domingo, 2 de dezembro de 2012

Desilusão, desilusão, danço eu, dança você, na dança da solidão...

Dezembro chegou. Seria uma festa para nós em outras circunstâncias. Mas aquilo que parecia tão sólido e encantado se desfez diante de mim quando eu menos esperava, em um momento tão delicado, confuso e por si só doloroso.

Estou cansada do silêncio do meu celular, do silêncio das minhas noites e dos vazios dos meus dias, hoje regados a companhia de anti-depressivos, ansiolíticos e soníferos com seus coloridos pretos e vermelhos em um canto seguro para minhas angústias serem amenizadas.

Estou cansada da minha cama vazia, e seu cheiro entranhado nela e em mim, por tanto tempo juntas, nossos cheiros se confundem, a ponto de não encontrar um perfume que não me traga pra perto o aroma de sua pele na minha.

Estou cansada de vagar pelos cômodos da minha casa e rever nosso primeiro e último beijos. Reviver cada chegada, cada partida, cada aventura, cada madrugada de amor, cada riso de felicidade e emoção nas reconciliações.

Estou cansada de rever os presentes e dos momentos que eles representaram. Estou cansada de dormir sem te dar boa noite e não te acordar com meu bom dia. Estou cansada de não ter mais as piadas que só nós duas entendíamos, cansada de ter que abrir mão todos os dias de um sorriso dedicado a você quando meu pensamento viajava até o seu.

Estou cansada de não te mimar e não ter seu conforto e segurança do meu lado. Cansada de cultivar uma saudade de alguém que parece não existir mais, exceto nas minhas lembranças que cada vez mais se tornam ilusões ou desilusões, não sei mais se minha língua consegue descrever momento tão oscilante e surreal.

A sensatez me manda esquecer, me ensina sobre amor próprio, me impulsiona a entender o que é um fim. Mas o coração... Ah esse maldito e ridículo coração, esse definitivamente não colabora com a razão... E me traz todo dia, aquelas canções, que se tornaram nossas e as que não eram, agora passam a ser, porque ironicamente o destino se encarrega de esfregar nos meus ouvidos cada pedaço de nossa história e da minha dor nos mais diversos intérpretes no meu rádio.

Vejo você em cada carro igual ao seu passando perto de mim. Vejo você em cada lugar que passamos juntas, revivo tudo, com saudade e dor, num misto de revolta comigo mesma e uma decepção profunda por ainda estar guardando com um carinho involuntário o que sensatamente deveria deixar no passado no momento que sua boca proferiu: ACABOU.

Um verbo, uma ação: ACABAR. Acabou de fato. Acabou uma parte de mim, acabou o visgo de felicidade, acabou a inspiração de uma escritora amadora, acabou com sonhos, acabou com planos, acabou sobretudo com a melhor parte de mim que você descobriu  e levou junto com você. Acabar, sinônimo de egoísmo, covardia, desilusão. Mas quem ficou na solidão?

Solidão de não ter mais com quem dividir tudo...solidão que me deixa a cada dia mais vulnerável, você me disse"estarei sempre ao seu lado, você não está só" adivinha? Ilusão...

"Se ela me deixou a dor, a dor é só, não é de mais ninguém..."

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Desculpas

Minhas queridas leitoras,

Há tempos deveria ter deixado aqui alguma explicação sobre meu sumiço. Quem me acompanha, sabe que nunca deixo de dar notícias, explicar-me quando preciso me ausentar, hora pela correria do trabalho, hora por problemas de saúde.

Não é do meu feitio abandonar contos, romances os quais começo a escrever. Em minha mente tinha grandes planos para essa web serie, e já esboçava meu primeiro livro, que pretendia escrever até próximo ano, por que a escrita além de um hobby delicioso para mim, já fazia parte de mim, da minha essência, adorava viajar nas personagens, no mundo delas, colocar um pouco de minha vida e de mim mesma em cada fantasia que eu criava.

Não convém detalhar os motivos pelos quais sumi, nem tampouco quero fazê-lo nesse momento. Decidi hoje deixar para vocês um pedido de desculpas pela falta de notícia, causando preocupação e acho que decepção em algumas também.

Parei de escrever por uma sucessão de fatos que me abalaram. Postei apenas uma pequena nota no face ressaltando meus problemas pessoais que estavam me impedindo de escrever.

Colocava em cada linha da minha escrita, aquilo que o amor me inspirava, e gostava de compartilhar com vocês a visão romântica daquilo que eu acreditava. Entretanto, nesse momento ainda preciso de tempo para me refazer, para não imprimir à minha escrita uma carga de amargura, desesperança e dor. Se eu conseguisse escrever algo sensato do romance que postava atualmente, acreditem, seria um desastre literário...

Quem sabe um dia eu volte a escrever, se ainda existe uma escritora em mim, certamente ela vai ressurgir no tempo certo. Se isso não acontecer, agradeço de coração a todas vocês pelo carinho dedicado, preocupação, atenção e sobretudo lealdade.

Abraços,

Melissa Monteiro.



quarta-feira, 25 de julho de 2012

Beautiful Dangerous - Quarto episódio


EPISÓDIO 4 – O início da lista


        Praia de Ipanema, manhã de domingo.

-- Deixa, deixa é minha!

                Fernanda berrou antes de se jogar na areia para alcançar a bola e levantá-la para a parceira de jogo fazer o ponto.

-- Yes! Isso aí parceira!

                Fernanda cumprimentou a parceira de jogo com uma típica tapinha no bumbum pelo set point do jogo que lhes deu a vitória.

                Assistindo ao jogo estava Gisele. Atenta não só a habilidade de Fernanda como jogadora, mas principalmente a excelente forma da policial, com as suas formas maravilhosas naquela pele bronzeada incrivelmente sensual.

-- E aí? Gostou do jogo?

                Fernanda perguntou pegando a garrafa de água que Gisele lhe oferecia.

-- Muito...

                Gisele disse medindo Fernanda dos pés a cabeça mordendo os lábios. Os óculos de sol no rosto de Gisele impediam Fernanda de ver o olhar de cobiça da amiga, mas o tom a denunciava. A policial ignorou mudando de assunto:

-- E aí? Cadê sua hóspede indesejável?

-- Sei lá... Deve estar se afogando por aí só pra pegar algum salva-vidas... Ela não para quieta Nanda! Ela muda tudo de lugar, cumpre todas as minhas vontades, só que ao contrário sabe?

                Fernanda acenou em acordo sorrindo.

-- Claro que sei. Você não lembra o que ela fazia com nossos planos de final de semana? A Dulce tinha sempre que mudar nosso roteiro.

-- Ela é especialista em mudar rotinas!

                As duas riram concordando.

-- Você se lembra do final de semana que combinamos de pegar uma corzinha lá em casa na piscina quando meus pais viajaram? Era um programa tipo, só de nós três, foi um sacrifício meus pais deixarem eu ficar só em casa, só deixaram porque meu tio se prontificou de nos dar assistência lá, já que morava vizinho.

-- Claro que lembro Nanda! A Dulce convidou metade da escola, e quando a gente se deu conta, tinha virado uma festa e seu tio chegou lá com a polícia!

                As duas gargalharam.

-- Fiquei dois meses de castigo! – Fernanda disse gesticulando.

-- É, foi pouco tempo depois do acidente com a...

                As duas se encararam e Gisele se cortou. Silenciaram como se tocassem em um assunto proibido. Nesse momento Dulce se aproximava ofegante.

-- Ai, a gente devia ter deixado o carro mais perto Gi!

                Dulce disse cortando a respiração e tomando a garrafa de agua da mão de Fernanda.

-- Eu deixaria se você não tivesse se assanhado toda quando viu uma dúzia de par de coxas cabeludas jogando futebol. – Gisele disse indignada.

-- Ah, bando de homem fraco, com uma mulher dessas como eu qual a graça de correr atrás de uma bola? Era pra eu ter vindo pra cá...

                Dulce disse olhando para as colegas de jogo de Fernanda.

-- Ow Dulce! Quando é que você vai se decidir entre um pinto e uma perereca heim?!

                Fernanda disse dando uma tapinha no braço de Dulce, tomando de volta a garrafa de água.

-- Por que eu preciso decidir? São só duas opções Nanda, não é um self service de 100 sabores de sorvete. É como a casquinha do Mc Donalds, baunilha e chocolate, escolho misto!

                Foi inevitável para Gisele rir.

-- É mesmo a confusão em pessoa... – Fernanda disse balançando a cabeça negativamente. – Vou dar um mergulho, alguém me acompanha?

                As amigas recusaram o convite. Fernanda deu de ombros, tirou o microshort que usava como saída de banho, exibindo o biquíni minúsculo e andou graciosa em direção ao mar, sob o olhar atento das amigas.

-- Eu toparia... Encararia tranquilamente... – Dulce disse se abanando.

-- O mergulho no mar? Então vai Dulce!

-- Que mané mergulho! Estou falando da Nanda!

-- Da da da Nanda?!

-- Que que é? Acha que só você pode?!

-- Eu?! Você está louca Dulce? O que tinha nessa água que você bebeu?

-- Ah pra cima de mim Gisele? Você pensa que não sei o que vocês faziam naquelas aulas de reforço de biologia?!

-- Estudávamos oras!

-- Sei... Anatomia feminina né?

                Nervosa e ruborizada, Gisele balançava a perna negando a insinuação da amiga.

-- Não sei de onde você tirou isso!

-- Ah fala sério! Vocês chegavam no dia seguinte com chupões no pescoço, arranhões... Com cada desculpa esfarrapada...

-- A gente tinha quatorze anos Dulce, a gente só treinava beijo pra não fazer feio com os meninos!

-- Sei...

                Dulce encarou Gisele com um olhar irônico. Fernanda voltou do mar ainda mais sexy com as gotas de água escorrendo por sua pele.

-- Está quente mesmo hoje né gente?!

                Dulce disse secando a morena com os olhos.

-- Uhum... – Gisele concordou automaticamente.

-- Deviam dar um mergulho, a água está uma delícia.

-- Delícia mesmo... – Dulce disse observando Fernanda se vestir. – Quer dizer, parece estar uma delicia mesmo, assim, olhando... Verde...

                Gisele escondeu o riso.

-- Então gente, vamos almoçar? Tem um restaurante aqui perto que tem um peixe com molho de camarão fantástico! – Dulce disse.

-- Não vai dá gente, almoço em família hoje. Aniversário da vovó, eu não posso faltar. – Fernanda disse.

-- Ain! Aniversário da vó Mercedez? – Dulce perguntou.

-- É sim.

-- Nanda me leva! Sua mãe vai fazer aquela paella não vai? – Dulce falou melosa.

-- Com certeza! – Fernanda respondeu sacudindo as pontas dos cabelos molhados.

-- Ain... Nanda me leva! – Dulce insistiu.

-- Imagina se vou levar você para o meu resto de domingo sossegado!

-- Nanda você não está entendendo! Eu sonho com essa paella todos esses anos... Já provei tantas, mas nenhuma se compara com a da sua mãe, eu imploro me leva!

                Dulce se ajoelhou diante de Fernanda dramatizando.

-- Levanta daí Dulce, deixa de palhaçada! – Fernanda disse.

-- Não levanto enquanto você não me disser que vai me levar. Minha boca já está salivando imaginando aquele sabor...

                Fernanda puxou a amiga pelo braço e disse:

-- Tá! Eu levo!

-- Oba! Tá vendo como meu drama funciona?

                Dulce saltou, deu um beijo no rosto de Fernanda e piscou o olho para Gisele.

-- É muito besta mesmo! Eu teria te levado de qualquer jeito bobona! Minha mãe pediu que chamasse vocês.

-- Ah é? Por que você disse que não ia me levar então?

-- Só pra ver seu draminha, além do mais era uma fantasia minha, te ver ajoelhada diante de mim...

                Fernanda disse faceira, caminhando em direção ao carro e não ouviu o que Dulce deixou escapar, só Gisele escutou:

-- Minha fantasia também me inclui de joelhos diante de você, mas fazendo coisa bem mais interessante...

                Gisele arregalou os olhos.

-- O que foi que você disse Dulcinha?

-- Só disse que estou com água na boca! De imaginar minha fantasia se realizando... – Dulce cochichou a segunda frase.

-- Dulce! – Gisele repreendeu.

                Dulce ignorou a repreensão da amiga, feliz com o resultado de sua provocação, Gisele estava com as bochechas rosadas e o colo igualmente ruborizado, sinal de que estava nervosa.

-- Gi, não vai fazer xixi agora tá?

                Gisele dessa vez estapeou a amiga que saiu correndo.

*********


-- Nandita! Entre minha querida, dá cá um beijo na sua velha!

                Dona Mercedez, a aniversariante recepcionou a neta e as amigas.

-- Oi vozinha! Parabéns!  Trouxe isso para você – Fernanda entregou o embrulho de presente – Lembra se das minhas amigas do colégio? Dulce e Gisele.

-- Oi Dona Mercedez, parabéns!

                As duas amigas disseram juntas abraçando a senhora simpática.

-- Finalmente chegou heim Belita!

                A mãe de Fernanda, uma senhora de seios fartos, ancas largas, e um rosto belíssimo, se aproximava berrando.

-- Mãe! Não me chame por esse nome!

-- É seu primeiro nome! Belíssimo por sinal!

                Agustina disse abraçando a filha.

-- Tão belo como você. Mas que roupas são essas? Cheia de areia... Belita vá tomar um banho agora mesmo!

-- Mãe! Belita parece nome de cadela poodle!

-- Passa pro banho já!

-- Olha aí, até a senhora está me dando comandos de cachorro! – Fernanda protestou.

-- Belita não discuta comigo! Esse nome foi seu avô que te deu!

-- Foi por isso que a senhora o matou né vozinha? – Fernanda brincou.

                Dona Mercedez gargalhou.
-- Para de falar asneira menina! Vá tomar um banho e vestir uma roupa decente! Deixe-me falar com essas meninas lindas, como vão meninas?

                Agustina abraçou com ternura Dulce e Gisele enquanto Fernanda subia as escadas sob protestos.

                A família de Fernanda era de ascendência espanhola, como a maioria dos imigrantes europeus no Brasil chegou fugindo da miséria causada pela segunda Guerra Mundial. Construíram seu patrimônio que não era grande com muito esforço e trabalho. Não eram ricos, mas, gozavam de uma vida razoável.

 A casa espaçosa na zona norte do Rio, era a mesma da infância de Fernanda, lugar bastante conhecido tanto de Dulce, como de Gisele. Como era a casa mais próxima do Colégio Nossa Senhora das Graças, era sempre a mais visitada entre as amigas.

Cerca de meia hora depois de subir ao seu antigo quarto, Fernanda retornou usando um vestido estampado, pelo tamanho que estava em seu corpo, certamente era da sua adolescência.

-- Que hermosa! - Dona Mercedez disse ao ver a neta.

-- Mãe tá faltando uns vinte centímetros de pano nesse vestido!

                Fernanda reclamou puxando o vestido para baixo.

-- Belita se você puxar mais, vai mostrar os peitos!

                Agustina exortou trincando os dentes, disfarçando com um sorriso. As amigas de Fernanda não esconderam como se divertiam com a situação.

-- Vou servir o almoço, venham meninas! - Agustina convidou.

-- Está uma gracinha com esse vestido Belita! – Dulce provocou.

                Fernanda praticamente rosnou para a amiga. Gisele ao contrário não zombou do vestido juvenil e romântico da morena, esticou os olhos e conferiu as pernas torneadas da policial e suspirou.

                Depois do almoço, o qual Dulce se esbaldou, acomodaram-se no deck.

-- E vocês meninas? Casaram? Trabalham em que? – Agustina perguntou.

-- Sou jornalista. – Dulce foi a primeira a responder.

-- Eu sou... Trabalho em uma editora de livros. – Gisele foi evasiva.

-- Trabalhos sem risco, tranquilos, de moças estudadas. – Agustina alfinetou.

-- Mãe fala logo o que a senhora quer falar, vamo lá, fala! – Fernanda bufou.

-- Não estou querendo dizer nada Belita... Só estou comentando que suas amigas estão seguindo a carreira que começaram a construir em uma faculdade, só isso...

-- Mãe eu também estou seguindo minha carreira da faculdade!

-- Correndo atrás de bandido na rua? Minha filha não é bem isso que um advogado faz!

-- Você é advogada?! – Dulce perguntou surpresa.

-- Não, eu me formei em direito, tirei OAB, mas sou policial... – Fernanda retrucou. – Mãe, uso meu bacharelado na minha profissão, é bastante útil, também estou fazendo carreira. Quando a senhora vai entender isso? Nunca pensei em ser uma advogada almofadinha usando terninho risca de giz falando rebuscado num tribunal defendendo bandidos e safados! Minha intenção sempre seguir carreira na polícia.

-- Isso é verdade. Ela falava isso desde criança. Disse que ia ser a melhor policial de todas, e ela é – Gisele lembrou orgulhosa. – A senhora devia se orgulhar dela tia Agustina.

                Fernanda sorriu discretamente para Gisele em agradecimento.

-- Veja, não é que eu não me orgulhe da minha filha, ela é corajosa, destemida, sei que ela é muito boa no que faz. Mas meu coração de mãe sofre! Fico com o peito apertado quando assisto o noticiário anunciando troca de tiros entre policiais... Justo em uma cidade com Rio de Janeiro, todo dia morre alguém da polícia! – Agustina desabafou.

-- Mãe, eu já expliquei pra senhora. Sou uma investigadora, meu trabalho não é como um policial militar que fica nas ruas fazendo segurança... Claro que eventualmente persigo algum criminoso, alguns reagem à prisão, mas isso não é uma rotina...

-- Mesmo assim Belita! É arriscado!

                Agustina disse nervosa com os olhos marejados. Nesse momento, Dona Mercedez se aproximou dizendo:

-- Depois reclama que a menina não aparece aqui. Fica nessa choradeira sempre!

-- Ah mamacita! A senhora nem venha, sei que a senhora vive angustiada como eu! Quase põe fogo na casa todo dia acendendo uma caixa de vela pra tudo que é santo! Pensa que não escuto suas orações?

                Fernanda riu com as amigas.

-- E você devia fazer o mesmo! Rezar e só!

                Dona Mercedez afagou o ombro da filha depois sentou-se ao lado de Fernanda.

-- Nós temos muito orgulho da policial, da mulher que você se tornou minha querida, estamos sempre aqui rezando e torcendo por você. Mas, não nos maltrate tanto! Apareça aqui de vez em quando pra visitar essas duas velhas viúvas que te amam tanto!

                Fernanda deu um beijo no rosto da avó e sorriu.

-- Tá bom abuela...

                Fernanda ainda segurou a mão de Agustina e disse:

-- Eu sei me cuidar mãe, não sofra tanto tá?

*********

                Da sua mesa, Fernanda observou Leticia saindo da sala de Wellington. Ferreira observando a mesma cena se aproximou comentando:

-- O delegado parece que se deu bem heim? Aliás, muito bem! Que gostosa que é essa doutora!

                Fernanda olhou para o colega com reprovação.

-- Ah qualé Garcia? Vai dizer que ela não é gostosa?

-- Vou dizer nada! Que tal parar de falar asneira e trabalhar? Fez o que pedi? Cruzou os dados da lista que te dei com fichas policiais?

-- Que humor heim?! Mas sim, fiz o que você me pediu. Mas daquela lista apenas cinco são fichados, delitos menores, nada sério.

-- É pode onde vamos começar.

-- Sessenta e cinco suspeitos é uma lista considerável... Você acha que conseguimos averiguar essa lista toda em quanto tempo? Tem cidades de todo estado aqui. 

-- É... Não será tarefa fácil, se tivermos sorte, eles vão colaborar nos fornecendo amostra por livre e espontânea vontade, se não, vai ser um trabalho de cão conseguir isso de outra forma!

-- Se pudermos filtrar mais essa lista, é melhor. – Ferreira comentou.

-- Também estou pensando nisso, especialmente porque esse casos notificados são só do Rio de Janeiro, e se o cara morava em outro estado quando contraiu essa doença?

-- Aí o caso foi notificado em outro estado né?

-- Hurrum... Vou conversar com a doutora Letícia e com a Gisele, quem sabe elas consigam descobrir mais elementos que nos ajudem a diminuir essa lista.

********

                Fernanda encontrou Leticia em sua sala, concentrada, mexendo em seu laptop.

-- Doutora Letícia? Posso entrar?

-- Oh!  Entre, por favor, investigadora.

-- Estou atrapalhando algo?

-- Nada que não possa esperar. Só terminando um artigo para publicar. Entre, sente-se, por favor.


                Fernanda aceitou o convite e se sentou diante da mesa de Leticia. O simples fato de estar perto da legista mexia com os sentidos da policial. O perfume doce da ruiva atiçava a vontade de estar mais próxima, aumentava a temperatura da sua pele, a visão dos traços delicados e gestos elegantes da médica despertava o descompasso do coração da morena, as mãos suavam até mesmo o tom da voz da ruiva, desestruturava Fernanda.


-- Então... O que a traz aqui agente Garcia?


                O efeito de Fernanda em Leticia não era diferente. Aquela tempestade de manifestações estranhas do seu corpo e pensamento era completamente nova para a legista.   Algumas delas ela não podia controlar: seu rosto corava, seus olhos brilhavam, a respiração acelerava. Aquela inquietude trazia para a vida de Leticia uma situação inédita, pela primeira vez, ela não tinha explicação para as reações que experimentava desde que conhecera Fernanda.

-- Agente Garcia?

                Letícia insistiu arrancando Fernanda da distração.

-- Ah! Oi, desculpa. Estou tentando diminuir aquela lista de suspeitos, vim pedir ajuda, de repente tem algo que você tenha notado... Enfim, algo que filtre um pouco mais esses resultados... Por que enquanto nós procuramos suspeitos, o assassino pode agir de novo, tempo é fundamental nesses casos...

-- Entendo. – Letícia respondeu pensativa.

-- Além do mais, são muitas amostras para coletar, contar com a boa vontade das pessoas...

-- É verdade, ninguém é obrigado a fornecer provas contra si mesmo não é?

-- É...

-- Agente Garcia, eu vou reler o laudo, rever o vídeo, se eu notar algo novo te digo.

-- Vou falar com a Gisele também. Ela ofereceu uma espécie de consultoria para traçar o perfil do assassino já que ele está se inspirando nos livros dela...

-- Ah! É uma boa ideia. Que gentil da parte dela se oferecer para isso.

                Fernanda concordou com um sorriso.

-- Amizades assim são raras, depois de tantos anos, vocês continuam tão íntimas, a Gisele parece confiar em você incondicionalmente.

-- É... Nem imaginava reencontrá-las, ainda mais nessa situação... Nós quatro fizemos mil planos de irmos até pra faculdade juntas, mas acabou que nos separamos bem antes disso...

-- Quatro?

                Antes que Fernanda explicasse, Wellington entrou na sala.

-- Com licença doutora. Garcia? Mudou de setor agora? Vive importunando a doutora Leticia agora?!

                Fernanda se preparava para responder a provocação do delegado quando Leticia interferiu:

-- A investigadora Garcia não me importuna, estávamos trabalhando delegado. Duas cabeças pensando juntas pensam melhor do que apenas uma, é como diz o dito popular.

-- Qualquer coisa que descobrir me avise doutora, por favor.


                Fernanda disse se levantando, em direção a porta, passou por Wellington. Como um cão aguçando o faro, aproximou o nariz do chefe e fez uma careta.

-- Credo delegado que perfume é esse? Enxofre com suor de gambá?!

-- Você é uma ignorante até no olfato! Saiba que esse perfume é francês!

-- Só se for o francês de um camelô lá do Saara!


                Leticia segurou o riso olhando para a careta de Fernanda. Wellington constrangido mudou de assunto para fugir da zombaria da policial:

-- Doutora eu vim convidá-la para almoçar. Inaugurou um restaurante italiano aqui perto, e pensei que pudéssemos experimentar. Que tal?


                Fernanda profundamente incomodada com o cerco do delegado à médica baixou os olhos, colocou as mãos no bolso da frente da calça como se quisesse ficar invisível. Letícia nada à vontade com a situação sem graça respondeu:

 – É... Eu estou com muito trabalho aqui, acho que não conseguirei nem almoçar hoje.

-- Que é isso doutora? Ficar sem almoçar? Como médica a senhora sabe que isso não está certo!

-- Vou comer uma salada que trouxe daqui a pouco. Obrigada delegado.

                Decepcionado, Wellington saiu da sala. Tentando disfarçar a satisfação pela recusa de Letícia, Fernanda brincou:

-- Ia sugerir que você exigisse que ele tomasse banho antes de sair com você...

                Letícia deixou um sorriso escapar.

-- Você acha mesmo que eu aceitaria almoçar ao lado dele?


                Fernanda balançou a cabeça negativamente sorrindo.

-- Vou deixar você trabalhar então.

                Trocaram um sorriso quase tímido sem esconder o brilho diferente no olhar uma da outra.
******

                Carol surpreendeu Fernanda no elevador. Outra vez, a policial carregava sacolas com comida.

-- Giullianos?  Você comprou comida no restaurante italiano novo?!

-- O que tem?

-- Nanda você almoça um PF de oito reais na padaria do portuga! E por que você está trazendo pra cá? E a cantina agora é no quinto andar?

                Carol encheu a amiga de perguntas.

-- Ai! Que interrogatório é esse? Coisa mais chata!

-- Nanda você está levando almoço pra doutora né? – Carol perguntou segurando o riso.

-- Não enche Carol!

                Fernanda disse saindo do elevador.

-- Investindo heim? Do dogão do Aguiar pro Giulianos...

                A policial fez um gesto qualquer aborrecido e caminhou em direção a sala de Leticia.

-- Doutora? Desculpe-me interromper de novo, mas ouvi você comentando que estava com muito trabalho e que não teria tempo de almoçar... Trouxe algo para você comer.

-- Aquele cachorro quente? Jura? Estava desejando um...

-- Ops...

                Fernanda apertou um dos olhos e disse para decepção da médica:

-- Na verdade é algo um pouco mais sofisticado...

-- Oh... – Letícia suspirou frustrada.

-- Ouvi o delegado falando do restaurante italiano e... Achei que te devia uma refeição decente, já que te fiz comer aquela gororoba em forma de hot dog...


                Fernanda disse acomodando as sacolas sobre a mesa de centro. Leticia se aproximou retrucando:

-- Aquela gororoba como você fala, foi uma das refeições mais saborosas que já fiz em toda minha vida.

                Fernanda sorriu sincera.

-- Duvido que essa sofisticação do restaurante que o delegado sugeriu supere o dogão do Aguiar, mas, deve servir para matar a fome, mais do que uma saladinha sem graça que você trouxe de casa não é?

                Leticia sentou-se ao lado de Fernanda sorrindo.

-- Agente Garcia, você está me acostumando mal...

-- Não se acostume! Não sou sempre tão prestativa não...

               
                Letícia serviu-se da massa trazida por Fernanda.

-- Hum... Quatro queijos?

-- Não gosta? – Fernanda indagou temerosa.

-- Imagina! Adoro! Sou uma apaixonada por queijos e vinhos.

-- Bom saber...

                Fernanda deixou escapar, depois provou do seu prato. O molho ao sugo do macarrão espalhou-se além do canto da boca da morena, e foi a vez de Leticia rir da lambança feita pela policial.

-- Deixe-me limpar isso...

                Com delicadeza Leticia alcançou o guardanapo e limpou a boca de Fernanda. Os olhos se encontraram naquele gesto, e pareceram se iluminar imediatamente. Durante alguns segundos ficaram presas pelos olhos, sem conseguirem se desviar como se estivessem inevitavelmente unidas por um campo magnético indestrutível.


-- Já está limpo... – Letícia quase sussurrou.

-- Obrigada.

                Fernanda respondeu tímida. Conversaram amenidades durante o resto da refeição, trocando olhares de encantamento.

-- Eu preciso ir, verificar aquela lista de suspeitos...

-- Ah sim, claro. Não me esqueci do que você me pediu, assim que descobrir algo te comunico.

-- Obrigada doutora.

-- Letícia.

-- Isso, doutora Letícia.

-- Não... Eu quis dizer que... Basta me chamar de Letícia.

-- Ah! – Fernanda sorriu. – Tudo bem Letícia.

                As duas sorriram.

-- Então, vou indo...

                Fernanda caminhou de costas em direção a porta, como se quisesse retardar o máximo o final daquele encontro. Bateu as costas na maçaneta da porta, despertando um riso discreto de Letícia.

**************
                A busca pelas amostras de DNA dos suspeitos começou bem mais difícil do que os investigadores calculavam. Naquela tarde, Fernanda e Beto perseguiram no morro da Mangueira um dos suspeitos que reagiu a abordagem dos policiais, uma vez que era fichado por tráfico de drogas.

                Fernanda conseguiu prendê-lo, mas para isso, saltou de uma laje, e na queda sofreu além muitas escoriações, um grande corte na testa. A policial chegou ao departamento coberta de sangue, usando seu casaco para estancar o sangue no corte, enquanto Beto arrastava o suspeito algemado.

-- Mas que diabos foi isso? Garcia você está ferida?! Por que não está no hospital?! – Wellington perguntou em tom de exortação.

-- Um arranhãozinho de nada chefe, fica frio.

-- Você está banhada de sangue Garcia! Vá cuidar desse corte agora!

-- Ow raça mole é homem viu! Não pode ver um sanguezinho e fica aí dando xilique. Já disse não é nada demais, é jogar uma água e colocar um band-aid e pronto!

-- Garcia sem papo! É uma ordem! Não quero processo disciplinar contra mim depois!

-- Eu tenho um preso para interrogar!

-- Não, você tem uma cabeça pra costurar! O Beto cuida do preso!

                A discussão do delegado com Fernanda só cessou com a chegada de Leticia.

-- Fernanda! O que houve? Você foi ferida?! – A médica perguntou angustiada.

-- Só um cortezinho de nada doutora, nada demais.

-- Deixe-me ver isso... Ups... Isso precisa ser suturado... Vamos, vamos para o laboratório, tenho material lá, vamos dar um jeito nisso.

-- Não é necessário...

-- Garcia!

                Wellington bradou. Como criança contrariada, Fernanda bateu os pés e saiu irritada em direção ao elevador, sendo seguida por Letícia.

********

-- Nossa, isso está feio... De que altura você caiu?

-- Ah foi de uma laje, sei lá, uns quatro metros... Nada demais... Aii!

-- Desculpe, mas tenho que limpar primeiro...

                Fernanda fazia caretas de dor e gemia a cada vez que Leticia passava a compressa de gaze pelos ferimentos. A médica se aproximou com uma seringa para a surpresa e pavor da policial que saltou do banco imediatamente.

-- Ei! O que é isso aí? Injeção?! Não mesmo! Tô fora!

-- Mas... Fernanda eu preciso anestesiar você! Ou você prefere que eu costure sua testa sem anestesia?

-- E por que precisa usar anestesia assim numa injeção?! Use uma pomadinha!

                Fernanda se esquivava, enquanto Leticia sorria incrédula.

-- Pomadinha? Eu preciso suturar várias camadas da sua pele, uma pomadinha não ia adiantar nada. Eu não estou acreditando nisso. Uma mulher desse tamanho, que se joga de uma laje pra prender bandido está com medo de uma agulhinha!

-- Agulhinha nada! Olha o tamanho aí! Isso dá pra perfurar um cérebro!

-- Agente Garcia não me faça correr atrás de você!

                Letícia mudou o tom de voz franzindo o cenho, mas isso só amedrontou ainda mais Fernanda que correu, mas foi barrada por Gisele que entrava no laboratório.

-- Opa! Está com pressa Nanda?

-- Segura ela!

                Leticia berrou segurando a seringa.

-- Ow ow... Eu já vi essa cena... Fernanda correndo, uma seringa atrás...

                Gisele deixou escapar sem dar espaço para Fernanda passar.

-- Sai da frente Gisele! – Fernanda tentava empurrar a amiga.

-- O que está acontecendo doutora? Isso é sangue na sua roupa Nanda?!

-- Estou tentando dar uns pontos nesse corte aí, mas ela correu quando viu a agulha da anestesia!

-- Fernanda Garcia! Tenha vergonha! – Gisele exortou.

-- Sai da frente Gisele, ou eu te derrubo!

                Fernanda falou grosso, quando finalmente conseguiu empurrar Gisele e correr, tropeçou no pé de Dulce que estava à espreita quando percebeu a movimentação levando Fernanda ao chão. Imediatamente rendeu a policial aplicando uma chave de braço e disse:

-- Vai doutora, aplica logo!

                Um tanto quanto assustada, Leticia aplicou a anestesia no local da sutura sob os protestos de Fernanda.

-- Dulce você me paga essa!

-- Você me ameaça desde a segunda série! Mas sempre deu certo meu golpe! Em todas as campanhas de vacinação! Sou pequena, mas tenho braços fortes...


                Dulce se vangloriou exibindo seus pequenos bíceps, enquanto Leticia ajudava Fernanda a se sentar na poltrona.

-- Você é muito forte e habilidosa mesmo Dulce, surpreendente... – Letícia comentou.

-- Posso surpreender muito mais doutora...

                Dulce fez charme, enquanto Fernanda praticamente rosnou para a jornalista com o olhar. Nervosa com o tom de flerte de Dulce, Leticia espetou a agulha em um ponto não anestesiado.

-- Ai doutora! – Fernanda reclamou- Posso saber o que vocês duas estão fazendo aqui? – Fernanda indagou.

-- Viemos falar com você. Pensamos em algo que pode ajudar no caso. – Gisele respondeu.

-- O que? Fala Gisele!

-- Percebemos que o assassino tem seguido o padrão de tempo de uma vítima para outra. Da primeira para a segunda vítima foram dez dias. Já se passou uma semana da morte da segunda vítima, isso nos leva a supor que ele está se preparando para o terceiro crime que deve ocorrer daqui a três semanas. – Dulce resumiu.

-- Se esse doido está imitando seu livro, temos três semanas para encontra-lo, legal, mas isso não nos ajuda muito. Ai Leticia! – Fernanda gemeu.


-- Desculpe-me. – Leticia fez uma carinha de culpa.

-- Nanda pode ajudar, se considerarmos que ele utilizará o mesmo método para matar a terceira vítima. – Gisele completou.

-- Então nós temos que torcer para ele seguir o padrão do livro, esperar ele fazer uma terceira vítima?- Fernanda ironizou.

-- Você precisa ler meu livro Nanda... Claro que não estou falando de esperar passivamente a morte de outra mulher! Mas, se sabemos como ele vai matar, sabemos que ele está se preparando, sabemos que arma ele vai usar, que cenário ele vai precisar para imitar o livro. – Gisele explicou.

-- Continue...

                Fernanda escutava atenta, enquanto Leticia continuava a suturar sua testa.

-- No meu livro, a terceira vítima foi afogada na banheira de um motel.

-- Ah ótimo! Quase não temos motel no Rio de Janeiro, vai ser fácil... No dia 14 do próximo mês montamos guarda em todos os quartos com banheira dos motéis do estado. – Fernanda foi sarcástica.

-- Até agora vocês não atentaram para um detalhe... – Dulce interrompeu – As drogas que ele utiliza para dopar as vítimas são de uso restrito, controlado. Podem investigar os meios lícitos para consegui-las, quem as comprou no último mês, ou se algum funcionário que tem acesso a essas drogas se encaixa no perfil que vocês já tem.

-- Isso é como procurar agulha no palheiro... Não é uma droga tão incomum, em qualquer posto de saúde ou hospital pode ser encontrada, pelo menos o diazepan injetável sim. – Letícia comentou.

-- É outro caminho que podemos seguir doutora. Não vai ser difícil identificar se algum funcionário de hospital ou unidade de saúde tem esse tipo de deficiência na mão. Quem sabe tenhamos sorte. – Fernanda disse.

-- Acho que nós quatro formamos uma boa equipe. Pensamos bem juntas – Dulce comentou.

                Leticia balançou a cabeça positivamente concluindo o curativo em Fernanda.

-- Acho que somos mesmo sinônimo de perigo e confusão!

                Fernanda disse se levantando.
-- Bonitas e perigosas, combinação perfeita.

                Gisele disse arrancando um sorriso das demais.




               



terça-feira, 17 de julho de 2012

Beautiful Dangerous - Terceiro Episódio


EPISÓDIO 3 – PERTO DEMAIS



                Fernanda chegou ao local acompanhada de Leticia. Um velho galpão na Zona Leopoldina, próxima a antiga estação do mesmo nome.
               
                De longe Beto acenou para a colega, o local já estava cercado de outros policiais e peritos.

-- Outra menina, mulher branca, 28 anos, foi encontrada por pedintes, garantem que ela estava sem bolsa ou qualquer outro pertence, ou seja, não sabemos quem ela é. – Beto resumiu.

                Fernanda se aproximou do corpo junto com Leticia, arregalou os olhos e com a voz trêmula disse:

-- Nós sabemos sim, eu a conheço.

-- Você a conhece? – Beto indagou surpreso.

-- Conheço, quer dizer, conhecia. Nara Medeiros, ela trabalhava em uma multinacional, era gerente de RH. Voltou ao Rio há três dias. Estive com ela ontem. Meu Deus...

                Os policiais se encararam, Leticia fez os primeiros exames no corpo ali mesmo, supondo a causa da morte.

-- Aparentemente ela foi estrangulada. As marcas do pescoço indicam que foi utilizado um fio com diâmetro pequeno. Ela não lutou, o que me faz acreditar que a exemplo da outra vítima, ela foi dopada para ser trazida para cá, a marca da seringa reforça minha suspeita, exatamente no livro de Catherine Morgan, a segunda vítima foi vítima de estrangulamento. – Leticia explanou.

                Nitidamente abalada, Fernanda acariciava o rosto da vítima, quando a médica disse:

-- Ela era muito bonita.

                Fernanda acenou em acordo.

-- Encontraram mais alguma pista aqui Beto? – Fernanda perguntou.

-- Temos alguns rastros, marcas de solado de calçado na lama. Mas isso não nos ajudará, muitos pedintes passaram por aqui. – Beto respondeu.

-- Nenhum deles viu nada? – Fernanda insistiu.

-- Se viram negaram. – Beto respondeu.  - O rabecão chegou.

-- Doutora, a senhora se incomoda se eu assistir a autópsia do corpo? – Fernanda indagou.

-- Tem certeza que você terá estrutura para isso? Não é nada agradável, especialmente você a conhecendo. – Letícia interrogou complacente.

-- Eu quero e preciso, não quero deixar que nenhum detalhe escape, eu quero pegar esse louco assassino o mais rápido possível.

                Letícia balançou a cabeça positivamente concordando com o pedido da policial.

-- Vamos começar hoje mesmo então.

                Saíram juntas, logo após o corpo ser removido.

-- Preciso avisar a família dela, tenho que fazer isso pessoalmente. Incomoda-se de ir com o Beto para a delegacia doutora Letícia?

-- Claro que não investigadora Garcia.

                Antes de deixar o local, Fernanda avisou um movimento suspeito por trás de uma das colunas do galpão. Andou apressada nessa direção, surpreendendo Dulce que inutilmente tentava se esquivar.

-- Dulce?! Porra de novo?!

                Fernanda puxou a amiga pela jaqueta.

-- Qual seu problema?! Acaso está trabalhando de agente funerário? Agora vive cercando cena de homicídio?! – Fernanda berrava indignada.

-- Calma aí Nanda... Estou precisando trabalhar! Pow eu fui demitida, preciso de boas reportagens “freela” pra pagar minhas contas! Segui você quando falou de outra vítima do assassino do livro.

-- Ainda não sabemos se é o mesmo assassino. – Fernanda disse irritada.

-- Tinha que ser a primeira noticiar isso, tem um louco caçando mulheres por aí, eu fui a primeira a noticiar isso, quero continuar acompanhando esse caso, facilita aí Nanda...

-- Você é doida! Não quero apavorar a população, tudo que menos preciso é uma repórter intrometida fazendo sensacionalismo.

-- Uma repórter que tem uma testemunha te interessa?

-- Testemunha? Não foi encontrada nenhuma testemunha...

-- A policia não encontrou, mas eu sim.

-- Desembucha Dulce!

-- Em troca eu ganho cobertura exclusiva?!

-- Em troca eu não te prendo!

-- Se você me prender não falo o que descobri com a testemunha...

                Fernanda encarou Dulce furiosa.

-- Dulce não me provoca...

-- É pegar ou largar.

-- Tá! Desembucha sua mala!

-- Um dos mendigos viu um homem sair daqui acerca de duas horas.

-- Ele tem alguma descrição desse homem?

-- Nada muito específico, exceto que o homem tinha uma mão seca. Não entendi o que ele quis dizer com mão seca, ele só explicou que o homem tinha uma mão esquisita, com os dedos tortos.

-- O Capitão Gancho...
**************
                Fernanda chegou ao laboratório de necropsia nitidamente abalada. O rosto denunciava que chorara há pouco tempo. Letícia não notou sua chegada até a policial quase derrubar a bandeja de instrumental da pericia, ao ficar tonta diante do corpo aberto da vítima.

-- Investigadora Garcia?! Você está bem?

                Leticia perguntou se aproximando de Fernanda que se apoiava em um balcão.

-- Estou é que...

                Fernanda continuava tonta, desviou o olhar do corpo exposto. Leticia se aproximou mais e a policial se afastou com cara de nojo. A médica franziu o cenho estranhando a reação da morena que apontou para as luvas de Leticia sujas de sangue.

-- Oh! Desculpe-me. – Leticia retirou as luvas.

-- Tudo bem, você está trabalhando, eu não quero atrapalhar...

-- Você está pálida, vamos para minha sala, beber uma água, sentar-se um pouco, vai te fazer bem.

                Fernanda assentiu. Em sua sala, Leticia serviu um copo de água para a policial que permanecia com um olhar triste, abalado, encarando o chão.

-- Ainda não consigo acreditar que ela está morta. Eu sempre tive medo que na minha profissão um dia isso acontecesse: investigar o assassinato de alguém que eu amei.

-- Vocês eram muito amigas? – Leticia perguntou se sentando ao lado da policial.

-- Sim... Éramos muito intimas.

                Fernanda pausava procurando as melhores palavras.

-- Eu sinto muito.

                Letícia segurou a mão de Fernanda suavemente. A policial sentiu seu corpo estremecer com aquele gesto delicado. Fernanda correspondeu a manifestação gentil da legista com um sorriso discreto e um olhar desarmado.

-- Obrigada doutora.

-- Tem certeza que ainda quer assistir a autópsia?

-- Realmente não é um bom programa para essa hora da noite.

                Fernanda brincou tentando minimizar o clima triste.

-- Vou tentar agilizar o máximo que puder a conclusão, e mantenho você informada, te prometo.

-- Não vou deixar você sozinha aqui a essa hora da noite com um cadáver, pela sua boa vontade de colaborar com sua competência e rapidez, vou te fazer companhia e providenciar algo para comermos.

-- Não precisa se preocupar agente Garcia. Não estou com fome.

-- Doutora eu sei que seu trabalho tira o apetite, eu até agora estou com o estômago meio embrulhado, mas imagino que a senhora precise comer uma hora. Estou com você desde a hora do almoço, nem eu, nem você comemos nada, deixe eu te trazer ao menos um sanduíche...

-- Mas...

-- Ah doutora! A senhora come não é? Você tem cara de só comer folha e vento, posso trazer um “cheese salada”.

                Leticia sorriu e acenou em acordo.

-- Então segura as pontas aí que vou providenciar nossa bóia.

**********

                Fernanda voltava para a delegacia com sacolas na mão quando Carol a encontrou no corredor que dava acesso ao laboratório de necropsia onde Leticia estava.

-- Nanda! Eu fiquei sabendo agora! É verdade sobre a segunda vítima do Capitão Gancho? Era a Nara?

-- Era sim Carol.

-- Meu Deus! Que coisa horrível! Como você está amiga?

-- Chocada Carol. A Nara estava tão bem, cheia de planos, acabou de ser promovida na empresa, você sabe como ela dava o sangue pela carreira dela, a ponto de sacrificar até nosso relacionamento... Quando a vi ali estendida...

                Fernanda pausou com sua voz travada. Carol a abraçou.

-- O que você está fazendo aqui? Por que não vai para casa?

-- Estou aqui para ajudar a doutora na autópsia, quero saber de qualquer coisa que me leve a esse monstro!

-- Nanda eu não acredito nisso! Você quer ver o corpo de sua ex-namorada ser remexido, cortado, está louca?!

-- Shi... Fala baixo! Quer que todos saibam que a segunda vítima de um serial killer já foi minha namorada? Era tudo que o pulha do Wellington precisa pra me tirar do caso!

-- Nanda você não precisa passar por isso...

-- Eu não preciso, mas quero, devo isso a Nara.

                Da sua sala, Leticia escutou sem querer a conversa das policiais. Carol olhou para as sacolas nas mãos de Fernanda e indagou curiosa.

-- O que são essas sacolas?

-- Jantar para mim e para doutora.

-- Dogão do Aguiar? Você trouxe um dogão do trailer da esquina para a mulher que usar Dior e Gucci para trabalhar?!

-- O que é que tem? É o melhor cachorro quente do bairro!

-- Nanda você não existe...

                Fernanda deu de ombros e entrou na sala da legista.

-- Nosso jantar doutora.

                Fernanda sentou-se no sofá, e foi tirando os embrulhos da sacola, dispondo na mesa de centro.

-- Eu não sabia do que você gostava então pedi um completo.

                Leticia sentou-se vizinho a policial no sofá, olhando com estranheza o tamanho e a forma do sanduíche. O amontoado de ingredientes coloridos empilhado sobre uma baguete gigantesca.

-- Salsichão, carne moída, purê de batatas, milho verde, cenoura ralada, azeitona fatiada, batata palha, molho e mostarda.

                Fernanda listou, entregando o hot dog para a médica. Leticia encarou o sanduíche se questionando mentalmente como comeria tamanha “iguaria”, duvidava que coubesse em sua boca aquela montanha de ingredientes. Enquanto pensava, Fernanda mordeu o cachorro quente deixando escapar pelo canto da boca molho e as sobras que obviamente não cabiam numa só mordida.

-- Delícia! Não vai provar o seu?

                Sem cerimônia, limpando a boca Fernanda disse com a boca cheia. Desajeitada, Letícia se preparou para morder o sanduiche da melhor forma, mas, conseguiu se sujar mais do que Fernanda, sujando além da boca, o queixo e o nariz. Fernanda não se conteve, vendo o rosto da médica pintado do amarelo da mostarda, vermelho do molho de tomate e branco do purê, sorriu divertida.
               
-- Oh... Isso é mesmo delicioso. Nunca comi nada parecido.

                Leticia notou os risos de Fernanda e perguntou depois de morder mais uma vez o cachorro quente:

-- O que foi? Do que você está rindo investigadora?

-- Nada não... É que você está parecendo o Ronald McDonald...


                Leticia parou de mastigar imediatamente, sem graça pegou um dos guardanapos e limpou a boca.


-- Não é só sua boca que está suja... – Fernanda disse sorrindo.

-- Não?!


                Fernanda balançou a cabeça negativamente, e a limpou ela mesma o rosto de Leticia delicadamente. Os olhos se cruzaram por segundos. A atração desconhecida que mantinha aqueles olhares unidos era tão forte que fez Leticia recuar, a ruiva desviou o olhar perguntando:

-- Limpou tudo?

                Fernanda baixou os olhos depois de acenar em acordo.



-- A mulher do Dior já provou esse cachorro quente?


Letícia perguntou inocentemente. Fernanda sorriu.


-- Isso não está registrado na biografia dele com certeza...Mas, não deixa de ser uma possibilidade.


-- Mas nem sei se ele foi casado...


                Quando Leticia começava a argumentar Fernanda sorriu mais uma vez balançando a cabeça negativamente.


-- Ah... Você não estava se referindo ao estilista Dior não é?

-- Não, falava do vestido que você usava quando nos conhecemos...

                Letícia sorriu tímida.

-- Aquela mancha saiu? Ou te devo alguns meses de salário por um vestido novo? – Fernanda perguntou.

-- Saiu sim, não precisa se preocupar. E sobre sua impressão de quão improvável seria eu comer um cachorro quente pitoresco da rua, bem, confesso que nunca fui adepta dessa culinária, mas a julgar por esse sabor...

-- Descobriu que perdeu muito tempo da sua vida comendo folha e vento com azeite né?

                Leticia acenou em acordo com a boca cheia.

-- Hurrum.
                Fernanda sorriu mais uma vez, mas agora, com encantamento encarando a legista.

********

                Leticia prosseguiu com a necropsia, tendo Fernanda como espectadora. Gravou no seu mp3 o que via, em detalhes: as marcas e hematomas, as escoriações, tudo corroborava para a tese de que se tratava do mesmo assassino.

-- Ela também foi arrastada? – Fernanda quis saber.

-- Sim, mas, por uma distância pequena.

-- Algum palpite sobre arma do crime? – Fernanda perguntou.

-- Isso é curioso. Nesse ponto, o assassino fugiu do padrão do livro.

-- Como assim?

-- No livro o assassino usa um fio de nylon para estrangular a vítima, mas nesse caso, o fio não era desse material. Vê essas marcas aqui? Foram pequenos cortes, encontrei resquícios de uma espécie de pó cortante. Isso é compreensível porque ele não teria forças para estrangulá-la devido a sua lesão.

-- Cerol? O cara usou uma linha com cerol?

-- Cerol?

-- É uma mistura com pó de vidro que os irresponsáveis que usam nas linhas das rabiolas...

-- Rabiolas?

-- Pipas, conhece?

-- Ah!

-- Então, essa mistura corta a linha das outras empinadas...

-- Entendi. Então, o assassino usou cerol na linha que estrangulou a vítima. Certamente usou uma luva resistente para não se cortar.

-- Doutora esse monstro não deixou um vestígio na roupa, no corpo dela? Algo que nos leve a identidade dele?

-- Hum... Não quero te dar falsas esperanças, mas encontrei na pulseira do relógio da vítima fragmentos de células da pele, se tivermos sorte, essa pele não é dela.

-- Pode ser do assassino não é? O relógio pode ter arranhado o assassino enquanto ele a arrastava não é isso?

-- Exatamente investigadora!

-- E o resultado daquela ponta de cigarro que a Gisele me entregou?

-- Amanhã teremos o resultado.

-- Então amanhã é o dia que avançaremos nessa investigação finalmente.

-- Vou terminar a autópsia para liberar o corpo. – Leticia disse.
*************

                Fernanda chegou nitidamente abalada ao departamento. Cumprimentou rapidamente os colegas e subiu para o laboratório onde Leticia estava analisando lâminas no microscópio.

-- Investigadora Garcia! Estava mesmo querendo falar com você... Mas, o que houve? Você não me parece bem.

-- Estou chegando do sepultamento da Nara.

-- Oh...

-- Doutora eu preciso de boas notícias! Por favor, me diga que você tem boas notícias!

-- Acho que as tenho. Conseguimos extrair o DNA da ponta de cigarro e das células epiteliais presas no relógio da segunda vítima, e se tratam da mesma pessoa.

-- Yes!

-- E não é só isso... Agora temos a idade aproximada do assassino, quero dizer, do suspeito, o que vai nos ajudar a filtrar os resultados do SINAN, amanhã nós teremos um relatório com os casos notificados de hanseníase com grau de incapacidade, tendo a faixa etária, nos dará uma margem para filtrarmos os resultados.

-- E aí colhemos amostras para comparar com o DNA que temos e...

-- Pegamos o Capitão Gancho! – Leticia falou empolgada.

                Foi inevitável para Fernanda não sorrir com a reação da médica.

-- Não temos motivo para comemorar?

                Leticia indagou sem jeito.

-- Acho que devemos comemorar quando prendermos esse monstro.

                Leticia acenou em acordo, afastou-se da bancada do microscópio e no trajeto até um dos armários, tropeçou, sendo amparada por Fernanda. Ficaram tão próximas, que podiam sentir a respiração uma da outra. Tão perto uma da outra não havia como fugir daqueles olhares cheios de uma atração tão intensa que chegavam a confundi-las.

                O contato que não demorou mais do que segundos, mas estes foram suficientes para acender em ambas um turbilhão de sensações inéditas. No entanto, aquele clima foi devidamente interrompido, pela chegada de Wellington.

-- Doutora Letícia? O que está acontecendo aqui Garcia?!

-- Ow... Delegado...  A doutora ia caindo e... Eu só segurei...

                Fernanda se atrapalhou para explicar, se apoiou na mesa que abrigava um cadáver.

-- Aiii!

                A policial sacudiu a mão apavorada. Letícia segurou o riso e Wellington mudou de assunto.

-- Eu só passei aqui para saber dos avanços da investigação...

-- Ah! Sim, avançamos bastante, já temos amostras de DNA para comparar com uma lista de possíveis suspeitos que teremos amanhã. - Leticia informou empolgada.

-- Ótimo doutora! Sabia que a sua competência e inteligência extraordinárias, era o que precisávamos para colocar esse departamento no time dos melhores!

                Fernanda fez careta de nojo ao ouvir a rasgação de seda do chefe.

-- Obrigada delegado, mas o sucesso do meu trabalho só é possível quando trabalho com os melhores investigadores, e o senhor tem isso no seu departamento.

                Wellington não deu importância a observação da legista.

-- Bom, eu vim também para confirmar nosso encontro de mais tarde. Tudo certo para nosso happy hour doutora?

--Er... Ah, eu... – Leticia gaguejava desconcertada olhando para Fernanda.

-- Não vá me dizer que se esqueceu doutora! – Wellington disse franzindo o cenho.

-- Não, é que estou com tanto trabalho...

                Fernanda mantinha os olhos baixos, brincando com uma liga de elástico.

-- Doutora Leticia, hoje é sexta-feira, foi uma semana muito cansativa, vamos lá, relaxar um pouco. Não aceito um não como resposta!

                Leticia tentou argumentar, mas foi inútil. Wellington encerrou o assunto avisando:

-- Espero você em meia hora. Ah! Garcia, a dona Gisele da Silva acabou de depor, quer falar com você. Você aprontou algo com ela? Garcia ela é sobrinha do secretario de segurança do estado, não faça besteira!

-- Não torra Wellington! Vá lá pro seu happy hour – Fernanda fez um gesto caricato – E me deixa em paz!

                Fernanda saiu irritada do laboratório e encontrou Gisele assinando o seu depoimento com Carol.

-- Gi? Queria falar comigo?

-- Oi Nanda!

-- O delegado disse que você queria falar comigo. Aconteceu alguma coisa?

-- Será que tem um lugar que possamos conversar a sós?

-- Claro. Carol a sala de reuniões está desocupada?

-- Sim, está. – A escrivã respondeu.

                Gisele dispensou seu advogado e seguiu Fernanda até a sala de reuniões.

-- E então? Aconteceu algo? – Fernanda indagou preocupada.

-- Nanda, eu não tenho dormido desde o assassinato em Itatiaia. Tenho pesadelos todos os dias com aquela moça. Eu me sinto tão culpada Nanda...

-- Ei! Para com isso Gi! Você não tem culpa de nada! O cara é um louco! Você poderia estar morta também!

-- Mas ele está se inspirando nos meus livros Nanda!

-- Gisele tem maluco de todo jeito nesse mundo! Se você soubesse o tanto de doido que já prendi! Eles nem precisam de inspiração não, acredite!

-- Nanda, eu preciso fazer algo para ajudar a prender esse assassino. É minha obrigação!

-- Gisele você já está fazendo. Tem colaborado incondicionalmente nas investigações.

-- Nanda, eu quero e posso fazer mais. Eu escrevi aqueles livros, eu sei criei aqueles assassinatos, eu posso ajudar a esclarecer, analisar a personalidade do assassino.

-- Uma espécie de consultoria?

-- Chame como quiser, só me deixa ajudar em algo Nanda, eu preciso disso.

-- Tudo bem Gi. Fique tranquila, vou ter que comunicar ao delegado, e outra condição: não quero que você se exponha, nem se arrisque ok? Esse assassino te conhece, e se ele for um fã maluco seu... Enfim, você promete que vai me obedecer?

-- Ok, eu prometo.

                Fernanda sorriu segurando o braço da amiga que correspondeu ao sorriso. Saíram da sala e avistaram Wellington e Letícia saindo em direção ao elevador. O delegado com a mão na cintura da legista visivelmente constrangida.

-- Aquela dali não é a doutora gracinha que estava com você em Itatiaia?

-- É.

                Fernanda disse aborrecida. Carol se aproximava olhando da mesma direção.

-- Quem diria que o delegado ia partir na frente... – Carol comentou.

-- Que pena a ruiva gata não jogar no mesmo time que eu... – Gisele lamentou.


                Fernanda acompanhou com o olhar o delegado e Leticia esperando o elevador e antes de entrar, a médica encontrou os olhos atentos da policial. Fernanda desviou o olhar com um convite inusitado:

-- Gisele, você quer sair pra beber alguma coisa comigo?

--Eu?!

-- Tem outra Gisele aqui?

                Carol apertou os olhos lendo intenções da amiga.

-- Opa! Vamos lá! – Gisele aceitou animada.

********

                Fernanda levou Gisele a um barzinho na orla da praia de Copacabana. Lá, as amigas de infância relembraram suas histórias, riram com as lembranças confusas, principalmente as armações delas no colégio de freiras.

-- A irmã Conceição caía direitinho nessa sua cara de santa oriental! – Fernanda disse depois de gargalhar.

-- Não tenho culpa da minha carinha de anjo. Além do mais, alguma de nós tinha que ter alguma credibilidade. A Dulce era uma mentirosa compulsiva, toda semana ela matava uma tia pra justificar os atrasos dela nas aulas de educação física.

-- Morta de preguiça de acordar mais cedo isso sim! Isso quando ela não fingia uma crise de asma pra não correr em volta da quadra...


                As duas gargalharam de novo relembrando.


-- E você Nanda, era a rainha das peças. E era também a mais sortuda! Nunca foi pega! Você passou pó de mico no terço da Irmã Paulina antes da prova final de matemática! A coitada ficou toda empolada, só conseguiu voltar às aulas uma semana depois!

-- Ah eu não sabia que ela era alérgica pow! Só queria desconcentrá-la pra gente colar com mais calma... – Fernanda tentou se justificar.

-- Você quase mata a velha isso sim!


                Riram de novo e beberam mais uma tulipa de chopp. A vigésima da tarde que já virara noite. Quando deram por si, já nem sabiam mais contar quantos chopps haviam tomado. Estando mais perto do flat de Gisele, tomaram um táxi e seguiram para lá.


-- Caraca Gi fazia muito tempo que eu não bebia assim...

                Fernanda falava com a voz pesada, entre risos, jogada no sofá.

-- Vem dançar comigo Nanda? Você ainda se lembra da nossa coreografia do final de ano de Lua de Cristal?

-- Caracaaaa!

                Fernanda foi arrastada pela amiga e com dificuldade se equilibrou para acompanhar Gisele na letra e na coreografia.

--“ Tudo pode ser, se quiser seráaaa sonhos sempre vem pá quem sonhaaar, tudo pode ser só basta sonhar, tudo que quiser pra ser lutarrrrr”

                Gisele errava a letra da música fazendo movimentos hilários com as mãos, sendo imitada por Fernanda que mais ria do que dançava.

--“Vamos com você nós somos invisíveis pode crer! Todos somos um e tudo não existe só mais ummm... Lua de cristal que me faz chorar cai a minha estrela que eu já sei pulaaaar”

                Fernanda pulou como a nova versão da música cantada por Gisele pedia, mas o salto duplo twist carpado da policial acertou em cheio a coreógrafa e as duas caíram juntas no chão.

-- Não me lembro dessa parte da coreografia... – Gisele deixou escapar.

-- Se tivesse essa parte, garanto que nosso sucesso estava garantido, pelo menos dariam risada da nossa queda e não da sua fantasia mijada!

                Gisele fez bico, segurando o choro, como fazia quando criança. Fernanda retrucou:

-- Ah não Gi! Engole esse choro!

-- Por que você tinha que falar nisso agora?!

                Gisele falou chorando aos soluços.

-- Tudo bem, chora, mas não molhe as calças!


                O berreiro de Gisele foi maior, Fernanda só conseguia rir, até que os risos contagiaram a amiga chorona que intercalava choro e gargalhada.

-- Como eu vivi tanto tempo sem você?!

                Gisele disse encarando a policial.

-- Deixe-me ver... Tendo uma carreira de sucesso como a maior autora de romances policiais da atualidade, ficando fica e ainda mais linda... Acho que você se saiu bem sem mim todo esse tempo sim.

                Fernanda disse afastando uma mecha de cabelo do rosto da escritora.

-- Eu senti sua falta Nanda, pensava em você sempre.

-- Eu também Gi, afinal a gente nunca esquece o primeiro beijo não é?

-- Pelo menos não o primeiro beijo em uma mulher...

                Gisele disse mordendo os lábios. Fernanda olhou para a boca da escritora e não resistiu, puxou o rosto de Gisele para um beijo lânguido. Sobre o corpo de Fernanda, Gisele encaixou os joelhos na cintura da policial, investindo em outro beijo igualmente voluptuoso, enquanto a morena arrancava as roupas da escritora.

                Sem as roupas, Gisele ofereceu seus mamilos eriçados à boca de Fernanda, que em pouco tempo depois de lamber com voracidade o que era ofertado, sentiu o peso do corpo de Gisele sobre o seu.

-- Gi, você continua deliciosa... – Fernanda sussurrou ofegante.

-- Hurrum...

                O murmúrio de Gisele excitou ainda mais Fernanda que insistiu enquanto suas mãos passeavam pelas costas e bumbum da escritora:

-- Quero seu corpo todo nu sobre o meu, sentir você inteira Gisele...

                Fernanda não teve a resposta esperada. O que ouviu foi um sonoro:

-- Roooonc...

-- Não acredito! Puta que pariu! Gisele!

                Não adiantou o brado. Gisele roncava, em um sono profundo, tão profundo que não se incomodou ao ser jogada ao chão por Fernanda, que a deixou dormir no chão e tomou posse da cama espaçosa sozinha, como se aquilo representasse alguma vingança pelo tesão naufragado naquela noite.

************

                O barulho da campainha acordou Gisele como se fosse uma buzina de um transatlântico.

-- Calma aí! Já vai!

                Do jeito que estava só de lingerie Gisele se levantou, envolveu-se na camisa de Fernanda sobre uma cadeira e abriu a porta.

-- Dulcinha?!

-- Oi amiga, desculpa te acordar assim, mas é uma emergência. Nossa, que trajes são esses Gi? Ai meu Deus! Estou interrompendo algo?!


                Sem cerimônia, Dulce foi entrando no flat com suas malas olhando em volta, analisando a bagunça instalada.


-- Dulcinha que emergência? O que aconteceu? E o que são essas malas? Você está fugindo de alguém?!


-- Mais ou menos... Fui despejada amiga, preciso de um abrigo.

-- Han?!

                Enquanto Gisele se dava conta da surpresa que Dulce lhe preparara, Fernanda aparecia na sala com sua típica calcinha box e top.

-- Nanda?! Ai meu Deus! Vocês?! Nãaaaao?! Juraaa?

                Dulce abria e fechava a boca com os olhos arregalados.

-- Nãao. Não né?

                Gisele perdida olhava para Fernanda em busca de respostas. Com um tom de irritação a morena respondeu:

-- Não Gisele. O que é que essa doida está fazendo aqui essa hora?

-- Está quase na hora do almoço tá! Estou aqui por que não podia contar com mais ninguém! Fui demitida, sem emprego, o dono do meu apartamento não renovou meu contrato, me despejou, e não tenho grana pra ir pra hotel. – Dulce explicou.

-- E sua família Dulce? Sabe que era uma coisa que eu queria te perguntar mesmo... Como você vive nessa pindaíba com o dinheiro que sua família tinha? – Gisele interrogou.

-- Você disse quase hora de almoço?! Droga! Estou atrasada, tenho que encontrar a doutora Letícia! – Fernanda disse procurando suas roupas.

-- Minha família continua cheia da grana, mas não quero pedir dinheiro ao meu pai. – Dulce foi evasiva.

-- E sua mãe? – Gisele insistiu.

-- Minha mãe é uma alienada que torra o dinheiro do divórcio com uns boyzinhos mais novos que eu, nem sei onde ela está morando agora.

-- Mas Dulce, seu pai tem obrigações com você, é hora de deixar esse orgulho pra trás e pedir ajuda...

-- Olha aqui Gisele, se você não puder me ajudar fala tá? Eu vou pra debaixo da ponte, mas não procuro meu pai! – Dulce interrompeu.

-- Sempre dramática... Devia ter aproveitado esse talento nato para o teatro, você escolheu a carreira errada...

                Fernanda disse chegando à sala já vestida.

-- Tudo bem Dulcinha, pode ficar. Mas isso aqui é um flat, não tem muito espaço, vai ter que dormir no sofá quando eu estiver aqui.

-- Claro Gi! Não se preocupe, você nem vai notar minha presença aqui.

-- Sei... Espaçosa do jeito que você é Dulce, até na casa da Gisele em Itatiaia faltaria espaço para ela mesma!

                Fernanda disse, em resposta Dulce lhe mostrou a língua, despertando o riso da policial.

-- Gi, eu estou indo, mantenho você informada. E cuidado com essa daí viu, reviste-a, procure por alguma câmera escondida nela...

                Dessa vez Dulce atirou uma almofada contra a policial que escapou mostrando a língua.

-- E então amiga, vamos pedir almoço?! Ouvi falar que o restaurante daqui é maravilhoso!

                Gisele suspirou pressentindo que sua paz estava seriamente ameaçada pelo presente de grego que acabara de receber.