quarta-feira, 30 de novembro de 2011

LEIS DO DESTINO: 5º CAPÍTULO

*A non domino


  *Sem título de domínio ou de propriedade. Expressão utilizada para dizer que alguém não tem propriedade sobre a coisa. Mesmo que detenha a posse não gera o assenhoramento com animus definitivo 

Por Têmis


O restaurante universitário estava lotado. Como era de se esperar Natália parecia perdida, e ainda se sentia observada, seguida pelos olhos de muitos. A atitude de defesa de Diana, não parecia ter repercussão fora do primeiro semestre. Deu meia volta e se acomodou em uma das praças do campus, se contentando com um cachorro quente comprado em uma carrocinha como almoço.

 -- Sua mãe não te ensinou a não comer porcaria no almoço? Era Pedro trajado elegantemente com terno e gravata, segurando uma pasta executiva.

 -- Uau! Que estilo heim? O doutor está perdido por aqui? Natália brincou, arrancando um sorriso de Pedro.

 -- Não estou perdido não, na verdade, acabei de achar quem eu procurava,

 -- Estava me procurando?

 -- Pois é... Imagina minha surpresa quando meus colegas me mostraram isso aqui no escritório de prática jurídica... Pedro exibiu a foto que Natália estava exausta de ver.

 -- Pela sua cara estou vendo que não estou com um furo jornalístico nas mãos.

 -- Não mesmo Pedro, eu passei a manhã fugindo dos cochichos, risos, piadas...

 -- Posso imaginar. Mas, será passageiro.

 -- Já ouvi isso hoje.

 -- Quem te disse isso sabia o que estava falando. Natália acenou em acordo.

 -- O centro acadêmico ficou sabendo disso, se você quiser a gente pode tentar punir quem está promovendo isso...

 -- Ai, eu não quero mais mexer nessa história. Minha avó já me dizia: minha filha, quanto mais se mexe em cocô, mas ele fede. Pedro tapou a boca para esconder o riso.

 -- O que foi? Está rindo dos conselhos de minha avó?

 -- Não, estou rindo do seu jeitinho falando “cocô”. Você parece nunca ter falado um palavrão na vida! Natalia ruborizou.

 -- Você acertou, nunca falei mesmo. Sempre temendo que minha mãe lançasse a chinela dela contra minha boca se eu ousasse mencionar um.

 -- Esse seu jeitinho de menina certa do interior, é um encanto a mais sabia?

 A menina ficou tímida. Mas, o clima de flerte mais uma vez se fez. Pedro insistiu:

 -- Não consegui parar de pensar em você a noite toda, estava louco pra te encontrar hoje.

 -- Pedro...

 -- Sem forçação de barra ok? Mas, você não quer me acompanhar numa sobremesa depois de seu almoço tão saudável?

 -- Sobremesa?

 -- Não se preocupe, nada demais, um sorvetinho, que tal? Natalia aceitou o convite, e não foi difícil o rapaz descontrair a moça naquele dia tão intenso de tribulações.

 -- Preciso voltar para o escritório Natália. Será que eu posso te ligar, pra combinarmos algo, sei lá no final de semana?

 -- Pedro, o orçamento da lata de sardinha que moro não inclui uma linha telefônica.

 -- E celular? Você não tem?

 -- Ah meu celular ainda é daqueles analógicos... Preciso comprar um mais moderno, colocar um chip daqui, enfim, não estou usando. Pedro ficou pensativo.

 -- Você vai precisar de um celular funcional.

 -- Vou falar com meus pais, quem sabe eu ganhe um no meu aniversário.

 -- Quando é seu aniversário?

 -- Próximo mês.

 -- Até lá, como faço para falar com você?

 -- Acho que você vai ter que tomar sorvete mais vezes comigo...

 Natalia mordeu os lábios fazendo charme. Pedro se rendeu, se aproximou dos seus lábios, e se entregaram mais uma vez a um beijo.

******

 A semana passou rápida. E como Diana e Pedro previram, o escândalo dos primeiros dias que envolveram Natália, parecia ter caído no esquecimento. Todos os dias, Pedro e Natália se encontravam na hora do almoço, e assim, a moça ia se acostumando com sua rotina, depois das aulas da manhã, passava as tardes na biblioteca revendo os assuntos das aulas se aprofundando neles.

Não reviu Diana naquela semana, logo supôs que esse devia ser um dos motivos pelos quais a moça como ela mesma falava, permeava todos os semestres do curso. Pedro passou a ser para Natália seu amigo mais íntimo, mais que amigo na verdade, uma vez que seus encontros diários sempre acabavam aos beijos. Fazer amizades em sua sala a princípio seria difícil, Natália se mantinha com o pé atrás com as pessoas que fizeram tanta chacota. Entretanto, aos poucos, alguns colegas mais interessados no curso, percebendo a dedicação de Natalia aos estudos iam se achegando.

 Era sexta-feira, Pedro esperava Natália na saída da biblioteca.

 -- Pedro?! O que faz aqui?

 -- Hoje é sexta-feira! Até os nerds relaxam na sexta. Vamos encontrar a galera no Botecão.

 -- A galera? Botecão?

 -- Um bar aqui perto do campus, e a galera, são os meninos da república, e uns apêndices que vivem acampando por lá. Pedro explicou se desfazendo do nó da gravata e jogando o terno sobre os ombros. -- Pedro, eu não sei estou tão cansada, e nada disposta a servir de palhaça... Essas pessoas certamente estavam lá no trote...

 -- Natália, você não vai ficar fugindo das pessoas toda sua vida acadêmica não é?

 -- Mas, Pedro...

 -- Natália, as pessoas que estão lá, é pessoal do bem, meus amigos, a galera da Álibi, Diana, o centro acadêmico do curso, pessoas que não foram os responsáveis por aquela brincadeira de mal gosto que fizeram com você.

 -- Ah, seu irmão que também brincou comigo se passando por você pra me beijar, e a sua amiga que me chama de caipira?

 -- Não faça julgamento precipitado garota! Vamos lá, relaxar um pouco, além do mais, você vai estar comigo! Quer companhia melhor?

 Natália se rendeu, temerosa do que encontraria no tal bar. O nome Botecão não poderia ser mais apropriado, era mesmo um boteco grande. O clima de um estabelecimento de bairro só não era mais característico pelo fato do local estar lotado, dominado por estudantes. Duas mesas de bilhar, um balcão tradicional e dezenas de mesas e cadeiras de aço com emblemas de cerveja compunham os móveis do espaço.

 -- Pepê! Uma das meninas da mesa se atirou nos braços do rapaz abraçando-o. 

-- Chega aí parceiro!

 Rapidamente os amigos foram acolhendo o rapaz, cumprimentando com simpatia Natália quando ele a apresentou.

 -- Essa é Natália, novo membro do clã dos iluminados pelo direito.

 Acomodaram-se, aumentando mais uma mesa, enquanto nas mesas vizinhas, uma roda de samba era improvisada. E surpreendentemente Diana surgiu com uma bandeja na mão, repleta de “cabalitos”, os copos especiais para degustação de tequila, acompanhando a garota, o irmão gêmeo de Pedro, Lucas, com uma tigela cheia de rodelas de limão e um pote de sal.

 -- Já na tequila? – Pedro perguntou surpreso.

 -- Mano você chegou tarde, nossas tradicionais cinco rodadas de cerva já passaram, agora é a mexicana! Pedro sorriu, e nesse momento Lucas e Diana se deram conta da presença de Natália ali.

 -- Tem bicho perdido aqui gente! Aliás, um bicho gata! – Lucas falou acomodando a tigela e o pote que tinha nas mãos.

 -- Um bichinho do mato você quis dizer Luc! Olá caipira. Diana cumprimentou Natália, oferecendo um cabalito.

 -- Não obrigada. Diana franziu a testa e disse:

 -- Você acha que bicho aqui tem vontade própria? Quem você pensa que é para escapar do nosso ritual? 

Por mais irritante que aparentemente Diana se portasse, Natália não conseguia sentir raiva da moça, talvez por conta do último contato das duas, no qual, Diana a livrou de um constrangimento maior com a exposição das fotos.

 -- Ritual? – Natália perguntou segurando o cabalito.

 -- Isso, a cada cinco rodadas de cervejas no botecão, uma dose de tequila.

 -- Meu Deus! Vocês terão fígado quando se formarem?

 -- Isso não sei, mas, de qualquer forma, nosso ritual é parte de um acordo multidisciplinar.

 -- Hã? -- … caipira, a gente se compromete a manter os consultórios médicos cheios com nossos rituais, vida sedentária, comendo porcarias, e os médicos continuam a cometer erros sendo nossos clientes fixos.

 -- Ah, os estudantes de medicina estão sabendo desse acordo?

 -- Oficialmente não. Diana abriu um sorriso arrebatador para Natália, inédito, descontraído, desarmado.

 O sorriso foi o suficiente para Natália além de retribuir o gesto a altura, se convencer a ingressar no tal ritual. O “shot” estava armado e o coro ecoou no botecão:

 -- Arriba, abajo, al centro y adentro!

 Os veteranos saborearam o destilado, alguns fizeram caretas, outros só trincaram os dentes, Diana, mais ousada balançou a cabeça, segundo ela, “para misturar a tequila com os neurônios adormecidos”, Natália sentiu a garganta se rasgar, a bebida desceu queimando, as lágrimas surgiram instantaneamente como se acabasse de mastigar uma colher de pimenta dedo-de-moça com maxixe quente. A reação da caloura atraiu risos de Diana, Lucas e Pedro.

 -- Como vocês conseguem beber isso e depois rir? - Natália falou com dificuldade.

 A noite avançou nessa atmosfera festiva. A caloura já parecia à vontade entre os veteranos, até Diana que inicialmente antipatizou com a garota, já se mostrava mais amável a seu jeito. Pedro era todo atenção com ela, e foi esse fato que representou o fim do clima cordial entre Natália e Diana. A loira se afastou dos dois visivelmente insatisfeita com o romance óbvio entre eles. A beleza e o encanto de Natália não conquistavam só Pedro. Lucas, seu irmão gêmeo, apesar de ver o irmão derretido pela novata, não hesitou em jogar charme, e com seu jeito descontraído e bem humorado, estava arrancando boas gargalhadas de Natália. Se Pedro não conhecesse tão bem o irmão pensaria que toda aquela simpatia seria simplesmente para provocá-lo, mas tal atitude não combinava com o irmão, Lucas não ousaria disputar com ele uma mulher, não depois do que a relação deles com Diana os ensinaram, mesmo assim se incomodou com a proximidade dos dois.

 -- Você vai alugar minha gata por muito tempo Lucas? – Perguntou Pedro.

 -- Sua gata? – Lucas perguntou surpreso. Até Natália se surpreendeu com o vocativo recebido.

 -- Você ainda não notou que ela está comigo mano?

 -- Brow foi mal, mas acho que nem ela percebeu isso.

 Diana fingia estar distraída com a roda de samba, mas observava o embate entre o triângulo com atenção, com cara de poucos amigos. Os ânimos se exaltaram quando Lucas passou o braço em volta da cadeira que Natália estava sentada, envolvendo seus ombros.

 -- Então gatinha? Você está com ele, ou está na pista?

 Natália visivelmente desconcertada, procurava uma resposta a fim de evitar outro episódio de disputa entre os gêmeos, entretanto, a novata se sentia profundamente desconfortável pela precipitação de Pedro, anunciá-la como “sua”, e pelo comportamento inconveniente do seu irmão.

 -- Responde Natália, pra esse mané se colocar no lugar dele!

 Pedro já estava exaltado, colocando com violência o copo de cerveja sobre a mesa. Lucas não arredou do lado de Natalia, provocando ainda mais a ira do irmão que avançou em sua direção levantando-o pela gola da camisa. O gesto animoso causou alvoroço entre os amigos, e mais uma vez, Diana se colocou entre os irmãos.

 -- Ei, ei, ei, o que está acontecendo aqui heim? Porra de novo vocês se estranhando?! Diana falava esmurrando o peito de Pedro empurrando-o.

 -- Di, o Lucas está exagerando nessas gracinhas dele!

 --O Pepê é que anda se apropriando indevidamente de bens que não lhes são de direito!

 -- Vocês dois são ridículos sabia?! – Diana falou empurrando os dois para a calçada.

 Nesse momento Natália recolheu sua mochila, deixou o dinheiro que julgava ser sua parte na conta, e saiu em disparada do Botecão. Quando ouviu um berro de Pedro.

 -- Natália?! Aonde você vai?

 -- Para minha casa Pedro, aonde mais eu iria?

 -- Mas vai sair assim sem me dar explicações?

 -- Como é que é? – Natália perguntou franzindo a testa.

 --É, pow, você veio comigo, fica de azaração com meu irmão e agora vai embora sem dizer nada? Sem uma explicação?

 Pedro se aproximava indignado com Natalia , sob o olhar de Diana e Lucas.

 -- Olha só Pedro, eu não te devo explicações. Não te devo respostas, nem desculpas. Você é um cara maravilhoso, amigo incrível, está sendo super fofo comigo, mas nós não temos nada mais do que amizade. 

-- Mas a gente está ficando Natalia...

 -- Pois é, estávamos ficando, e você viaja nessa idéia de tomar posse de mim? Eu não sou “sua gata”, não sou propriedade de ninguém. Lutei muito para conseguir entrar nessa faculdade, me mudar pra cá, não só pelo sonho de cursar direito, mas principalmente pra galgar minha independência, fui até então, a Natália do seu Álvaro e da dona Fátima, não deixei o interior pra ficar conhecida de novo como a “Natália de alguém”.
-- Mas, Natália, eu não tive essa intenção...

 --É a segunda vez que você discute com seu irmão por minha causa em uma semana! A gente não tem nenhum compromisso, imagine se tivéssemos, você me colocaria uma coleira? Depois a caipira, a moça do interior sou eu! Vocês dois agem como se morassem no velho oeste! Natália saiu fumaçando em direção ao ponto de ônibus.

 -- Eu te acompanho até o ponto de ônibus então... – Pedro fez menção de segui-la.

 -- Não! Chega de confusão, de DR essa noite. Boa noite Pedro!

 Diana parecia encantada com a atitude firme da moça. Não enxergara até então a fortaleza, a determinação, a hombridade da moça do interior, aparentemente tão ingênua, quase boba. Natalia esperava impaciente a sua condução até o metrô, não só pela demora, mas pelo clima esquisito na rua pouco iluminada e com pouco movimento. Estava tomada de medo, relembrando todos os conselhos dos pais sobre os perigos de assaltos, seqüestros, estupros, todas aquelas tragédias divulgadas na mídia, cotidiano das grandes cidades.

 Ouviu um barulho ecoar, uma moto se aproximava. O piloto usando o capacete preto, jaqueta de couro na mesma cor, estacionou a moto colada ao meio fio, bem próxima a Natalia. A moça de trêmula passou a bater os dentes se imaginando na manchete das paginas policiais do dia seguinte, a adrenalina lhe impulsionava a correr, mas as pernas não respondiam aos reflexos químicos do corpo, e quando o medo lhe roubara a cor do rosto e o calor do seu corpo, e Natalia estava prestes a desmaiar tamanho o pavor que lhe assolara, o piloto retirou o capacete, sacudindo os cabelos loiros, exibindo um sorriso.

 -- E aí caipira? Vai ficar dando mole pra bandido, ou vai subir na minha garupa?

 Diana, convidou a moça com a cabeça para subir na motocicleta. Natalia soltou um suspiro de alívio, e retribuir o sorriso foi inevitável. Não hesitou. Montou na garupa, ajustou o capacete, e sentiu Diana puxar suas mãos para envolver sua cintura.

 -- Aperta com força, mas não me quebra, sou marrenta, mas sou magrinha!

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