terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

LEIS DO DESTINO: 2ª FASE Capítulo 22

2.22 Claudite jam rivos, pueri; sat prata biberunt
Fechai agora os riachos, meninos; os prados beberam bastante. Basta, chega, acabemos com isto. 


            Lucas se surpreendeu com a intervenção de Acrisio quando soube da chegada do delegado e de sua equipe na Verdes Canaviais.
           
- Abram os portões para a polícia!

            Acrisio ordenava descendo da caminhonete conduzida por Danilo. Douglas apertou os olhos furioso encarando o irmão, deduzindo que este cumprira o que anunciara revelando a verdade ao pai sobre os atos praticados na fazenda.

- O mandado só autoriza a diligência no alojamento dos empregados papai. Estou orientando o delegado a seguir pela estrada até a entrada que dá acesso ao lugar que ele procura. – Douglas retrucou.

- O delegado tem minha autorização para revirar o que ele quiser, em qualquer lugar dessa fazenda. Guarde esse papel doutor, nas minhas terras a polícia pode cumprir seu dever sem essas burocracias.

            Acrisio falou alto. Lucas não sabia o que pensar. Temeu até mesmo que se tratasse de uma armadilha do velho homem, ou mais uma de suas artimanhas para fingir colaboração com as investigações.

- Obrigada senador Acrisio. – Lucas agradeceu em tom formal.

- Não sou mais senador há muito tempo doutor. Não precisa dessa cerimônia toda. Vamos, entre!

            Os policiais entreolharam-se desconfiados. Com alguma hesitação entraram nos carros e atravessaram os portões da fazenda, e seguiram Acrisio até a sede da Verdes Canaviais. Douglas mantinha a cara de poucos amigos, e ordenou que seus capangas conservassem o estado de alerta.
           
            A convite de Acrisio, Lucas se sentou na sala da casa. Cordialmente o dono da fazenda ofereceu-lhes água, café, como se tratasse de uma visita comum.

- Agradecemos a gentileza senador, ops, desculpe-me, senhor Acrisio, mas estamos a trabalho e não pretendemos demorar além do necessário. Dessa forma se o senhor nos autorizar, gostaríamos de começar essa diligência.

- Antes que vocês comecem o trabalho de vocês, eu quero esclarecer duas coisas.

            O tom de Acrisio chegou a despertar arrepios em Lucas. Douglas cercava a sala com um olhar tenso, especialmente porque seu irmão aparentava uma placidez incomum naquela circunstância.

- Estou escutando senhor. – Lucas disse.

- Primeiro: o contrato com a cooperativa que empregava os trabalhadores dessa fazenda foi cancelado oficialmente há dois dias. Portanto, as denúncias sobre a infração dos direitos desses homens serão devidamente apuradas com meu apoio, mas, esses homens agora trabalham para mim, estão todos legalmente amparados e empregados, todos os registros estão disponíveis se os senhores quiserem verificar.

            Não só Lucas, Douglas também ficou atônito com a revelação. O delegado concluiu mentalmente que a velha raposa astutamente se esquivava das acusações que pudessem recair sobre ele, tentando limpar “a sujeira” escondida nas suas terras.

- Segundo: não há nenhum homem aqui que não esteja trabalhando contra sua vontade. Todos tem seus documentos, suas acomodações, e foram devidamente pagos pelos seus serviços, já que Nilton está preso, sua empresa está sem administração, o pagamento foi feito diretamente aos trabalhadores com o valor retroativo e proporcional ao tempo de serviço para aqueles que continuam a trabalhar aqui.

- Senhor Acrisio, é muito bom saber disso. Mas, acredito que o senhor tenha ciência que isso não apaga os crimes anteriores denunciados não é? Temos outras acusações a serem averiguadas, inclusive de trabalhadores desaparecidos.

- Eu sei disso delegado. Assumo minha responsabilidade nisso. Não autorizei nenhuma morte, nenhuma tortura, nenhuma violência, mas, se aconteceram em minhas terras, tenho minha parcela de culpa e quero que tudo seja esclarecido o quanto antes.

            Lucas tentava decifrar o que estava por trás daquela postura do acusado.

- Senhor Acrisio, as acusações envolvem ocultação de cadáver. O senhor autoriza a utilização de cães farejadores em sua propriedade na busca desses supostos corpos?

            Lucas ousou perguntar, testando a disposição e boa vontade do fazendeiro em colaborar com as investigações.

- O senhor precisa de alguma assinatura minha declarando minha autorização para isso delegado? Eu sou homem de uma palavra só. Autorizo todos os métodos de investigação com a condição de que o senhor corresponda à minha disponibilidade com a justiça, e me mantenha informado. O senhor compreende que é fundamental que eu saiba o que acontece na minha fazenda não é? Passei muito tempo afastado da administração dela envolvido com minha campanha política, e as coisas me parecem ter saído do controle, quero retomá-lo.

- De acordo senhor Acrisio. Faremos a diligência que foi autorizada pela justiça hoje, e retornamos com o aparato necessário para investigar segundo sua autorização explícita o subterrâneo dessa fazenda. Agora, se o senhor nos der licença, precisamos proceder ao mandado.

- Fique à vontade delegado. Meu filho vai acompanhar o senhor e ajudar no necessário.

            Acrisio falou e Douglas imediatamente seguiu Lucas.

- Douglas? Eu me referi ao Danilo. Você fica, preciso conversar com você em particular no meu escritório agora.

- Mas, papai... Eu achei que...

- Douglas? Eu disse agora. Danilo acompanhe o delegado meu filho.

            Acrisio seguiu para o escritório com Douglas que já dava sinais do seu transtorno diante das atitudes surpreendentes do pai.

- Papai o que deu no senhor? Como assim facilitar o trabalho dessa gente? O que o senhor pretende amolecendo desse jeito com esse bando de morto de fome que vive às nossas custas aqui? Eu vou lá impedir que eles falem demais a esse delegado borra-botas, Danilo vai estragar tudo!

- Você não vai a lugar nenhum! Sente-se nessa cadeira agora!

            Acrisio berrou impondo sua autoridade conhecida. Douglas arregalou os olhos um tanto assustado com a veemência do pai, e obedeceu, sentando-se diante do pai.

- Que diabos você acha que está fazendo com sua vida meu filho? Que lambança foi essa nessa fazenda? Você tinha que deixar esse rastro de sangue e morte a troco de que? Onde você estava com a cabeça Douglas? Eu te entrego uma das nossas maiores propriedades e você a transforma num campo de concentração nazista?

- Papai! Eu fiz o que tinha que ser feito! Exatamente o que o senhor faria! O senhor sabe como esses homens são! Alguns tiveram que servir de exemplo para mantermos a ordem por aqui.

- A ordem se mantém com autoridade Douglas, não à custa de mortes! Eu sou um ignorante sem instrução, mas você é estudado, não sabe que desde que o mundo é mundo, não se contem a força de um povo revoltado? Matar um resolveu alguma coisa? Não! Aí você matou dois, três, quatro, cinco e quantos mais que nem sei se quero saber o total, e eles continuaram revoltados, você nem parece um político! Só atraiu mais o olhar da polícia e da justiça para cá, você deu aos urubus o que eles precisavam para nos pegar!

- Papai o senhor que ordenou que contratasse essas pessoas e detivesse os documentos delas, impedindo que elas partissem daqui, fiz o que senhor pediu!

- Douglas eu pensei que você fosse mais inteligente! Essa história da cooperativa seria a solução para tudo, mas você meteu os pés pelas mãos com esse massacre! Poderíamos manter esses homens com baixos salários, dando-lhes corda para se enforcar em dívidas, e ainda sairíamos de patrões bons que oferecem comida, diversão, jogos, mulheres, bebidas, remédios, empréstimos e assim não teríamos a polícia no nosso encalço!

- Eles me desafiaram papai! Não me respeitaram! Tinha que proteger nosso patrimônio e minha vida também.

- Ah meu filho... Eu pensei que tinha te ensinado alguma coisa todos esses anos convivendo comigo. Mas vejo que você ainda tem muito a aprender, especialmente na política. Os tempos são outros, o coronelismo tem ser disfarçado hoje, não pode ser praticado do mesmo jeito que no meu tempo. A era da bala e das tiras de couro dos chicotes está aposentada.

- Foi o Danilo que encheu a cabeça do senhor não foi?

- O Danilo me abriu os olhos para muita coisa. Ele parece ter aprendido mais com a política do que você que já ocupou tantos cargos. Seu irmão está preocupado com você, e agora vejo que ele tem motivos para isso.

- O que ele andou dizendo pro senhor? Ele está é paranoico, ele é fraco papai, não é como nós. Não tem estômago para algumas coisas que sabemos que é preciso fazer para um bem maior. Eu tentei ensinar, mas ele agiu como um bebezão assustado, um maricas.

- Chega Douglas! Eu estou velho e não burro ou louco! Eu fiquei a par de tudo que aconteceu nessa fazenda, e não foi o Danilo quem me contou. Você acha mesmo que eu não deixaria meus olheiros de plantão nas minhas terras? Você está adubando esses canaviais com gente Douglas! Isso é burrice meu filho!

- O senhor fala como se eu tivesse matado por prazer, não foi papai! Eram pessoas perigosas...

- Douglas eu não quero ouvir essas explicações fajutas! Cale-se! Estou retomando o controle dessa fazenda. Já comecei a tentar consertar as coisas, algumas não tem conserto, e nós vamos ter que pagar por isso. Melhor dizendo: eu vou pagar por isso. Você volta hoje para Brasília. O deputado Ferreira Filho pediu afastamento para cuidar de sua saúde, você como primeiro suplente vai assumir a cadeira dele. Apresse sua mulher para fazer a mudança de vocês de Campo Grande para lá, quero que você seja um deputado exemplar! Daqueles que mal existem naquele congresso: trabalhando todos os dias da semana. Quero você ocupado em inventar leis de tudo que é qualidade, participando de todas as CPIs que aparecerem!

- Mas... Papai... E as fazendas de Mato Grosso?

- Não se preocupe, já tenho gente de confiança á frente delas. Vou ajeitar tudo por aqui e vou dar assistência às outras também. Minha vida política acabou, nasci como homem da terra e vou terminar meus dias assim. A carreira política dos Toledo Campos está em suas mãos agora. Conquiste minha confiança em você, me orgulhe!

            Douglas parecia aturdido com as manobras do pai para afastá-lo da Verdes Canaviais. Algo não parecia estar correto naquele contexto, considerando as regras de Acrisio.

- O senhor está esquecendo que tem muitas pontas soltas nessa história, e dando abertura para esse delegado fuçar tudo, vai dar as provas para finalmente conseguirem o que tentaram toda vida: condenar e prender o senhor. E não vai ter juiz e nem advogado que consiga livrar o senhor quando a imprensa souber.

- Meu filho chega uma hora na vida que o homem se depara com o juízo. Pode ser com o juízo dos homens, ou da sociedade, ou até dele mesmo. E se esse encontro não for a terra, não escapará do maior juízo de todos: o divino. Cheguei à fase de vida na qual eu tenho que estar preparado para qualquer um desses ou para todos esses.

            Douglas ficou ainda mais atordoado com a reflexão do pai, que ainda acrescentou:

- Retorne hoje ainda para Brasília, e contrate outros assessores, outros seguranças, não quero esses capangas sanguinários acompanhando você. Ficarão aqui debaixo das minhas vistas. Estarei presente na sua posse, e teremos outra conversa sobre sua saúde, prometi à sua mãe que cuidaria de vocês, e como ela era cardíaca, quero que vocês três sejam avaliados.

            A recomendação de Acrisio não tinha o menor nexo para Douglas. Chegou até a supor que seu pai estaria enlouquecendo, ou como se atribuía a pessoas idosas: caducando. No entanto, Douglas apenas meneou a cabeça e empolgado por assumir o cargo de deputado federal aceitou a imposição do pai e deixou a fazenda imediatamente após comunicar aos seus funcionários pessoais a decisão de Acrisio.

*************

            Natalia boquiaberta desligou o telefone. Não conseguia sequer concatenar seus pensamentos para formar uma única teoria acerca das informações que Lucas acabara de repassar. Carla custou a acreditar no relato da promotora, ficou igualmente perplexa com a reviravolta daquela investigação.

            Apesar do pouco alarde, a imprensa noticiou a regulamentação dos trabalhadores da Verdes Canaviais. Como bom marqueteiro que era, Danilo certamente convocara a mídia para anunciar a mudança de gestão da fazenda alvo de investigação do Ministério Público. Foi registrado inclusive depoimentos de trabalhadores satisfeitos com sua cidadania reconquistada, além de imagens de outros fazendo ligações telefônicas para suas famílias.
           
            Tal fato sem dúvida tinha intenção de mascarar as outras denúncias de tortura e assassinato. Mas, a mudança de postura de Acrisio impediu a rebelião iminente daqueles trabalhadores. A interpretação de Lucas e Natalia sobre isso divergia. O delegado, talvez por ser testemunha ocular daquela revolução, conseguia demonstrar otimismo e até arriscar que Acrisio poderia ser mesmo inocente de muitas acusações. Já Natália conservou a perspectiva de que tudo não passava de uma encenação da velha raposa, manobrando e manipulando as pessoas e o sistema a seu favor.

            Natalia acreditava que a repentina generosidade e integridade de Acrisio era uma farsa para ocultar crimes maiores. O recuo estratégico do ex-senador reservava alguma desagradável surpresa no desenrolar dos fatos. O que a promotora supunha de acordo com a sua experiência era que Acrisio armara para que toda culpa dos crimes identificados na fazenda fossem atribuídos a Nilton Silva, dessa forma, livraria ele e o filho mais velho das acusações.

            A hipótese de Natalia só ganhou força quando Diana compartilhou com ela as informações que Danilo acabara de revelar ao telefone.

- O papai está mesmo se superando em nos surpreender.

- Ah, nisso concordo com você meu amor.

- Então você já sabe sobre o que aconteceu na fazenda hoje?

- Sim, o Lucas me ligou agora pouco.

- O Danilo também. Ele me disse que o papai parece outra pessoa. Acatou todas as sugestões dele. Imagine que constituiu o mesmo escritório de advocacia que Carla indicou para regularizar a situação da fazenda e dos trabalhadores.

- Sério? Ele está mesmo se empenhando hein? – O comentário de Natalia veio carregado de ironia.

- Ele está tentando fazer a coisa certa. Isso é bom não é? – Diana retrucou ressentida.

- Amor você acredita mesmo nessa mudança do seu pai? – Natalia indagou surpresa.

- Acho que ele merece ao menos o benefício da dúvida.

- Di, estamos falando de Acrisio Toledo! O homem que você lutou contra a ditadura dele a vida toda. O mesmo que você testemunhou ordenar a morte de um rival. O mesmo que te surrou te chantageou e nos separou. Que dúvida pode restar sobre a culpa e caráter dele? – Natalia perguntou exasperada.

- Também o mesmo que me amou, me protegeu, salvou sua vida sem nem saber quem você era só porque era um pedido meu.

- Para depois cobrar essa dívida e ter algo contra nós e te chantagear não é?

- Impressão minha, ou você está condenando meu pai sumariamente?

- Sumariamente? Di o retrospecto do seu pai de crimes é mais extenso do que a avenida Bandeirantes!

- Você encarnou mesmo o papel de acusadora não é Natalia?

- E você retrocedeu à inocência da infância e está defendendo esse homem se esquecendo do que ele te fez!

- Esse homem é meu pai Natalia!

            Diana bradou com lágrimas nos olhos. O semblante da loirinha tocou Natalia. Encarando a fotógrafa, a morena percebeu o quão cruel estava sendo com o momento delicado de Diana, confusa com as mudanças repentinas de um pai que ela queria de volta como o tinha na infância.

- Desculpa meu amor. Estou exagerando um pouco não é?

- Natalia eu não me esqueci de nada que meu pai fez. Mas eu não posso ignorar que esses dias tem me abalado, tem algo diferente nele, eu tenho certeza, não estou louca.

- Eu acho que seu pai está jogando. Como sempre.

- Pode ser, mas também pode estar do jeito dele, consertando as coisas, protegendo a família dele, fazendo o que a mamãe pediu especialmente pelo Douglas.

- O Douglas é o braço direito do seu pai, está envolvido até o pescoço nas acusações segundo seu próprio irmão, nunca diria que não é filho legítimo de Acrisio. Como seu pai está protegendo ele?

- O papai o afastou da administração da Verdes Canaviais. O Douglas está se mudando hoje para Brasília para assumir uma cadeira no Congresso Nacional, ele era o primeiro suplente de um deputado que se afastou.

- Ah ótimo! Como não imaginei isso?! Eu sabia que aquela raposa velha estava armando alguma!

- Natalia!

- Diana você não percebe a jogada do seu pai? Agora, o Douglas não pode ser julgado pela justiça comum, pelo menos não na minha jurisdição. Ele tem um negocinho chamado: foro por prerrogativa de função. Nunca mais conseguiremos pegá-lo.

            Diana torceu os lábios, refletindo a conclusão revoltada da promotora.

- Tenho que reconhecer: seu pai é bom no que faz! Uma jogada de mestre. Enquanto nos distraía com essa boa vontade nas investigações, vestia a armadura no filho assassino contra a cadeia!

            Diana não retrucou. Não sabia se o certo era defender o pai, ou se juntar a promotora naquela indignação. Seu coração acenava que a motivação de Acrisio para tais manobras em nada tinham relação com a fuga de punições, Diana enxergava a proteção paterna nos moldes de Acrisio, e mesmo que tentasse não conseguia condená-lo por isso, e por um instante se censurou por tal deslize no seu pensamento ético, totalmente discrepante da postura moral e profissional de Natalia. Por tal paradoxo, a loirinha preferiu o silêncio. Deduziu que expor seu dilema decepcionaria por demais a promotora.

            Naquela noite, pela primeira vez desde que reataram Diana não conseguiu estar inteira ao lado de Natalia. Sentiu falta da imparcialidade e sensatez de Rosana. Não culpava Natalia por aquela postura, uma vez que era coerente, e justa, dados os fatos do inquérito, mas não podia conter o sentimento controverso que tomava seu peito: saudade do pai e vontade de estar perto dele, nem que fosse para ter a certeza de que Natalia estava certa.

            Natalia não ficou imune ao estado da fotógrafa. Reconhecia que digerir aquela mudança de atitude do pai não estava sendo tarefa fácil para Diana, em contrapartida, se via incapaz de aceitar qualquer teoria que diminuísse o nível de maldade de Acrisio. Para não arriscar magoar Diana, a promotora optou por se recolher às suas certezas, uma vez que seu julgamento acerca do seu sogro já estava concluído.

            Experimentando mais uma vez a vulnerabilidade psicológica que aquela sequência de eventos provocou em sua vida, Diana lutou contra a vontade de afundar sua aflição em um copo de uísque, apelando para Rosana mais uma vez. A voz de sono da cantora anunciou que mais uma vez Diana interrompera o descanso da psicóloga.

- Acordei você de novo não é?

- A culpa não é sua minha loira, é desse fuso horário maldito não é? Então, o que você faz acordada essa hora meu bem?

- Acrisio Toledo Campos.

- Acho que esse nome é familiar... – Rosana brincou. – O que meu sogro aprontou dessa vez?

- Abriu os portões da fazenda para a polícia escarafunchar tudo, afastou o Douglas de lá, e arranjou sua vaga na Câmara Federal.

- Han?

- Pois é... É de assustar não?

            Diana compartilhou com Rosana sua angústia, suas dúvidas, escondendo obviamente o agravante de suas questões com Natalia. A fotógrafa reconhecia o quanto o amor e a ciência de Rosana lhe ajudavam nesses momentos de impasse e confusão. Em minutos de conversa, já se sentia mais leve, a ponto de sorrir e brincar com a cantora. Testemunhar tal manifestação de afinidade e intimidade foi mais que doloroso para Natalia.

            A morena se aproximava pelo corredor quando ouviu que Diana conversava com Rosana, à surdina permaneceu sendo tomada pelo ciúme e insegurança despertada pelo tom carinhoso do diálogo no telefonema.

- Di você não tem que se sentir imoral por aceitar a hipótese de acreditar no seu pai. Você é humana, e pura. Isso não é falha de conduta, isso é nobreza.

- Nobreza ou ingenuidade?

- Meu amor você é uma das pessoas mais nobres que conheço. Não é demérito assumir ingenuidade. Se você quer procurar seu pai, e terminar aquela conversa tensa que iniciaram semana passada, faça isso, não perca a oportunidade de um coração aberto.

- Nem considerava mais que meu pai tivesse um coração, quanto mais aberto.

- Estou me referindo ao seu coração meu amor.

- Não sei se quero, não sei se posso Rô...

- Tenho certeza que sim, que você quer e pode. Aceite o que seu coração está pedindo, mas faça isso logo, próxima semana eu te quero aqui ao meu lado!

- Pode contar com isso, já comprei minha passagem.

- Ótimo! Saudades meu amor.

- Também estou honey.
           
            Diana respondeu automaticamente, negligenciando a necessidade de se distanciar de Rosana, considerando o que o reencontro delas representaria: o término da relação.

- É bom ouvir isso. Nos últimos dias tenho te sentido tão distante...

- Rô vou te deixar dormir, também preciso.

            Diana apressou a despedida quando se deu conta do deslize, nesse exato momento ouviu o barulho de um passo lento, na parede da sala, a sombra de Natalia. Com o pesar da consciência duplamente despertado, a loirinha desligou o telefone.

            Natalia se esquivou correndo em silêncio para a cama para não ser pega em flagrante pela fotógrafa. Diana chegou ao quarto na velocidade que a culpa e o medo de que Natalia interpretasse aquela ligação com outro fim permitiram. Encontrou a morena deitada, exatamente como a deixara: dormindo. Não a acordou, especialmente por que sabia que a promotora apenas fingia dormir, como se declarasse nada querer falar sobre o assunto, e como esse era o desejo de Diana, firmaram esse acordo tácito, arcando com as consequências da dúvida instalada.