sábado, 18 de novembro de 2017

MANUAL NADA PRÁTICO

CAPÍTULO 13 – LIÇÃO 11: SUA IMAGINAÇÃO NÃO PODE SER SEU GUIA


Agora, ao invés dos meus pensamentos fantasiosos, coloridos e perfumados com minha jovem aluna, um nome ecoava insistente na minha cabeça :Laura.
Quem diabos era aquela garota? De onde vinha aquela intimidade, e até certa autoridade sobre Marcela? Mais curioso era a condição de subserviência que Marcela demonstrou, e de como a tal Laura se referiu a mim.

Meu feriado ia ser do agito: agito de pensamentos, teorias, hipóteses, possivelmente eu concluiria algumas ideias nada sãs acerca do grau de relação de Marcela com a tal Laura. O pior para mim, seria mastigar sozinha esse monte de especulações, e de pano de fundo, concluir que eu estava terrivelmente enciumada.

Não havia programado nada para o feriado, mas, certamente, a Cris não ia deixar passar a oportunidade de criar um tour de baladas, apoiada por Ed, seria inevitável ceder. Do outro lado, tinha Clarisse, tentando convencer que um lugar tranquilo para descansar era o que precisávamos, contato com a natureza e todas aquelas coisas que Clarinha curtia. Nessas situações de impasse, eu quase sempre surgia com uma alternativa meio-termo, e dessa vez não foi diferente, eu precisava desviar meus pensamentos de Marcela e Laura, estar com meus amigos, seria a melhor solução.

A casa de praia dos tios da Clarisse foi a opção, era realmente um pedaço do paraíso, nós éramos os principais usuários, já que os donos moravam no exterior, e visitavam o Brasil raramente. A casa era longe do agito, mas a cidade vizinha, concentrava um circuito de boates, pubs e outros bares famosos entre os turistas da região, especialmente a turma dos “iguais”: iguais a mim, ou seja gays!
Mesmo não escondendo a antipatia por Clarisse, Cris era cara-de-pau, nunca se contentava em ir só, levava sempre outra amiga, na maioria das vezes, pegadora ou predadora como ela, já que eu não seria sua companheira para essas aventuras. Ed, não se separara dos outros dois amigos gays, para ele era estratégico, algumas boates eram mais a cara deles, e assim, poderia se separar de nós, com frases célebres do tipo:

--“Lugar de viado não é no brejo, vou pro caminho da luz e da purpurina!”
Mal nos acomodamos, Cris e Ed já nos apressava:

-- Sem perder tempo hein! História de fazer cama, desfazer mala... Todo mundo pro banho e vamos da night pitoresca nesse fim de mundo! – Cris berrou da cozinha, abrindo uma latinha de cerveja.


-- Poxa, pelo menos guardar a feira, organizar os quartos... – Clarisse tentou falar.


-- Vamos guardar os frios, os quartos já estão organizados, ou você quer se misturar comigo? – Cris disse em tom provocativo – Aí podemos fazer um sorteio, ou a dança das cadeiras...


-- Ah! Você é irritante! Cada dia mais!


Clarisse saiu pisando firme, visivelmente contrariada, e vencida pelos argumentos da Cris. Poderia facilmente antever o que seria meu final de semana: conter a fulgor do Ed e sua trupe de bibas, mediar a crise judaica-palestina de Cris e Clarisse, e meus pensamentos estariam tomados, exorcizando Marcela da minha cabeça.


Triste ilusão. Ou melhor, ingenuidade boba. O som da voz dela, maciez daquela voz, e aquele sorriso! Ah era uma tremenda injustiça comigo: a imagem do sorriso de Marcela chegava a me tirar o fôlego. Adentrei então em um terreno perigoso e sem volta: reativei minhas redes sociais, outrora destruídas pelo encosto denominado Beatriz.


Como se estivesse quebrando o pacto do AA, busquei me esquivar dos meus amigos, e fazer aquela pesquisada básica no facebook em busca do perfil da Marcela. Minhas caras, não seria hipócrita em afirmar que essa era a primeira vez que bisbilhotava a página de uma mulher em rede social, mas, sim, buscar o perfil de uma aluna, esse sim era um fato inédito. Metade de mim era ansiedade e a outra era de pavor. Ansiedade em saber um pouco mais sobre ela e o pavor de ver fotos, status de relacionamento, e o maior pavor de todos, reconhecer a tal Laura entre esses eventos.
De cara a foto do perfil já me fez tremer, lembra daquele sorriso? Ei-lo! Lindo, puro, simples, o charme juvenil adornado com óculos de sol modernos, e para minha decepção, era tudo o que podia ver. Além da foto de capa com alguma imagem de ilustração em quadrinhos, e as informações básicas que eu já tinha como: a da instituição na qual ela estudava, a única coisa que para mim era novidade, era a naturalidade dela, que era de outro Estado, como ela mesma já me contara. Perfil restrito, eu precisava dar um passo bem ousado: ENVIAR SOLICITAÇÃO DE AMIZADE.
Os dedos coçavam, andei de um lado pra outro naquela varanda, tendo um surto silencioso: Eu? Dra Luiza, enviar solicitação de amizade pra aluno? Jamais! No canto esquerdo da minha página, até tinha um grupo dos pesquisadores do GRUFARMA, deveria usar disso, profissionalmente? Não, não.


Essa luta mental deve ter durado uns eternos dez minutos, eternos por que deu tempo eu criar mil saídas para não me expor, uma saída bastante madura: criar um perfil fake, e adicionar Marcela. Precisava descobrir quem era Laura: namorada? Irmã? Uma ex-namorada, meu Deus! Será que ela era o amor da Marcela, motivo dela ter deixado a cidade e a antiga faculdade? Minha imaginação criou cenas, discussões, escândalos...
Era oficial: tornara-me uma velha ridícula com crise de meia-idade. Ao menos isso, seria o diagnóstico de Clarisse. Mas, como só se passaram dez minutos, não tive tempo suficiente para executar meu plano adolescente, logo fui interrompida por Ed:


- E ain, racha? Vai precisar dos meus pincéis mágicos para fazer uma massinha de reboco nesse rosto que você insiste em desembelezar?


- Que rosto? Pincel? – Perguntei atordoada, guardando o celular no bolso.

- Xiii, já comeu do bolo de haxixe que a Cris trouxe? Que lerdeza é essa?

- Que bolo? Comi nada não Ed, só estava respondendo e-mail.

- Tá, mas, então, vai querer dar uma disfarçada nessas ruguinhas de preocupação? Diz logo, por que quando eu começar a me produzir, não vou operar milagre em vocês não!


Ed me intimou, mas, pouco estava ligando para minha aparência, queria mesmo era investir no meu plano de investigação virtual, aquela noite com meus amigos seria em vão, meus pensamentos continuavam na cidade, meus devaneios me seguiram. Duas horas depois, após as rusgas típicas do meu grupo, estávamos na sala, discutindo quem não beberia para dirigir, nenhuma novidade até então.


- Parou gente! Vamos chamar um bendito táxi, e aí, cada um volta como quiser! A gente sabe que Clarisse sóbria é insuportável, a Luiza vai logo dar uma desculpa para não beber e voltar meia-noite, eu não vim aqui para ser babá de ninguém, aliás, enquanto vocês brigavam, eu chamei dois táxis, já estão aí na porta, vamos!


Não dava para negar a praticidade da Cris, essa sempre era a saída, contudo, insistíamos sempre nesse bate-boca antes de qualquer balada. Tipicamente, Clarisse resmungava:


- Essa caminhoneira sempre nos faz seguir as ordens dela!


- Clarinha para vai, vem comigo aqui nesse taxi, pronto, não estou muito no clima para balada, estou cansada, voltamos no mesmo taxi.


Amenizei o clima, chamando um dos amigos do Ed para vir conosco, e seguimos para a boate badalada, escolhida por eles. Até aí nenhuma surpresa: gays lindos (que amam tirar a camisa mesmo sem estar com calor), música contagiante, bebidas coloridas, e filas! Fila para tudo, isso me tirava a paciência, sempre! Naquela noite em especial, até mesmo as filas me faziam procurar o rosto de Marcela, nessa busca, flertei loucamente com meninas, mulheres, até mesmo um viado de cabelos longos, definitivamente, eu precisava beber, e muito!


- Lu! Lu! O que está acontecendo com você? Ainda não procurou uma mesa para sentar? – Cris fez piada.


- Vamos procurar sim, mas, antes, vamos poupar tempo, e comprar logo um litro de tequila?


Cris arregalou os olhos, e sorriu em seguida:

- Nem lembro quando ouvi de você uma proposta dessas! Vou nem deixar você pensar duas vezes, partiu!
Rapidamente Cris, saiu enfrentando a fila e voltou com a garrafa, apontando para uma mesa vazia na parte superior do piso. Clarisse chegou irritada:


- Poxa você me abandonou na fila, e sumiu, toma aqui sua vodka.


- Relaxa baby, nada de fila por um tempo, bebamos às chicas!


Virei o shot de tequila, e peguei a dose de vodka da mão de Clarisse e lhe dei um selinho. Logicamente ela nada entendeu, ruborizou, olhou de cara feia para Cris.


- Eu me afasto da Luiza por vinte minutos e você já apronta né?


- Ow! Calma aí estressadinha, a ideia foi da Lu!

A acidez entre os comentários das duas era mesmo irritante. Próximo plano: embriagar Clarisse. Só o álcool para salvar minha noite, e apartar meu pensamento em Marcela. Suficientemente animada, fui arrastada pelo Ed e seus amigos para a pista de dança, enquanto Cris já se pegava com uma garota na mesa. Clarisse sumira, ou eu não me lembro de ela ter me dito algo sobre onde iria.


Naquela pista de dança, o que menos poderia acontecer a mim, aconteceu. Estava cercada de “Marcelas”, surreal, mas, a bebida, o jogo de luzes, e minha completa incompetência em esquecer a minha nova aluna predileta tomou forma, formas lindas, tenho que registrar. E eis que eu estava dançando sensualmente com alguém que pelos meus olhos era Marcela. Rocei meu rosto na face dela, minha boca em seu pescoço, e nossas cinturas se embalavam de maneira ritmada, e atrás de mim, outra Marcela envolvia seus braços no meu quadril e descia maliciosamente com suas mãos pelas minhas coxas, e lá estava eu protagonizando um sanduiche sensual lésbico com “duas Marcelas”, e nada mais me importava que não fosse mergulhar naquela embriaguez e naquele cenário louco me entregar à minha fantasia.


Tequila traiçoeira! Ah maldita! Eu esqueci do pequeno detalhe que o efeito colateral dessa manguaça causava em mim: e lá veio aquela sensação horrorosa de expulsar do meu ser tudo que havia sido ingerido de forma sólida e líquida, sim, o nome disso é vômito. Não sei em qual Marcela eu vomitei, mas rapidamente o rosto real da garota surgiu para mim, decepcionada e me jogando o copo da bebida colorida que ingeria anteriormente.


Tonta, perdida na pista, sem nenhuma Marcela e sem meus amigos, com a visão turva, cheguei ao banheiro ignorando mais uma fila gigantesca.
Lavei o rosto, e aquele sabor delicioso de ranço na boca foi dando vez a uma vontade incontrolável de dormir. Aquele vaso sanitário começou a se tornar uma poltrona atrativa, e foi lá que em refugiei. Apaguei, ignorando completamente as batidas desesperadas do público feminino na porta do box.


Não sei quanto tempo fiquei ali, lembro-me apenas de duas pessoas me carregando dali e eu, nada poderia oferecer de resistência, apesar de tentar balbuciar algo, era esforço demais concatenar as sílabas, dormir era mais fácil.
************************


Abrir os olhos, que reflexo absurdamente exaustivo... Levantar a cabeça então? Quanto peso! Talvez fosse minha consciência, ou só mesmo a dor de cabeça de uma ressaca fenomenal que há tempos eu não experimentava. Virei meu corpo, puxei o cobertor e logo me dei conta de que ele era o único a cobrir meu corpo, pois é, estava eu ali em uma cama que eu sequer tinha percebido de quem era, e totalmente nua. Para meu desespero, eu não estava só na cama. Apertei um pouco meus olhos por conta da dor, mas também, em um esforço para recobrar alguma memória dos eventos que me levaram até aquela cama. Aquele mínimo barulho ao respirar mais profundamente, acordou minha companhia de cama.


- Ai meu Deus! – foi um sussurro.

- Bom dia, gata!


A voz era familiar, o tom safado também. Talvez por isso, enchi-me de coragem e levantei o cobertor inteiro, e minha companhia também estava desnuda.

- Puta que pariu! Cris o que foi que a gente fez?!

- Ai não! Luiza? Que porra você está fazendo na minha cama?! A gente...

- Não! Não pode ser! – Completei o pensamento de Cris, já com a voz mais exaltada.

- Que merda Luiza!


Antes que começássemos uma DR sobre o que acontecera conosco, um travesseiro acertou-me em cheio a cabeça já dolorida.

- Calem a boca, suas escrotas do caralho!

Clarisse se levantava do sofá com um humor de cão.

- O que aconteceu? Que diabos me fez terminar a noite com a Luiza nua na minha cama? -Cris fez cara de nojo.

- Ah e eu não digna de estar na sua cama é? – Relutei ofendida.

- Luiza, para porra! Eu e você? Isso é praticamente incesto!

- Calem a boca! Aconteceu que vocês encheram o rabo de tequila, vomitaram uma na outra e nas camas de vocês! Vocês estão na minha cama, obrigada por acabarem com minha noite!

Clarisse fez um resumão da novela.

- Não, espera... Eu tirei a Luiza do banheiro, eu e uma morena sensacional... – Cris começou a narrar.

- É, tirou e deixou a Luiza dormindo na mesa, quando eu estava vindo embora com uma deusa bronzeada, encontrei vocês duas tentando abrir o carro de alguém com uma chave que até agora não sei de quem é!

- Então nós roubamos um carro? – Perguntei apreensiva.

- Não, trouxe vocês comigo e com a Karla, mas, ao chegar aqui vocês pareciam dois jatos de vomito enlouquecidos, tivemos que tirar as roupas de vocês, as roupas da cama, e só sobrou minha cama limpa!

- E Karla, seria...? – Perguntei constrangida.

- A mulher que deveria estar nessa cama comigo! A essa hora deve estar a quilômetros de distância dessa praia.


Clarisse dessa vez resmungou com razão. Eu e Cris nos entreolhávamos tão envergonhadas quanto um eleitor que votou na honestidade do Aécio Neves.

- As duas tem dez minutos para sair do meu quarto, tomar banho e se preparem, porque vocês me devem uma, muito grande!


Cris da maneira descarada rotineira saiu nua mesmo do quarto, e eu só abri a boca para pedir desculpas a Clarisse.

- Clarinha, nem sei como te pedir desculpas...

- Luiza, sabe uma das coisas que mais admiro em você?

- Meu pós-doutorado?

- Ah Luiza! Qualquer canalha tem um título acadêmico. Estava me referindo a sua personalidade. Você nunca foi egoísta. É uma das pessoas mais generosas que conheço. Não foi o que vi ontem.


Baixei meus olhos, e apenas concordei. Saí dali desolada com a noite desagradável que proporcionei a minha amiga. Na cozinha, quase uma hora depois, sem conseguir fazer nada, exceto secar os litros de água disponíveis na geladeira, encontrei Cris, tentando fazer o popular café forte.

- Clarisse vai me odiar pelas próximas cinco encarnações heim? – Cris comentou.

- Ela foi bem legal, pega leve, Cris.

- É. Mas, sabe o que eu estava aqui lembrando sobre ontem?

- O quão gostosa era a morena sensacional?

- Dela, eu não lembro muito...infelizmente ou felizmente, sei lá. Estava me lembrando de um nome que você repetiu até encher o saco: Marcela.
Quem diabos é Marcela?


Fiquei pálida. A náusea voltou convenientemente.

- Falou muito... Algumas coisas não entendi, ou não lembro, mas, pela sua reação, tem coisa aí, desembucha.

Antes que eu saísse do meu estado catatônico, Ed chegou afobado:


- Bando de sapa rapariga, o que foi que vocês aprontaram? A polícia está aí fora procurando vocês duas, tem uma queixa de roubo de carro, e tem foto de vocês duas tentando roubar esse carro!

Estou viva

Oi pessoas!

Já faz um bom tempo que tento recuperar meu login e senha para responder a vocês que estão sempre me mandando mensagens de carinho, pedindo minha volta, e não é que hoje consegui? Gracias amore meu, #teamominhavida.

Sem promessas, meu tempo continua escasso, mas quem sabe eu volte a escrever, beijos no coração.