais iria?
- Você veio comigo, volta comigo. Deixo você em casa.
- Não, não quero mais chegar perto de você, pego um taxi.
- Pára com isso caipira... Um taxi daqui pra sua casa é uma fortuna! Toma o capacete, vamos embora, que está esfriando.
                Diana montou na motocicleta, esticando a mão oferecendo o capacete a Natalia, que relutante aceitou. No trajeto, o pensamento de cada uma, era o mesmo, o desejo que sentiam uma pela outra, o sentimento indomável que crescia entre elas.
                Chegaram até o prédio que Natalia morava, esta, desceu apressada, caminhando em direção a entrada.
- Ei! Espera aí!
                Natalia respondeu algo incompreensível para Diana que respondeu:
- Não estou entendendo nada!
                Natalia repetiu e outra vez Diana não entendeu:
- Ow caipira, deixa de ser caipira, tira o capacete antes de falar!
                Enquanto Diana gargalhava, Natalia arrancava o capacete furiosa.
- Eu disse que estou com frio, que amanha conversamos na faculdade sobre a apresentação do trabalho!
- Mas...
- Mas o que Diana?
                Diana desceu da moto, caminhou até a porta do prédio onde Natalia estava e disse:
- O que aconteceu hoje...
- Não vai se repetir! – Natalia completou.
- Não é o que seu corpo me disse naquela sala, nem o que seus olhos revelam agora.
- Mas é o que eu estou dizendo!
- Por quê? A gente se quer...
- Por quê? Como você ainda pergunta isso? Você tem namorada! E o principal: eu não sou isso...
- Isso?
- É! Isso de gostar de mulher...
                Diana balançou a cabeça negativamente e retrucou:
- Não podia esperar outro pensamento de uma caipira... Você está se enganando, mas não sou eu quem vai te convencer disso. E só pra sua informação, não tenho mais namorada, Julia terminou comigo depois que flagrou nosso beijo.
                Natalia mudou a expressão do rosto, mas antes que pudesse pensar em alguma resposta, Diana montou em sua motocicleta e partiu, deixando a menina do interior mais uma vez mergulhada em sentimentos e pensamentos confusos.


CAPÍTULO 14 Deceptio
* Decepção


                Ruth era uma das poucas colegas que se aproximou de Natalia em sua sala. A menina era o estereótipo perfeito da menina certinha: estudiosa, organizada, comportada, comedida nas palavras, nas roupas, uma evangélica tradicional, dessa forma, trazia no rosto sempre um sorriso, disposta a agradar todos, com Natália não era diferente. Entretanto, sua inflexível formação religiosa, fazia dela também a personificação do conservadorismo, e isso, ficou muito claro para sua colega no dia seguinte ao encontro desta com Diana, quando a acompanhou até o banheiro no intervalo do almoço.

-- Então Natalia, como foi fazer o trabalho com aquela inconsequente da Diana?

-- Ah... Foi tranquilo, conseguimos um bom caso para discussão na próxima aula de IED.

-- E ela se comportou?

-- Como assim? – Natalia perguntou arqueando uma das sobrancelhas.

-- Ah... Você sabe o que falam dela... – Ruth ficou sem graça.

-- O que falam sobre ela? Que ela é doida? Que não leva o curso a sério? Ou que é pretensiosa e petulante?

-- Tudo isso e que ela...

                Ruth não escondia o constrangimento em tocar no assunto, ficava reticente sempre que alguma menina saia de uma cabine, só voltou a falar, quando deduziu estar a sós novamente com Natália, o que ela não sabia, era que Diana estava em uma das cabines escutando a conversa.

-- Que ela é o que Ruth?

-- Que ela é... Homossexual. – Disse em tom de segredo. – Ela não te assediou?

                Natália ficou pálida. Arregalou os olhos, lavou as mãos pela segunda vez tentando disfarçar o nervosismo pela indagação da colega.

-- Ai meu Deus, ela deu em cima de você Natalia?!

-- Não Ruth imagina!

                Natalia respondeu gesticulando para a moça falar mais baixo.

-- Ai que alívio amiga... Fiquei pensando no dia que ela te defendeu lá na sala com a história das fotos, que ela sei lá, fez isso pra te agradar por que estava interessada em você.

-- Sério que você pensou isso?

-- Eu e o resto da sala.

                Natalia arqueou as sobrancelhas, experimentando um pavor indescritível de ser rotulada como lésbica entre os colegas de sala. Pela primeira vez, enxergou com culpa o que sentia por Diana, se mortificando interiormente por desejar tanto uma mulher e principalmente por que dar vazão a tal desejo foi a experiência mais prazerosa e intensa que já tivera. Em uma atitude de autodefesa, foi categórica:

-- Que absurdo! Ela não me assediou, e mesmo que fizesse isso seria perda de tempo dela, eu lhe daria um chega pra lá, um belo tapa na cara se ela ousasse pelo menos me cantar! Odeio sapatão! Ai que nojo só de imaginar!

                Natalia sacudiu a cabeça repudiando o pensamento.

                Diana que não esperava que a moça assumisse o que acontecia entre elas, sentiu-se profundamente decepcionada e ofendida pela demonstração de homofobia hipócrita da moça do interior. No fundo, tinha esperanças que Natalia ao menos lhe defendesse, afirmando que ela não lhe assediara, já que a atração foi recíproca.

                Com o intuito de surpreender Ruth e Natalia, Diana se recompôs rapidamente, selecionou seu sorriso mais sarcástico para disfarçar sua mágoa, e abriu com violência a porta da cabine:

-- Ahá! Flagrei as novatas se pegando no banheiro!

                Natalia e Ruth como se de fato fossem flagradas cometendo algum delito, arregalaram os olhos assustadas.

-- Di... Di... Diana?! – Natália gaguejou.

-- Ai caipira vai ficar complicado pra você viu? Além de jeca você também é gaga?

-- Eu pensei que não havia mais ninguém aqui no banheiro... – Ruth falou em tom mais baixo.

-- Ah não fiquem tímidas por minha causa! Podem continuar a fazer o que vocês estavam fazendo! – Diana ironizou.

-- Não estávamos fazendo nada! – Natalia falou com a voz trêmula.

-- Então perderam tempo! Sozinhas no banheiro... Se vocês toparem a três...

                Diana se aproximou simulando malícia, apavorando Ruth que caminhou para trás, praticamente subindo pela pia.

-- Não seja ridícula Diana! – Natalia retrucou.

-- Ridícula por que, caipira?

-- Por que... Por que a gente não faz essas coisas!

                A simples aproximação de Diana já deixava Natalia atordoada, com as pernas trêmulas.

-- Que coisas? – Diana insistiu agora se aproximando de Natalia

-- Essas coisas erradas que você faz... – Ruth respondeu nervosa e constrangida.

-- As coisas erradas que eu faço as quais você se refere, não são medíocres e destrutivas como o que vocês estavam fazendo aqui nesse banheiro, difamando, exacerbando preconceito, mentindo...

                Natalia e Ruth ainda mais acanhadas pela lição de moral que estavam recebendo de Diana cruzaram os braços e desviaram o olhar para um ponto qualquer do banheiro.

-- E não precisa se esquivar de mim, por que agora quem está com nojo de você sou eu.

                Diana dessa vez disse encarando Natalia exteriorizando toda sua raiva e decepção, deu-lhe as costas, e saiu do banheiro deixando as novatas envergonhadas, Natalia em especial se martirizava por ter ferido Diana com sua covardia e hipocrisia.

********

                Na república Álibi, Diana descansava no quarto de Lucas e Pedro, o último lhe fazia companhia.

-- Estou te achando tão triste Di, aconteceu alguma coisa?

-- Nada não Pepê, impressão sua. – Diana evitou olhar para Pedro.

-- Diana, eu te conheço muito bem, você não sabe esconder tristeza dos seus olhos. Desabafe!

-- Nada específico Pepê, as pessoas me decepcionam, eu me engano fácil... Fico perdendo tempo da minha vida com idéias românticas de existir a pessoa ideal pra mim, acabo perdendo o foco das minhas prioridades, que é conseguir a minha independência, me livrar dessa faculdade!

-- Alguém te decepcionou de verdade heim... E não foi a Júlia... A propósito, você ainda não me disse por que ela terminou com você.

-- Ai Pedro, ela enjoou de mim, deve ter encontrado uma mulher independente, mais interessante...

-- Diana, você mente muito mal... Você aprontou não foi?

-- Por que as pessoas pensam que estou sempre aprontando?

-- Deve ser por causa desse seu jeito despachado, e pelo fato de você está sempre paquerando alguém, cobiçando... Não acredito que foi fiel à Julia todo esse tempo.

-- Você me conhece muito mal Pedro.

-- Ah Diana! Você me namorava e o Lucas ao mesmo tempo!

-- Eu nunca namorei nenhum dos dois! Ficava com vocês, mas nunca assumi compromisso com nenhum, você que tem essa mania de beijar alguém e já quer um título de propriedade!

                Pedro mudou a expressão bruscamente, como se Diana tocasse em uma ferida aberta em sua alma.

-- Não sou possessivo como vocês me pintam! Qual é o mal de querer ter um compromisso com alguém que você está apaixonado? Isso não é reclamar propriedade! – Bradou.

                Diana se assustou com a reação do amigo.

-- Calma Pepê!


-- Estou farto de ouvir isso. Só a Natalia me disse isso duas vezes! Como se ela tivesse algum direito de me censurar!

-- Ela não tem moral pra censurar ninguém, é uma sonsa, falsa!

                Pedro franziu a testa estranhando o tom de revolta de Diana.

-- Você está sabendo de mais alguma coisa que eu não sei Di?

                Diana pausou para recuperar a calma e respondeu:

-- Não né Pedro! Você já sabe minha opinião sobre essa menina, não mudou: carinha de santa, de menina inocente, são as piores!

-- Sabe que ela odiou quando eu disse isso? Ficou toda vermelha... E ficou ainda mais linda.

                Pedro comentou deixando evidente seu encantamento pela menina do interior.

-- Deixa de ser bobo Pedro! A menina te faz de otário e você ainda fica aí babando por ela?

-- Ah Di... Não é bem assim, ela não me fez de otário, o Lucas me explicou depois, ela foi assaltada, ele a ajudou, por isso, estavam ali na padaria...

-- E aí, beijou seu irmão em agradecimento? Ah faça-me o favor Pedro!

-- Ela fez mesmo pra me provocar... Mas, não adianta Diana, ela não sai da minha cabeça! Ela é linda, doce, inteligente, engraçada, é maravilhosa! Aqueles olhos, a cor da pele dela, as medidas certas... Perfeita!

                Diana se incomodava a cada adjetivo que o amigo dirigia a Natalia, não distinguindo se o incômodo era pelo fato de concordar com ele, ou se era o ciúme mais uma vez se apresentando.

-- Ah nem! Ela nem é isso tudo, para de exagero Pedro. Bonitinha, mas nada extraordinário, meio sem graça na verdade.

                Diana falava tentando afastar da sua mente as imagens que contrariavam suas palavras. Natalia era tudo e muito mais que Pedro descrevera, e o rapaz sequer desfrutou da visão privilegiada das curvas perfeitas de Natalia que os modestos jeans e camisetas escondiam, visão essa que perturbava Diana desde a noite dormira no apartamento da moça.

-- Pra mim ela é perfeita, você não concorda por que nunca conversou com ela, nem nunca prestou atenção nela... É até bom você não concordar comigo, odiaria perder pra você.

                Pedro brincou inocente, entretanto, a brincadeira despertou em Diana uma tensão incomum.

-- Que idéia Pedro! Imagina se eu ia querer alguma coisa com aquela caipira!

-- Calma Di, estou brincando... Preciso encontrar um jeito de me aproximar de novo dela, pedir desculpas, enfim... O que você acha?

-- Acho que você deveria esquecer essa menina, ela não presta, por causa dela você já brigou com seu irmão duas vezes!

-- Diana nunca gostei tanto de uma garota desde que me apaixonei por você... Você precisa me ajudar...

-- Eu?


                Diana perguntou surpresa, escondendo o enorme receio pelo que o amigo poderia lhe pedir.

-- É claro! Você está pagando IED com ela! Como não pensei nisso antes?! Diana você tem que me ajudar, falar com ela, limpar minha barra...

-- Esquece Pedro, não farei nada disso, nada para aproximar você dela, não quero papo com aquela caipira!

-- Ai por que tanta aversão Di? Está com ciúmes é?

-- Pirou Pedro?               

                A tensão de Diana aumentava com a insistência do amigo. Objetivando fugir daquela situação, levantou-se abruptamente da cama procurando sua mochila e capacete, preparando-se para sair do quarto.

-- Ei! Não precisa sair correndo! Que bonitinho você com ciúme de mim!

                O rapaz não calculava o quanto sua inocência atordoava a amiga. Diana desceu as escadas apressada, caracterizando sua fuga, ignorou os muitos apelos de Pedro para que ela não fosse embora. Montou em sua motocicleta e sem conseguir se desligar do instinto de fuga acelerou o veículo em demasia, sequer raciocinando que direção ia seguir.

*****

                Natalia experimentara um sentimento de culpa inédito. Não suportou mais a companhia de Ruth naquele dia, associando à colega parte da culpa por ter ferido Diana daquela forma. Mas, nem dividindo a culpa, esta parecia ser suportável para a moça. Aquele sentimento lhe corroia. Repassou em sua mente as palavras, as expressões, envolvidos naquele episódio, mas, algo mais forte parecia impresso na sua alma: o olhar de Diana, olhar de decepção, mágoa, desencanto. Naquele momento, Natália odiou seu dom de ler as pessoas, preferia não enxergar o que provocara em Diana.

                Não era só uma crise de consciência por ter sido preconceituosa, covarde, homofóbica a ponto de ofender alguém, isso seria suficiente para provocar na moça de boa índole, o constrangimento e o arrependimento, o que Natalia sentia era mais denso, mais profundo, como se ferisse a si mesma escarnecendo Diana.

                Seu primeiro impulso foi procurar a moça, apesar de amargar a certeza de que um simples pedido de desculpas, não seria suficiente para minimizar o que causara, todavia, precisava vê-la, precisava pedir perdão, a despeito de todas as barreiras que ela mesma ergueu a aproximação de Diana depois de considerar o que a loirinha lhe provocava.

CAPÍTULO 15: Posito ideas 
Colocando as idéias no lugar


                Diana não sabia ao certo quem procurar, ou aonde ir, precisava usar a sensatez e a resignação que nunca tivera, para refletir e decidir como conduzir aquela avalanche de sentimentos e sensações que vivia. Perguntava-se como uma garota que representava tudo que ela não queria para amar, conseguira dentro de algumas semanas balançar suas estruturas, acabar com seu namoro estável, dividir seus melhores amigos e ao mesmo tempo lhe magoar tanto com comentários que ela naquela altura já tinha aprendido a driblar.

                Depois de horas pilotando pela cidade, chegou a sua casa e se deu conta que era incapaz de ficar a sós com tantos pensamentos conflitantes. Cheia de receio de não ser atendida, sacou o celular e ligou para Julia.

-- Alô?

-- Oi Julia.

-- Oi Diana.

-- Você está em casa?

-- Não, por quê?

-- Por nada... – Diana ficou encabulada.

-- Aconteceu alguma coisa? Estou achando sua voz meio triste.

                Antes de qualquer coisa, Julia sempre foi uma grande amiga, por muitas vezes o porto seguro de Diana, por isso, a ex-namorada lhe conhecia muito bem, a distância sempre presente no namoro delas por conta do trabalho de Julia desenvolveu nesta a sensibilidade de conhecer os diferentes tons de voz da outra.

-- Só queria conversar um pouco, pensei em ir a sua casa, mas estou escutando barulho, você deve estar ocupada, deixa pra lá.

-- Você acanhada? Nossa, deve ser sério mesmo... Vamos fazer o seguinte, estou bem perto da sua casa, daqui vou para o aniversário do Rodrigo, passo na sua casa no caminho, pode ser?

-- Fico esperando, obrigada Ju.

                Diana desligou o telefone, aliviada por ainda poder contar com a amizade da ex.

                Natalia deve ter pegado uns três ônibus errados, até conseguir chegar ao prédio que Diana morava. Esfregou as mãos tentando aliviar o nervosismo enquanto caminhava até a entrada, avistou uma ruiva na portaria, que caminhou até o elevador. Natalia apertou os olhos para focar melhor a visão e atestou o que suspeitava, era Julia, a suposta ex-namorada de Diana, com certeza não estava ali por acaso.

                Desceu os degraus da portaria lentamente, frustrada, enciumada, machucada. Natalia desconhecia aquele sentimento, e desejou nunca tê-lo sentido, mas ele foi sua companhia naquela noite.

******

                Julia fez questão de ser anunciada, mesmo tendo as chaves do apartamento.

-- Oi loira!

-- Oi ruiva... Obrigada por ter vindo.

-- Precisava vir aqui mesmo te entregar as chaves. Mas, me diga que carinha é essa?

-- Umas paradas aí... Estou tão perdida, não estou me reconhecendo Ju...

                Diana foi evasiva, seria um abuso desabafar com a ex-namorada, sua angustia provocada pelo sentimento que fora motivo do término da relação com Julia.

-- É ela não é? – Julia perguntou séria.

-- Não é por ninguém especificamente Julia, são as pessoas em geral que me decepcionam me machucam com rótulos... Hoje mesmo ouvi sem querer duas meninas falando sobre mim, sobre minha sexualidade... Esses termos pejorativos, a ideia que estar perto de uma lésbica pega mal...

-- Diana... – Julia interrompeu impaciente. – Eu sei que isso é chato, desgastante, mas, eu também te conheço, você tirou de letra os primeiros comentários, já está acostumada com isso e já ouviu ofensas bem piores... O que tem diferente dessa vez?

-- Nada diferente, só que isso às vezes cansa!

-- Diana me poupa vai... Estou aqui me esforçando pra cumprir o que sempre combinamos, de me manter sua amiga se um dia terminássemos, ainda estou magoada com você, então, respeite meu esforço, e para de me enrolar por que tem uma festa me esperando!

-- Ai Julia não é fácil falar disso!

-- Fala, é ela não é?

-- É! Pronto, queria saber, pronto, é ela sim!

-- Eu sabia! – Julia ficou de pé irritada.

-- Ah agora você vai ficar com mais raiva de mim?

-- Não é raiva, é revolta... Ou sei lá o que! – Deixou escapar um riso. – Ai, não tenho palavras pra explicar, só odeio quando minha intuição é confirmada! Nunca é a meu favor!

                Diana sorriu sem graça.

-- Eu sabia Diana que aquela garota representava algo mais pra você. Você sempre foi de flertar, de usar as armas que você tem consciência que tem, pra ser o centro das atenções, pra despertar o desejo das outras pessoas, mas era uma atitude de autoafirmação, por puro egocentrismo ou simplesmente por que faz parte de você esse instinto de conquistar, seduzir, e você usa isso até nas suas fotos, é parte de você... Mas, daí a trair, ser desleal, eu sabia que você não seria capaz.

-- Mas, eu te traí Ju... Você não merecia isso...

-- Não mesmo! Mas você não traiu seus sentimentos Diana... Você estava com aquela garota aqui na sua casa, por que o que sente por ela, ultrapassou a barreira da vaidade, da atração pura e simples... Isso me machuca também, saber que alguém mexeu com você o suficiente pra você trair nossa relação, mas, ao menos tenho o consolo que agi corretamente terminando com você.

-- Eu estou tão envergonhada! Agindo assim como uma idiota por causa dessa caipira! Quem ela pensa que é? Ela disse que tinha nojo de mim... Posou de hetero pra amiguinha crente... E ainda está galinhando dando mole pra Lucas e Pedro ao mesmo tempo! Pra piorar tudo, o Pedro ainda me pede ajuda pra conquistá-la!

                Julia fez uma careta, quando teve a dimensão da encrenca sentimental que a ex-namorada estava metida.

-- Diana, eu sei que isso pode não ajudar muito, porque a ultima coisa que você é capaz nesse momento é de entender quem te machucou... Mas, você tem noção que a cabeça dessa menina deve estar mais confusa do que a sua? Ela tem o que? 18, 19 anos? Uma adolescente, você provavelmente foi a primeira experiência lésbica dela, foi flagrada pela namorada mais velha da primeira garota que ela beija, e ainda ouviu dessa garota que não significou nada pra ela...
               
Diana baixou os olhos.

-- Quanto à confusão com Pedro e Lucas... Você sabe o que é certo a fazer não?

-- Sei? – Diana fez careta.

-- Contar a verdade Diana.

-- Nunca! Você está doida?

-- Quanto mais você demorar a contar, mais o seu amigo ficará iludido e a situação só vai se complicar mais. Imagina se ele começa a namorar a menina...

                Diana chegou a sentir um arrepio, só de imaginar tal hipótese.

-- Dê um tempo pra você organizar suas ideias, seus sentimentos, depois você decide como agir.

                A loirinha acenou em acordo.

-- Obrigada por ser tão altruísta Ju... Mesmo depois do que fiz você ainda ser tão amiga...

-- Não sou isso não, meu intuito era pisar em você, te ver sofrer.

                Diana arregalou os olhos surpresa.

-- Mas, quando te vi, mais calma depois que passaram esses dias, percebi que nosso namoro já tinha acabado há tempos... Meus sentimentos por você mudaram Diana, hoje a noite fui o que tenho sido há alguns meses: sua melhor amiga.

                Julia sorriu, e puxou Diana para um abraço desarmado. Se aquela noite parecia irremediavelmente tenebrosa para Diana, a conversa e o abraço de Julia se configuraram em uma ponta de esperança que no final tudo ficaria bem.

*****

                Natalia acordou cedo. Depois de uma semana conflituosa, tudo que precisava era descarregar toda tensão dentro de uma quadra. Foi uma das primeiras a chegar ao treino marcado para o sábado.

-- Vamos ver se lá no interior sabem tratar essa redonda com carinho...

                Carla brincou entregando a bola a Natalia no início do treino depois de apresentá-la ao restante da equipe. Natália não precisou se esforçar muito para mostrar o quanto dominava aquele esporte, aproveitando praticamente cem por cento das bolas que chegavam até suas mãos, revezando os ataques com cortadas, bolas de segunda, bloqueios e largadas, impressionou não só as colegas veteranas, como também quem assistia inclusive Lucas, o mais empolgado gritando elogios a cada ponto da moça.

                A empolgação do rapaz não era só pela técnica da moça, Lucas não pode deixar de perceber as curvas encantadoras do corpo de Natalia, especialmente suas pernas que chamavam a atenção pela beleza e forma.

-- Aee gatinha! Você manda muito bem!

-- Ai deixa de ser exagerado! Jogo direitinho e só.

-- Estou dizendo a verdade, você é muitooo boa.

                Lucas fez uma expressão safada, olhando para as pernas de Natalia, que estapeou seu braço sem graça.

-- Então Natalia, próximo sábado, há mesma hora?

                Uma das meninas perguntou.

-- Claro! Estarei aqui sim.

                Despediram-se de maneira descontraída, ao que parecia, Natalia fora muito bem aceita pelas meninas do time, esse fato, minimizou a angústia que lhe assolara nos últimos dias.

-- Vai fazer o que agora? – Lucas perguntou ajudando Natalia com sua mochila.

-- Tomar um banho! Depois correr pra casa, fazer uma faxina na gaveta que eu chamo de casa e depois, se eu sobreviver, comer alguma coisa e cair na cama exausta, eis o meu resto de sábado!

-- Ah você não pode estar falando sério gatinha!

-- Estou sim.

-- Tenho uma proposta melhor a te fazer.

-- Estou ouvindo.

-- Você toma seu banho, e vem comigo experimentar a melhor feijoada do mundo!

-- Imagina! Não posso!

-- Ah não faz isso comigo, aceita! Prometo que te ajudo na faxina amanhã!

-- Lucas você não pode estar falando sério.

                Natalia balançou a cabeça sorrindo.

-- Vamos?

-- Posso saber onde essa feijoada fantástica será servida?

-- Na casa de um amigo, a mãe dele nos oferece todo início de semestre, e hoje, é aniversário dele.

-- Então, seu irmão também estará lá, não acha que vai ficar uma situação meio chata você me levando?

-- Ele vai é me dar um beijo quando vir que te levei!

                Natalia arqueou uma das sobrancelhas duvidando da previsão de Lucas.

-- Se eu for, vai mesmo me ajudar na faxina?

-- Na sua mochila também tem um bíblia pra que eu jure com a mão sobre ela?

                Natalia riu e respondeu:

-- Tirei-a hoje de manhã por que não caberiam meus tênis... Vou confiar na sua palavra então.

CAPÍTULO 16 Confessio
*Confissão


                Diana argumentava com Pedro seus motivos para não ir ao aniversário de Ricardo.

-- Pepê, eu não estou no clima! Trabalhei ontem no casamento mais brega de todos os tempos, aquela gente sugou toda minha energia fashion, eu preciso ficar em casa, me refazendo, terça-feira enfrentarei Madimbú na arena!

-- Diana não inventa desculpas! Há três anos a gente vai a todas as feijoadas na casa do Rico, é aniversário dele poxa! E há séculos você não sai conosco, sempre nos programas com a Julia nos deixou de escanteio, agora que você está solteira vem com esse papo de ficar em casa recarregando energias? Você nem é bateria de celular!

                Diana mostrou a língua, fazendo careta para a piada sem graça do amigo.

-- Pedro, você por acaso esqueceu quem vai estar lá?

-- Toda a galera! Seus amigos!

-- E a irmã do Ricardo! A Letícia voltou para o Brasil, ouvi o Ricardo comentando com os meninos.

-- E o que tem ela estar lá?

-- Pedro você está com algum problema de amnésia? A Letícia quase provoca um escândalo na frente de toda família dela, depois que nos agarramos no banheiro, só não fez isso, por que o Ricardo não deixou, já imaginou o que pode fazer me vendo lá na casa dela de novo?

-- Ah foi... Mas, já faz dois anos, ela nem lembra mais disso, estava bêbada também... Vamos lá.

-- Você acha que alguém é capaz de esquecer um beijo meu? Imagina! Nem em cem anos!

-- Tá bom gostosona então quem sabe ela queira outra dose do beijo, você está solteira mesmo, o que tem a perder?

                Diana sabia que era impossível vencer Pedro na argumentação, ele vencia pelo cansaço, trocou de roupa e seguiu com o amigo para a casa de Ricardo.
****


                Natália estava bastante à vontade com suas novas colegas de time, aos poucos se enturmava, especialmente pela popularidade de Lucas. Sua minissaia era o assunto entre os meninos, que não eram econômicos nos elogios às pernas da novata.

-- Olha lá quem chegou Lucas, seu genérico!

                Todos olharam para a entrada de Pedro e Diana se aproximando pelo jardim. Cumprimentaram a todos, Diana com a simpatia de sempre desfez o sorriso quando avistou Natalia. A reação de Pedro foi exatamente contrária a da amiga, abriu um sorriso sincero e se adiantou em cumprimentá-la.

                Perto de Lucas, Diana comentou sua surpresa de encontrar Natalia ali.

-- Quem convidou essa garota?

-- Eu! Ela veio comigo, por quê?

-- Que é isso agora? Ela virou acompanhante oficial de vocês agora? Quando não é o Pedro é você que arrasta essa caipira pros nossos programas?

-- Ai que coisa feia Di! Você está com ciúmes?

-- Que ciúme o que! Daqui a pouco estão vocês dois brigando de novo por causa dela.

-- Ah ela bem que vale a pena uma briga, olha aquele par de pernas Di! Muito gostosa ela viu... Se o Pedro não se garantir, entro no páreo pra valer!

-- Ah quer saber, fiquem aí vocês dois babando por ela, vou embora, não devia mesmo ter vindo!

-- Espera aí! Como é que é? Você vai embora por causa da Natalia?! Isso ta muito estranho... Qual é Diana?


                Diana mastigava o misto de ciúme, raiva e a necessidade de se desviar da desconfiança do amigo. Tomou da mão de Lucas o copo de caipirinha, e ingeriu todo o conteúdo de um só gole e anunciou olhando na direção de Natalia:

-- Não vou dar esse gostinho a ela...

                Lucas continuou com a mesma desconfiança no olhar, enquanto Diana buscava mais bebida, dificilmente conseguiria se manter ali, se não distraísse seus sentimentos e desejos por Natalia.

                Natalia por sua vez, ao avistar Diana, teve que se controlar para não soltar o copo que segurava. As reações que a presença da loirinha provocava em Natalia eram intemperantes, e mesmo com tal resposta do seu corpo, ela não conseguia evitar acompanhar cada passo de Diana com o olhar. Foi fria às investidas de Pedro, frustrado, o rapaz se afastou, buscando o conforto da melhor amiga.

-- Natalia nem me deu atenção... Ainda deve estar chateada comigo! Diana você tem que me ajudar!

-- Pedro para por aí ta?! Já disse que não quero e não vou ter contato nenhum com essa menina, mesmo que fosse o amor da sua vida!

-- Caraca Diana...

-- E não me enche mais com isso, por que já está ficando chato!

                Enquanto Diana permanecia cultivando seu mau-humor e acumulando copos vazios de caipirinha, na roda das meninas do time de vôlei, onde Natalia estava alheia aos assuntos, por estar mais preocupada em monitorar os movimentos de Diana, o conteúdo da conversa subitamente mudou com a chegada de uma jovem baixa, magra, de cabelos longos, mais parecia desfilar do que caminhar em volta da piscina.

-- Olha só quem deu as caras meninas... – Comentou Fernanda.

-- É a Letícia? – Perguntou Mônica surpresa.

-- A própria! Mais magra, está mais bonita, estava fazendo intercâmbio na Austrália. – Respondeu Fernanda.

-- Quero só ver a cara dela quando encontrar a Diana aqui. – Cochichou Marília.

                Ao ouvir o nome de Diana, instintivamente Natalia voltou seu rosto para a colega, curiosa acerca do comentário da menina.

-- O que tem ela com a Diana? – Mônica indagou curiosa.

-- Ai Mônica, como sempre você é a última, a saber, né? – brincou Fernanda.

-- Ai não me matem de curiosidade! – Suplicou Mônica.

-- Há uns dois anos, as duas se pegaram no banheiro, a Letícia fez um escândalo quando o Ricardo as flagrou acusando a Diana de tê-la agarrado à força ameaçou expulsar a Di da casa, foi um bafafá... – Narrou Marília

-- Mas eu estava aqui nessa festa, não vi nada disso!

-- Mônica você estava dormindo dentro do carro bêbada, não lembraria nem se a Diana te agarrasse! – Brincou Fernanda.

-- E isso da Diana ter agarrado à força, foi verdade? – Natália perguntou tímida.

-- Ah eu duvido... A Diana não dá ponto sem nó... A Letícia provocou, eu estava perto quando ela ficou se oferecendo pra posar pra Diana fotografar. – Defendeu Fernanda.

-- Pois eu não duvido, sabe como são essas sapas né? Já levam tudo na maldade, interpretam qualquer gesto como paquera... – Retrucou Marília.

                Natalia ficou pensativa, e agora, o alvo do seu olhar se multiplicou, passou a monitorar não só Diana, mas também, Letícia, motivada por um ciúme irracional.

-- Olá Diana, não esperava te encontrar por aqui.

                Letícia surpreendeu Diana que quase se engasgou com a porção de farofa que comia.

-- Letícia! Oi... Tudo bem com você?

-- Tudo ótimo e você?

-- Tudo bem, o intercâmbio foi bom pra você?

-- Foi mais do que eu esperava. E como anda sua carreira de fotógrafa?

-- Caminhando a passos lentos, fazendo muita festa de criança, casamento, batizado, funeral... Mas, pelo menos dá pra comprar equipamentos, fazer cursos.

-- A oferta de posar pra você continua de pé...

                Letícia falou mordendo os lábios jogou os cabelos pro lado e saiu distribuindo charme, deixando Diana estupefata, de queixo caído, com a repetição da cantada anos depois.


                De longe, Natalia observou o reencontro de Letícia e Diana. Remoendo o ciúme, teve até a intenção de ler os lábios de Diana, obviamente não conseguiu, supôs em sua mente fértil desde trocas de insultos e até a troca de cantadas.

-- E aí, está curtindo a festa gatinha?

                Lucas se aproximou abraçando Natalia por trás.

-- Está ótima Lucas! Mas, meu copo está vazio!

-- Não seja por isso!

                Lucas logo reapareceu com mais uma bebida pra moça que virou a dose rapidamente.

-- Natalia você está acostumada a beber assim?

-- Não dizem que é na faculdade que se aprende a beber?

-- Opa, mas as lições não são dadas de uma vez só!

-- Lucas... Não aja como seu irmão careta vai...

-- E por falar nele... Amarrou o bode naquele canto e não sai por nada... Você deu outro fora nele?

-- Não dei fora nenhum, só não quero dar falsas esperanças pra ele, seu irmão já se sentiu com direitos sobre mim por que ficamos algumas vezes, imagina que inferno seria minha vida com os ciúmes dele se namorássemos.

-- É o Pedro vacilou mesmo, mas ele gosta de você, é um cara legal.

-- Eu sei que é, mas não daria certo, já não deu certo.

                Lucas acenou em acordou, entregando mais uma dose de vodca para Natalia. A moça mais desinibida, e disposta a atrair a atenção de Diana, puxou Lucas para dançar junto com os outros casais que improvisaram uma pista de dança no deck.

                Natalia abusou da sensualidade nos movimentos de samba, não se importando com os olhares de censura de Pedro, enciumado pela proximidade dela com seu irmão. O que ela queria afinal conseguiu o olhar fixo de Diana.

                A loirinha olhava hora com cobiça, hora com ciúme, hora com raiva. Uma coisa era certa: Natalia mexia com ela muito mais do que qualquer outra mulher, diante dela, Diana não conseguia antever seus próximos passos, estar perto dela, era provocar a imprevisibilidade do seu corpo, o desejo era maior do que as razões que as afastavam, o sentimento era tão intenso que jogava por terra todas as defesas que mentalmente Diana preparou.

                O som parou, de repente, a mãe de Ricardo aparecia com um bolo, pedindo que todos cantassem “Parabéns a você” para seu filho. Em meio à distração de todos, Letícia cochichou algo ao ouvido de Diana, se afastou, sendo seguida segundos depois pela loirinha. Natalia não deixou que isso passasse despercebido, aproveitando-se da mesma distração trilhou o mesmo caminho das duas em direção ao jardim lateral da casa.

-- O que você quer Letícia? – Diana perguntou.

-- Você nem suspeita?

                Letícia falou empurrando Diana contra uma árvore.

-- Letícia olha só, se você está querendo outra confusão, vou te avisando que...

-- Confusão? Não quero confusão sua boba, quero você!

-- O que?

-- Por que a surpresa? Nunca me esqueci dos seus beijos, cada loira que beijei na Austrália, era você que eu via...

                Letícia se aproximava faiscando desejo por Diana que tentava se esquivar.

-- Você está louca Letícia alguém pode passar por aí e sermos pegas de novo! E aí você vai dizer que te ataquei!

-- Mas você me quer não quer?

                Dessa vez a moça não deixou alternativa a Diana, prendendo seu corpo, arrancando-lhe um beijo faminto.

                Natalia que escondida escutava e via tudo, sentiu seu coração apertar ao testemunhar a boca que ela tanto desejava, sendo invadida por outra mulher. Deu dois passos para trás, e o barulho das folhas secas pisadas, chamou a atenção do casal que se beijava.

                Diana ficou pálida, olhos fixos nos olhos de Natalia, marejados, estranhamente a loirinha sentiu-se culpada, empurrou se desvencilhou de Letícia e fez menção de correr atrás de Natalia, mas antes que alcançasse a moça, Letícia lhe puxou com violência.

-- Diana o que você tem com essa garota? Aliás, quem é essa garota?

-- Letícia, de boa, não rola ta? Não quero ficar mal com o Ricardo de novo, além do mais, não engoli ainda o fato de você pra ficar limpa na história ter me acusado de te agarrar à força.


                Diana deixou a garota falando sozinha e saiu apressada procurando Natalia, esta, como se quisesse apagar o que acabara de ver, tomou uma dose de vodca atrás da outra velozmente.

-- Você não acha que já bebeu demais não?

-- Não enche Pedro.

-- Natalia você está tão agressiva comigo... Sei que está chateada, mas, não é pra tanto!

-- Você ainda não me viu ser agressiva, me deixa em paz, por favor!

                Natalia andou até onde Lucas estava e avisou:

-- Lucas, eu vou embora.

-- Mas, já gatinha?

-- Não estou me sentindo bem, melhor eu ir.

-- Vou te deixar então, deixe-me pedir o carro ao Ricardo.

                Enquanto esperava o amigo, Natalia continuava a beber, quando viu Diana, ao perceber a moça vindo em sua direção, caminhou em direção à saída. Diana a seguiu apressada, conseguindo alcançar perto da garagem da casa.

-- Espera! Nossa você não estava me escutando te chamar?

-- Tenho um nome, não atendo por assobios, não sou cadela!

                Diana segurou o braço de Natalia que tentava continuar seu percurso até a saída da casa.

-- O que é garota? Por que você não volta pra se agarrar com aquela patricinha?

-- Por que você está indo embora?

-- Não te interessa, vá atrás daquela magrela antipática matar as saudades vai!

                A voz arrastada de Natalia denunciava seu exagero na bebida. Por mais que o ciúme evidente da moça satisfizesse à loirinha, Diana não conseguia esquecer-se do que ouvira de Natalia no último encontro.

-- Você está bêbada caipira! Deixa de falar besteira, fique aqui, vou chamar o Lucas pra te levar pra casa.

-- Não quero que ele me leve pra casa! Não quero que você saia daqui!

                Diana arqueou as sobrancelhas surpresa.

-- Fato: você está bêbada.

-- Por que diz isso?

-- Há poucos dias você disse que tinha nojo de mim. Agora você não quer que eu saia de perto de você?

-- Eu menti! Não tenho nojo de você! Eu desejo você! Cada pedaço do meu corpo quer o seu encaixado nele! Menti por que eu tenho medo do que sinto perto de você! Diana você invade meus pensamentos, meus sonhos, eu não quero esse sentimento, não quero! Não quero, mas eu sinto pela primeira vez na minha vida a necessidade de estar com alguém, que droga, eu preciso ficar perto de você!

                Diana sempre tão decidida, sempre tão senhora de qualquer circunstância, se viu sem palavras, e anestesiada por ouvir isso de Natalia que extravasou toda emoção hesitando na pronúncia das palavras, mas absolutamente segura do que revelava.

-- Eu sei que sou só mais uma... Que não tenho a experiência das mulheres que você tem, sou só uma caipira que não significo nada pra você, mas, eu precisava que soubesse que não tenho nojo de você e me envergonho muito de ter dito aquelas coisas.

                Diana tentava formular uma sentença lógica que fosse honesta e incontestável o suficiente para convencer Natalia de que ela estava enganada, e que todo aquele sentimento relatado por ela era recíproco.

-- Se você não significasse nada pra mim Natalia, eu não estaria aqui na sua frente, segurando minha vontade de te beijar porque toda experiência que você julga que eu tenha não se compara ao que sinto quando minha boca toca a sua.

                Natalia andou lentamente em direção a Diana, com os olhos cintilando, encarou-a e segurou seu rosto, quase sorrindo disse:

-- Você me chamou pelo meu nome...

                Diana sorriu tímida.

-- Chama de novo...

-- Natália... Natália...


                Enquanto Diana repetia seu nome, Natalia aproximava seus lábios dos lábios da loirinha, até as bocas se encontrarem absolutamente absortas no desejo.

CAPÍTULO 17 : Cura
* Sob cuidados

                Os corpos colados e a intensificação daquele beijo acenderam ainda mais a libido das duas, as mãos percorreram a pele de ambas aumentando o calor e a excitação. Lentamente Natalia empurrou Diana contra um dos carros estacionados e desceu com sua boca pelo pescoço da loirinha, que fechava os olhos se deliciando com aquela carícia, sentindo o prazer se desenhar em seu corpo, acelerando sua respiração e a vontade de ser inteira de Natalia.

-- Natalia... Vamos sair daqui... – Diana convidou ofegante.

                Tão excitada quanto Diana, Natalia respondeu apenas balançando a cabeça rapidamente aceitando a proposta.

                Enquanto Lucas procurava Natalia pela festa, esta escapava com Diana em sua motocicleta. No trajeto, o efeito da bebida em excesso que Natalia ingeriu nublou seus sentidos, sentia-se tonta, nauseada, pediu que Diana parasse a moto.

-- O que você está sentindo Nat?

-- Minha cabeça está fora do meu corpo, girando que nem peão...

                 Diana não segurou o riso.

-- Quanto você bebeu?

-- Quer que eu responda em ml ou em caretas?

-- Pela careta que você está fazendo agora, imagino que foi o suficiente pra você desejar matar o russo maldito que inventou a vodca não é?

-- Ahan...

                Natalia mal terminou de falar e já estava vomitando na calçada, foi amparada por Diana.

-- Desculpa Di...

-- Ei! Você acha que eu nunca fiz isso? Relaxa... Vou cuidar de você. Estamos mais perto de sua casa, acha que consegue subir na moto?

                Natalia acenou em acordo, segurou firme na cintura de Diana, repousando a cabeça nas costas na loirinha que pilotava devagar. Com cuidado, conduziu Natalia até seu apartamento, lavou seu rosto, lhe serviu água, montou a cama no espaço apertado da sala, e acomodou a caloura sob efeito do primeiro pileque.

-- Estou me sentindo uma idiota... – Natalia disse com dificuldade.

-- Por que afundou o pé na jaca? – Diana brincou deslizando sua mão pelos cabelos de Natalia.

-- Não... Por que estou louca pra te beijar, mas acho que não acerto sua boca se me levantar daqui...

                Diana gargalhou.

-- Você não precisa se levantar pra me beijar sua boba...

                Diana se aproximou de Natalia beijando seus lábios delicadamente. Trocaram um sorriso, em seguida Natalia falou, contornando os lábios de Diana com seus dedos:

-- Seus lábios são doces, não pararia de te beijar nunca mais...

-- Então por que parou?

                Diana avançou na boca de Natalia, que se entregou ao beijo sem reservas. Sem cessar o beijo, Diana deixou seu corpo cair sobre o corpo de Natalia, com suas mãos acariciava as pernas da moça, excitando-se vendo a pele dela eriçar. Os movimentos de Diana despertava em Natalia o que ela sequer sabia que existia. Quando a loirinha posicionou um de suas mãos por baixo da sua saia, Natalia sentiu seu corpo tremer, seu sexo ficar úmido, deixou escapar gemidos, ao mesmo tempo em que ansiava mais dos beijos e das carícias de Diana, Natalia se sentia insegura e despreparada para tais sensações, desconhecia sexo, a ideia de que sua primeira experiência seria com uma mulher, naquelas circunstâncias, lhe apavorou e por um momento, hesitou em se entregar totalmente ao desejo.

-- Diana...

-- O que foi? Eu te machuquei? – Diana perguntou preocupada.

-- Rápido demais... – Natalia respondeu ofegante.

-- Desculpe-me. – Diana pediu com sinceridade.

-- Isso é muito novo pra mim Diana...

                Com carinho, Diana fez um afago no rosto de Natalia, e conseguiu ler nos olhos da moça seus receios, enxergou pureza, e tomada de um sentimento tenro confortou Natalia envolvendo-a em um abraço afetuoso.

-- Diana, você deve me julgar agora a caipira virgem bobinha...

-- Nat... Parei de te julgar quando comecei a te admirar... Só não tinha entendido isso ainda...

-- Você é uma caixinha de surpresas... Não quero que você pense que eu não quero... Por que quero e muito!

                Diana sorriu, beijou Natalia delicadamente e respondeu:

-- Claro que me quer até eu me quero!

                Brincou para encerrar o tema que constrangia Natália. Não era sua intenção banalizar a primeira experiência sexual de Natália, mesmo correndo o risco de expor o traço romântico de sua personalidade, ansiava para que Natalia confiasse na sinceridade do seu sentimento e a visse como a pessoa mais digna de fazer daquele momento o mais especial de sua vida.

                Diana nem notou quando Natalia adormeceu nos seus braços, a loirinha demorou a dormir velando o sono dela. Inexplicavelmente, a simples presença de Natalia lhe dava a paz e ao mesmo tempo lhe tirava também. Naquela noite, indo contra todo seu histórico, Diana sentiu um prazer inenarrável de estar na mesma cama com uma mulher que tanto desejava sem conotação sexual, experimentou a satisfação de estar ao lado de quem queria sem implicações subentendidas, de tocar alguém sem necessariamente ser um ato libidinoso, abraçando o corpo de Natalia também se entregou ao sono com um sorriso nos lábios.

                ************

                Natalia acordou com o barulho do liquidificador na cozinha, sem saber ao certo ao menos onde estava, e sentindo sua cabeça ser esmagada, esforçou-se para abrir os olhos como se enfrentasse a resistência da gravidade sobre suas pálpebras.

-- Bom dia, dorminhoca! – Diana disse despejando o conteúdo do liquidificador em um copo.

-- De onde surgiu esse seu bom humor matinal?

-- Nunca dormi às oito da noite em toda minha vida... Acho que deve ser por isso que caipiras despertam cedo sempre com disposição, dorme-se ao escurecer na roça não é?

-- Eu devia mesmo estar muito bêbada...

                Natalia disse esfregando os olhos se sentando na cama.

-- Por que você está dizendo isso caipira?

-- Alucinei acreditando que você me chamava pelo nome.

                Diana sorriu, sentou-se ao lado de Natalia e para surpresa desta, beijou seus lábios demoradamente.

-- Bom dia Natalia.

                Sem saber se foi o beijo, ou o sorriso de Diana, ou ainda, a certeza que não foi devaneio do seu porre a loirinha chamá-la pelo seu nome, mas a dor de cabeça que sentira pela ressaca deu lugar a um sorriso largo com direito a um brilho no olhar que iluminou Diana.

-- Preparei isso aqui pra você.

                Diana entregou o copo com conteúdo estranho.

-- Não sabia que você tinha habilidades na cozinha... Que entendia alguma coisa.

-- Habilidades? Se você chama de habilidade jogar tudo no liquidificador e ligar o aparelho... Não entendo nada de cozinha, mal consigo acertar o caminho da minha! Mas, de ressaca eu entendo!

-- Que diabos tem nessa gosma?

-- Segredo... Mas, te garanto que vai te fazer sentir melhor, junto com esse comprimidinho aqui.

-- Ah, você anda com o kit ressaca debaixo do banco de sua moto, acertei?

-- Mal agradecida você heim... Encontrei tudo na geladeira, o remédio, desci pra comprar.

                Natália tentava esconder sua perplexidade com os gestos de Diana, mas não conseguiu.

-- Não adianta tentar me seduzir com esse olhar faceiro... Vai ter que tomar isso todinho.

                Mesmo que não quisesse tomar, Natalia não ousaria desagradar Diana, encheu-se de coragem, e deu um grande gole daquele liquido de conteúdo desconhecido.

-- Até que não é tão ruim. – Natalia comentou fazendo careta.

                Diana sorriu.

-- Pois trate de tomar o resto.

-- Vou ganhar recompensa?

                Diana apertou os olhos e ficou pensativa.

-- Posso providenciar uma...

                Nem terminou de concluir a sentença e Natália já tinha esvaziado o copo.

-- E agora, o que ganho?

                Como criança ansiosa pelo presente Natalia encarou Diana.

-- Que tal um banho?

-- Você vai me dar o banho?

-- Que assanhada! – Diana brincou.

                Natalia ruborizou.

-- Você vai tomar banho sozinha, tirar essa cara de ressaca. Depois você ganha a recompensa.

                Agindo ainda como criança que cumpre as condições para ganhar um doce, Natalia correu para o banheiro, arrancando a gargalhada de Diana. Voltou meia hora depois, os cabelos ainda molhados, shortinho curto de malha, camiseta de alça, exalando o cheiro de lírios.

                Por segundos Diana ficou sem ar, disfarçou com um sorriso cheio de malícia, foi inevitável evidenciar o desejo.

-- E agora? Minha recompensa?

                Diana segurou Natalia pela cintura que envolveu seus braços no pescoço da loirinha, e se entregaram a um beijo sôfrego. Sem se desvencilharem uma da outra, Diana empurrou Natalia contra o balcão da cozinha, suspendeu a moça que intensificou o beijo, entrelaçando seus dedos nos cabelos de Diana, puxando-a para mais perto ainda, movida pelo tesão, retirou a blusa da loirinha que retribuiu o gesto. Diana contemplou os seios de Natalia, deslizou o dorso de sua mão por eles e pelo colo da moça que sentia seu sexo ficar úmido, seus mamilos eriçarem e uma onda de calor tomar conta de toda sua pele.

                As mãos de Diana percorreram as pernas de Natalia, enquanto sugava seus seios. Sentindo que seu corpo reagia sozinho, Natalia não conseguia frear nenhum movimento. Prosseguiu com as carícias, Diana ousou aproximar suas mãos para desabotoar o short de Natalia quando se impôs um limite, não era assim que ela agiria na primeira vez da garota.

                Antes que Natalia interrogasse a outra sobre sua hesitação, a campainha as interrompeu. Completamente atordoada, ruborizada e ofegante, Natalia espiou pelo olho mágico, não soube afirmar de quem se tratava com certeza, se Pedro ou Lucas.

 CAPÍTULO 18 Pacta sunt servanda
*Os pactos devem ser respeitados. Refere-se aos contratos privados, enfatizando que as cláusulas e pactos ali contidos são um direito entre as partes.


                Natalia fez careta, demonstrando que não era uma visita benvinda. Curiosa Diana conferiu no olho mágico de quem se tratava, balbuciou:

-- Lucas.

                Ficaram no impasse sobre abrir ou não a porta, cochichando, quando Lucas falou do outro lado da porta:

-- Natalia? Sou eu, Lucas, você está aí?

                Natalia hesitou em responder, não queria interromper o momento com Diana, mas a loirinha lhe beliscou, franzindo a testa obrigou a responder:

-- Só um momento Lucas.

                Abriu metade da porta apenas, se colocando no pequeno espaço, Diana permaneceu atrás da porta escondida.

-- Oi Lucas.

-- Oi gatinha! Como prometido, vim ajudar na faxina!

-- Ah, a faxina...

                Diana arqueou uma das sobrancelhas mostrando a sua desaprovação com o plano do rapaz.

-- Então, você foi comigo à festa do Ricardo, estou cumprindo minha palavra de te ajudar na faxina hoje!

-- Eu... Esqueci completamente.

-- Você sumiu da festa ontem, fiquei te procurando por quase uma hora dando voltas nas redondezas, onde você se meteu?

-- Ah, eu peguei um táxi, não estava me sentindo bem.

-- Não vai me convidar para entrar?

                Natalia completamente nervosa gaguejava enquanto criava alguma desculpa para se livrar de Lucas educadamente.

-- Lucas... Eu não estou me sentindo bem, desculpe-me... Acho que bebi demais ontem...

-- Você quer ir ao hospital? Levo você lá.

-- Não é necessário, obrigada de qualquer forma.

-- Você não quer que eu te faça companhia?

-- Você é um fofo sabia? Mas, a casa está uma bagunça, morreria de vergonha se você entrasse aqui.

-- Ah fala sério gatinha! Moro numa zona com mais seis marmanjos, você acha que me assusto com uma baguncinha?

                Lucas fez menção de afastar Natalia da porta para entrar, mas a moça tratou de impedir:

-- Lucas! Não... Eu não estou sozinha!

-- Como? Não entendi...

                Diana arregalou os olhos, desesperada gesticulava negativamente com o dedo para que não denunciasse sua presença ali.

-- Lucas, meu namorado, na verdade ex-namorado, chegou de surpresa ontem, e enfim, nos entendemos e acho que ele não entenderia sua presença aqui, ele é muito ciumento.

-- Ah, não podia imaginar, desculpe-me. – O rapaz disse decepcionado.

-- Eu é que te devo desculpas, estou tão envergonhada por ter te preocupado ontem e hoje te fazer vir aqui...

-- Ah Natalia relaxa! O importante é que você está bem. Ele está aí, então vou indo pra não causar problema, mal entendidos...

-- Ele está no banho agora...

-- Então, boa sorte na reconciliação de vocês, até mais Natalia.

                Natalia fechou a porta com uma expressão de culpa, olhou para Diana que de braços cruzados lhe encarava:

-- Estou impressionada e assustada com você! – Exclamou a loirinha.

-- Han? Por quê?

-- Você será uma excelente advogada, nunca vi alguém mentir assim com tanta facilidade!

-- Está me chamando de mentirosa?

-- O que vi agora foi o que?

-- Apenas manipulei a verdade, isso se chama presença de espírito.

                Diana meneou a cabeça em seguida aplaudiu.

-- Bravo doutora! Vejo que terá um futuro brilhante no direito, por que você mente e ainda acredita na mentira a ponto de igualá-la com a verdade, felizes serão seus clientes!

                Natalia estreitou os olhos, tentando decifrar se recebera de Diana uma crítica ou um elogio.

-- Agora vamos a outro ponto importante senhorita Natalia: como assim o Lucas acordou depois de uma festa antes do meio dia, atravessou a cidade pra vir te ajudar numa faxina?

-- Você vem perguntar isso a mim? É a ele que você tem que perguntar!

                Natalia parecia atordoada com as observações de Diana.

-- Que fique bem clara uma coisinha ow caipira...

                Diana falou com as mãos na cintura, sentindo a irritação de Natalia ao ouvir o apelido mais uma vez.

-- Sou uma pessoa muito generosa com meus amigos, especialmente Lucas e Pedro que são como irmãos para mim, eu faço tudo por eles, mas...

                Diana se aproximou de Natalia com expressão enigmática.

-- Não vou dividir você com eles! Trate de acabar com as ilusões deles a seu respeito, ta me entendendo?

                Natalia se desarmou, abriu um sorriso largo, e envolveu seus braços no pescoço de Diana e respondeu:

-- E quanto a você? Posso continuar te iludindo?

-- Você acha mesmo que pode me iludir? Acha que não percebo seus olhares, não capto seu desejo?

-- Está aprendendo a me ler é? Essa é minha habilidade! -Natalia brincou.

-- Você é transparente demais Nat, é muito fácil te ler, talvez por isso, seja tão fácil se encantar por você.

                Encararam-se por segundos sorrindo, antes de colarem seus lábios, encaixar suas línguas na boca uma da outra, absorvendo o sabor daquele beijo na intensidade que a excitação percorria suas peles, Natalia empurrou Diana para o sofá lançando seu olhar de pura malícia.

                Por mais que Diana desejasse seguir os impulsos do seu desejo, imaginava Natalia como uma menina do interior romântica, apesar de sua determinação que lhe dava a aparência de praticidade, tinha certeza de que a primeira vez da moça, não fora sonhada daquela forma, reuniu suas forças e como um balde de água fria, disparou:

-- Nat, precisamos conversar.

-- Teremos tempo para isso Di... – Natalia falou, sentando no colo de Diana. - Agora, não é hora de conversar. – Roçou seus lábios no pescoço de Diana, arrepiando lhe.

-- Mas... Natalia é importante... – Diana falou ofegante.

-- Mais importante do que me beijar? – Natalia sussurrou.

-- Nada é mais importante do que te beijar, mas teremos muito tempo pra isso também.

                Diana segurou o rosto de Natalia com delicadeza, intimando-a para uma conversa séria.

-- Tudo bem, fala logo então.

                Natalia falou emburrada.

-- Nat, pelo menos por enquanto, temos que manter nossa relação em segredo, pela atitude do Lucas hoje vi que não é só o Pedro que está louco por você, ele também está.

-- Mas, eu não tenho culpa!

-- Nat, eu não estou te acusando de nada, só estou querendo te dizer, que eu não posso de repente aparecer e dizer que estamos juntas, até ontem, eu estava fazendo campanha contra você, dizendo que você era uma sonsa.

-- Você disse isso?

-- Olha isso foi o insulto mais ameno que dirigi a você. – Diana apertou os olhos, envergonhada.

-- Acho que não quero saber os outros então... Mas, eu mereci pelo que disse à Ruth.

-- Eu sei que você só falou aquilo por que ficou acuada, assustada, apesar de ter doído muito ouvir, no fundo eu sabia que era da boca pra fora.

                Natalia acenou em acordo, baixando os olhos.

-- Mas, isso passou. Minha preocupação agora é esconder nossa ligação dos meninos, essa paixonite deles por você pode cegá-los, e não quero, não posso perder amizade deles.

-- Você acha que é pra tanto?

-- Nat, o Pedro me pediu pra ajudá-lo a te conquistar, pediu que me aproximasse de você para limpar a barra dele contigo, ele nunca me pediu isso com garota nenhuma, chegou a me dizer que você é a primeira garota que ele está gostando depois de mim.

-- Eu não imaginava isso...

-- Ele vai entender como uma traição, e o Lucas vai achar que fiz isso só para competir com ele, vai acabar com nossa amizade.

                Natalia suspirou desanimada. Ainda não tinha calculado o peso que seria na sua vida assumir uma relação amorosa com Diana, sequer sabia que tipo de relação tinham em nenhum momento a loirinha citou a palavra namoro, ignorava como essas relações aconteciam entre mulheres. Esconder o quer que fosse que existia entre elas, no fundo era o que a moça do interior desejava o rótulo de lésbica, ainda era algo surreal para ela.

-- Então a gente continua se odiando pro mundo? – Natalia perguntou.

-- Acho que por enquanto, é o que podemos fazer... – Diana fez uma expressão de insatisfação.

-- Pode ser divertido... Namorar escondido... Fazer teatrinho...

                Natalia tentou animar Diana.

-- Mas, não é por causa disso, que a senhorita está liberada pra ficar dando mole pra ninguém não, especialmente pro Lucas e pro Pedro!

                Natalia sorriu satisfeita com o ciúme da outra.

-- Acho que minha presença de espírito agora pouco, já me deu uma desculpa perfeita pra escapar das investidas deles.

-- Tem razão...

-- Agora que tivemos a conversa séria que você queria, que tal continuarmos o que paramos?

                Natalia voltou a beijar o pescoço de Diana, mordiscando sua orelha, quando o celular da loirinha tocou.

-- Não atende, por favor.

-- Preciso atender, desculpa.

                Enfrentando o bico de raiva de Natalia, Diana atendeu o celular.

-- Sim, sou eu. Claro que não esqueci, chego em dez minutos aí!

                Diana estapeou a testa assinalando que mentira, havia se esquecido do seu compromisso de domingo.

-- Nat desculpe-me, mas, preciso ir. Fui contratada pra fotografar um Bar Mitzvá, e estou atrasada!

-- Ainda nos vemos hoje?

-- Não sei minha linda...

                Deu um beijo rápido nos lábios de Natalia e partiu para seu trabalho.



                 O dia pareceu não ter fim para Natalia que guardava as esperanças de rever Diana à noite, esta mesmo a contragosto, não pode se livrar cedo de suas obrigações, se tornando inviável retornar à casa de Natalia.

*****

                Sem conseguir esconder sua tristeza por passar o dia inteiro sem notícias de Diana, Natalia saía da universidade, atravessando o corredor central na saída da biblioteca, foi puxada ao passar de frente á porta da sala do diretório acadêmico.

                Tomada pelo susto, mal teve tempo de se refazer, quando sentiu uma mão tapar sua boca evitando seu grito, fora pressionada contra a porta, quando encarou quem lhe sequestrara seu coração foi tomado de uma satisfação inesperada.

-- Oi minha linda, saudades.

                Diana disse lhe sorrindo, liberou a boca de Natalia presa por sua mão, para em seguida beijá-la vorazmente.

-- Você é louca? Se alguém entrar aqui?

-- Não vamos demorar o Ché Guevara genérico, presidente do DCE que estava aqui volta logo, só queria te entregar isso aqui.

                Diana entregou um embrulho a Natalia.

-- O que é isso?

-- Não dá tempo você abrir aqui... Guarda depois você me diz se gostou. Preciso ir, tenho um trabalho de equipe chato para fazer.

-- Mas...

-- Confie em mim, nos falamos amanhã.

                Diana roubou outro beijo de Natalia.

-- Vai você primeiro... – Diana disse.

                Foi a vez de Natalia roubar um beijo da loirinha.

-- Eu também estava morrendo de saudades.

                Trocaram um sorriso de encantamento antes de se despedirem. Natalia saiu ansiosa para abrir o pacote entregue por Diana, sentou-se em um dos bancos na recepção da universidade e se surpreendeu com o conteúdo que estava embrulhado: um celular com um cartão escrito “leia as instruções”. Natalia não conseguiu esconder o sorriso, pouco se importando com o aparelho, tratou de ler as tais instruções escritas:

-- “Você acaba de receber um exemplar de uma moderna invenção chamada telefone celular. Não se assuste se ao colocá-lo perto de seu ouvido, você escutar vozes, elas não são do além, se trata apenas de um meio de comunicação na cidade grande. Antes de me xingar mentalmente, por eu te chamar mais uma vez de caipira, preciso que você leia atentamente as instruções: Primeiro, ligue o aparelho, na memória dele, existe apenas o número do meu celular. Segundo, ligue para o único número da memória do seu aparelho, para escutar uma mensagem especial para você. Terceiro, quando ligar, não cite meu nome. Quarto tire esse sorriso bobo da cara, se não vão pensar que você está apaixonada”.

                Sorriu sozinha, segurando o aparelho, realizando a cena de Diana lhe dizendo isso pessoalmente, ansiosa, ligou o aparelho, fazendo o primeiro telefonema como fora instruída.

-- Gostou do presente? – Diana atendeu do outro lado da linha.

-- Você é louca! Esse aparelho deve ter custado caro! Nem é meu aniversário ainda, não mereço esse presente!

-- Regra de boa educação, apenas agradeça o presente, sem fazer menção do valor material dele.

-- Claro que eu adorei o presente, nem tenho palavras para agradecer! Muito obrigada, eu precisava mesmo de um, mas estava esperando pedi-lo aos meus pais no meu aniversário...

-- Não precisa tanto... O presente foi meio egoísta, no fundo foi para meu benefício.

-- Como assim?

-- Não quero mais passar o que passei ontem... E hoje o dia todo.

-- O que aconteceu?

-- Perder o sono, perder a paz, por estar longe de você e não poder ao menos escutar sua voz.

                Segundos de silêncio no telefone, até Natalia se refazer da declaração que escutara. Parecia flutuar ouvindo isso de Diana, demorou até concatenar uma sentença lógica.

-- Você ainda está aí? – Diana perguntou.

-- Sim estou.

-- Se você precisar dar esse número para seus pais está anotado na caixa.

-- Ahan...

-- Preciso desligar agora, o pessoal está me esperando pra fazer o trabalho...

-- Di... Desculpa, espera.

-- Oi, pode falar.

-- Eu também não consegui dormir ontem, esperando você, estava sufocada de saudades, te procurando hoje aqui...

-- Pelo menos nosso sono está garantido hoje não é? – Diana brincou.

-- E o que faço com a saudade? – Natalia mordeu os lábios disfarçando a timidez.

-- Vamos ter que dar um jeito nela... E na minha também, é questão prioritária. – Diana respondeu com um sorriso nos lábios.

-- Ligo mais tarde então... Bom trabalho e...

-- O quê?

-- Tire esse sorriso bobo dos lábios, podem pensar que você está apaixonada.

                Ambas não conseguiam esconder aquele sentimento que crescia: doce, tenro, leve e ao mesmo tempo, a atração intensa, avassaladora, descomunal que invadia os sentidos, tornando o encontro das duas uma necessidade vital.

                O presente dado por Diana, naquela noite teve sua utilidade comprovada. Passaram horas ao telefone compartilhando os acontecimentos do dia, evidenciando uma intimidade que por ser precoce parecia irreal, mas não era. O que antes parecia aversão demonstrada por elas, era afinidade que se confirmava nos risos, na unidade de pensamento, no reconhecimento de qualidades uma da outra.

-- Está tarde Nat, precisamos dormir.

-- É verdade... Pelo menos hoje vou dormir com a lembrança de sua voz no meu pensamento.

-- Eu também, e a vontade de que amanheça logo, pra eu te encontrar.

-- Isso me faz lembrar que amanhã teremos novo round: Diana versus Madimbú.

                Diana gargalhou.

-- Ao menos dessa vez, não estarei sozinha.

-- Se depender de mim, você não estará nunca mais sozinha Di.

                Foi a vez de Diana ser surpreendida com a declaração da outra, ficando sem palavras.

-- É muito bom saber disso Natalia.

-- Então, boa noite, até amanhã Di.

                Pensamentos e sentimentos unidos em corpos separados naquela noite anunciavam o nascimento de uma paixão improvável, se foi destino o responsável por isso, elas não sabiam, mas algo se configurava como previsível: aquele encontro, aquela paixão, mudaria a vida de Diana e Natalia para sempre.




CAPÍTULO 19 VEXATA QUAESTIO 

*Questão em debate
Por Têmis

                Aula de IED finalmente. Os alunos do primeiro período de Direito, pareciam ansiosos para testemunhar um debate político em véspera de eleição. Tanta expectativa acentuava o nervosismo de Natalia, que ainda se perguntava como conseguira se envolver no embate pessoal entre a professora e a aluna repetente e petulante.

                O nervosismo de Natalia só não era maior do que a ansiedade por rever Diana, remexia-se na cadeira olhando para o relógio, relia suas anotações, tentando ignorar os comentários dos colegas que formulavam hipóteses sobre o comportamento das protagonistas no debate. Seu coração por pouco não lhe saltou à boca, quando viu a loirinha adentrar com seu estilo único. Naquele dia, Diana usava um suspensório para compor seu visual despojado, nunca fora referência de moda, mas entre as alunas, a opinião era uma só: o que ela veste sempre cai bem.

                Trocaram olhares cúmplices, tentando esconder o brilho de felicidade que eles tinham ao se encontrarem.

-- E aí? Preparada? – Natalia perguntou quando Diana se sentou na fila paralela.

-- Aprenda uma coisa caipira: você nunca está preparada para enfrentar Madimbú.

                Natalia franziu a testa diante do jeito frio que Diana respondeu, especialmente por que fora chamada pelo apelido irritante mais uma vez.

-- E você, trate de pelo menos não me atrapalhar, enquanto apresento o trabalho.

                Diana concluiu sem encarar Natália que estava estarrecida com o tratamento dirigido a ela, sem cor na face ainda teve que ouvir o comentário de Ruth que cochichou:

-- Não se preocupe, é só uma grossa, recalcada por que a colocamos no devido lugar, não nos intimidamos com o assédio dela.

                Natalia engoliu os desaforos que Ruth merecia ouvir, ruminando o tom ríspido de Diana, quando ouviu a campainha de mensagem do texto do seu celular:

-- “Controlando minha vontade de te beijar, difícil fingir que não estou caída por você. Saudades, obrigada por ficar do meu lado”.

                Ao ler, Natalia olhou para o lado discretamente, deixando escapar um sorriso extremamente discreto quando Diana lhe deu uma piscadela, acenando que sua antipatia era puro teatro.

                Contra as expectativas, naquele dia, a doutora Dorothea demorou a chegar, aumentando a tensão de Natalia e Diana. Com mais de meia hora de atraso, a professora chegou tranquila, seu comportamento sereno parecia ensaiado para despertar o pavor das alunas que não se prepararam para uma simples apresentação de um trabalho, e sim um duelo desigual.

-- Diana fez a tarefa que lhe incumbi?

-- Claro Meritíssima.

-- Pois bem, estou esperando a explanação.

                Doutora Dorothea não deixou que nenhuma emoção transcendesse sua expressão. Sentou-se na cadeira atrás da mesa da sala, com a mesma postura de magistrada no Tribunal do Júri, deixando subentendido para a aluna que ali ela era a ré a receber sua sentença.

                Diana pôs-se de pé altiva, fazendo sinal para que Natália fizesse o mesmo.

-- Elegemos um caso que já fora arquivado, julgado na 18ª Vara Cível da Comarca de São Paulo – SP, já transitado em julgado, encontrando-se atualmente arquivado.


                Natalia leu o relatório do processo eleito: “Tratam-se os autos de uma Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais manejada por ANTÔNIO SOUTO em face do CONDOMÍNIO COLISEU, alegando em suma que o tratamento direcionado a sua pessoa, pelos demais condôminos e funcionários, a saber, “Você”, vem lhe causando danos de ordem moral, uma vez que não condiz com o tratamento digno com o cargo que ocupa razão pela qual requer que os moradores do supracitado condomínio sejam obrigados a tratá-lo formalmente de “Senhor” ou “Doutor”, bem como os seus convidados, sob pena de multa diária na importância a ser fixada judicialmente. Por fim, requereu a condenação dos réus ao pagamento a título de Indenização por Dano Morais no valor de 100 salários mínimos.”.

                Como esperado, os demais alunos se manifestaram abismados com tamanho despautério cometido por um magistrado, os cochichos e risos tomaram de conta da classe, irritando Dorothea, que percebera o intuito de Diana ao escolher tal processo. A professora, traída pelo costume de ditar palavras de ordem em um tribunal deixou escapar:

-- Ordem! Ordem no recinto!   

                Espalmou a mesa com violência, como se sua mão fosse seu martelo.

                O silêncio enfim se fez na sala, enquanto as bochechas de Dorothea se coravam ainda mais evidenciando que sua aparente passividade caíra por terra, Diana deixava escapar um sorriso no canto dos lábios, comemorando interiormente o sucesso do seu primeiro ataque: desfizera a simulada indiferença de Dorothea.

-- Conforme se vislumbra no relatório, o meio a que somos pretensos ingressos é permeado por um jogo de vaidades. Alguns dos que exercem a Ciência do Direito são movidos por soberba, o ideal de Justiça, insculpido em nossa Constituição Federal, onde todos são iguais perante a lei sem qualquer distinção, é suplantado por um ego buscando ser ovacionado. O Princípio da Isonomia foi deturpado, o Senhor Antônio Souto, contrariando a Carta Magna, se julga diferente, se considera melhor, tal qual os semi deuses da mitologia grega, investido no poder que o cargo lhe proporciona, merecendo, portanto, tratamento diferenciado em seu, frise-se, ambiente social.

                Notando a perplexidade da professora com sua explanação, Diana prosseguiu:

-- Como todos podem atestar, a soberba de alguns que exercem o Direito, em nada faz valer a justiça e o bem comum, normas éticas dão lugar a um jogo de vaidades por vezes esdrúxulo como esse relato. O princípio equânime de que a justiça trata os iguais de maneira igual e os diferentes de modo diferentes, aqui foi deturpado, uma vez que o Meritíssimo Antônio Souto se julgou não só diferente pelo cargo que exercia, mas, principalmente, se acha superior, pelo poder que o Direito lhe outorgou, assim merecia tratamento diferenciado. Afinal quem esses cidadãos comuns? Reles mortais ignorantes que pensam que podem se reportar a mim como um igual? Acaso não reconhecem meu merecimento? Que país injusto! Qual será o próximo disparate? Um grupo de crianças ousando interromper meu sono com jogos na área de lazer do condomínio? Tenho a impressão que o Meritíssimo Antônio Souto se viu obrigado a dar uma lição a todos com sua iniciativa.

                Diana usou da eloquência e desenvoltura que Dorothea não esperava de alguém que ela classificava como incapaz de até mesmo cursar sua disciplina. Entretanto, o que claramente desconcertou a professora, foi o tom de ironia, e em muitos trechos, o caráter sarcástico do discurso da aluna que arrancou não só risos dos colegas, mas, sobretudo a concordância destes acerca do absurdo embutido naquele processo.

                Natalia lutava para conter o orgulho que sentia de Diana, deteve-se no seu papel de coadjuvante naquele duelo.

-- Então foi esse grande exemplo que você me trouxe? Isso é o máximo que você consegue expor sobre o quanto o Direito manipula o sistema para o benefício de uma minoria? O devaneio de um deslumbrado?

                Diana precisou de frieza para rebater o golpe de Dorothea que desmereceu o fruto da pesquisa da estudante.

-- O que a Meritíssima considera como devaneio de um deslumbrado, eu vejo como um desrespeito aos Princípios Gerais do Direito, que são as ideias de justiça, liberdade, dignidade, democracia, etc. Enunciados normativos, muitas vezes de valor universal, que orientam a compreensão do ordenamento jurídico, que servem de alicerce para a construção do Direito. Se a Senhora não observa a gravidade do desrespeito a tais princípios, considerados a alma das leis, qualquer outro conduta que vá de encontro a tais ideias são justificáveis.

                Se Dorothea fosse de fato Madimbú, ela avançaria em Natália naquele momento para golpeá-la com sua barriga avantajada enviando-a para um planeta anos luz distante da Terra. A intercessão da novata como elemento surpresa naquele entrave foi o golpe de misericórdia que definiu aquele round. Até Diana se surpreendeu com a segurança e a propriedade que Natalia demonstrou, anulando qualquer reação da professora.

-- Vejo que se aprofundou no conteúdo da disciplina. Como é mesmo seu nome?

-- Natalia, professora.

-- Obrigada pela contribuição com a aula às duas. Podem se sentar. Aproveitando o gancho que Natalia nos apresentou, vamos discutir hoje os fins sociais das normas e a Teoria Tridimensional de Miguel Reale: fato, norma e valor.

                Se restava alguma dúvida, agora era oficial: Natalia estava na lista negra da doutora Dorothea. Isso não parecia intimidar a moça do interior, que no momento estava mais empolgada em comemorar com Diana, aquela pequena vitória sobre a soberba e a intransigência da professora.

                Trocaram mensagens de texto combinando de se encontrarem na rua atrás da universidade. Saíram apressadas, ansiosas para se renderem à saudade, e celebrar o sucesso da parceria das duas contra o que Diana acreditava ser uma má representação do Direito no país.

                Ao encontrar Diana à sua espera, montada em sua moto, Natalia teve o impulso de envolvê-la em seus braços e mergulhar na sua boca, mas, teve que conter o impulso, se escondeu atrás da banca de jornal a qual Diana estava estacionada, quando viu Lucas se aproximar da amiga.

-- Di! O que faz aqui?

                Atordoada e tensa, temendo que o rapaz encontrasse Natalia, Diana desconversou.

-- Vim comprar uma revista que meu professor de fotografia indicou, mas aqui não tem.

-- Que pena... Estava mesmo precisando falar com você.

-- Aconteceu alguma coisa?

-- Não sei, gostaria que você me ajudasse a descobrir o que aconteceu.

                Com uma expressão enigmática, o rapaz encarou Diana. E como quem deve, teme, a loirinha chegou a suar frio diante da abordagem do amigo.

-- Como assim Luc?

-- Como a gente sabe quando está apaixonado?

                A expressão do rapaz mudou, desfazendo o olhar antes misterioso, dando lugar a timidez nada coerente com sua personalidade.

-- Estou enlouquecendo Diana. Natalia não me sai da cabeça, depois do aniversário do Ricardo então... Nossa! Procurei-a feito louco, ela simplesmente sumiu, mal dormi ansioso para no outro dia procurá-la com a desculpa mais esfarrapada, ajudá-la na faxina do apartamento dela, você tem noção do “caô" que usei só pra chegar à menina?

                Diana fingia surpresa, encarando o amigo com os olhos esbugalhados.

-- Não me olhe assim, por que você ainda não sabe o pior!

-- Ah não me diga que isso ainda vai piorar...

-- Estou sofrendo desde que fui até o apartamento dela em plena manhã de domingo, pra fazer faxina, e ela me disse que estava acompanhada do ex-namorado jeca, e que os dois voltaram a namorar.

                A loirinha ria por dentro calculando a piada da situação, ela sendo intitulada de jeca pelo amigo.

-- Sei que você quer rir, mas nem me importo, pode rir! Eu estou caidasso pela caipira como você a chama... O que faço?

                Diana respirou fundo, e disse:

-- Esqueça! Desista! Essa menina só vai trazer problema, não serve pra você, além do mais, o Pedro também está afim dela, isso seria um desastre completo!

-- Não entendo o que você tem contra ela sabia? Isso tudo é ciúme de nós?

-- Não viaja Lucas! Que ciúme o que! Desde o começo vi que essa menina não era pra você, nem pro Pedro!

-- Você antipatizou com a menina desde o trote! Encarnou na menina sem pena, até aprontou com ela que eu sei!

-- Surtou Lucas?

                Diana agora saltou da tensão para o desespero.

-- Ah Diana! Eu te conheço muito bem. Pensa que não vi você de combinação com a Morgana? Logo depois ela subiu com Natalia e você coincidentemente autorizou o blecaute, e disparou “está pegando fogo!” e aí a coitada apareceu naqueles trajes.

-- Lucas para de falar besteira não tive nada com isso! Toda festa que toco uma hora a gente faz o blecaute pra galera se pegar na pista, e por isso grito que está pegando fogo, a pegação!


                A loirinha descompensada, explicava-se mais para Natalia que certamente estava ouvindo a conversa escondida atrás da banca, do que para o amigo.

-- Diana... Quem não te conhece, que te compre! Fazer esse tipo de coisa com bicho é sua cara, mas você pegou pesado com o lance das fotos...

-- Fotos?! Não fui eu que fiz as fotos, nem muito menos divulguei você sabe o quanto levo a sério o lance de fotografia!

-- A mim você não engana... Encrencou com a menina, por isso, não quer nem que eu, nem que o Pedro fique com ela! Mui amiga você...

-- Lucas você é um idiota!

                Diana estava possessa. Apesar de não ser completamente inocente na história, não era assim que pretendia revelar sua participação na brincadeira de mau gosto que Natalia fora vítima no trote.

-- Você é que está se comportando como uma! Egoísta, ainda por cima, ciumenta e infantil!

-- Ah quer saber Lucas? Vá pro inferno!

                Diana acelerou a moto, deixando o rapaz falando sozinho na calçada. Precisava encontrar Natalia, que não estava mais atrás da banca de jornal. Deu voltas no quarteirão, passou pelos pontos de ônibus mais próximos, voltou à universidade, ligou repetidas vezes para o celular dela, mas foi inútil, a menina não lhe atendia, e parecia ter evaporado das vistas de Diana.

CAPÍTULO 20 Corrigenda
*Erros que devem ser corrigidos.
Por Têmis


                Natália sentiu-se como teletransportada para uma realidade paralela, na qual, as pessoas envolvidas naquela conversa entre Diana e Lucas, eram apenas personagens fictícios, e nem tão pouco ela era o assunto chave da discussão.

                Antes que pudesse ser descoberta ali, deu meia volta no seu trajeto, seguindo por ruas desconhecidas, andando sem rumo. Ao reconhecer o barulho da motocicleta de Diana, esquivou-se em uma livraria, definitivamente, ela era a última pessoa que Natalia queria ver.

                Cansou de percorrer as ruas de São Paulo, se viu sozinha, nem ao menos podia contar com alguém para lhe consolar, ou desabafar, os amigos que fizera naquele pouco tempo, eram Lucas e Pedro, nenhum deles eram os mais adequados a lhe escutar, muito menos Ruth ou alguma das meninas do time de vôlei. Sentindo-se desamparada, parou em um telefone público e ligou para casa de seus pais:

-- Mãe?

-- Minha filha! Acredita que estava pensando em você? Como você está?

-- Oi mãe... Estou bem, só bateu saudades...

                A voz embargada de Natalia preocupou sua mãe.

-- Natinha? Minha querida aconteceu alguma coisa?

-- Não mãe... Só estou sentindo falta de vocês... Queria colo... As pessoas aqui são tão cruéis...

-- Ow minha menina... Você está construindo seu sonho, pense em tudo que você lutou para estar aí. Além do mais, tem o feriado do carnaval, vou falar com seu pai, para te mandar as passagens, você vem, mata as saudades, faço tudo que você gosta, e comemoramos seu aniversário, tudo bem?

-- Ahan.

-- Natinha, não deixe que nada te abale, essas pessoas que podem estar te maltratando, não sabem do que você é feita, não conhecem seu valor, você é exatamente do tamanho do seu futuro: grandioso. Não deixe que nada, nem ninguém te convença do contrário, nem muito menos que te desvie do seu caminho.

                Dona Fátima não podia imaginar o que se passava com a filha, mas a conhecia muito bem, como toda mãe, era capaz de compadecer-se do sofrimento da filha, mesmo sem saber ao certo a dimensão deste. Entretanto, também sabia que Natalia era uma menina forte, que não se curvaria à primeira dificuldade, o telefonema ainda não era um pedido de socorro, a filha só precisava ser lembrada do que a mantinha longe da segurança de sua família naquela cidade gigantesca e estranha.

                Com as palavras de incentivo materno, Natalia acalmou seu coração e seguiu para casa quando caiu a noite. A dor que sentia lhe absorveu até as forças físicas, as escadas do seu prédio pareciam intermináveis, chegando ao seu andar, se surpreendeu com a recepção: Diana sentada à porta do seu apartamento.

-- O que você está fazendo aqui?

-- Eu estava te esperando, pra conversar com você, me explicar.

-- Esperou em vão, não tenho nada a conversar com você Diana.

                Natalia abriu a porta, afastando Diana da sua frente.

-- Nat escute, por favor, se depois disso você continuar sem ter nada a conversar comigo, eu vou embora, e te deixo em paz, do contrário ficarei aqui na sua porta o tempo que for, até você me escutar.

                Natalia deu de ombros, duvidando da ameaça da outra. Entrou no seu apartamento batendo a porta, deixando Diana do lado de fora. A loirinha, persistente como Natalia não podia supor, voltou à sua posição anterior, sentou-se junto à porta decidida a cumprir a ameaça.

                O simples fato de saber que Diana poderia estar ali bem perto desequilibrava Natalia. Naquela noite, a menina odiou como nunca a pequenez de seu apartamento, não podia fugir de ouvir pequenos movimentos de Diana, até sentir seu perfume se espalhar pelo cubículo que lhe abrigava. Andou de um lado para outro, e várias vezes se aproximou da porta, mas desistiu. Ligou a TV em volume alto, na tentativa que isso sufocasse o que seu pensamento insistia em repetir: “ela está aí, a quatro passos de você”.

                Cochilou sentada no sofá, acordou abruptamente, sem saber ao certo quanto tempo dormira, mas o silêncio quando desligou a TV a fez acreditar que Diana se rendeu enfim, e não estava mais ali. Abriu a porta para confirmar suas suspeitas, e para seu susto, a loirinha que se apoiava na porta, caíra para dentro do apartamento.

-- Ai meu Deus, Diana não acredito!

                Natalia colocou a mão no peito assustada. Do chão Diana olhava a moça, com a mesma expressão de susto por ter sido acordada assim.

-- Levante-se! – Natalia ordenou.

                Diana como obedeceu prontamente como se aquilo fosse da sua índole, mesmo não sendo.

-- Você está louca? Que horas são? Daqui a pouco os vizinhos vão reclamar por ter alguém dormindo no corredor do prédio!

-- Eu disse que não sairia.

-- Você já conseguiu o que queria, estamos conversando, fale.

-- O que você ouviu da minha conversa com o Lucas, não é totalmente verdade, ele está enganado.

-- Quem estava enganada era eu...

-- Natália, eu armei sim aquela brincadeira de péssimo gosto com você no trote. A gente sempre apronta com um bicho, de fato uso isso nas festas que animo o lance do blecaute, estava irritada com você, não acreditava que você fosse inocente na história de ter beijado Lucas e Pedro, e armei com a Morgana, dela jogar bebida em você e tudo mais que você sabe. Mas, eu não fotografei, nem muito menos divulguei as fotos.

-- Por que eu acreditaria em você? Você teve todo esse tempo para me contar isso, e não contou!

-- Eu ia contar, só estava esperando o momento certo, a gente se desentendeu tanto, estava curtindo esse momento que estávamos nos conhecendo, dando a oportunidade de você me conhecer e poder confiar em mim. Eu me arrependo sinceramente do que fiz, só posso te pedir perdão pela brincadeira desastrosa.

-- Não te conheço... Não confio em você... Você em menos de um mês me magoou mais que já fui magoada a vida toda.

-- Nat...

-- Diana você já disse o que queria, agora vá embora, me deixe em paz.

-- O que a gente viveu esses dias não significou nada pra você? Você que diz saber me ler, não consegue enxergar o que meus olhos dizem?

-- Não quero te ler, não quero sequer olhar pra você Diana. Não duvido que você use o que aconteceu entre nós para fazer piada depois, me expor ao ridículo.

-- Você não pode estar falando sério!

-- Por que não? Pode ser só mais uma brincadeirinha sua com a caipira aqui!

-- Um dia você vai se arrepender por não acreditar em mim, peço desculpas sinceras por ter exposto você no trote, mas não vou pedir perdão por algo que não fiz, não tirei foto alguma, vou descobrir quem fez isso, e te provar que não estou mentindo, mas aí, não sei se conseguirei te perdoar por não acreditar em mim.

-- Como você ainda ousa se fazer de vítima injustiçada nisso? É muito cinismo!

-- Não tenho mais nada a dizer... Vou embora agora.

-- Espero que para sempre. – Natalia resmungou. – Mas, antes, leve isso.

                Natalia entregou o celular presenteado.

-- Não quero isso, comprei para você, se não o quer, arranje um destino para ele.

                Diana deixou o apartamento de Natalia amargando a consequência de uma brincadeira estúpida e de uma culpa que não lhe pertencia. Quando chegou à sua casa, se surpreendeu com o seu telefone tocando.

-- Alô?

-- Diana? Sou eu. Pegue o primeiro voo para cá!

-- Está louco Douglas! Você me liga no meio da noite, com uma ordem dessas? Não vou a lugar nenhum.

-- Não complica as coisas Diana, você tem que vir pra cá com urgência!

-- Pra quê? Mais uma reunião inadiável do papai para elaborar a próxima campanha?

-- Diana é sobre a mamãe.

-- O que houve com ela? – Diana perguntou exasperada.

-- Ela sofreu um infarto Diana, está na UTI.

-- Como ela está Douglas? Fala!

-- Diana, nós não sabemos ainda! Venha imediatamente!

-- Vou agora mesmo para o aeroporto.

                Diana não pensou duas vezes, jogou duas mudas de roupa em uma mochila, chamou um táxi e seguiu para o aeroporto, todas as suas preocupações com os problemas que lhe angustiavam deram lugar a apreensão que lhe comprimia o peito. Sua mãe era antes de qualquer coisa, sua grande defensora e melhor amiga, tinha verdadeira devoção por ela, grande parte dos motivos que faziam a relação com seu pai conflituosa, era o fato deste, maltratá-la com constantes traições e humilhações.

**********

                Natalia chegou à faculdade com os sinais no rosto de uma noite mal dormida depois e muitas lágrimas. Não quis assunto com ninguém, apesar das insistentes tentativas de Ruth. Interiormente vivia o dilema de não querer encontrar Diana pelos corredores, e torcer para o acaso promover tal encontro, como se olhar para ela fosse condição vital para seu dia ser completo.


                Entretanto, não foi Diana que o acaso lhe trouxe, ao invés dela, mais uma vez, avistara Pedro, saindo do escritório de prática jurídica. Tentou acelerar os passos, para não ter que ser sociável com o rapaz, mas foi inútil, Pedro lhe viu e a alcançou.

-- Finalmente te encontro! Como vai Natalia?

-- Um pouco apressada, eu estou com muita coisa pra estudar Pedro.

-- Entendo. Então, não vou te atrasar, caminho com você até o ponto de ônibus.

                Sem alternativa, Natalia apenas acenou em acordo.

-- O Lucas comentou comigo que você voltou com seu ex-namorado da sua cidade, é verdade?

-- Sim é.

-- É uma pena para mim, mas o que importa é você estar feliz, o que não me parece estar acontecendo, você está bem?

-- Pedro, não gostaria de falar nisso se você não se importa.

-- Tudo bem então.

                Andaram alguns metros em silêncio, até o celular do rapaz tocar.

-- Oi Di, tudo bem? Como assim? Você está em Brasília?

                Ao ouvir o nome de Diana, Natalia arregalou os olhos e prestou atenção à conversa.

-- Mas o que aconteceu? Infarto? Ai meu Deus! Como ela está agora? Entendo... E você? Não se preocupe, eu justifico sim, com eles vai ser limpeza. Boa sorte, qualquer novidade me ligue, se precisar de qualquer coisa não hesite! Beijos.

                Natalia olhou para Pedro como se esperasse uma explicação.

-- Era a Diana. Ela foi hoje de manhã para Brasília, a mãe dela sofreu um infarto ontem. Ligou para pedir que justificasse as faltas com dois professores que são meus preceptores.

-- Como ela está?

-- Está se recuperando, mas a Diana está muito abalada coitada, a mãe dela é o porto seguro dela, nossa...

                Natalia sentiu seu peito apertar, não se lembrou de sua mágoa, sentiu uma imensa vontade de oferecer seu colo e apoio. Mas, tentou suprimir tal impulso, impondo racionalmente os motivos que as separavam.

-- Nem sabia que a família dela era de Brasília... – Natalia tentou disfarçar o interesse.

-- Não são de Brasília, são de Mato Grosso do Sul, mas mantém residência lá por causa do pai dela.

-- Por causa do pai?

-- É. Você não sabe quem é o pai da Diana?

-- Não! Por que deveria saber?

                Natalia não entendia por que ela deveria saber algo sobre Diana, respondeu ao amigo irritada, como se fugisse de ter que explicar qualquer elo com a loirinha.

-- Meu ônibus chegou, tenho que ir Pedro.

                A moça entrou no veículo apressada, na sua mente, a imagem de Diana era constante, não entendia, mas o seu desejo era de estar ao lado dela, emprestar seu ombro, apertar sua mão, dividir sua angústia. O orgulho, entretanto, foi maior, desistiu de ligar para Diana, julgou e a sentenciou: não merece minha compaixão.


CAPITULO 21 Bellum interius
*Batalha interior
Por Têmis

                Uma semana se passou. Nesse período, Natalia conteve por diversas vezes o impulso de ligar para Diana a fim de saber notícias suas. A falta de informações sobre a saúde da mãe dela, e sobre a própria Diana deixou Natalia uma pilha de nervos naqueles dias. Não podia sondar notícias com Pedro ou Lucas, isso despertaria a curiosidade dos dois, mas, essa era sua única opção.

                Procurou pelos gêmeos na universidade, justamente quando precisava nem o acaso, nem sua busca foram seus aliados. Esperou até a sexta-feira, certamente encontraria os meninos no Botecão, arranjaria uma forma de obter alguma informação.

                Como esperava, a turma de amigos da república Álibi estava mesmo no bar. Logo, as meninas do time de vôlei acolheram animadas Natalia. Lucas e Pedro reticentes foram econômicos na simpatia e atenção corriqueiras com a moça.

                O comportamento dos gêmeos obrigou Natalia a tomar a iniciativa de se aproximar deles, fato que obviamente causou estranheza em ambos.

-- O que foi que deu em você hoje para aparecer por aqui? – Lucas perguntou.

-- Nada demais, só precisava me distrair um pouco.

-- E o namorado? Não se chateia com o fato de você sair assim? – Pedro indagou.

-- Pedro você acha mesmo que sou do tipo de mulher que homem manda?

                Lucas gargalhou, zombando da cara de Pedro ao receber a resposta insolente da moça. Constrangida, Natalia desconversou indo direto ao assunto que lhe levou até ali:

-- Como está a mãe da amiga de vocês?

-- Está falando da Diana? – Lucas interrogou.

-- Sim.

-- Ah, está melhor, saiu da UTI, mas, precisará de muitos cuidados, não pode sofrer grandes emoções, Diana nem voltou ainda, está lá cuidando dela. – Pedro respondeu.

                Aliviada pelo fato da mãe de Diana estar melhor, Natalia questionou finalmente a si mesma sobre tanto empenho para ter notícias de Diana e a preocupação com o bem-estar dela. A verdade é que ela sofria não só a falta de notícias ou a apreensão sobre a saúde da mãe de Diana, mas também sua ausência. Chegou a se condenar por não conseguir simplesmente ficar indiferente aos problemas de Diana.

                Com seu objetivo alcançado, Natalia concluiu que não tinha nada mais o que fazer ali. Enquanto seguia para o banheiro, foi abordada por Sandro, seu colega de sala, o típico filhinho de papai, com uma irreverência inconveniente. No episódio da foto do trote, ele chegou a discutir com Diana sobre a atitude da moça de recolher as fotos na sala.

-- Opa! Olha só quem resolveu se juntar aos bons hoje! Natalia, a gostosa da capa! Aquela sua foto deveria ser capa de revista sabia? Com menos roupa, quem sabe até a Playboy, já pensou?

-- Não enche Sandro! – Natalia empurrou o rapaz irritada.

-- Ei! Você é muito estressadinha, só fiz um elogio.

-- Dispenso seus elogios, me dá licença, preciso passar!

                Sandro cercava Natalia com insistência.

-- Pra que a pressa? Está fugindo de mim?

-- O que? Se toca garoto!

-- Sabe, eu conheço um remédio ótimo pra sua irritação...

                Sandro avançou no corpo de Natalia, lhe roubando um beijo. A moça esperneou, e sem defesas mordeu os lábios do rapaz, que se afastou bruscamente transtornado notando o sangue escorrer por sua boca.

-- Está louca sua vadia?!

-- Louco é você! Fique longe de mim!

-- Você vai se arrepender de me rejeitar assim! Você não sabe com quem se meteu.

-- Está me ameaçando? Não tenho medo de ameaças de covardes como você.

-- Vai acreditando nisso sua caipira ridícula... O que você faria se aquela foto caísse na internet?

-- Você está louco? Eu te processo!

-- Sabe que tem muitos recursos de edição que fácil consigo tirar até a pouca roupa que você usava na foto?

-- Eu te denuncio!

                Natalia estava completamente transtornada, tentava agredir fisicamente o rapaz. Sandro a segurou com violência e revelou:

-- Muito cuidado comigo, posso fazer da sua vida um inferno, do mesmo jeito que espalhei as fotos pela universidade, posso espalhar pelo mundo todo, basta um clique.

-- Então foi você?

                Natalia apertou os olhos, enquanto uma lágrima percorria sua face.

-- E não hesitaria em fazer de novo.

                Sandro empurrou Natalia, e se afastou limpando o sangue da boca.

                Natalia não sabia o que lhe doía mais, se a ameaça de Sandro e sua revelação ou o fato de atestar que Diana não mentira. Entrou no banheiro, e permaneceu por um longo tempo entregue a um pranto sentido, culpado, solitário.

                Demorou a se recompor, lavou o rosto e decidiu ir embora dali, em casa, ligaria para Diana, estava decidida a obter o perdão dela.

                Quando se despedia das colegas e dos gêmeos, ouviu a movimentação de outras pessoas da mesa, uma algazarra que atraiu os demais para a calçada. Natalia seguiu os e por pouco seu coração não saltou pela boca quando viu sair de um carro esporte importado a dona dos seus desejos: Diana.

-- Aeee Diana olha a responsa da caranga!

-- Arrasou menina!

                Eram os comentários dos colegas que recepcionaram Diana. Natalia pouco se importava com o luxo do carro que atraiu a atenção de todos, seus olhos tinham um só alvo: Diana. Ficou paralisada, observando cada movimento da loirinha que esbanjava a simpatia entre os amigos, não notando Natalia no meio deles.

-- De onde surgiu essa máquina Diana?

-- Ah... Exigência de minha mãe jogou baixo comigo, me obrigando a me desfazer da moto, por que isso a preocupava demais... Como ela não pode passar por contrariedades, aceitei minha cota de sacrifício.

                Diana falou em tom jocoso.

-- E você veio de Brasília com essa belezura? – Lucas perguntou acariciando o carro.

-- Imagina... Meu pai autorizou a compra em uma concessionária daqui, cheguei hoje de manhã e passei o dia resolvendo os detalhes da compra, documentação...

-- Precisamos estrear esse carro Di! – Uma das meninas mais afoitas berrou.

-- Quando você quiser gatinha!

                Com o intuito de ser vista, tomada de ciúme, Natalia pôs-se à frente dos que cercavam Diana, foi quando esta finalmente a viu. Durou apenas segundos a troca de olhares, o suficiente para Natalia ler algo que lhe doía muito reconhecer: a mágoa de Diana.

                Diana desviou o olhar e entrou no bar, Natalia baixou os olhos e seguiu também a turma, naquela situação desistira de ir embora, precisava falar com Diana, e seria naquela noite.

                Durante o resto da noite, Diana parecia fazer questão de ignorar Natalia, mas era puro fingimento, pois, a observava com o canto do olho, e se aproveitava da vigília da moça para provocar seus ciúmes, enrolando nos seus dedos o cabelo das meninas que se aproximavam, simulando um flerte.

                A saída de Natalia era beber. As rodadas de tequila se acumulavam alterando o estado normal da menina do interior.

-- Natalia sei que não tenho nada com sua vida, mas você passou mal da ultima vez que bebeu tanto, não acha que devia ir com calma? – Lucas foi cauteloso com as palavras.

-- Estou bem Lucas, obrigada por se preocupar.

                Preocupado com a moça, Lucas sentou ao seu lado, na tentativa de regular o instinto alcoólico de Natalia. A cada minuto que passava, mais aumentava a necessidade de Natalia falar com Diana, sua vontade era cometer uma loucura, e arrastá-la na frente de todos e lhe roubar um beijo, fantasiando que isso fosse o suficiente para selar a paz entre elas. Não podendo se render a tal vontade teve a brilhante ideia de enviar mensagem de texto para Diana.

-- “Preciso falar com você agora”.

                Diana leu a mensagem, mas não respondeu. Mentalmente estava decidida a não facilitar as coisas para Natalia. Estava ferida, por ela não ter confiado, por acreditar que Diana seria capaz de espalhar as tais fotos e principalmente, pela ausência de Natalia durante o período crítico que foi a doença da mãe. Nesses dias, recebera telefonemas de Lucas, Pedro, Julia e até de colegas da faculdade, mas, seu desejo era ouvir o consolo mesmo que à distância de Natalia.

                Ansiosa, Natalia encarava Diana cobrando uma resposta, mas a loirinha não estava nem um pouco disposta a dar o braço a torcer. Não respondeu à mensagem, nem muito menos deu importância aos sinais que Natalia dava.

                Aos poucos o bar se esvaziava, apenas os moradores da república, algumas meninas mais íntimas além de Diana e Natália, permaneciam ali na mesa antes lotada.

-- Natalia está ficando tarde, você quer que eu te acompanhe até o ponto de ônibus, ou chame um táxi? – Pedro perguntou preocupado.

-- Está me expulsando daqui Pedro? – Natalia falou com a voz lentificada.

-- Claro que não, nem o dono do bar sou para fazer isso, só me preocupo com sua segurança.

                Natalia fez uma expressão indiferente, com o olhar fixo em Diana, sem se preocupar mais em disfarçar sua atenção na loirinha.

-- E aí gente? Vamos esticar? Baladinha numa boate? – Diana convidou.

-- Eu topo! – Uma das meninas disse sorrindo para Diana.

-- Vai ficar pra outra vez Di, amanhã temos treino do time de basquete pros jogos universitários. – Lucas se justificou.

-- Então vamos só nós duas Mônica? – Diana sorriu para a garota.

                Natalia virou a tulipa de Chopp como se fosse um energético para dar a coragem de anunciar:

-- Eu também vou!

                A reação de todos na mesa foi de perplexidade. A moça comedida do interior, aceitar justamente um convite de Diana para uma balada, era no mínimo estranho, especialmente por que, não era segredo para os amigos da loirinha o tipo de ambiente que esta selecionava para suas conhecidas “esticadas”.

-- Natalia, não acho uma boa ideia... Você não vai gostar do lugar e você já bebeu demais... – Pedro praticamente cochichou para a moça.

-- Pedro, eu sei me cuidar, mas obrigada pela preocupação. Vamos meninas?

                Diana e Mônica entreolharam-se surpresas, quando Natalia se levantou da mesa convidando-as.

-- Vamos lá então caipira.

                Diana pegou as chaves do carro e foi seguida por Mônica e Natália, entraram no automóvel, onde contrariada, Natalia ficou no banco de trás, rumando para um destino desconhecido para ela.

*******

                Natalia praticamente fuzilava Mônica pelo olhar, vendo a moça se derreter para Diana que não impunha resistências a isso, interiormente se divertia observando a tromba de Natalia pelo retrovisor.

                Chegaram a uma boate no lado oposto da cidade. Diana parecia conhecer todos que esperavam na fila para entrar, mas, não se juntou aos conhecidos diante da entrada, seguiu para a esquina, onde a entrada dos fundos era guardada por dois seguranças.


                Bastou um sorriso e um cumprimento íntimo para os dois engravatados abrirem espaço para Diana e suas acompanhantes passarem.

-- Quando dizem que sobrenome abre portas, eu não sabia que era uma expressão tão literal! – Brincou Mônica.

-- Deixa de ser boba garota! Eu tenho passe livre, por que toco aqui!

                Diana caminhou direto para a área VIP da boate, no trajeto, parou inúmeras vezes, cumprimentando conhecidos e conhecidas, algumas demonstravam uma intimidade que não agradou nem um pouco Natalia.

                A menina do interior estava atordoada naquele ambiente. O jogo de luzes intermitentes e coloridas, as batidas da música alta, e aquela pequena multidão de gente alternativa eram novidades para Natalia. Como se não bastasse seu estado tocado pelo álcool, todo aquele alvoroço de acontecimentos à sua volta naquele cenário aumentou sua tontura. Nem conseguia enxergar as coisas com nitidez, mas era capaz de notar que a maioria dos casais que se agarravam na pista não eram convencionais: eram casais de homens, casais de mulheres, algo que de onde Natalia vinha, nunca veria.

                Na área VIP, um pouco mais afastadas da confusão de pessoas se esbarrando e dançando, as três se acomodaram perto do bar, se serviram das bebidas oferecidas gratuitamente aos convidados daquele setor. Mônica, a mais empolgada, insistia para Diana dançar com ela, entretanto, a loirinha agora parecia mais preocupada com Natalia, que estava visivelmente perdida naquele lugar.

-- Ah, você não vai? Então eu vou! – Mônica anunciou, pegando mais uma dose de bebida, descendo para a pista de dança em seguida.

                Não exatamente como queria, mas enfim, Natalia estava “a sós” com Diana.

-- Então você toca aqui? – Natalia se aproximou puxando assunto.

-- Ahan. – Diana não olhou para Natalia enquanto respondia indiferente.

-- Eu te mandei uma mensagem, não recebeu? – Natalia perguntou tímida.

-- Recebi. Mas, acho que sua mensagem chegou com uns dez dias de atraso.

-- Eu pensei em ligar quando soube da sua mãe, mas...

-- Olha só caipira, você deixou muito claro que não queria mais me ver, nem ao menos falar comigo, eu só te devo uma coisa, por uma questão de honra: provar que não fui eu que tirei aquelas fotos e as espalhei.

                Diana disse com um tom magoado e olhar frio.

-- Você não precisa provar nada. – Natalia falou com os olhos baixos.

                A loira franziu as sobrancelhas estranhando a fala da outra.

-- Impressão minha ou você está sabendo de alguma coisa que eu não estou sabendo?

-- Eu descobri quem fez isso.

-- Descobriu? Então por isso você está falando comigo não é? Que tonta que fui, pensei por um instante que você estivesse arrependida de ter duvidado de mim, que queria conversar comigo pra me pedir desculpas por ter me acusado, e por ter ficado ausente esses dias apavorantes pra mim...

-- Eu queria estar perto de você...

-- Natalia chega, não gaste seu latim comigo, não vai adiantar, nada do que você disser vai desfazer seu vacilo. Agora sou eu que digo: deixe-me em paz.

-- Diana espera...

                Natalia segurou o braço de Diana que ameaçou se afastar dela.

-- Estou aqui pra você... Por você.

                As palavras sinceras acompanhadas de um olhar suplicante de perdão quase amoleceu Diana, que encarou Natalia desarmada. Mas, aquele momento foi interrompido por uma mulher conhecida que se agarrou no pescoço de Diana, fazendo algazarra.

-- Di! Saudade! Onde você se escondeu?

-- Luciana tinha que ser você pra me assustar assim! – Diana brincou.

-- Ah você me conhece, tudo é festa pra mim.  E você... Eu te conheço... – Luciana apertou os olhos em direção à Natália. – Ah claro! Você estava com a Diana naquele dia que a esqueci presa no arquivo...

                Natalia balançou a cabeça confirmando.

-- Nossa você era a última pessoa que esperava encontrar aqui. – Luciana comentou divertida.

                Natalia ficou tímida, o álcool que ingerira parecia não provocar mais a desinibição que a moça objetivara ao fazer seu uso descontrolado. Por algum tempo permaneceu reclusa apenas escutando o papo animado entre Luciana e Diana, sofrendo a aparente indiferença da loirinha. Afastou-se sem alarde para o bar, pediu uma bebida, que mais serviu de distração para o passeio dos seus dedos nos cubos de gelo do que propriamente para beber, sentia-se nauseada, frustrada, dolorida pelo tratamento que recebera de Diana.

                Diana fingiu não se dar conta que Natalia se afastara, mas acompanhou a moça com os olhos, tal atitude não passou despercebida pela amiga:

-- Ok desembucha! O que está rolando entre você e essa menina?

-- O que? Rolando nada, ta doida Lu?

-- Não insulta minha inteligência, você sabe perfeitamente que meu jeito distraído é puro charme! Você pensa que eu não captei a energia?

-- Ai lá vem você com esse lance de energia... Acho que você tem que sintonizar melhor então seu para-raios!

-- Diana não enrola... Primeiro você e Julia rompem o namoro, depois você aparece no fórum pra fazer um trabalho de faculdade, fica horas trancada com essa menina lá, ela sai correndo e você nem explicações me dá pra sair correndo atrás dela, agora você reaparece nessa boate acompanhada dela, encontro o maior climão entre vocês, e agora você está aí, roendo as unhas louca pra olhar pro bar onde ela está só não fez isso ainda pra não reconhecer que estou certa!

                Diana revirou os olhos.

-- Não sei o que você usou naquele banheiro hoje, mas provavelmente estava estragado, você está surtando!

-- Ah então ta, estou enganada... Sendo assim, você não vai se importar se eu disser que a Isadora já está com a armadilha pronta para pegar girino...

                Diana se virou abruptamente e viu o que torcia ser apenas uma brincadeira de Luciana: Isadora, a “bar girl” da boate, famosa por promover o “test-drive” em muitas clientes dali.

-- Cara essa Isadora não tem jeito. Não ta vendo que é só uma menina que está perdida aqui? Vou lá.

-- Opa opa opa! Como assim uma menina perdida? Vai lá fazer o quê?

-- Luciana a garota veio comigo, é uma caipira, o máximo de luzes coloridas que ela viu até hoje foram de ambulâncias ou da polícia! Sei lá o que a Isadora vai servir pra seduzi-la!

-- Desde quando você virou Wendy, a irmã mais velha das garotas perdidas? Simplesmente não combina com você essa proteção com uma caipira, em outra situação você estaria dando corda pra Isadora catar a guria.

-- Não quero que essa novata saia espalhando pelo campus que virou sapa por minha causa, Lucas e Pedro me matariam, estão apaixonados por ela!

-- Só Lucas e Pedro?

-- Não começa Luciana!

-- Diana, você quer mesmo que eu acredite que você não prestou atenção nessa menina?

-- Ah, por que deveria?

-- Você já teve o olho mais clínico... Pode até ser meio mal arrumadinha meio jeca ainda, mas é linda! Se você não viu isso, a Isadora já viu, e olha que eu nunca soube de nenhuma que resistiu ao charme dos coquetéis dela...

                No balcão do bar, Isadora não economizou sedução para conquistar a simpatia de Natalia, que já se mostrava mais receptiva ao papo da bar girl.

-- Está perdida aqui?

-- Depende do que você considera uma pessoa perdida... – Natalia respondeu mirando o copo.

-- Uma pessoa no lugar errado, na hora errada, que se pergunta o que está fazendo nesse lugar, mas não sabe ao certo aonde quer ir. Acertei?

-- É, acho que você me definiu bem nesse momento.

-- Então nesse caso, tenho uma notícia boa para você - Isadora se aproximou cochichando - as pessoas perdidas que vem para o Armazém, sempre são encontradas.

                Natalia ruborizou, não pelo conteúdo da frase, mas pelo que a bar girl deixou evidente nas entrelinhas, com o tom de voz usado e o olhar libidinoso.

-- Não perde tempo em Isadora! – Diana chegou encostando-se no balcão.

-- Tempo foi feito pra ser gasto, não perdido. Como vai Diana?

-- Não tão bem quanto você, a menina aí é quarta ou quinta da noite?

-- Depende a que você está se referindo, se está falando se ela é quarta ou quinta cliente que sirvo bebida, a resposta é não, já servi dezenas de clientes essa noite.

-- Você ao menos perguntou se ela tem idade pra beber? Não está vendo que é só uma menina?


                Diana se esforçava para não demonstrar irritação, mas isso estava claro na troca de farpas com Isadora. Notando ser o centro da discussão, e vendo a oportunidade de despertar os ciúmes de Diana, Natália se intrometeu na conversa:

-- Não estou vendo nenhuma menina aqui, tenho idade e vontade própria para beber o que quiser.

-- Você já bebeu demais essa noite, não pense que vou levar você bêbada para casa, pra você vomitar meu carro todo!

                Foi o único argumento que Diana encontrou para justificar sua censura com Natalia.

-- Se é esse o problema, não se preocupe, não volto no seu carro.

-- Posso saber como você vai voltar? Você nem sabe em que parte da cidade está caipira!

-- A garota já disse pra você não se preocupar Diana, mas, se você fica mais tranquila, me responsabilizo a colocá-la em um táxi, meu turno acaba em uma hora.

                Isadora disse sarcástica. Diana bufou. Encarou Natalia fixamente, deixando transparecer sua insatisfação com aquilo, mas, a moça não se intimidou, afinal conseguiu o que queria: arrancar Diana da indiferença com a qual ela afastou-a naquela noite.

-- Pois muito bem, lavo minha mão com você caipira.

                Diana saiu a passos rápidos e firmes contrariada. Aquela frase parecia estar mais carregada de mensagens subentendidas do que simplesmente um aviso casual. Apesar de sentir-se incomodada com tal percepção, Natalia decidiu prosseguir com sua estratégia de provocar ciúmes em Diana, e Daniele por sua vez, estava convicta que ganhara a confiança da garota.

-- Não sabia que você estava com a Diana, fiz mal em me meter? Ela saiu fumaçando daqui...

-- Fica tranquila, eu só vim de carona com ela, estudamos na mesma faculdade.

-- É só isso mesmo? Ou ela é o motivo de você estar tão atenta ao fundo do copo desde que se sentou aí?

                Natalia sorriu tímida.

-- É só isso mesmo.

-- Então assim fico mais tranquila. Daqui a pouco te mostro como as pessoas “se encontram” no Armazém menina perdida.

                Sedutora como ela só, Isadora beijou o canto dos lábios de Natalia, que não teve outra reação que não fosse paralisar. Sem saber ao certo no que estava se metendo, temeu como aquela noite poderia terminar. Depois que a bar girl se afastou para servir outras clientes, começou a observá-la, seu corpo, suas tatuagens espalhadas estrategicamente nos pontos mais sensuais, seu corte cabelo assimétrico, sua desenvoltura com os copos, garrafas e coqueteleira, o conjunto de características que justificavam o ciúme de Diana e a fama da garota de sedutora.

                Por mais que tentasse, Diana não conseguia afastar o pensamento do bar onde Natalia estava. Uma ideia martelava todo tempo: o corpo de Natalia que ela tratava com tanto respeito e admiração, para Isadora ia ser só mais um na sua extensa lista de conquistas. Enquanto tentava se distrair na pista da dança com Luciana e Mônica, ignorou os possíveis olhares de cobiça os quais era alvo, o que ela desejava na verdade era arrancar Natalia dali, protegê-la daquele movimentado mundo de vaidades onde impera a busca do prazer pelo prazer, e pior, a exposição a perigos os quais Natalia não estava preparada para distinguir e enfrentar.

                Puxou Luciana da pista de dança e pediu:

-- Você tem que tirar a Natalia de lá, aquela caipira não sabe no que está se metendo!

-- Diana vá você mesma e faça o que tem que fazer! Você está louca por ela!

-- Não viaja Luciana! Você sabe perfeitamente o que a Isadora vai fazer quando sair do turno de trabalho dela, a Natalia nem sabe que isso existe! Não quero a culpa de saber que a menina foi drogada, sabe-se lá o que fará depois disso.

-- É... Se a Isadora der uma balinha azul pra caipira, ela não vai saber é o que a Isadora vai meter nela...

                Diana arregalou os olhos apavorada.

-- Luciana a gente tem que fazer alguma coisa!

-- A gente quem cara pálida? Você tem! Por que eu to me mandando, com a sua outra companhia, que, aliás, você já deveria ter nos apresentado há muito tempo!

                Diana resmungou xingamentos contra as amigas vendo-as deixarem a boate abraçadas. Deu-se conta que nem Natalia, nem Isadora estavam mais no bar, deduziu que o turno da bar girl se encerrara, e assim partiu desesperada em busca das duas, não precisou gastar muito tempo para avistá-las na pista de dança: agarradas, envolvidas. Isadora segurava a moça pela cintura por trás, esfregando seu corpo no dela para a fúria de Diana.

                A loirinha avançou na direção das duas, empurrando os demais na pista, ao se aproximar, Natalia foi puxada por Isadora para um corredor que dividia os ambientes da boate. Diana sabia o que a bar girl pretendia, ali era um dos lugares mais utilizados para amassos mais tórridos pelos casais, além de também ser o ambiente que dava alguma segurança para o uso discreto de extasy ou outras drogas orais.

                Diana acertou na mosca, flagrou Isadora empurrando delicadamente um comprimido na boca de Natalia que parecia alheia a tal perigo. Como uma super heroína dos filmes de ação, empurrou a bar girl com violência.

-- Cospe isso Natalia!

                Assustada, a moça pinçou o comprimido azul ainda na sua língua, e foi arrastada pela mão por Diana para fora da boate.



CAPÍTULO 22: In periculo
*Em perigo
Por Têmis

Sem mencionar uma só palavra, mas tomada de uma fúria avassaladora, Diana empurrou Natalia para dentro do seu carro e seguiu para o apartamento da moça que não ousou quebrar o silêncio em todo percurso.

                De frente ao prédio de Natália, o silêncio foi quebrado por uma ordem expressa de Diana:

-- Desce do carro e vê se toma juízo!

-- Eu... Não sei o que dizer, não podia imaginar que ela...

-- Se não sabe o que dizer, desce calada, entre logo, é perigoso ficar parada aqui essa hora!

-- Diana...

-- Natalia entre em sua casa agora, você já extrapolou minha paciência hoje.

                Consciente de que Diana estava certa, Natalia desceu do carro e caminhou até a porta do prédio de cabeça baixa, enquanto Diana segurava o volante com força, descarregando sua raiva.          


                A raiva que sentia não era só de Natalia e Isadora. Era principalmente dela mesma, por não conseguir controlar seus sentimentos. Não conseguia ficar indiferente a Natalia, nem ao seu corpo, nem à sua voz, nem aos seus olhos, e muito menos às suas atitudes. Todas as emoções se misturaram naquela noite quando estava diante dela, e por mais que quisesse odiá-la por não ter acreditado na sua inocência no episódio das fotos, por ter ficado ausente em seu momento mais vulnerável, e ter se comportado levianamente na boate, tudo que Diana desejava era tomá-la em seus braços e matar a saudade de sua boca, de seu gosto, de seu cheiro.

                Natalia permaneceu parada à porta do seu prédio, nutrindo o fio de esperança de Diana descer daquele carro e tirar do seu corpo as impressões digitais de Isadora. Ao invés disso, uma chuva caiu de repente, no exato momento que Diana destravava suas mãos do volante e descia do carro.

                Como se não desse conta do seu corpo ensopado pela chuva, Diana permaneceu diante do seu carro, encarando Natalia parada à frente do prédio, imóvel. No interior de ambas o duelo entre desejo e racionalidade limitava os passos de uma em direção a outra. Fácil prever quem venceria essa luta bastou os olhos se encontrarem, e falarem por si sós. Cada uma deu um passo, cauteloso, lento, como se caminhassem em campo minado. E quando estava óbvia a vitória do desejo, ao mesmo apressaram os passos, e sob a chuva uniram suas bocas, lânguidos seus lábios se devoraram, suas línguas se enroscaram, enquanto seus braços puxavam com força uma para o corpo da outra, deixando explícito a necessidade que estes tinham de se fundir.

                Aquele beijo intenso se prolongou o suficiente para Diana ter um lapso de arrependimento. Afastou-se de repente desvencilhando-se de Natalia, e correu para seu carro, partindo sem olhar para trás.

******

                Nem se Natalia passasse o resto da noite naquela chuva, o calor que sentiu naquele beijo cessaria. Não conseguiu dormir, sentindo seu corpo arder, ao ressentir as sensações que Diana lhe provocava.              

                Restavam duas horas de sono até a hora do treino de vôlei, quando Natalia conseguiu se acomodar. Sem a mínima disposição física ou mental para sequer levantar-se, Natalia seguiu para o ginásio de esportes da universidade, a fim de desvincular por alguns momentos seu pensamento de Diana.

                Causando estranheza nas suas companheiras de time, Natalia não rendeu como nos treinos anteriores, estava desconcentrada, pediu desculpas às meninas dando uma justificativa qualquer e saiu antes do treino acabar.

                Na quadra vizinha Lucas treinava basquete, ao ver Natalia passar cabisbaixa, lembrando-se do comportamento da moça na noite anterior, preocupou-se, seguiu a moça e essa foi a sorte de Natalia.

                Quando caminhava para a saída da universidade, passando perto do estacionamento, Natalia foi abordada mais uma vez por Sandro, seu colega, responsável pelas fotos no trote.

-- Olha só quem veio me dar bom dia! A gatinha feroz, que quis me devorar ontem...

                Natalia paralisou por um instante, e tentou apressar os passos em seguida, mas Sandro a segurou com violência.

-- Sempre apressada essa menina... Mas, hoje nossa conversa vai ser em um lugar mais aprazível do que a porta de um banheiro...

                Natalia esperneou, mas Sandro era alto e forte, seu forças não foram suficientes para evitar que o rapaz a empurrasse para dentro do seu carro no estacionamento. No momento em que bateu a porta, foi surpreendido por um soco poderoso no nariz, que o fez cair no capô do seu carro.

                Sandro não teve tempo de se refazer, e já recebeu outro golpe, se desequilibrou e caiu no chão. Lucas envolveu seu braço nos ombros de Natalia que tremia apavorada.

-- Está tudo bem agora Natalia, vou dar uma lição nesse cara...

-- Não Lucas...

                Sandro pôs-se de pé, ainda tonto, com o rosto ensanguentado tentou revidar os golpes que sofrera de Lucas, mas com facilidade foi empurrado por este.

-- Cara só vou te dizer uma vez: fique longe dela, não ouse encostar em um fio de cabelo, não ouse direcionar a palavra a ela, ou vou ter que ser menos cavalheiro com você, tenho certeza que não vai querer conhecer meu lado menos educado.

-- Você acha que tenho medo de você? Só me pegou desprevenido, mas isso não ficará assim! Não sabe com quem se meteu! Isso tem volta!

-- É só dizer quando você quer apanhar mais e vou estar pronto pra você!

                Sandro entrou no carro possesso de raiva arrancando dali. Lucas deu um abraço protetor em Natalia que permanecia pálida e trêmula.

-- Natalia, o que aconteceu aqui? O que esse cara queria?

--Foi ele que tirou e espalhou as fotos Lucas. Ontem ele me perseguiu no Botecão, tentou me agarrar, eu mordi os lábios dele quando me beijou, ficou violento comigo, me fez ameaças, disse que vai colocar na internet a foto, e que pode até fazer uma montagem com essa foto...

-- Ei ei ei! Calma aí? Esse cara está te assediando, fazendo chantagem e você não conta nada? Natalia isso é crime! Temos que tomar providências mais sérias contra ele, até conseguirmos expulsá-lo da universidade, isso é o mínimo que podemos conseguir.

-- Ele agora vai querer se vingar de você Lucas...

-- Ele é só um covarde que se aproveita de mulher, não se preocupe comigo, na segunda-feira falo com o coordenador do curso, vou pedir ajuda ao Pedro, pra ver o que podemos fazer para puni-lo, quanto às fotos, vamos pensar em algo que o impeça de fazer o que ameaçou. Agora vamos, vou te deixar em casa.

-- Você está se especializando em salvar donzelas... – Natalia brincou.

-- É verdade, acha que tenho futuro?

-- Acho que você é o melhor.

                Natalia sorriu tímida, enquanto Lucas fazia pose máscula.

-- Preciso passar na quadra para pegar minhas coisas, mas é rápido, vamos?

                A menina acenou em acordo e seguiu com Lucas até a quadra. No ponto de ônibus, sentados, a moça observou a mão machucada do rapaz, certamente pelos socos que deu em Sandro.

-- Deixe-me ver sua mão, está machucada...

                Satisfeito com a preocupação da moça, e com o contato de suas mãos, Lucas não se fez de rogado, permitindo ser cuidado por Natalia. Prevenida como sempre, a moça retirou de sua mochila uma garrafinha de água e uma toalha de rosto limpa.

-- Precisamos de gelo aqui... Você quer ir até a padaria para comprarmos?

                Querendo prolongar aquele cuidado, Lucas concordou, e com diversos pretextos, acabou por conseguir permanecer até o final da manhã com Natália, restando a alternativa de convidá-la para almoçar com ele. Grata por ser salva mais uma vez pelo rapaz, Natalia sentiu-se na obrigação de aceitar, e assim seguiram para um restaurante sugerido pelo rapaz.

                A companhia de Lucas era agradável, o que acabou distraindo Natalia de suas angústias e dilemas. Almoçou em clima ameno com o rapaz, até avistar entrando no mesmo restaurante o motivo de sua insônia e inquietação: Diana. E para piorar o desconforto, a loirinha chegou acompanhada de outro rosto conhecido, sua ex-namorada Júlia.

-- Olha só quem está chegando ali!

                Lucas comentou como se fosse surpresa para Natalia, que mudou imediatamente sua expressão descontraída.

-- Hum... E veio com a Julia, devem ter voltado a namorar, Diana nega, mas sei que ela está apaixonada, e vendo-a com a ex, acho que não me enganei. E por falar em Diana, como foi a balada com ela ontem?

                Natalia não conseguia desviar o olhar das duas, e não sabia o que responder a Lucas, foi vaga na resposta.

-- Foi normal, tranquila.

                Sabendo que o rapaz não se conformara com a resposta, desconversou falando do cardápio de sobremesas, quando notou a aproximação de Diana e Julia.

-- Olá meninas! – Lucas cumprimentou simpático.

-- Oi Lucas, há quanto tempo hein? – Julia retribuiu a simpatia.

-- Faz tempo mesmo Julia, surpresa boa encontrar vocês aqui.

                Diana continuou em silêncio, a exemplo de Natalia.

-- Olá. – Julia disse a Natalia.

-- Oi, como vai? – Natalia respondeu cordialmente.

-- Que mal educado que sou! Julia essa é Natalia minha amiga caloura da faculdade. Natalia, essa é Julia, uma das artistas plásticas mais talentosas do mundo!

-- É puro exagero de gentileza dele Natalia. Muito prazer.

                Natalia foi educada, apesar de demonstrar seu desconforto com a situação.

-- Parece que o restaurante está ainda mais lotado hoje. Não há uma mesa disponível, que tal irmos para outro lugar? – Diana saiu do seu silêncio.

-- Ah Diana, só escolhi esse restaurante por que estava com saudades da comida daqui! – Julia retrucou.

-- Sentem conosco, já estamos escolhendo a sobremesa, daqui a pouco vamos embora, e vocês já ficam com nossa mesa.

-- Ótimo!

                Julia aceitou feliz o convite. Lucas usando de seu cavalheirismo levantou-se e puxou a cadeira para Diana e Julia sentarem-se.

                O clima estranho na mesa, só não era mais evidente, para Lucas, que era o mais inocente naquela situação, por isso, manteve o diálogo animado com Julia, enquanto Natalia e Diana tentavam disfarçar a troca de olhares.

-- O que foi isso na sua mão Lucas?

                Julia perguntou, atraindo o olhar de Diana para o machucado do rapaz.

-- Coisas do ofício de salvador de donzelas em perigo. – Brincou.

-- Conta aí Lucas, isso ta me cheirando a briga de meio de rua... O que foi agora? – Diana perguntou desconfiada.

-- Foi algo que me fez lembrar que te devo um pedido de desculpas.

-- Han?

-- Natalia, tudo bem se eu contar? Ela pode ajudar também...

                Lucas segurou a mão de Natalia, que não sabia o que responder, não imaginava a reação de Diana.

-- Fala Lucas! Estou ficando preocupada.

                Natalia concordou com um gesto positivo, autorizando Lucas a contar. O rapaz narrou o que acontecera, e à medida que dava detalhes das ameaças de Sandro, o rosto e colo de Diana tomavam a cor vermelha, anunciando sua fúria, que se exteriorizou com um soco na mesa, ao ouvir Lucas contar que Sandro empurrou Natalia para dentro de seu carro à força.

-- Filho da mãe!

-- Calma Diana! – Julia apertou a mão no ombro de Diana, alertando-a sobre sua reação exagerada diante de Lucas.

-- Eu acusei Diana injustamente Natalia, pensei que ela tivesse aprontado isso com você, por isso, acho justo que ela saiba. Desculpa Di.

-- A gente tem que fazer alguma coisa. Lucas isso é um absurdo, quem esse cara pensa que é?

-- Tenho uma ideia do que fazer vou precisar de sua ajuda, posso contar com você?

                Mais contida nos seus ânimos, Diana tentou esconder sua ira e interesse em resolver essa questão.

-- Quando foi que te neguei ajuda? – Diana pausou diante do olhar de Lucas que indicava uma resposta positiva para aquela indagação. – Ok, quando recusei ajuda em questões importantes?

                O rapaz sorriu.

-- Vou entender isso como um sim.

                Natalia sentia uma alegria enorme ao ver Diana preocupada com ela, entretanto, a presença de Julia ali minava qualquer esperança a respeito de um possível entendimento entre elas duas.

-- Bom, acho que a mesa é de vocês, terminamos nosso almoço, vamos Natalia?

-- Sim, vamos.

                Lucas e Natalia se levantaram juntos, Diana os acompanhou com os olhos, mastigando o ciúme pela notória intimidade entre os dois. Natalia se sentia observada por Diana, e por isso, não impôs resistência às gentilezas do rapaz.

-- Por mais que você os olhe, fuzilando-os com seu ciúme, não adianta você não conseguirá derrubá-los só com o poder da mente.

-- Ha ha, é uma piadista minha ex-namorada!

-- Diana, você é patética tentando esconder seus sentimentos sabia?

-- Ah é? O que você acha que eu deveria fazer?Eu te contei o que houve. Está vendo como o Lucas está caído por ela? E ela continua dando trela pra ele! Julia, como se não bastasse tudo que ela fez, agora volta a dar mole pro meu melhor amigo...

-- Ei! De onde saiu tanta intransigência de você? Por que você é tão dura pra julgar essa garota? Diana você já se colocou no lugar dela? Já pensou o quanto ela está apavorada? Se Lucas não tivesse livrando-a desse cara hoje, sabe-se lá o que ela teria sofrido nas mãos dele!

-- Eu quero matar esse filho da mãe!

-- Diana a cabeça dessa menina deve estar a mil! Não só pelo fato de estar se descobrindo lésbica, como essa sucessão de exposição, encarar uma vida adulta sozinha numa cidade estranha, a perseguição de um psicopata, e ainda por cima, a garota que ela está apaixonada parece não saber o que quer com ela!

-- Ah não Julia, você não vai me convencer que a culpa é minha, não mesmo!

-- Diana não se trata de achar um culpado, me diz, o que importa de quem é a culpa? Você errou, ela errou, não foi a primeira vez e nem será a última que duas pessoas que se gostam se desentendem. Há tempos em que a gente cai no erro de super dimensionar os fatos que por vezes nem os são porque não passam de meras hipóteses, atribuímos importância a palavras e discursos que nunca tiveram a pretensão de entrar pra história quando mencionados, e as transformamos em sentenças absolutas, em regras inquestionáveis, e até em castigos irreversíveis.  

-- Muito profundas suas palavras, como sempre Julia, mas, elas não mudam o que me separa da Natalia. Não gosto do jeito como ela me tira a razão e o senso, não gosto dessa sensação de não ter o controle das coisas. Perdi o controle, te traí, acabei com um relacionamento estável que me fazia feliz, estou enganando meus melhores amigos, e vivo numa luta sem fim para não agarrá-la todas as vezes que a encontro. Julia isso é absurdo, eu durmo e acordo pensando nela, não pode ser bom isso, definitivamente, não pode acabar bem, sendo assim, melhor que nem comece.

-- Você está tentando convencer a mim ou a você disso?

-- Julia não sei por que você é tão condescendente com as coisas da Natalia, você deveria odiá-la!

-- Por que odiaria a menina? Não foi ela que ofendeu, foi você! Sequer a conhecia. E ao contrário do que você afirma, não sou condescendente, apenas a compreendo, por que já tive dezoito anos, você deveria entendê-la também.

-- Nossa diferença de idade nem é tão grande, uns quatro anos só...

-- Ah para né Diana! Vai querer mesmo comparar? Esses quatros anos são toda diferença, por que você os viveu de maneira praticamente independente, um deles em Nova Iorque! Essa menina viveu a vida inteira com os pais no interior!

-- Ah... Não é bem assim... Você sabe que o que passei com meu pai não foi e não é nada fácil...

-- Cada um com seus problemas... Mas, pra encerrar essa questão, por que nosso almoço já está chegando: para de ficar aí alisando suas mágoas, para de fazer drama e trate de se entender com a Natalia, por que já tem gente na fila, esperando a caipirinha abrir um espacinho! Acorda mulher!

*************

                Lucas foi educado e cuidadoso com Natalia até deixá-la em casa, respeitando a recusa da moça em permitir sua entrada no apartamento.

-- Tudo bem, vamos deixar pra outro dia, entendo que tem o lance do seu namorado...

-- Nem sei se ainda tenho namorado Lucas, há dias não nos falamos. Mas, estou cansada, dormi muito pouco, gostaria de descansar um pouco, só isso.

-- Não posso negar que essa dúvida sobre seu namoro me anima um pouco. – Brincou – Só por isso não vou insistir pra te colocar pra dormir. Mas, em troca quero que aceite meu convite.

-- Você e suas trocas... Sempre me deixando sem condições de recusar seus convites...

-- Amanhã nossa turma vai pro sítio da Cacau, super maneiro lá, de vez em quando a gente relaxar um pouco, fazer trilha, vamos?

-- E tem jeito de dizer não depois do que fez por mim hoje?

                O rapaz comemorou.

-- Amanhã passo cedinho por aqui então.


                
CAPÍTULO 23 - Ad corpus
* Por inteiro
Por Têmis




                Lucas e Pedro pareciam crianças bobas dentro do carro novo de Diana, fazendo mil perguntas sobre a potência do carro, seus opcionais, recursos, perguntas que Diana não tinha a mínima ideia do que se tratava só se divertiu com o deslumbramento dos amigos.

-- Di, no caminho dá pra você dar uma desviadinha pra pegar alguém que vai conosco? – Lucas pediu.

-- Ai se for o chato do Cadu não paro não!

-- Não é ele. É a Natália, convidei-a para ir conosco, depois do episódio com aquele filho da mãe, ela ficou abalada, achei que seria bom pra ela ficar entre amigos.

                Diana fingiu insatisfação em fazer esse favor, mas por dentro comemorava o fato de passar o dia perto de Natalia. Lucas foi pessoalmente buscá-la no seu apartamento. A expressão de Natalia ao se deparar com sua carona foi no mínimo inusitada: ficou boquiaberta olhando para o carro e deixou vir à tona um sorriso largo.

-- Natalia tudo bem? – Lucas perguntou curioso.

-- Er... Tá... Claro, é que...

-- Você está tão alegre assim exatamente por quê... – Lucas fez sinal com a mão para que Natalia completasse a sentença.

-- Por que... Esse carro é maravilhoso não é?

                O rapaz franziu o cenho, abrindo a porta para Natalia entrar no carro.

-- Oi pessoal.

                Natalia cumprimentou, recebendo resposta apenas de Pedro. No trajeto, não fugiu das encaradas que Diana lhe dava pelo retrovisor, chegou a sorrir várias vezes mordendo os lábios, jogando charme para a loirinha que tentou ficar indiferente, mas não conseguiu, ao final do percurso correspondeu com um sorriso discreto, para Natalia, era um sinal de que aquele passeio reservaria boas surpresas.

                O sítio era muito simples, mas espaçoso e com uma natureza espetacular. A dona da casa, Ana Cláudia, que todos chamavam carinhosamente de Cacau, esforçou-se para todos ficarem à vontade no enorme alpendre que cercava a casa principal. Aos poucos, a turma se acomodou, emendando assuntos diversos, histórias passadas ali mesmo naquele cenário, até Lucas convidar:

-- Gente com um dia lindo desses, uma paisagem dessas, sem noção a gente ficar aqui dentro de casa! Vamos fazer trilha, tomar banho de rio!

                Todos concordaram, exceto Diana:

-- Enquanto vocês ficam aí fingindo ser Tarzan e Jane, vou aproveitar pra trabalhar, fazer umas fotos.

-- Deixa de ser do contra Diana! – Cacau resmungou.

-- Ah Cacau, olha minha cara de quem vai ficar no meio do mato se perdendo de propósito!

                Todos riram enquanto Diana recolhia a bolsa com seu material no carro. Natalia por sua vez, era a frustração personificada na sua expressão. Encarou Diana deixando evidente sua decepção. A loirinha se afastou no caminho da trilha sinalizada, enquanto os outros se aprontavam para sair em seguida.

                Cerca de meia hora depois a turma de amigos adentrou na mata, numa trilha já conhecida pela maioria. Caminharam em um clima descontraído, e quando se aproximaram da cachoeira, Natalia que caminhava um pouco mais afastada dos colegas, assustou-se quando foi puxada para trás de uma frondosa árvore.

-- Shiii...

                Diana segurava a boca de Natalia com a mão para que ela não gritasse.

-- Você quer me matar de susto?! – Natalia cochichou.

-- Ah para com isso, você conhece o mato melhor do que todo mundo que está aqui, você não veio de lá?

-- Foi pra isso que você me arrastou? Pra ficar com essas piadinhas de chamando de caipira?

-- Ainda nem te chamei disso... Caipira. – Diana riu.

-- Ah Diana vai-te catar! Vou pra cachoeira com o pessoal antes que eu me perca deles.

                Natalia andou dois passos em direção à trilha que caminhava anteriormente e viu uma bifurcação.

-- Ah ótimo! Pra que lado eles foram?

-- Você está perguntando pra mim?

-- Não! Estou perguntando aos gnomos que estão ali sentados na pedra.

-- Então ta, vou voltar às minhas fotos.

-- O que? Vai me deixar aqui sozinha? Por culpa sua me perdi do pessoal, custa me dizer pra que lado é a cachoeira?

-- Ué, os gnomos não souberam te responder?

-- Diana! – Natalia esbravejou.

-- Não sei pra que lado foram se não quiser ficar aí sozinha, venha comigo, vou tirar fotos lá de cima daquela árvore.

-- Você pirou? Como você vai subir lá?

-- Você duvida?              

                Diana perguntou em tom de desafio.

-- Duvido.

-- Então me siga.

                Diana fez sinal com a cabeça e Natalia revirou os olhos como se atestasse que não tivesse alternativa e a seguiu. A fotógrafa pendurou sua bolsa transversalmente no seu corpo, e habilidosamente escalou a árvore se apoiando nos galhos. Em minutos, a loirinha estava faceira balançando as pernas, exibindo seu feito para Natalia que estava com as mãos na cintura, balançando a cabeça negativamente, incrédula.

-- E aí caipira? Achou que a moça da cidade não se entendia com as coisas do mato?

                Natalia sorriu com a provocação da outra.

-- Acho que você tem um pé no mato moça da cidade grande. – Natalia disse olhando para cima.

-- Agora, vou ter o ângulo que preciso pra captar essa luz maravilhosa!

                Diana sacou sua câmera de sua bolsa, e como de costume quando fotografava, se concentrou naquela atividade, como se não existisse nada mais importante. Natalia poderia se sentir excluída daquele momento, mas não se importava em se deter em uma atitude contemplativa a cada movimento e expressão de Diana.

                Depois de algum tempo, Diana se deu por satisfeita com o material clicado, guardou seu equipamento e com a mesma habilidade desceu da árvore, mas, ao tocar o chão se desequilibrou e foi amparada por Natalia.

                Natalia segurou firme o corpo de Diana, deixando seus rostos numa proximidade desconcertante. As respirações aceleradas e o perfume de ambas sendo inspirado parecia anunciar o inevitável encontro das bocas desejosas por aquele momento.

                O barulho de um camaleão se esgueirando pelas folhas secas distraiu as garotas, e assim Diana se desvencilhou rapidamente dos braços de Natalia.

-- Vamos por que ainda tenho muitas fotos pra fazer!

                Ainda sobressaltada Natalia perguntou:

-- Pergunta importante: você sabe voltar para a trilha? Estamos nos afastando bastante...

-- Na sua mochila não tem um saquinho de milho? Amendoim? Bolacha? Faça um caminho com isso, assim a gente não se perde.

                Diana disse em tom jocoso. Natalia bufou, mas seguiu a loira, convicta de suas inexistentes opções. Mais uma vez Diana parou em outra clareira, encantada com a luz entrecortada pelas copas das altas árvores e reiniciou seus cliques empolgados, não restando alternativa para Natalia que não fosse assistir o trabalho de sua companhia.

                A alternativa de Natalia, ao contrário do que ela transmitia, não era nenhum sacrifício, exceto pela vontade de agarrar a fotógrafa que ela suprimia. Aos poucos, a luminosidade tão festejada por Diana, foi dando lugar a um natural preto e branco promovido pelas nuvens que se acirraram de repente, o tempo nublado anunciava que mais uma vez, a chuva batizaria o encontro de Natalia e Diana.

-- Não acredito! Chuva? - Diana resmungou.

-- Era só o que me faltava!


                A neblina rapidamente se converteu em pingos densos e rápidos, as duas garotas correram se escondendo em baixo de frondosas copas das árvores, até chegarem a uma velha cabana de caça no meio da mata.

-- Que sorte encontrarmos essa cabana! – Natalia disse abrindo sua mochila.

-- É... Pura sorte.

                Diana confirmou assanhando seus cabelos molhados com as mãos. Natalia enxugou superficialmente seu corpo com a toalha que trazia na mochila e ofereceu a peça para Diana em seguida. Para indignação de Natalia, Diana primeiro secou a bolsa que guardava seu equipamento antes de usar a toalha para secar seus braços.

-- Você tem cada uma... – Natalia disse revirando os olhos.

-- O que foi? Você sabe o quanto custa uma bolsa dessas?

-- Nem faço ideia, mas nem me interessa também.

                O silêncio entre as duas se instalou, Natalia olhava pela janela da cabana, preocupada com a intensidade do temporal que crescia, enquanto Diana persistia conferindo a integridade de seu equipamento. Cada uma se concentrava em disfarçar a atenção que ambas destinavam uma a outra, até os olhares se encontrarem tímidos.

-- Os meninos devem estar preocupados com meu sumiço...

                Natalia pensou alto atraindo a atenção de Diana.

-- Você voltou a atacar meus amigos então?

-- Atacar? Agora de caipira me transformei em bicho feroz?

-- Não é grande diferença, tudo é do mato, selvagem...

-- Como você consegue ser tão insuportável garota?

                Natalia perdeu a paciência elevando a voz.

-- Eu sou insuportável? Olha só quem fala! Está aqui reclamando desde que se perdeu nessa mata, e o que fez pra reencontrar a trilha? Nada! Aí fica aí buzinando no meu ouvido!

-- Eu me perdi? Você me arrastou pro meio da mata, e pra quê? Até agora não sei pra que!

                Diana ficou sem argumentos, andou de um lado para outro como se procurasse a desculpa perfeita para justificar sua atitude “furtiva”.

-- Fala Diana! Por que você me puxou? Já não basta você me confundir com esse comportamento de me rejeitar e depois me beijar daquele jeito e me deixar cheia de interrogações?

                Diana permaneceu de costas para Natalia, nitidamente fugindo do olhar inquisidor da moça. Entretanto, Natalia colocou-se diante de Diana, de maneira que a loira não pudesse se esquivar de encará-la.

-- Não vai me responder? – Instigou Natalia.

-- Você acha que é só você que está confusa? Acha que eu não fico totalmente perdida com você? Uma hora você é a pessoa mais íntegra e transparente do mundo, outra hora você é a mais intransigente e indecifrável! Não entendo você, não entendo o que você sente, nem muito menos o que você faz comigo!
-
-- E o que você faz comigo? Sou indecifrável por que você virou minha vida, meus conceitos e ideias de pernas pro ar! Não imagina como me martirizei por não ter acreditado em você, por ter te afastado de mim, não te dar meu apoio quando sua mãe adoeceu... Passei os dias mais longos e mais angustiantes quando você esteve ausente, tudo que eu queria era estar assim perto de você nem que fosse pra te xingar ou ouvir você me chamar de caipira!

                O desabafo de Natalia calou Diana por segundos, mas depois despertou um riso descontraído na loira.

-- Do que você está rindo agora? – Natalia perguntou irritada.

-- Nunca imaginei ouvir isso de você... Que sentiria falta de ouvir te chamar de caipira...

                Natalia só conseguiu se manter séria por alguns segundos, antes de se entregar ao riso.

-- Você deveria sorrir mais... – Diana disse em um tom mais suave, quase tímido.

-- Por quê?

-- Por que... Seu sorriso é lindo.

                Natalia desfez a expressão tensa. Novamente os olhos se encontraram, dessa vez não estavam nublados por mágoas, Natalia e Diana puderam se ler de novo, enxergaram o óbvio, e seus corpos se aproximaram como que atraídos por um ímã invisível. Dessa vez aquela atração irresistível provou sua força, como uma duna que se desfaz com o poder do vento, Diana e Natalia se derramaram uma na boca da outra em um beijo cálido.

                Não conseguiam nem se quisessem desgrudar seus lábios, seus corpos, por que aquela entrega parecia predestinada, e contra o destino, elas não estavam dispostas a lutar. Diana apertou a cintura de Natália na medida em que se deliciava no sabor dos seus lábios, enquanto Natalia envolvia seus braços no pescoço de Diana.

                Todo aquele desejo contido, que só crescia desde o primeiro beijo, anunciava sua explosão de sensações pelo corpo de ambas. Aos poucos as mãos de Natalia desceram pelo pescoço de Diana enquanto as mãos da loirinha faziam o percurso inverso, subindo até os seios da outra, a essa altura, túrgidos, excitados por aquele toque.

                Não cabia mais a ideia de hora certa, e lugar ideal. Os gemidos que escapavam a pele eriçada e a umidade que não provinha só dos corpos molhados pela chuva, evidenciavam que o momento certo era a oportunidade mais próxima, o agora.

-- Diana me faça sua.

                Natalia sussurrou. O simples sussurrar da garota ascendia um prazer insano na loirinha, nunca sentira tanto tesão diante de uma voz como sentiu naquele momento, especialmente pelo pedido urgente, não só libidinoso, era acima de tudo carregado de sentimento sincero.

-- Você tem certeza?

                Diana perguntou ofegante, trêmula, se sentindo tão virgem quanto Natália.

-- Nunca tive tanta certeza de algo na minha vida.

                Diana beijou suavemente os lábios de Natalia. Pegou a toalha que usaram para se enxugar, estendeu-a no chão de madeira como se fosse um tecido nobre, queria um cenário especial, mas em qualquer lugar ela sabia que seria sagrado como estava sendo naquele momento. Aproximou-se de Natália disfarçando seu nervosismo.

-- Está nervosa?

-- Não, eu confio em você.

                Natália respondeu desabotoando a camisa que estava por cima de seu top, tal gesto demonstrou uma sensualidade nunca prevista para Diana. A fotógrafa segurou as mãos de Natalia impedindo que ela continuasse a se despir, tomando para si essa tarefa. Abraçou Natalia por trás, beijando os ombros de Natalia agora desnudos, deixando que a camisa caísse pelo chão. Beijou as costas de Natalia, enquanto retirava seu top. A excitação que percorria o corpo de Natalia chegava a provocar espasmos no seu corpo e um arrepio ininterrupto na pele. As mãos de Diana agora envolviam a cintura de Natalia enquanto mordiscava o lóbulo de sua orelha, intercalando com beijos. Com delicadeza girou o corpo de Natalia ficando de frente para ela, com o dorso de sua mão, acariciou seus seios firmes, fazendo a moça corar. Entendendo a timidez, Diana colou seu corpo no de Natalia, emendando outro beijo tórrido acompanhado do movimento calculado de suas mãos pelo corpo que ansiava ser descoberto por aquelas sensações inéditas.

                Natalia arrancou a blusa de Diana enquanto se deixava ser beijada e acariciada, peça a peça que as vestia se perdeu pelo chão. Muito mais do que tesão, naquele momento o que ambas sentiam era uma emoção incontrolável, indescritível. Com os corpos nus, se permitiram deitar-se sobre a toalha no chão. Diana caiu por cima do corpo de Natalia, num encaixe rematado. Os beijos que trocaram eram ritmados com os movimentos do corpo de Diana, que ao sentir a abundância da umidade dos seus sexos deslizou sua mão até aquela cavidade, deixando que seus dedos massageassem, explorasse, tomasse posse enfim.

                O sorriso na face de Natalia, seus suspiros e gemidos, foram à trilha de sons composta tendo como melodia de fundo a chuva que sempre as aproximou. Inexplicavelmente para Diana, o seu corpo reagiu da mesma maneira que Natalia, mesmo sem ser tocada, chegou ao ápice no mesmo momento que Natalia.

                Permaneceu sobre o corpo de Natalia, abraçando-a enquanto ambas recuperavam o fôlego e desaceleravam o coração palpitante.

-- Está tudo bem? – Diana perguntou acariciando o rosto de Natalia.

-- Está tudo perfeito. – Natalia respondeu com um sorriso radiante.

-- Eu te machuquei?

-- Não, você me deu o momento mais perfeito da minha vida.

                Diana ruborizou.

-- Ai que coisa mais fofa! Ficou tímida? – Natalia perguntou apertando as bochechas de Diana.

-- Você expõe um lado meu, que nem eu mesma reconheço.

-- Diana... Eu estou muito feliz por ter me guardado pra você...

-- Espera... Você nunca...? Nem com meninos?

-- Nunca.

-- Ai meu Deus, quer dizer que de acordo com seus costumes, agora vou ter que casar com você se não seu pai vai me obrigar com uma espingarda?

-- Hurrum... Você me desonrou, agora tem que consertar o erro.

-- Erro? Achei que fiz tudo tão certinho...

-- Fez sim... Foi perfeita, mas, vai me deixar mal falada?

-- Sério? Casar?

-- Seria tão ruim assim? – Natalia fingiu ofensa.

-- Não gosto de quebrar costumes, além do mais, não quero que ninguém mais erre ou acerte com você... Quero direito exclusivo.

                Diana encerrou o assunto com um beijo, antes de se entregarem mais uma vez ao desejo, como se fosse inevitável se darem ao prazer.


CAPÍTULO 24- Aponsio magna
* Apostando alto

                A chuva cessou e com ela, a razão trouxe de volta à realidade Diana e Natália do seu momento encantado.

-- Precisamos voltar a chuva já parou. – Diana disse, acariciando os cabelos de Natalia que repousava sobre seu peito.

-- Mas, já? A gente não pode ficar aqui pra sempre? – Natalia fez bico.

-- “Mim ser Tarzan e você Jane?” – Diana brincou arrancando o riso de Natalia.

-- Aqui não teríamos nada a esconder, só você e eu...

-- Já prestou atenção que em menos de duas horas você já me intimou a casar com você duas vezes? Já estou ficando com medo!

                Natalia sorriu tímida.

-- O que vamos dizer ao pessoal? Chegando juntas assim, vão desconfiar...

-- Direi que encontrei você perdida, foi quando começou o temporal, e nos abrigamos na cabana. Você diz que se distanciou e não sabia que trilha seguir e resolveu voltar, quando me encontrou.

                Diana parecia já ter arquitetado uma resposta convincente. Sem pressa se vestiram, trocando olhares que faiscavam desejo.

-- Tem certeza que precisamos mesmo ir?

                Natalia disse puxando Diana pela cintura.

-- Prometo que te sequestro outra vez, em breve...

                Diana disse segurando o rosto de Natalia, beijando-lhe, provando a verdade de sua promessa.

                Voltaram à casa principal em pouco tempo, dando as explicações especialmente para Lucas e Pedro, que eram os mais preocupados. Lucas tratou de paparicar Natalia como se a moça acabasse de retornar de um naufrágio, enquanto Pedro encarava Diana a fim de se convencer que não existia nada por trás daquela história mal contada.

                Depois de almoçarem todos juntos, a turma se acomodou mais uma vez pelo alpendre da casa para cumprir outra tradição entre eles: o jogo de cartas. Diana era conhecida entre eles por ser a mais sagaz na arte do blefe, mas, naquela tarde, encontrou uma adversária à sua altura no pôquer: Natalia.

                Quando todos na mesa desistiram da rodada, baixando as cartas, as duas se encararam:

-- Cubro sua aposta. – Natalia disse.

-- Pois bem. Aposto tudo. – Diana empurrou as fichas.

                Todos que assistiam ao jogo se entreolharam. O ar de desafio de Diana instigou Natalia a acreditar que era puro blefe da loirinha, que tentava confundir a concorrente com um sorriso no canto dos lábios.

-- E então continua cobrindo minha aposta? – Diana desafiou.

                Natalia fez uma expressão ainda mais enigmática, acentuando o clima de blefe no jogo.

-- Tenho muito mais fichas que você, quase o dobro, se você ganhar, vai levar muito mais que eu se ganhar. O que você me oferece para compensar essa aposta? – Natalia perguntou.

-- Não sei me diga você o que acha justo. – Diana encarou Natalia.

-- Se você perder pra uma caipira como eu, acho justo que você se passe por caipira também diante de todos que escutam você me chamar assim.

-- Como é que é? – Diana saiu do seu estado de concentração no jogo.

-- É isso que quero. Se você perder pra mim, vai desfilar pela faculdade, com roupas típicas, representando uma caipira com todo o sentido pejorativo que você usa!

-- Você está louca se acha que farei isso!

-- Só fará isso se perder Diana. Se ganhar, leva todas as minhas fichas, e meus centavos acumulados nelas...

-- Só por causa da sua petulância em me propor isso, faço questão de te deixar sem um tostão! E topo sua condição.

                Natalia sorriu.

-- Então, mostre suas cartas Diana.

                Diana excessivamente autoconfiante exibiu na mesa as cinco cartas que tinha nas mãos.

-- Straight flush! Fim do jogo pra você caipira e agora um pouco mais lisa também!

                A loirinha sorriu vitoriosa diante da passividade de Natalia que não esboçou qualquer reação até Diana avançar sobre suas fichas.

-- Não se apresse Diana!

                Natalia protegeu suas fichas segurando as mãos de Diana.

-- Ah, para né caipira! Vai me dizer que você não sabe o que é um straight flush? Deixa-me explicar: cinco cartas em sequência e do mesmo naipe, igual a... Você perdeu!

                Natalia manteve sua postura, fez suspense e em seguida baixou seu jogo.

- Royal straight flush, a sequência de 10 a Às, no mesmo naipe, maior pontuação no pôquer é igual a você na aula da doutora Dorothea, vestida de caipira.

                Diana e todos que assistiam o desfecho da partida olharam perplexos para Natalia recolhendo todas as fichas tranquilamente.

-- Caraca meu irmão! Finalmente alguém páreo pra Diana! – Lucas comentou em meio ao frenesi instalado.

-- Não é possível... Você roubou! – Diana acusou inconformada.

-- Se você não percebeu antes, e não tem como provar, só demonstra ainda mais meu mérito, por que além de ganhar de você, ainda te enganei. Mas, não Diana, não roubei.

                O mau humor de Diana depois do episódio era visível, especialmente pelas chacotas dos amigos, não só pela derrota, mas pelo preço da aposta que a loirinha pagaria. A irritação de Diana antecipou a volta dela e dos que vieram no seu carro para a cidade. Ao contrário da viagem de ida, a troca de olhares pelo retrovisor, foi bem menos amigável. O silêncio só não era completo, por conta do cd player que Diana fez questão de aumentar o volume todas as vezes que Pedro tentava puxar assunto.

                Pelo trajeto, Natalia foi a primeira a descer. Angustiada, temendo que o resultado daquele jogo, interferisse no que foi para ela o momento mágico ocorrido na cabana. O beijo, o gosto e o cheiro de Diana estavam entranhados no corpo e na alma de Natalia. Por mais que não houvesse um compromisso selado, Natalia se sentia dela, como de fato pediu que Diana a fizesse: “me faça sua”.

                No seu pequeno apartamento, Natalia dividia seus pensamentos entre a lembrança e as marcas da sua entrega, e a apreensão por ter arriscado seu entendimento com Diana, em uma competição agora estúpida. Hesitou em ligar, ou mandar mensagem de texto para o celular dela, quando finalmente decidiu arriscar, a campainha tocou.

                Abriu a porta ansiosa depois de espiar de quem se tratava.

-- Exijo uma revanche, mas dessa vez, o jogo é streap poker.

                Diana exibia seu ar malicioso ao dizer isso. Natalia lhe puxou pela gola da jaqueta, mergulhando sua boca na dela, calando as angústias sobre um novo desentendimento entre elas com um beijo apaixonado.

-- Não pense que vai me dissuadir a desistir da revanche só com um beijo. – Diana fingiu indiferença aos beijos que Natalia deixava percorrendo o pescoço dela com sua boca.

-- Faço questão de perder pra você nesse jogo, se o que você quer é tirar minha roupa inteira, entrego todas as minhas fichas agora mesmo!

                Natalia se afastou de Diana depois de empurrá-la para o sofá. A loirinha não teve chance de argumentar, ao ser jogada no sofá, não havia nada mais a fazer que não fosse destinar toda sua atenção a Natalia que sensualmente se despiu na sua frente, jogando as peças para o ar. Quando restaram apenas as peças intimas, Natália sentou-se no colo de Diana, envolvendo a cintura da loirinha com suas pernas, deixando seus seios à altura na boca de Diana.

-- Agora, você termina o serviço, tirando o que falta...

                Diana apesar de completamente excitada com a cena, não escondeu sua surpresa com a ousadia da moça até poucas horas atrás virgem.

-- Acho que essas meninas do interior, são autodidatas...

-- Estou ansiosa pra aprender mais... Mas, com você.

                Natalia sussurrou, mordiscando a orelha de Diana, levando-a a loucura.  A loirinha então dominou Natalia com um beijo sôfrego, se desfazendo rapidamente do sutiã da outra, deslizou sua língua pelos mamilos eriçados, enquanto suas mãos buscavam espaço por baixo da calcinha de Natalia, que se derramava em excitação para o prazer de Diana.

                Se houvesse uma medida para quantificar o desejo contido, naquela noite, as reservas se esgotaram. Natalia se entregou a Diana como se fosse próprio da sua natureza fazê-lo, tão normal e simples, como um rio corre pro mar e Diana por sua vez, parecia enfim se encontrar no corpo que se apresentava como seu encaixe perfeito, como uma reação química, chave e fechadura, plenitude, identificação, a sensação indescritível de descobrir a dimensão que sexo é mais do que carne, mas também alma, sentimento.

-- Nat, eu preciso ir.

-- Ah Di... Fica, dorme aqui comigo.


-- Não posso, nem tenho onde guardar o carro, se acontecer alguma coisa com ele, a seguradora liga direto pra meu pai, aí estou ferrada! Mas, se você me liberar dessa aposta ridícula, posso te levar pra dormir em minha casa...

-- Aháaaa! Sabia que você ia fazer isso! Não vou cair nessa! Na terça, na aula de Madimbú, a caipira será você!

-- Então vai dormir longe desse corpinho aqui!

-- Tudo bem... A punição é mútua!

                Natalia brincou, enquanto Diana fazia bico cruzando os braços. A postura emburrada da moça de nada valeu quando Natalia beijou sua nuca, soprando entre os beijos e carícias com a língua.

-- Ai Nat... Nuca é covardia!

                O corpo de Diana a traiu, ao se arrepiar inteiro com a investida de Natalia.

-- Se você não resistir vou te amar de novo, agora!

                Diana deu um salto do sofá, ofegante disse:

-- Vai desistir da aposta?

-- Não!

-- Então boa noite!

                Diana recolheu suas roupas, se apressando para ir embora, sob o olhar atento e libidinoso de Natalia.

-- Nem adianta me olhar assim... – Diana disse com ar autossuficiente. – Aliás, é isso que você vai fazer: só olhar!

                Natalia se divertia com as tentativas de Diana persuadi-la a desistir da aposta, levantou-se quando Diana se vestiu, trajando apenas a calcinha, incomodando visivelmente a loirinha com a visão de suas formas sensuais.

-- Boa noite Di... Vou sonhar com você.

                Natalia beijou o canto dos lábios de Diana, que perturbada, praticamente fugiu de um novo contato, sentindo seu corpo queimar, ela tinha a certeza que se demorasse mais um minuto ali, não conseguiria deixar aquele apartamento, e provavelmente faria novas apostas e perderia todas, por que Natalia conseguia o que poucas pessoas conseguiam: desfazer as suas defesas.

CAPITULO 25 Reddendo debitum
*Pagamento da dívida

                Natalia era a mais ansiosa na manhã de terça-feira, mas o clima de ansiedade pela chegada de Diana era coletivo, a fofoca da aposta se espalhou pelos corredores da faculdade, certamente Edu e Cacau se encarregaram disso.

                Diana ainda insistiu por toda segunda-feira para Natalia liberá-la do pagamento da aposta, mas, nem todo seu charme e chantagem amoleceram o coração da garota. Assim, Diana castigou Natalia com sua ausência na segunda-feira, para ambas aquele dia não teve fim, tamanha a saudade que sentiam.

                As risadas e piadas pelo corredor da sala do primeiro período anunciaram que o fato incomum esperado, percorria o campus. Natalia não conteve o riso, ao ver Diana desfilando todo seu jeito despojadamente urbano contrastando com o vestido florido, as sandálias de couro e duas tranças postiças amarradas no seu cabelo curto.

                Diana fingia que nada estava acontecendo, mantendo seu andado no mesmo ritmo de sempre, entrou na sala do primeiro período, e se sentou na cadeira paralela a de Natalia, se tornara seu novo posto na aula de IED.

                Natalia não podendo demonstrar o que sentia, nem tampouco comentar nada, enviou mensagem de texto para Diana:

-- “Nunca vi caipira mais linda”.

                Diana não esboçou reação, despertando a apreensão novamente em Natalia, temendo que Diana atribuísse a chacota generalizada a ela. Entretanto, o pior da manhã só aconteceu quando Dorothea entrou na sala para ministrar aula, com o clima de risos ainda reinando. Ao se deparar com a aluna fantasiada, a professora direcionou seu olhar mais furioso, praticamente fuzilando Diana a cada piscada rápida dos olhos.

-- Mas, que palhaçada é essa?

                Depois da pergunta exclamativa da professora, a sala se calou, todos sabiam que Dorothea se referia a Diana, mas esta fingiu não entender ser o alvo da pergunta.

-- Diana, você pode me responder o que você quer com essa afronta?

-- Perdão Meritíssima, mas, que afronta?

-- Acha acaso que não entendo suas piadinhas para me provocar? Essa sua fantasia aí! Saiba que não tenho a menor vergonha de minhas origens! Sou mesmo do interior! Se pensa que vai me ofender com esses trajes, você está se expondo ao ridículo em vão!

                Diana engoliu algumas palavras antes de conseguir concatenar uma resposta à professora, diante da perplexidade dos demais colegas que conheciam o real motivo dos trajes da loirinha.

-- Meritíssima, creio que há um equívoco na sua interpretação...

-- Cale-se Diana, antes que lhe expulse da minha aula de uma vez por todas!

                Diana completamente atônita, pela primeira vez na sua história de embates com Dorothea, se viu sem palavras, talvez por que não estava preparada para aquela reação da professora, esperava a chacota como todos fizeram.

-- Mas... – Diana tentou argumentar.

-- Eu já disse Diana! Chega! – Dorothea bateu sua mão na mesa violentamente.

-- Professora a Diana não está fantasiada para lhe provocar!

                Natalia gritou para ser ouvida após o estrondo do gesto da professora.

-- Ora se não é advogada oficial da Diana! Não acho que seja sensato para você intervir repetidamente nas indisciplinas de sua colega mocinha!

-- Desculpe-me professora, mas nesse caso tenho que intervir, um dos motivos que me fez optar pelo Direito como carreira é o fato de não tolerar injustiças, e é isso que está acontecendo.

-- Está me acusando de calúnia contra sua colega? – Dorothea exibiu sua petulância magistral.

-- Não, não ousaria cometer tal sacrilégio professora, acho que me expressei mal, eu quis dizer que a senhora está equivocada, e como sou parte envolvida nessa caracterização da Diana, acho que é minha obrigação esclarecer o mal entendido, para evitar que sua imparcialidade no julgamento de seus alunos, se mantenha imaculada.

                Astuta, Natália não poupou falácia, apelando para a vaidade da juíza aposentada.

-- No que exatamente você está envolvida Natalia?

-- Diana está vestida assim porque perdeu para mim em um jogo de pôker, minha aposta incluía que ela se vestisse assim, como uma “caipira”, apelido que ela dedica a mim, desde o trote dos calouros, porque assim como a senhora, eu também sou do interior do estado.

                Dorothea como se fosse despertada de um transe, ou como se incorporasse uma nova personalidade mudou a expressão tensa do rosto imediatamente.

-- Quer dizer que a Diana está servindo de palhaça pra toda universidade por que perdeu pra você em um jogo?

-- Isso mesmo.

-- E você a fez pagar pelas vezes que te chamou de caipira... – Dorothea falou mais baixo, como se pensasse sozinha. – Muito bem Natalia.

                A frase de incentivo da professora para Natalia surpreendeu todos, especialmente Diana, que franziu o cenho, estranhando a mudança repentina de tom de Dorothea, que animadamente iniciou a aula, solicitando a opinião de Natalia todo tempo. Não se preocupou em se desculpar com Diana, nem tão pouco escondeu que a atitude de Natalia conquistara sua simpatia, involuntariamente a novata se tornou a mais nova queridinha de Madimbú.

                Ao final da aula, Dorothea não perderia a oportunidade de instigar ainda mais a suposta rivalidade entre sua mais nova pupila e o conhecido objeto de seu desagrado.

-- Na próxima aula, iniciaremos a discussão sobre Ato jurídico, para dar um pouco mais de classe e emoção a aula, vamos simular um júri popular, quero que se distribuam nas respectivas funções, e como nossa cara Diana, adora ser o centro das atenções, ela será a ré, Natália, fará as vezes da promotora, alguém se candidata a defendê-la?
               

-- Eu!

                Uma aluna no canto da sala se ofereceu.

-- Ótimo, lógico, eu serei a juíza. Vocês terão tempo de preparar, temos o feriado de carnaval pela frente, se organizem e até próxima aula!

                Diana recolheu seu material com pressa, deixando evidente sua irritação com a aula, em vão Natalia tentou se redimir pelo que causou despropositadamente.

-- Diana eu sinto muito, não quis te expor a isso...

-- Cala a boca caipira! Mesmo que eu esteja com essas roupas, a caipira continua a ser você!

                A loirinha deixou a sala praticamente empurrando quem estava à sua frente. Ruth se aproximou de Natalia, demonstrando uma animação nada contagiante para a colega:

-- Natalia você arrasou com a Diana! Bem feito pra ela, sujeitinha petulante! Quem podia imaginar que a professora entenderia a fantasia caipira dela como provocação a ela? Você sabia não é?

-- Claro que não Ruth! Isso não está certo, é a segunda vez que a Diana queima mais ainda o filme dela com a doutora Dorothea por minha causa!

-- Natalia, o filme dela já é queimado com a professora há tempos!

                Com a consciência pesando quilos, Natalia saiu da sala sem se despedir de Ruth, à procura de Diana. Observou de longe Diana descer as escadas e correu para alcançá-la a caminho do estacionamento. Antes que Diana encontrasse seu carro, a alcançou e a puxou para dentro de uma cabine de policiamento do campus, abandonada.

-- Acha que vai me evitar a vida toda?

                Natalia disse encostando Diana contra os vidros escuros da cabine.

-- Não estou te evitando, estava indo para casa no meu carro.

                Diana encarou Natalia friamente.

-- Eu juro que não calculei essa reação da Dorothea, não quis complicar ainda mais sua relação com ela, se soubesse disso teria permitido o pagamento da aposta em outro dia que não fosse a aula dela.

-- Agora entendo por que vocês se entenderam... São duas caipiras...

                Diana parecia não se sensibilizar com as desculpas de Natalia, que se angustiava com a frieza da moça.

-- Você não se cansa de ser desagradável? Estou aqui me desculpando com você... Não quero que essa brincadeira estúpida te prejudique, nem muito menos que...

                Natalia ficou reticente em declarar seus sentimentos diante daquela postura pouco amistosa de Diana, bem diferente do seu comportamento de domingo.

-- Nem muito menos que... – Diana sussurrou encarando Natalia.

-- Que... Você fique com raiva de mim...

-- Minha raiva te incomoda?

                Natalia já sentia seu corpo reagir ao contato mais próximo com Diana. Suas pernas tremiam, e sua boca estava seca denotando a necessidade inquestionável de ser tomada pelos lábios de Diana.

-- Sua presença me incomoda, não consegue me perceber isso?

-- É isso que causo em você? Incômodo?

                Consciente do efeito avassalador que aquela intimidade provocava em ambas, Diana exagerou no tom de voz sensual ao ouvido de Natalia, que se arrepiava, sentindo o hálito quente da loirinha pelo seu pescoço.

-- Perturbação... Cada pedaço do meu corpo, cada pensamento, cada sentimento, fica perturbado quando estou perto de você.

                Natalia agora podia sentir a excitação percorrer a pele de Diana, notando-a eriçar quando suas mãos acariciaram os braços dela, aproveitando-se de tal reação, ousou descer suas mãos pelas pernas de Diana expondo-as levantando seu vestido florido.

-- E essas mãos bobas? O que acha que está fazendo?

                Diana se denunciava, com o rosto e colo ruborizados e sua respiração ofegante.

-- Sua pele me perturba... A maciez dela, o cheiro dela... – Natalia sussurrou continuando seu percurso por baixo do vestido de Diana.

-- Chega de perturbação!

                Diana se afastou bruscamente, baixando seu vestido, fazendo bico, encenando pudor.

-- Você acha que é só assim? Passar a mão numa moça de família como eu? E minha honra? Minha pureza?

                Diana carregou no sotaque caipira, arrancando a risada de Natalia.

-- Desculpa moça, o que posso fazer pra moça me desculpar?

                Entrando no clima de brincadeira Natalia perguntou. Diana segurou a renda do vestido, riscou o chão com a sandália de couro numa atitude fingida de timidez e respondeu:

-- Promete que vai me respeitar no caminho da roça?

                Natalia riu da atuação hilária da outra.

-- Prometo.

-- Ah então não vai ter graça!

                Diana disse agarrando Natalia pela nuca e ordenou:

-- Vamos pra minha casa agora, antes que ninguém mais salve nossa honra depois que nos pegarem aqui transando, por que é isso que vamos fazer o resto do dia!

                Natalia não respondeu, beijou Diana faminta, acendendo ainda mais o tesão das duas, que partiram para o apartamento da loirinha em um clima de pura paixão.


                Como planejado, as duas se amaram pelo resto do dia no apartamento de Diana, estreitando a intimidade não só física, mas principalmente, a intimidade de hábitos, histórias, afinidades. Aos poucos se permitiram ficarem nuas uma para outra, uma nudez que transcendia a carnal. Uma nudez de barreiras, de restrições. Natalia se sentia livre, sem amarras, com uma coragem incomum de avançar para novas emoções e novas lutas, se descobria nos braços de Diana e esta, revelava um lado que se esquecera de cultivar: seu lado dócil, romântico e desarmado, sua personalidade controversa, se mostrava para Natalia de maneira transparente, e incontestavelmente encantadora.



CAPÍTULO 26 - Celebratio vitae
* A celebração da vida
Por Têmis 

                A rotina de Diana e Natalia cada dia as aproximava mais, tal fato só reafirmava o sentimento forte que crescia entre as duas, mas, acendia também os alertas sobre os pontos de tensão do relacionamento delas, um deles era a necessidade de esconder o teor da relação, a fim de não magoar os irmãos Lucas e Pedro, entretanto, outra questão se escondia nessa justificativa: a relutância de Natalia assumir a relação com Diana, ambas sabiam que uma hora tal barreira repercutiria no futuro das duas juntas.

                Evitando encarar tais pontos de tensão, as conversas entre as duas sobre a clandestinidade dos seus encontros eram sempre interrompidas por beijos e a carícias maliciosas que encerravam a importância de qualquer diálogo.

                A semana que antecedeu o feriado de carnaval reservava um evento importante: o aniversário de Natalia. Diana descobriu por acaso, numa brincadeira entre as duas, quando Natalia foi obrigada a mostrar seu documento de identidade para provar que tinha maioridade.

-- Anda Nat! Mostra logo! Já estou com medo de ser processada por corrupção de menores!

-- Para de ser ridícula! Claro que tenho mais de dezoito anos! Faço dezenove depois de amanhã!


-- Não acredito! Você só está querendo ganhar presente, seu aniversário não é depois de amanhã!

-- Pronto, veja, está aí a prova!

                Diana que estava deitada no colo de Natalia no sofá pegou o documento atestando a veracidade da informação.

-- Satisfeita? – Natalia perguntou.

-- Não! Como assim seu aniversário é sexta e você não me diz nada?!

-- Ah por que eu tinha que dizer alguma coisa? Você que tinha que descobrir oras!

                Diana ficou pensativa, despertando a curiosidade de Natalia:

-- O que foi agora?        

-- Pensando aqui, como uma caipira comemora aniversário?

-- Você fala como se eu fosse de uma tribo, ou de uma civilização antiga! Nasci a somente algumas dezenas de quilômetros daqui sabia?

-- Eu pensei que você viesse do mesmo planeta de Madimbu, ela pareceu tão feliz em finalmente encontrar uma conterrânea...

-- Diana!

                Natalia beliscou a loirinha mostrando sua indignação.

-- Ah e como eu não pensaria isso? Ela se derreteu toda quando você disse que era do interiorrrr. – Diana reforçou o som do erre.

-- Você é uma mal agradecida! Só me meti pra te defender.

-- Nada mais do que sua obrigação! Afinal você me meteu na encrenca.

-- Você perdeu a aposta!

-- Mas... Ei espera, a gente não estava falando do seu aniversário? Por que estamos discutindo mesmo?

                As duas riram juntas.

-- Droga viajo justamente amanhã...

-- Viagem? – Natalia perguntou.

-- É carnaval Nat! Salvador me espera!

-- Como assim Salvador me espera?

-- Faz uns três anos que passo meus carnavais lá. Meus amigos de Brasília e do Mato Grosso sempre vão também, e esse ano, vou tocar em um camarote uma das noites.

-- Quando você ia me dizer isso?

-- Eu pensei que já tivesse comentado com você.

-- Eu também viajarei no carnaval.

-- Ah é? Posso saber pra onde?

-- Pra minha cidade, rever minha família, minhas amigas...

-- Amigas? Alguma especial?

-- Todas as minhas amigas são especiais.

-- Ah é? Então você vai matar as saudades delas? Essas meninas do interior são muito assanhadas...

-- Como assim meninas do interior são assanhadas? O que te fez uma expert em meninas do interior heim?

-- Conhecendo uma a gente conhece todas... – Diana simulou uma expressão cafajeste.

-- Se você acha isso...

                Natalia fingiu indiferença, deu de ombros e se levantou do sofá, recolhendo sua mochila.

-- Aonde você vai?

-- Minha casa?

-- Pensei que você jantaria aqui comigo...

-- Diana desde terça eu almoço e janto com você todos os dias, preciso estudar!

-- Você vai ter todos os dias de carnaval pra estudar!

-- Ah não! Você vai pra Salvador no carnaval e eu fico estudando? Não mesmo!

-- E quais são seus planos? Iniciar alguma amiguinha caipira especial no seu costume aprendido na capital? Compartilhar sua aventura?

-- Ah então o que nós temos é um costume da capital? Sério Diana?

-- Claro que não Nat! Acha que estaria arriscando a amizade com meus melhores amigos por uma aventura?

-- Você que falou isso...

                Natalia não escondeu seu descontentamento com a insinuação de Diana, e principalmente por saber dos planos dela para o feriado. Caminhou até a porta, quando foi impedida pela loirinha.

-- Ei! Nat fica! Estava só brincando...

-- Diana, preciso mesmo ir. Depois nos falamos.

-- Natalia, por favor!

                Diana segurou o braço de Natalia.

-- Vamos combinar seu aniversário amanhã, o que você quer fazer?

-- Diana, eu não quero fazer nada, depois da aula vou pra minha cidade, aproveitar o feriadão desde amanhã.

-- Mas... Não quer passar comigo?

-- Salvador não te espera? E todos os seus amigos, e camarotes e tudo mais? Não vou te atrapalhar, espero que se divirta por lá.

-- É, mas poderíamos sei lá, almoçar juntas.

-- O primeiro ônibus pra minha cidade sai às 13h, quero ir nele, não dá tempo.

-- Natalia, impressão minha ou você está chateada por eu viajar pra Salvador no carnaval?

-- Eu não! Você vai pra onde você quiser! Não me importo o que você vai fazer lá, quem você vai beijar...

                Diana segurou o riso nitidamente.

-- Não acredito que você está com ciúmes de mim...

-- Não delira Diana! Não tenho ciúmes de ninguém.

-- Não precisa ter ciúmes, na quarta-feira tudo que eu fizer lá vira cinzas... Se bem que em Salvador, ainda tem carnaval na quarta... Na quinta ainda tem a ressaca, aí já final de semana de novo... – Diana comentou olhando para cima, como se pensasse alto.

-- Você vai passar o mês inteiro lá? – Natalia perguntou exasperada.

-- Uma semana só!

-- Ah Diana, quer saber? Boa viagem!

                Natalia saiu irritada, batendo a porta com toda força que tinha. Amargou aquele sentimento incômodo, sufocante, de insegurança e ciúme, formulando mil hipóteses e situações nas quais Diana e dezenas de mulheres protagonizavam flertes e amassos. A irritação era tanta, que ignorou as chamadas no celular da loirinha, não queria dar o braço a torcer e assumir seu lado ciumento estava convicta a sumir de São Paulo logo após as últimas aulas de sexta-feira.

                Diana se angustiou com a saída brusca de Natalia do seu apartamento e ainda mais pela recusa em atendê-la ao celular. Encheu-se de culpa por não passar o aniversário com ela, supondo que essa decepção não seria boa aliada na visita dela às suas antigas amigas do interior, nutrindo um ciúme irracional.

                Naquela noite, mal se falaram, trocaram palavras sem emoção, evitando o assunto da viagem, com um mal estar evidente instalado. Diana não sossegou até encontrar uma forma de se redimir, e sanar o clima estranho entre elas, antes de ambas viajarem para o carnaval, em destinos diferentes.

***********

                Sem empolgação, Natalia recebeu uma mensagem de Diana, desejando bom dia e de feliz aniversário no celular. Não sabia explicar o porquê de sua revolta com aquela atitude de Diana, afinal o que deveria esperar dela? Não conhecia os trâmites de uma relação lésbica, não tinha parâmetro de um relacionamento sério, com os meninos, tudo não passou de namoricos de no máximo cinco meses, e o que sentia por Diana nem podia se comparar às suas maiores paixões da adolescência, que praticamente deixara completando seus dezenove anos.

                Natalia se perguntava por que reagira assim à notícia que Diana viajaria para Salvador no dia do seu aniversário, e o pior, para passar o carnaval. O que poderia cobrar de Diana? O que elas eram afinal? Amigas? Namoradas? Qual era a fronteira, ou prazo a se cumprir para mudar o status de amigas, ficantes a namoradas? Eram perguntas que Natalia não tinha respostas, sequer tinha coragem de fazê-las a Diana, e enxergando por essa ótica, não tinha motivos para bancar a ofendida ciumenta com ela, mesmo assim, não podia evitar aquele sentimento insano que super dimensionava um fato simples em uma grande questão.

                Arrumou as mudas de roupas em uma mochila, disposta a ir para rodoviária direto da faculdade. Ao sair do seu prédio, se deparou com Diana, encostada no seu carro, segurando uma enorme cesta de palha, e uma rosa vermelha na boca.

                Natalia se esforçou, mas não conseguiu prender o riso.

-- O que é isso sua doida?

                Natalia puxou a rosa da boca de Diana para que ela falasse.

-- Não encontrei nenhum entregador pra lhe dar essa cesta de café da manhã vim eu mesma deixar. Parabéns!

-- O sol nem nasceu direito ainda e você já está aqui, no fim do mundo com um café da manhã?

-- Não dormi... Trabalhei ontem à noite, estou vindo direto da boate.

-- Nem sabia que você ia trabalhar ontem...

-- Pensei em te avisar, mas me ligaram já tarde, um DJ deu cano... Não quis te acordar.

-- Não me acordaria... Mas então... Muito obrigada pela cesta, mas acho que não terei tempo pra desfrutar de tantos itens, estou indo para faculdade.

-- Correção: você estava indo para a faculdade, agora você vem comigo comemorar seu aniversário, não vá me dizer que madruguei em vão!

-- Diana, não posso matar aula...

-- Ah fala sério Nat! Aula de sociologia!

                Natalia se entregou com um sorriso, diante do olhar pidão de Diana.

-- Tudo bem, vamos então! Mas, pra onde mesmo?

-- Você não aprendeu ainda? Já disse, que quando faço um convite, não importa o destino, o que importa é você sempre dizer sim!

                Natalia aceitou conformada as condições de Diana, experimentando uma felicidade que transformou o mal estar do dia anterior em algo menor, de importância ínfima diante do gesto delicado da loirinha.

******************************

                O parque do Ibirapuera estava deserto, algo incomum, mas pelo horário não podia ser diferente. Demonstrando pouca habilidade de organização, Diana montou o piquenique, sob o olhar abobado de Natalia que sorria de orelha a orelha.

-- Pronto aniversariante, o banquete está servido, sirva-se, por favor.

                Natalia se acomodou na grama, enquanto Diana listava o que conseguia identificar entre os itens, o que não gostava, a loirinha fazia careta engraçada arrancando risadas da outra.


-- Adoro esse lugar Nat. Sei que pode parecer óbvio, afinal, quem não gosta de um lugar como esse? Um dos poucos espaços verdes dessa selva de pedra que é São Paulo. Mas, mesmo que o Ibirapuera não fosse o Ibirapuera, me encantaria da mesma forma com ele. Tudo me inspira aqui.

-- Também gosto desse lugar. É especial mesmo, sempre vou me lembrar de você quando vier aqui.

                Diana ruborizou. O calor do sol se achegando aos poucos na manhã que avançava completou o clima romântico da paisagem, as duas não notaram o tempo passar, deitaram na grama com as cabeças quase coladas, e brincaram de desenhar as nuvens que não conseguiam ver.

-- A vantagem do interior é poder ver o céu com todos os elementos: estrelas, nuvens, lua... – Natalia disse.

-- Pra que olhar pra cima procurando tudo isso? Posso olhar pro lado e enxergar outro céu: você do meu lado.

                Natalia perdeu a voz, mas o brilho dos seus olhos encarando Diana revelaram muito mais do que qualquer palavra.

-- Di... Quero te beijar agora, se você não me impedir, vou fazer isso na frente de todas essas crianças e casais de idosos que estão ao nosso redor.

                Diana sorriu, apertou a mão de Natalia e disse:

-- Vou te levar pra outro lugar onde você vai poder fazer isso sem ser causadora de infartos nos velhinhos...

                Em menos de uma hora, Diana chegou ao seu prédio, o desejo explícito em ambas por pouco não se concretizava ainda no elevador se não fossem outros moradores ali. Diana abriu a porta apressada, mas, não com mais pressa que Natalia de jogar o corpo da loirinha contra a parede roubando um beijo quente.

-- Parabéns pra você minha caipira gostosa...

                Diana avançou na boca de Natalia, empurrando-a até seu quarto, antes de entrar interrompeu o beijo e pediu:

-- Feche os olhos, e só abra quando eu pedir.

                Sem pestanejar Natalia consentiu, e ao comando de Diana abriu os olhos quando entrou no quarto da loirinha, e outra vez sua voz lhe faltou. A fotógrafa decorou uma parede do quarto com fotos de Natalia, tiradas na primeira vez que foram ao Ibirapuera, no sítio e ali mesmo na sua casa naquela semana. Centenas de fotos de tamanhos, cores e efeitos diferentes, compondo um enorme mural.

-- Di... Como? Quando?

                Natalia perguntou com os olhos marejados e um sorriso nervoso nos lábios.

-- Eu menti, trabalhei ontem a noite toda, mas não na boate, passei a noite inteira preparando esse mural, tratando e revelando as fotos... Meu presente pra você.

-- Eu não sei o que dizer... Você é incrível... Quanto trabalho por mim!

-- Se não sabe o que dizer, não precisa dizer o obvio, sei que sou incrível mesmo.

                Diana brincou se aproximando de Natalia, abraçando a sua cintura por trás.

-- Foi o melhor trabalho que já fiz, ver sua imagem por horas seguidas... Foi como meus dias tem sido desde que te conheci, só que essa noite materializei meu pensamento.

                Sem nada mais ser capaz de falar, a Natalia só restou envolver o corpo de Diana em um abraço forte e um beijo completo por ele só, que precedeu a entrega dos corpos. Foi a primeira vez que Diana se deu a Natalia, deixando que ela explorasse cada pedaço do seu corpo numa explosão de prazer inédita quando sentiu o toque de Natalia ser impresso em seu sexo. Para a aniversariante, o maior presente foi sentir o gozo de Diana se derramar por sua mão, propiciando o inexplicável ápice também nela.


A caminho da rodoviária, Natalia ainda tomada pelo rompante de paixão despertado pela comemoração de seu aniversário preparada por Diana, se derreteu em carinhos e olhares apaixonados para a loirinha que dirigia sem pressa, como se quisesse prolongar o tempo juntas antes de se despedirem.

-- Muito bem moça, está entregue, você tem exatamente quarenta minutos para comprar sua passagem e embarcar, já que tem tanta pressa de se embrenhar no mato e comemorar seu aniversário com suas amiguinhas...

-- Gente... Você está encrencando com minhas amigas por que mesmo heim? São apenas caipiras como eu...

                Natalia ironizou. Diana apertou os olhos tentando decifrar o que havia naquela ironia.

-- Eu espero que o assunto mais picante entre vocês seja inseminação artificial de vacas...

-- Não moro em um sítio! Nem minha amigas! Para sua informação, meus pais são comerciantes, a única loja de material de construção da cidade, nunca morei em sítio, fazenda ou nada parecido. E não entendo essa desconfiança, você mesma disse que tudo vira cinzas na quarta-feira...

-- Não use minhas palavras contra mim! Muito espertinha você. Até imagino você com aquele monte de “Rosinhas” do Chico Bento à sua volta, fazendo fofoquinhas, pegando em você no seu quarto cheio de rendas e bordados, com uma varanda com vista panorâmica para a praça da cidade.

-- Redondamente enganada! Meu quarto não tem nada de fru fru não. E a varanda do meu quarto fica nos fundos da minha casa, a visão não tem nada de panorâmico e ah! Minhas amigas não se parecem com a namorada do Chico Bento não sua boba! Para de implicar! Não entendo essa sua comoção toda.

-- Não há nenhuma comoção, é só cuidado, gosto de cuidar do que é meu...

-- Seu? O que eu sou sua então?

                O momento certo para responder as questões que incomodavam Natalia enfim surgiu. Diana engoliu ar procurando palavras, quando foi salva pela campainha do seu celular.

-- Fala Leleca! Como assim vocês já estão em Salvador? Vocês são loucas? Hoje ainda é sexta-feira! Embarco a noite. Tudo bem, vou direto encontrar vocês lá então. Juízo! Não façam nada que eu faria!

                Diana desligou o telefone com um sorriso descarado que se desfez instantaneamente quando encarou o olhar reprovador de Natalia.

-- É uma amiga de Brasília, imagine, ela já está em Salvador, desde ontem!

                Natalia não esboçou reação, manteve a expressão sisuda, nada satisfeita com a empolgação de Diana, e principalmente pela loirinha ter vacilado na resposta sobre a relação das duas.

-- Bom, espero que você se divirta por lá com suas amigas, agora preciso ir, se não perco o ônibus. Boa viagem Diana.

                Sem graça a loirinha deu um sorriso amarelo.

-- Nem um beijinho de despedida? – Diana falou fazendo bico.

                Natalia depositou um beijo na bochecha dela e saiu do carro sem olhar para trás. As dúvidas, o ciúme, a insegurança e a raiva dissipadas pela surpresa que Diana fizera mais cedo, retornaram com toda intensidade da noite anterior, e foi pensando nisso que embarcou para sua cidade, na esperança de afastar por alguns momentos o pensamento de Diana.

*********

-- Mãe?

                Natalia entrou em sua casa, reconhecendo o cheiro inconfundível vindo da cozinha, de carne de panela da Mariêta, cozinheira da casa desde que Natalia ainda era criança.

-- Alguém em casa? Mari?

-- Natinha? Minha filha que saudade!

                A velha senhora negra, abraçou com ternura Natalia, que se emocionou com o carinho do gesto.

-- Onde estão todos dessa casa Mari?

-- Seu pai e sua mãe ainda não chegaram da loja, sua irmã saiu com as amigas, estão preparando uma matinê no ginásio da escola, seu irmão e a mulher foram levar o Paulinho ao médico. Estávamos esperando você só para mais tarde, veio mais cedo por quê?

-- Ah... Não teve todas as aulas, resolvi vir logo.

                Natalia disse, se sentando no balcão beliscando as panelas como era seu costume.

-- Não seria por que tem gente ficando mais velha hoje heim?

                Natalia fez sua cara de menina sapeca, franzindo o nariz, despertando o sorriso de Marieta.

-- Você lembrou Mari?

-- Claro! Olha ali o que preparei pra você.

                Marieta apontou com o queixo para a mesa, onde um bolo enorme coberto de chocolate estava exposto. Natalia vibrou, batendo palmas com os olhos brilhando.

-- Mari, eu vou tomar um banho, guardar minhas coisas, quando papai e mamãe chegarem, avisa que cheguei ta?


                Estar em casa novamente para Natalia lhe devolvia o mínimo de paz que precisava para afastar as dezenas de hipóteses que levantava sobre o comportamento de Diana longe dela em plena capital do carnaval. Os pais e irmãos fizeram festa quando a encontraram em casa, depois do jantar em família, dividiram o bolo preferido da aniversariante na sobremesa.

                Dona Fátima fez questão de avisar às amigas de Natalia sobre sua chegada, nem eram tantas, mas, as três amigas mais próximas da moça logo chegaram para festejar sua presença e seu aniversário. Apesar de se sentir amada e acolhida em lugar seguro e familiar, Natalia experimentava a sensação estranha de não estar inteira ali. O mês que passara em São Paulo fora tão intenso, como um curso intensivo sobre a vida e sobre ela mesma, uma guinada de 180°, não podia deixar de pensar se aquelas pessoas, agora tão claramente parte de outro mundo guardado em seu passado, aceitariam a Natalia que amadurecia e se descobria.

                O carinho da família, a alegria que seu sobrinho de dois anos lhe dava, e toda rotina inocente que as amigas narrava, distraía Natalia em alguns momentos, mas na maioria do tempo, seu pensamento voava até Salvador. Sem comunicação com Diana, uma vez que a operadora de seu celular não tinha sinal na sua cidade, o que lhe restava eram suas hipóteses que davam vida na sua imaginação, a cenas nas quais Diana nunca estava desacompanhada. Não tolerava sequer assistir o noticiário com flashes da folia de Salvador para não ser obrigada a incorporar mais adereços às cenas que criara.

                Na noite de domingo, depois de chegar da missa com sua família, Natalia recusou o convite para acompanhar os pais em um jantar em casa de amigos, preferiu se resignar sozinha em sua casa com a desculpa que precisava estudar. Em seu quarto, se perdeu nos próprios pensamentos fantasiosos, angustiados, imaginando Diana beijando outras mulheres, quando ouviu estalos vindos da janela da varanda. Estranhou, levantou e foi até a janela, abriu-a e qual não foi surpresa quando teve que se desviar de uma pequena pedra lançada contra a janela, era essa a origem do barulho. Entretanto, a surpresa maior Natalia teve quando viu quem atirava as tais pedrinhas, da janela viu a projeção dos seus pensamentos personificada, ali nos fundos da sua casa: Diana.

-- Joga as tranças Rapunzel!

                Diana disse com um sorriso moleque no rosto. Natalia completamente embasbacada abriu seu melhor sorriso, desejando se jogar daquela janela, direto nos braços de “seu príncipe".

-- O que você está fazendo aqui maluca? – Quase em tom de cochicho Natalia perguntou entre risos.

-- Vim passar o carnaval com minha namorada, será que ela me aceita?

                Natalia por pouco não se jogou janela a baixo. Ao invés disso sorriu para Diana e respondeu:

-- Só se você prometer que esse namoro não vai virar cinzas na quarta-feira.

-- Você tem minha palavra, agora preciso que você me resgate desse quintal, estou com medo de ser atacada por bichos selvagens...

                Era a Diana pela qual Natalia estava encantada: surpreendente, implicante, apaixonante. Não calculou a consequência daquela atitude impetuosa da agora oficial namorada, tudo que queria era abraçá-la para se assegurar que não era sonho aquele momento. Desceu as escadas às pressas, abriu a porta da cozinha e arrastou Diana pela mão até seu quarto, com passos silenciosos afim de não despertar Marieta de seu sono.

                Com o seu quarto trancado, Natalia segurou o rosto de Diana entre suas mãos, como se duvidasse do que seus olhos viam, precisava tocá-la, seus sentidos não podiam enganar assim. Diana fechou os olhos, se deliciando com o toque macio de Natalia.

-- Repete Di... Repete o que você veio fazer aqui.

                Natalia sussurrou roçando seus lábios no canto da boca de Diana.

-- Vim passar o carnaval com minha namorada...

                Diana respondeu, puxando Natalia pela cintura, colando seus corpos, tornando inevitável o encontro das bocas, o passeio das mãos, a consumação da paixão. Peça por peça das roupas foram retiradas sem pressa, em um momento raro e delicado, Natalia contemplou o corpo nu de Diana, sua pele alva devidamente eriçada pelo desejo emanado das esmeraldas cintilantes que eram os olhos de Natalia. Em outro momento incomum, Diana ficou tímida, ruborizou ainda mais quando ouviu Natalia atestar depois da contemplação:

-- Você é tão linda Di...

-- Nat...

                Natalia calou a boca da loirinha com seus dedos.

-- Não fala nada...

-- Vem me amar então...

                Diana tomou a boca de Natalia calmamente, como se desejasse enfeitiçá-la, dopá-la com a paixão que cada célula do seu corpo transmitia. Com as mãos Natalia percorreu o mesmo caminho já traçado pelos seus olhos, e depois sua boca seguiu os mesmos rastros, lambendo, sugando, beijando, selando o que as almas já sabiam: elas se pertenciam.

-- Nat você está me enlouquecendo...

                Em um tom lascivo Diana deixou escapar a ansiedade de ser tomada definitivamente por Natalia.

-- Paciência... Calma... É a primeira vez que estou fazendo amor com minha namorada.

                Natalia sussurrou enquanto buscava espaço entre as pernas de Diana que sorriu emendando em um beijo de concordância ao pedido da namorada. Encaixaram-se, os corpos e as vidas, os sentimentos e os desejos. Movimentaram-se em sintonia: sexos, sons, fluidos.

-- Minha namorada...

                Diana sussurrava em meio a sentenças sem sentido, o que aumentava a excitação de Natalia, foi a palavra de ordem para ambas se fundirem. Tocaram-se no ritmo que ditou-se pelas batidas dos corações e respirações aceleradas, preencheram-se com a plenitude que a natureza não ousaria contestar. O tremor dos corpos, os gemidos contidos por expressões do prazer inenarrável nas suas faces suadas anunciaram o ápice irrefreável, longo, avassalador.

-- Parece um sonho você aqui comigo.

                Natalia desabafou, repousando seu corpo nu sobre o corpo de Diana.

-- Quero estar nos seus sonhos e na sua vida real assim, pra sempre Nat.

                As palavras de Diana, por mais românticas que soassem, naquele momento se configuraram afrodisíacas. Natalia invadiu a boca de Diana com sua língua, ardendo em chamas. Beijos ávidos, lânguidos, precederam nova entrega dos corpos suplicantes por se possuírem outra vez. Inescapável, natural, necessário tal ato: se deram.

                Exausta, depois de horas de paixão, mesmo sem julgar necessário saber, por curiosidade ou vontade de ouvir o óbvio, Natalia perguntou:

-- O que houve pra você aparecer aqui? Como você me achou?

-- Meu coração me guiou...

                Natalia sorriu e beijou os lábios da namorada.

-- Adoro seu lado romântico, mas, e Salvador?

-- Estava tudo muito chato lá... Todos os rostos só me traziam uma imagem: você. Todas as músicas me lembravam você, ao invés de ficar delirando, vendo e ouvindo você em todos os lugares, correndo atrás de um trio elétrico, achei mais inteligente correr atrás de você, a original...

                O sorriso de Natalia poderia iluminar toda cidade depois de ouvir a declaração bem do jeito que só Diana conseguia fazer: displicente, mas, arrebatadora.

-- E como você me achou?

-- Deixei meu carro no posto de gasolina da cidade, achei que chamaria muita atenção... E vim perguntando onde era a casa do dono da única loja de material de construção da cidade... Cheguei à sua casa, e aí foi fácil achar sua janela, é a única que dá pro quintal da casa.


                A narrativa de Diana só fazia com que Natalia se rendesse ainda mais, percebendo que cada palavra que ela dizia, a loirinha guardava atenta, mais uma prova de que seus sentimentos eram sinceros.

-- O que você vai fazer comigo até o feriado acabar? Vai me esconder debaixo da cama ou vai me apresentar como sua namorada?

-- Será que você cabe no meu armário?

-- Ah não! Armário não!

                Natalia gargalhou.

-- Eu vou dar um jeito, não se preocupe, agora vem cá, por que vou te compensar por correr atrás dessa caipira aqui...

                Cheia de malicia Natalia avançou no corpo da namorada encerrando a noite amando-a outra vez, antes de dormirem apertadas naquela cama de solteiro, como se fossem uma só.


CAPITULO 28 - Persona Grata
*Pessoa bem-vinda
By Têmis

                Natalia despertou sentindo a dormência do braço, pelo peso do corpo de Diana sobre ele. Deliciosa sensação de descobrir que a noite anterior não fora sonho.

-- Di...

                Natalia tentou despertar carinhosamente sua namorada acariciando suas costas.

-- Já estou acordada boba... Estava aqui esperando o galo cantar, mas me decepcionei, que interior é esse que não tem galo?

                Natalia riu divertida.

-- Só você mesmo Di...

-- É tão bom acordar do seu lado... Melhor dizendo... Em cima de você.

-- Sou obrigada a afirmar que a recíproca é verdade absoluta. Mas, antes que eu acorde todos os meus desejos e te ame até a hora do almoço... Precisamos compor a história que vamos encenar para meus pais aceitarem sua presença aqui.

-- Adorei a opção de acordar seus desejos...

                Diana disse erguendo seu tronco, expondo seus seios aos olhos de Natalia que corresponderam ao teor libidinoso do momento.

-- Di... É sério... Daqui a pouco já estarão todos acordados e não vou ter como explicar você aqui... Essa hora só a Marieta está acordada, fica mais fácil você sair e voltar depois.

-- Minha namorada está me expulsando da sua cama? – Diana perguntou descendo com sua boca pelo pescoço de Natalia, despertando arrepios do corpo de ambas.

-- Nunca... Só quero garantir que você possa ficar nela todos os dias do carnaval que faltam.

-- Qual é seu plano infalível?

-- Vou dizer aos meus pais que uma colega de sala vem passar esses dois dias do feriado aqui, por que precisamos preparar um trabalho para apresentar, e como você ficou sozinha em São Paulo no feriado...

-- Você acha que quando eles olharem para mim, vão acreditar que dirigi horas da capital pra esse elo perdido pra estudar em pleno carnaval?

-- Por que não? Agora você tem que ir, pegar seu carro lá no posto, que a essa altura deve ter virado atração turística! Vai enrolar umas duas horas pela cidade, até chegar aqui, é o tempo que preciso para avisar aos meus pais sobre sua chegada.

-- O que farei por duas horas nessa cidade? Um safári?

-- Para de exagero! A gente está a poucas horas de São Paulo, não está na mata selvagem não!

-- Um elo perdido, parece entrei por um portal do túnel do tempo, nem meu celular pega aqui!

-- É justamente sua operadora que não pega aqui... Mas temos celulares aqui sim.

-- Então, como vou sair daqui donzela? Terei que pular pela janela?

-- Vou distrair a Marieta, pra você sair pelos fundos, em duas horas você volta, dessa vez, pela porta da frente ta?

                Com o coração saindo pela boca, esgueiraram-se pelos cômodos da casa, e como um meliante Diana escapou, depois de roubar um beijo de Natalia no quintal de casa.

-- Natinha? O que aconteceu?

                Natalia com os olhos esbugalhados, pálida demorou até se situar no tempo e no espaço e responder sem despertar suspeitas à velha empregada:

-- Aconteceu! Estou morrendo de fome Mari!

                Disfarçou, mas sabia que esse artifício era infalível com Marieta, a cozinheira adorava lhe preparar as guloseimas e pratos preferidos e logo a emoção do seu “crime” de ser mentora da fuga da doce invasora de sua casa foi substituída pelo ar familiar do café da manhã naquele feriado, com todos reunidos, a oportunidade para Natalia anunciar a visita que receberia.

-- Algum problema papai?

-- Claro que não filha, que bom que você já tem uma amiguinha lá na cidade.

                Intimamente Natalia ria do jeito inocente do pai se referir a Diana.

-- Ela deve chegar daqui a pouco, está vindo de carro.

                Agiu com naturalidade diante da família, pelo menos era o que Natalia acreditava estar fazendo, mas, sua ansiedade e alegria eram perceptíveis aos olhos de dona Fátima, sua mãe. Enquanto arrumavam o quarto de Natalia, para receber a visita, dona Fátima interpelou a filha:

-- Como é essa sua amiga filha?

-- Como assim mamãe?

-- Esse povo da capital é diferente de nós, como ela se comporta, o que ela gosta, essas coisas...

-- Ah mãezinha, não existe isso de gente da capital e gente do interior, a Diana é super tranqüila, a senhora vai gostar dela, por que essa preocupação?

-- Nada demais Natinha, só preciso saber do que ela gosta de comer, se é uma pessoa simples, afinal ela está vindo de carro, ela deve ter uma condição melhor de vida...

-- Ai mamãe! Que bobagem! A Diana é rica sim, mas nem por isso é esnobe, ela até trabalha lá em São Paulo.

-- Trabalha? Em que?

-- Ela é fotógrafa, e toca em festas também.

-- Toca em festas? Ela toca em orquestra de baile?

                Natalia revirou os olhos e esboçou um sorriso, imaginando a reação de Diana se ouvisse uma pergunta daquelas da sua mãe.

-- Não mãezinha, ela seleciona músicas pras pessoas dançarem em festas de aniversário, da faculdade, em boates...

-- Que trabalho estranho...

                Dona Fátima dobrava os lençóis com cuidado, caprichando nos detalhes como boa dona-de-casa. Ao ouvir a campainha da porta, Natalia não escondeu o sorriso e disparou para atender, voando pelas escadas. Entretanto, o senhor Álvaro foi mais rápido e abriu a porta para Diana.

-- Bom dia senhora Natalia está?

-- Você deve ser Diana não é? Entre moça! Já estávamos esperando você!

                O senhor Álvaro cumprimentou a visita com um aperto de mão forte, que fez Diana se balançar toda.

-- Seja bem-vinda.

-- Obrigada senhor.

                Natalia desceu as escadas finalmente para receber Diana. Os sorrisos não passariam despercebidos na denúncia do real sentimento entre as colegas de faculdade, se os pais de Natalia não fossem tão ingênuos a tais questões.

-- Oi Diana! Fez boa viagem?

-- Oi Natalia, a viagem foi tranqüila sim, obrigada por perguntar.

-- Vamos subir, pra acomodar suas coisas no meu quarto?

-- Ah claro, mas, o meu carro, tudo bem deixar aqui em frente?

-- Não tem problema moça, ninguém vai mexer no seu carro não, diferente da capital né?

                O sotaque do senhor Álvaro era ainda mais carregado que o de Natalia, o que provocava em Diana uma vontade incontrolável de rir.

-- Como minha filha não fez isso, eu mesma me apresento, sou Fátima, mãe da Diana, como vai minha filha?

-- Muito bem dona Fátima e a senhora?

                Diana estendeu a mão para cumprimentar a mulher formalmente, mas a mãe de Natalia a puxou para um caloroso abraço.

-- Que maravilha conhecer uma amiga da Natinha. Minha filha você não disse que sua amiga era tão bonita! Parece uma bonequinha de porcelana!

                Natalia sorriu concordando com a mãe, enquanto Diana corou as bochechas imediatamente.

-- Então vamos subir Di? Não se preocupe com seu carro, depois o papai dá um jeito de guardar na garagem.

-- Natinha, depois leve sua amiga pra conhecer a cidade! – O pai de Natalia disse.

-- Conhecer o que homem de Deus? A menina é da capital, o que ela teria para conhecer nesse fim de mundo?

-- O clube da cidade mulher! As paisagens, as serras são bonitas!

                Defendeu a cidade o senhor Álvaro, enquanto Diana segurava o riso.

-- Pode deixar paizinho, vou fazer um tour pela cidade com a Diana.

                Natalia beijou o rosto do pai com carinho, seguiu para seu quarto com Diana, trocando olhares e sorrisos cúmplices, as duas ansiavam estar de novo a sós.

-- E como se diz por aí: enfim sós!

                Diana disse, abraçando Natalia pela cintura, que a segurou pela nuca, puxando seu rosto até colarem seus lábios em um beijo cálido.

-- Então, você vai me mostrar as atrações dessa cidade?

-- Claro que sim!

                Natalia empurrou Diana contra sua cama, a loirinha caiu apoiada nos cotovelos, contemplando a namorada abrindo os botões da blusa, jogando a peça para Diana recolher. A loirinha era puro desejo, salivava qual pessoa faminta diante de um prato suculento. Natalia então caiu sobre o corpo quente de Diana, a loirinha tratou de se desfazer do sutiã da namorada, e mergulhar sua boca nos seios firmes e eriçados de Natalia que deixava escapar gemidos, enquanto mordia os próprios lábios.

-- Shi... Sem barulho... – Diana sussurrava.

                As mãos de Diana percorrendo a pele arrepiada de Natalia anunciavam a paixão que seguiria aquele momento, quando Natalia remexeu seus quadris, dopando a namorada de excitação. Envolvidas com o prazer que se desenhava nas suas faces, se sentiram sugadas para outra atmosfera, desencadeada com as batidas na porta:

-- Natinha? A mamãe falou que sua amiga chegou vocês estão aí? A Luana está aqui com a Karina.

                Era Vanessa, a irmã mais nova de Natalia. Em um único movimento, pôs se de pé, catando suas roupas pelo chão, enquanto Diana tentava se recompor, na medida do possível, porque seu corpo ainda estava quente, afim de disfarçar para a cunhada o que se passava ali.

-- Luna! Kaká, pensei que vocês iriam para Nova Orleanza hoje.

                As moças adentraram o quarto de Natália, visivelmente curiosas para conhecer a forasteira.

-- Ah desistimos, o Igor vai dormir lá, e você conhece meu pai, nunca deixaria que eu dormisse fora de casa, especialmente no carnaval. – Respondeu Karina.

-- Meninas, essa é minha amiga da faculdade, Diana. Di, essa é minha irmã Vanessa, e minhas amigas de infância: Karina e Luana.

                Vanessa foi a primeira a cumprimentar Diana, sem cerimônia deu dois beijos de comadre, demonstrando sua simpatia. As outras ficaram mais tímidas diante da moça da capital.

-- A Natinha disse que você tira fotos, é verdade? – Vanessa perguntou.

-- Sim, trabalho com fotografia sim, é minha paixão na verdade.

-- Eu quero ser modelo! Acha que levo jeito?

                A adolescente fez pose para Diana, como se colocasse pronta à avaliação da fotógrafa.

-- Bem... Precisaria ver como você se comporta diante das lentes... – Diana respondeu sem graça.

-- Van! Pára com isso menina!

                Natália repreendeu a irmã caçula, estranha reação enciumada, uma vez que Vanessa já exibia um corpo de mulher, e belíssimo. A menina mostrou sua face infantil mostrando a língua para a irmã.

-- Natinha, viemos buscar vocês para irmos ao vesperal no clube. – Karina disse.

-- Vesperal? Ai gente... – Natalia fez cara de desagrado.

-- Ai não faz essa cara! Você tem que ir, assim papai me deixa ir também! Você vai deixar sua amiga enfurnada com você dentro desse quarto em pleno carnaval?

                Na sua mente Natalia respondia “Esses são exatamente meus planos...”.

-- Vanessa, a Diana veio para estudarmos! Temos um trabalho complicadíssimo para apresentar logo após o carnaval.

-- Diana! Convença esse bicho do mato a sair de casa pelo amor de Deus!- Vanessa apelou.

-- Vamos Natinha, sabe quem vai estar lá? O Thiago!

                Luana tentou convencer a amiga, usando o rapaz como atrativo, entretanto, para Natália seria só mais um motivo para recusar o convite.

-- Quem é Thiago? – Diana se interessou.

-- É a paixão da Natinha! – Vanessa se antecipou em responder.

                Natalia ruborizou, olhando para Diana que lhe observava atenta.

-- Ah é? Paixão dela? Não me diga... – Diana comentou reflexiva.

-- Não tem nada de paixão! – Natalia tentou argumentar.

-- Ah está com vergonha de assumir pra Diana sua paixonite de infância? – Brincou Karina.

-- Ai que exagero Karina! – Natalia disfarçava o nervosismo.

-- Exagero nada! Aposto que se procurarmos nesse guarda-roupa a gente acha seus antigos diários cheios de poemas e declarações de amor pro Thiago!

                Karina rebateu, arrancando risos das demais, até de Diana, mas o sorriso da loirinha era diferente, enigmático, o que apavorou Natalia.

-- Era coisa de criança gente! O Thiago era o menino mais bonito do colégio, metade das meninas da cidade era apaixonada por ele. – Natalia se justificou.

-- Mas só você ficou com ele na formatura do terceiro ano!

-- Pois é, e depois ficaram de namoradinhos até ele se mudar para Campinas, não foi? – Vanessa provocou.

                As meninas riram com os olhos arregalados de Natalia engolindo o ar enquanto tentava concatenar uma sentença em sua defesa. Diana encerrou a questão sendo taxativa:

-- Pois bem, vamos para esse vesperal. Nem sei o que é isso, mas se é a atração no carnaval dessa cidade, vamos lá!

-- Muito bem Diana!

                Natalia empalideceu.

-- Mas, Diana, o nosso trabalho...

-- Fica pra amanhã, não vou perder a chance de conhecer o menino mais bonito da cidade, a sua paixão!

                O tom de brincadeira de Diana soava leve apenas para as meninas que ignoravam a relação das amigas de faculdade. Para Natália, a convicção de Diana para aceitar o convite das outras, chegou a lhe causar calafrios, imaginando a cena: reencontrar seu namoradinho com Diana, sua namorada ao seu lado.

                As meninas não saíram mais do quarto, emendando assuntos diversos, sabatinando Diana sobre fotografia, e sobre a rotina da cidade grande, a mais empolgada com a loirinha era Vanessa. A expressão desconfiada de Natalia não passou despercebida, e interpretada pelas amigas como nervosismo pelo reencontro com Thiago.

                Depois do almoço, no clima familiar que deixou Diana bastante à vontade, especialmente pela paparicação de Mariêta e a simpatia de dona Fátima, as moças seguiram para o clube da cidade no carro de Diana.

                O clima entre Diana e Natalia estava esquisito, não tiveram oportunidade de conversar a sós depois da fofoca adolescente. No clube, a típica festa do interior, onde todos se conhecem. As rodinhas separadas de moças e rapazes inspiravam risos em Diana que deixou escapar:

-- Os rapazes demoram muito tempo para vir cortejar as moças? Nesse clima fico esperando que a qualquer momento o Chico Bento chegue aqui limpando as botinas...

                As meninas não entenderam a piada de Diana, exceto Natalia que reconheceu o tom de zombaria tão peculiar da moça. E de repente, o cochicho das meninas e os olhares apontando para o centro do salão anunciaram a chegada de Thiago.

-- Maninha, olha lá! Nossa, ele está ainda mais gato! Imagina um doutor desses?

                A beleza do rapaz era mesmo incontestável, mas, comum. O estereótipo do “Mauricinho”, aguçado pelo suposto visual da cidade grande: no rosto óculos de sol da moda, trajando roupas de marca. Diana observou com atenção, olhos fixos no rapaz, mas não deixava de olhar Natalia com o rabo do olho.

                Natalia se sacudia impaciente, coçava o pescoço, passava as mãos pelos cabelos e teve o impulso de correr para longe quando as meninas ouriçadas avisaram:

-- Natinha ele te viu! Está vindo para cá!

                Thiago se aproximou esbanjando simpatia, cumprimentando Karina, Luana e Vanessa com dois beijinhos. Diante de Natalia o rapaz parou, colocou os óculos na cabeça para encarar os olhos verdes da antiga namoradinha.

-- Oi Natália.

-- Oi Thiago.

-- Muito bom te encontrar por aqui, sua mãe me disse que você está morando em São Paulo, e então, o Direito é tudo aquilo que você esperava?

-- Acho que até agora, com um mês de aula, o Direito é mais do que eu esperava.

-- Que bom! Estou muito satisfeito também com a Medicina, apesar de estar sem tempo para outra coisa que não seja estudar.

                Um silêncio rápido se instalou, pela timidez, e principalmente pela tensão de Natalia, imaginando o que se passava na cabeça de Diana.

-- Ah, deixa eu te apresentar Thiago, essa é Diana, uma amiga da faculdade.

                Diana cumprimentou o rapaz com toda sua simpatia, o que deixou Natalia ainda mais confusa e tensa.

-- Vocês estão bebendo alguma coisa? Ou querem beber alguma coisa? – O rapaz foi gentil.

-- Obrigada Thiago, mas não acho que aqui tenha algo forte o suficiente para minha necessidade.

                Diana respondeu dessa vez deixando claro seu desconforto.

-- E você Natalia?

-- Não, obrigada.

-- Preciso falar com uns amigos que não vi ainda depois que cheguei de Campinas, mas, volto pra te cobrar a dança que você ficou me devendo.

                O rapaz se afastou, e a essa altura, Vanessa, Karina e Luana já estavam no meio do salão dançando animadas. Finalmente as duas ficaram sozinhas.

-- Di, não existe nada entre eu e Thiago, eu juro!

-- Você nem sabe o que estou pensando.

-- Você está aí com essa cara, mal me olha, não é possível que você ache que sinto alguma coisa pelo Thiago!

-- Não é seu amor de infância? Um partidão!

-- Diana! Eu nem queria vir aqui!

-- Porque não? Medo de reencontrar o seu amor do interior?

-- Claro que não! Porque eu queria mesmo era estar fazendo amor com você no meu quarto!

-- Ah é? Então diz isso pra ele, ele está vindo de novo atrás de você.

                O rapaz voltou exibindo a mesma simpatia.

-- Sei que você adora essa música, vamos?

                Natalia emudeceu.

-- Não se preocupe comigo Natalia, pode ir, vou até o bar, quem sabe tenham um ponche com arsênico para vender.

                Diana saiu enquanto Thiago puxava Natalia para o salão. Obviamente os olhos de Natalia procuravam Diana todo tempo, enquanto o rapaz se insinuava claramente para ela.  Metade da música foi o tempo máximo que Natalia conseguiu suportar a agonia de ficar longe de Diana sabendo da chateação dela pela circunstância. Deu uma desculpa qualquer a Thiago e saiu a procura de sua namorada pelo clube que ironicamente parecia gigantesco na ânsia de logo achar Diana.

                Quase meia hora depois encontrou Diana sentada diante de um lago, que tinha como vista as serras que cercavam a cidade.

-- Diana estava louca te procurando!

-- Seu pai tem razão, a cidade tem paisagens lindas.

-- Tem, mas não vejo a menor graça nessa paisagem com você dando as costas para mim.

-- Já se acertou com seu namoradinho?

-- Como você pode dizer isso? Você é minha namorada, quero estar certa com você!

-- Será mesmo? Porque você foi dançar com ele então?

-- Porque sou uma idiota! Mas, você quer que eu volte lá e te apresente como minha namorada? Então vem.

                Natalia estendeu a mão para Diana.

-- Você sabe as consequências disso? – Diana perguntou.

-- Não. Mas, qualquer coisa é menor do que ler nos seus olhos a sua decepção comigo.

                Diana segurou a mão da namorada, e disse:

-- Vamos voltar pra casa, quero fazer amor com você agora.

CAPÍTULO 29 - Peculiarem locum
*Um lugar especial
By Têmis

Olharam-se fascinadas enquanto caminhavam de volta ao salão da festa.

-- Você teria mesmo coragem de me apresentar como sua namorada? – Diana perguntou tímida.

-- Se essa fosse a única forma de você acreditar em mim, sim, eu teria.

-- Bom saber disso, mas, por hoje você escapa desse desafio... Só não vai escapar de me tirar daqui para me deixar exausta de tanto fazer amor comigo...

A loirinha mordeu os lábios destilando puro desejo pelo olhar. Não foram para casa, Natalia deu uma desculpa às amigas e a irmã que levaria Diana ao hospital, por que a amiga não passava bem, logo retornaria para buscá-las no clube.

-- Aonde você vai me levar heim? – Diana perguntou entregando as chaves do carro a Natalia.

-- Ainda não estou acreditando que você vai me deixar dirigir essa máquina... – Natalia disse com os olhos brilhando conferindo o carro.

-- Ow! Você tem mesmo habilitação não é?

-- Claro que tenho!

-- Não me diz que você aprendeu a dirigir em um trator!

-- Para Diana!

-- Então, aonde vamos? – Diana perguntou entrando no carro.

-- Aprendi com uma pessoa, que ao fazer o convite a alguém, esse alguém tem que estar satisfeito pela minha companhia, não importando o destino.

-- Ah pentelha! Olha aí, usando minhas palavras contra minha pessoa!

Natalia gargalhou.

-- Você vai gostar.

Natalia deu partida no carro, depois de afagar a mão de namorada. Diana não parava de dar orientações, preocupada com a segurança do seu carro.

-- Olha o quebra-molas! Pra que tem um quebra-molas nessa cidade? Você dobrou e não deu sinal? E se viesse uma carroça desembestada atrás de nós e batesse na minha traseira?

Natalia optou por apenas sorrir para não se irritar com a namorada. Em pouco tempo, e depois de subir por uma rua íngreme, seguiu por uma estrada de terra, cercada por altas árvores que escureciam o caminho.

-- Seria um momento ruim para perguntar se minha namorada é uma serial killer que traz forasteiras para o mato e enterra seus corpos depois de matá-las?

-- Que absurdo Diana!

Natalia exclamou e continuou:

-- Não enterro os corpos, empalho todos e os guardo em um porão...

Diana arregalou os olhos, depois que Natalia fez uma curva repentina e freou bruscamente.

-- Agora, vamos a pé.

-- Ah! Não saio desse carro não!

Diana cruzou os braços, apreensiva. Natalia prendia o riso.

-- Diana, eu não acredito! Você está com medo de mim?

Diana ficou tímida, baixou os olhos.

-- Se você ficar aí, não vai saber o que vim te mostrar, e vai perder algo incrível!

Natalia apelou para a curiosidade da namorada, desceu do carro e caminhou lentamente, como se esperasse a decisão de Diana segui-la. Não demorou até a loirinha o fizesse.

-- Estou aqui, agora me diz, o que você vai fazer comigo? – Diana perguntou em tom de desafio.

-- Você se lembra de quando você se exibiu no sítio, escalando uma árvore, dizendo que a moça da cidade se dava bem no mato?

-- Claro que lembro.

-- Quero ver a garota da cidade se garantir nessa árvore aqui.

Natalia parou diante de uma árvore gigantesca, semelhante às outras, entretanto, através da sua copa uma fresta da luz do sol lhe destacava das demais.

-- Você quer me ver morta mesmo né? Olha a altura dessa árvore!

Diana disse indignada. Natalia olhou para o relógio, em seguida se desfez das sandálias, amarrou os cabelos e escalou na árvore, até atingir o alto dela através dos galhos.

-- E aí moça da cidade? Vai ficar só olhando?

Diana balançou a cabeça e perguntou:


-- Porque mesmo vale a pena eu arriscar a integridade do meu pescoço e fêmur pra te acompanhar nessa loucura? Você deve ter treinado a vida toda subindo em pau de sebo em festa junina pra ter aprendido a subir assim como subiu aí!

-- Tem gente que está com medooooo! – Natalia provocou.

Como menina tinhosa, Diana aceitou a provocação. Tirou o tênis, respirou fundo, e começou a sua escalada, sem sucesso, escorregou três vezes seguidas, o que despertou as risadas de Natália, e obviamente a fúria da loirinha também. Como se defendesse a própria honra Diana se sentiu motivada, mais que isso, obrigada a subir naquela árvore, agarrou-se com toda força que tinha quando mais uma vez os escorregões ameaçavam seu objetivo, até alcançar a namorada no galho forte no alto, se sentou ao lado de Natália praticamente cuspindo os pulmões.

-- Está tudo bem Di?

Natalia perguntou segurando o riso. Sem condições de verbalizar qualquer palavra Diana recuperava o fôlego e enxugava o suor que escorria pelo seu rosto ruborizado, apenas consentiu com a cabeça seu estado. Natalia esperou a namorada voltar ao seu estado normal para lhe falar:

-- Desde criança, eu escapava para cá quando queria me esconder, por ter cometido alguma travessura em casa, ou simplesmente quando não queria falar com ninguém. A casa dos meus avós fica aqui perto, então eu sempre fazia isso, até meu avô descobrir e me entregar pros meus pais, temendo que algum acidente grave me acontecesse...

-- Nat, desculpe-me, sei que deve ter um sentido muito lindo e profundo em você dividir esse lugar de refúgio comigo, mas, da próxima vez, você me fala isso lá em baixo?

Diana olhou apavorada para a altura que estavam. Natalia gargalhou e respondeu:

-- Trouxe você aqui por outro motivo sua boba e insensível! – Natalia brincou. – Um dos motivos que me fazia vir aqui, era ver o pôr-do-sol daqui de cima, sempre foi uma imagem que me marcou, era como se renovasse minhas esperanças e energias, não importava o quão grande fosse à encrenca que eu estava metida, assim como o sol se escondia pra descansar e nascer brilhante e forte no dia seguinte assim eu teria que agir, me escondia até tudo se acalmar para surgir de novo disposta a consertar tudo e me redimir.

-- Você sempre foi precoce? Uma criança filósofa? Sério? Você é chata desde pequenininha?

Diana implicou como consequência recebeu tapas no braço da namorada.

-- Eu só pensava que tudo ficaria bem quando eu via essa imagem, mais tarde quando as coisas se complicavam para mim, relembrava a imagem que me trazia essa sensação... A luz através dessas folhas, o tom, as cores... Como você é fascinada por isso, quis dividir com você essa paisagem.

Natalia apontou para o sol que se punha o céu vermelho por cima da serra, a luz entrecortada pelos galhos, e a postura contemplativa da moça era de longe, a imagem mais bonita que Diana poderia ter. Algumas mechas de cabelo soltas no rosto moreno de Natalia e um sorriso discreto na boca desenhada tendo como fundo aquele jogo de luzes e cores naturais foi a foto mais perfeita que a loirinha conseguiu captar na sua mente, ela sabia que tal fotografia a acompanharia para sempre, mesmo não podendo torná-la física, já que não estava com sua câmera ali.

Segundos depois de silêncio e contemplação, as namoradas se encararam, e selaram aquele momento com um beijo delicado.

-- Linda imagem, a mais linda de todas é essa que tenho agora... Você colada em meu rosto...

Diana sussurrou.

-- Melhor descermos daqui, eu acho que não consigo resistir a você por mais tempo... E amar você aqui de cima pode ser trágico...

Riram juntas.

Com a tarde indo embora, ainda sob a proteção da natureza tranquila, Natalia abriu a porta de trás do carro, e puxou o corpo de Diana sobre o seu enquanto se deitava no banco.

-- Nat... Aqui?

-- Quero você agora...

Não precisou repetir. Diana avançou em sua boca em um beijo faminto, com sua língua percorreu cada pedaço da pele de Natália que ia ficando desnudo pela pressa de suas mãos a despir. O desejo tórrido ditava a entrega de Natália às mãos e movimentos de Diana, que pedia espaço entre as pernas da namorada com sua coxa, encaixando-a na altura do seu clitóris, roçando no sexo de Natalia até sentir a umidade se configurar no prazer anunciado, se confirmando nos gemidos, e nas unhas sendo cravadas nas costas de Diana, quando esta finalmente penetrou seus dedos naquela cavidade encharcada e pulsante.

E quando Diana recostou seu rosto entre os seios de Natalia, foi a vez desta se deliciar em seu corpo de maneira livre, sem restrições. Sorriu satisfeita, quando deslizou seus dedos pela nuca e costas de Diana e viu sua pele eriçar, segurou então o rosto da namorada pelos cabelos, mordiscou seus lábios, lambeu seu pescoço, provocando-lhe até tomar sua boca com a voracidade de um felino algoz diante de sua presa. Diana não ofereceu resistência à sua predadora, entregou-se à sua boca derretendo-se na ânsia de ser devorada. E a boca de Natalia fez isso, devorou o corpo de Diana, as mãos foram coadjuvantes, mas conduziram o sexo de Diana até a língua de Natália, faminta por mergulhar naquele mar de prazer derramado entre as pernas da loirinha. Depositou ali sua boca, sugando, se deliciando, percorrendo com a língua toda extensão dos pequenos, grandes e apetitosos lábios, edemaciados pelo tesão incontido, pelo gozo liberado por gemidos que chegaram à proporção de um grito de êxtase totalmente justificado.
******

Os dias que restaram do feriado representaram uma árdua luta entre sensatez e o desejo insano despertado pela paixão, louca por ela mesma em seu conceito, tal sentimento por várias vezes colocou o jovem casal de meninas em risco, quando durante as refeições uniam as mãos por baixo da mesa ou roçavam os pés pelas pernas uma da outra. Outras vezes, a mão de Diana escapulia entre as coxas de Natalia, com afagos nada inocentes, provocando na namorada uma onda de calor que a obrigava a se retirar mais cedo da refeição com uma desculpa esfarrapada, para antecipar o momento de estar a sós de novo com Diana.

A família reagia inocente. Definitivamente eram incapazes de ver malícia na amizade entre a colega da capital e Natinha, menina estudiosa, exemplo de determinação na família. Diana facilmente agradou a todos, e já se dirigia aos sogros com o título de “tios”, para agradar a cunhada, gentilmente improvisou o “book” de Vanessa, o que fez a garota se tornar a presidente do seu fã clube oficial.

Na manhã de quarta-feira de cinzas, Diana e Natália retornaram a São Paulo, o namoro agora oficial para elas entraria em outra fase na qual, o segredo absoluto sobre o teor da relação delas precisava ser revisto. Seus olhares denunciavam muito mais, pareciam atraídos por alguma força mais potente do que a gravidade, esconder de Pedro e Lucas o que elas eram na verdade seria tarefa impossível, apesar de Diana relutar em tal decisão temendo as consequências.

7 comentários:

  1. Oh Deus, onde eu encontro o resto da primeira fase? D:
    já procurei e não achei =/

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  2. Aiai...maravilhoso como sempre essas duas juntas...D+,elas possuem uma 'quimíca' que poucas vezes eu 'vi' em protagonistas...enfim uma completa a outra!!!

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  3. Pow Valdeneide, tu sabe onde encontro o resto da primeira fase? se tem a segunda, tem q ter o resto da primeira em algum lugar D:
    no abc não é D:
    to aqui doidinha querendo ler =D

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  4. Respostas
    1. Olá Carla, você encontrou o restante da 1 fase?

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    2. olá, procure aqui mesmo no blog e achei! topico: 2011, depois clica em dez 29 e tem "Leis do Destino, 1ª Fase" aí já começa do 30

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