quarta-feira, 30 de novembro de 2011

LEIS DO DESTINO: 6º CAPÍTULO

Ad libitum


À vontade 
Por Têmis

 Diana deu quatro passos no apartamento virou-se em direção a Natália que estava encostada no balcão da cozinha e disse:

 -- Não é possível! Dei quatro passos em 10 segundos e já conheci toda sua casa!

 Natália apertou os olhos, indignada com a piada da veterana, fez uma careta lhe mostrando a língua e lhe entregou uma toalha.

 -- Para de fazer gracinhas, e se enxugue logo, antes que você fique resfriada e coloque a culpa em mim.

 -- Claro que a culpa será sua se eu adoecer, quem manda você morar onde o Judas perdeu as meias? Deu tempo se formar uma frente fria e cair um toró até chegarmos aqui!

 -- Ai que exagerada... Nem é tão longe assim, de ônibus e metrô não gasto nem duas horas.

 -- Nossaaaa, pertinho, aposto que uma viagem de duas horas era o máximo que você fazia nas suas viagens de férias na infância no cafundó de onde você veio. Natália abriu a boca e tentou falar algo, emendando sílabas, mas não respondeu, engolindo a provocação.

 -- Acertei não foi? – Diana zombou.

 Natália jogou a almofada do sofá-cama contra o rosto de Diana que se desviou a tempo de colher o objeto e arremessá-lo de volta, acertando em cheio o nariz de Natália.

 -- Aiiii. Sabia que posso te processar por agressão? – Natália dramatizou.

 -- Caraca! Uma semana de aula, quatro aulas de Madimbu e você já está com esse vício processual? Introduziram o direito direitinho em você heim... Natália franziu a testa.

 -- Ei! Você é uma caipira, ingênua, não acredito que você enxergou duplo sentido na minha colocação. – Diana disse empurrando Natália para lhe dar espaço no sofá.

 -- Você está falando demais em colocar, introduzir se não fosse você a falar essas coisas, entenderia como assédio sexual, seria outro processo.

 -- Meu Deus! Quem é você? Madimbu fez lavagem cerebral na caipira! Natália gargalhou.

 -- Você é muito boba.

 -- Então você me processaria por agressão e assédio?

 -- Sim, e com meu jeitinho de moça do interior, facilmente convenceria qualquer um da sua má conduta. – Natália falou fazendo cara de anjo.

 -- Você não conhece o meu poder de persuasão. Alegaria legítima defesa na agressão e quanto ao assédio sexual, seria fácil convencer que foi apenas um mal entendido, que você como moça do interior não conhecia as gírias da cidade grande e entendeu outra conotação nas minhas palavras.

 -- Pra quem não gosta de Direito e está repetindo a disciplina básica pela quinta vez, você é bem entendida de argumentação legal.

 -- Alguma coisa eu tinha que aprender...

 -- Como você conseguiu essa façanha? Repetir cinco vezes essa matéria?

 -- A primeira vez que cursei, eu ainda lutava para não cursar Direito. Mal aparecia na faculdade. Não fiz as provas, não tive nem o direito de ir para prova final, na metade do semestre já estava reprovada por faltas. Na segunda e terceira vez que cursei fui para prova final precisando de meio ponto para passar, Madimbu fez questão de preparar a pior prova de todos os tempos, com uma única questão, mas, para resolvê-la eu precisaria de no mínimo oito horas, ela só me deu duas horas, o que fiz nesse tempo ela não considerou, e me reprovou. Semestre passado, eu tinha nota suficiente para passar sem precisar sequer da última prova, mas, por causa de uma falta ela me reprovou, falta que ela me deu por que cheguei atrasada. Ela conseguiu empacar minha graduação por que IED é pré-requisito pra um monte de matérias dos semestres posteriores, mas quanto a isso ela me fez um favor.

 -- Ela te odeia mesmo! Você não pode fazer nada? Apelar pra instâncias superiores da universidade, fazer uma queixa no departamento contra essa perseguição?

 -- Dois semestres atrás eu poderia, mas não o fiz, hoje é impossível.

 -- Por quê?

-- Seria inútil, hoje ela é chefe do departamento, e membro do conselho acadêmico. Aquela vaca rosa tem prestígio até com a reitoria, seria perda de tempo.

 -- Que absurdo! Suas primeiras aulas com ela não começaram bem por minha causa não é?

 -- Pois é você tem uma dívida eterna comigo! – Diana arregalou os olhos numa expressão de cobrança.

 -- Por que será que eu acho que estou em apuros devendo a você?

 -- Por que você está minha cara! Até já sei como você vai me pagar essa dívida.

 -- Ah é? Posso saber como?

 -- Muito simples você vai me fazer passar em IED esse semestre.

 -- Ha ha ha! Você só pode estar brincando. Como eu teria esse poder?

 -- Seja a melhor aluna de doutora Dorothea, conquiste a velha, me coloque sempre nas suas equipes de trabalho, grupos de estudo, monitore minhas faltas...

 -- Basicamente, ser sua tutora em IED. – Ironizou Natália.

 -- Isso mesmo! Captou direitinho caipira!

 -- Já te disseram que você é muito abusada?

 -- Pelo menos duas vezes ao dia, que nem remédio pra infecção intestinal.

 Natália gargalhou mais uma vez. 

-- E por falar em tutoria, qual é a sua com o Pepê? – Diana perguntou.

 -- Ah, então você é mesmo o que parece? A tutora deles? Ou a orientadora espiritual dos gêmeos?

 -- Estou impressionada com sua perspicácia caipira. Mas, de orientadora não tenho nada, de espiritual então... – Diana revirou os olhos- Os meninos hoje são como irmãos pra mim, e não admito que ninguém os magoe, seja motivo de discórdia entre eles.

 -- E você está me acusando exatamente de que com esse olhar de censura? Acha que sou uma ameaça à paz fraternal? Acha que estou magoando seu protegido?

 -- Por enquanto não estou te acusando de nada, mas te advirto que estou de olho.

 -- Já estou me acostumando às pessoas ficarem de olho em mim, uma a mais não vai fazer diferença.

 -- Tá se achando né caipira? Diana sorriu ao perguntar. Natália deu de ombros e respondeu:

 -- Sobre sua pergunta, acho o Pedro um cara maravilhoso, mas, minha prioridade nesse momento é a faculdade, apesar de você me julgar uma caipira ingênua, sou muito focada no que quero qualquer relacionamento pra mim vem em segundo plano agora. Não se preocupe, quebrar o coração de seu protegido não está nos meus planos.

 -- Estamos conversadas então. Diana se levantou, caminhou até a janela e disse:

 -- Odeio essas tempestades de São Paulo. Seu bairro então é uma calamidade! Olha ali, tem até submarino saindo do Tietê! Natália foi para a janela imediatamente para conferir o que Diana observou.

 -- Onde? – Perguntou inocente.

 -- Mas é muito Jeca mesmo... Diana caiu no sofá às gargalhadas, apontando para Natalia.

 -- Você não se cansa de ser tão boba assim? – Natalia disse emburrada. Diana não conseguia falar, entregue ao riso, zombando da ingenuidade da novata. Natalia se aproximou da janela, contemplou a chuva e disse:

 -- Você sabe nadar?

 -- Han? Claro que sei por quê? – Diana enxugou as lágrimas perguntando.

 -- Por que você vai precisar nadar bem pra alcançar sua moto que está sendo levada pela correnteza... A reação de Diana foi instintiva: saltou e olhou pela janela, e foi a vez de Natália cair no sofá com uma crise incontida de risos.

 -- Ha ha ha, que idiotinha você é! Quem disse que eu acreditei? Diana pela primeira vez ficou sem graça diante de Natalia, e isso para a menina do interior só aumentava sua vontade de rir.

 -- Quer saber? Vai ficar aí rindo de mim? Vou embora!

 Diana pegou os capacetes e sua jaqueta de couro e avançou em direção à porta quando Natália a impediu de sair perguntando:

 -- Você está louca? Sair com essa tempestade? Você vai ser arrastada com moto e tudo!

 -- Então para de rir da minha cara!

 -- Tá bom esquentadinha! Vou preparar algo para comermos, senta lá. Diana sorriu vitoriosa, sentou-se na bancada que dividia a cozinha da sala e perguntou:

 -- O que você vai preparar? Deixe-me adivinhar? Sopa de legumes? Não, espera: galinha caipira? Pamonha? Leitão à pururuca?

 -- Gente como pode nascer só uma vez e nascer boba desse jeito? Devia te deixar com fome só por causa dessas gracinhas! Não vim do sítio não sua bobona! 

-- Então me diz: qual iguaria você vai me preparar? Natália abriu a geladeira, e retirou uma de suas dezenas de “tuperware” muito bem organizadas, destampou-a e disse:

 -- Risoto de frango.

 -- Ah que decepção caipira! Um prato tão urbano... Natália apertou os olhos insatisfeita com a ironia da outra. Aqueceu o prato no microondas enquanto Diana continuava a importuná-la:

 -- Você não tem algo que toque música? Um rádio de pilhas? Uma vitrola?

 -- Tem meu notebook, ali na escrivaninha.

 -- Nooossaaaa que moderno! Um notebook?

 -- É Diana! E antes que você pergunte, não, ele não funciona a carvão. Diana riu estralou os dedos num gesto despojado disse:

 -- Foi boa garota! Está aprendendo heim, fez a piada antes que eu fizesse, mandou bem, mandou bem. Jantaram o risoto, e Diana foi obrigada a dar o braço a torcer, se rendendo ao talento culinário da menina do interior.

 -- Mamãe te preparou direitinho pra casar heim? Também sabe costurar, lavar, passar? – Diana foi sarcástica. – Por que se você fizer tudo isso, tão bem quanto cozinha, esqueça o direito, seria um desperdício o mundo perder uma dona-de-casa como você!

 -- Eu não acredito que você pensa isso sobre a sina de uma mulher... Quer dizer que uma mulher só terá um grande carreira profissional se for um fracasso como “Amélia”? Diana encheu a boca com uma garfada para evitar responder a pergunta de Natália que insistiu:

 -- Não acha que posso ter sido bem criada, para cozinhar bem, saber lavar, passar, costurar, para ser uma mulher independente e que é capaz de se virar sozinha em qualquer situação? Diana se viu sem poder de argumentação, envergonhada pelo deboche machista que fez.

 -- Sabe de uma coisa caipira? Diana a encarou com um brilho no olhar diferente. Natalia esperou a conclusão do pensamento da outra atenta.

 -- Você é uma caixinha de surpresas. -- Esse é o melhor elogio que você consegue me fazer Diana? Diana sorriu divertida.

  -- Quem disse que foi elogio? Natalia riu convicta que não seria tarefa fácil fazer Diana dar o braço a torcer.

-- Está tarde caipira, preciso ir.

 -- Mas ainda está chovendo muito, não é seguro você ir.

 -- E o que você sugere? Que eu durma aqui?

 -- Se você não se incomodar em dividir o sofá-cama comigo... Diana olhou em volta, olhou para o sofá-cama e pra não quebrar a rotina disparou mais uma de suas pérolas:

 -- Você não dorme de bobs na cabeça e de camisola de bolinhas não né?

 -- Ai que garota mais chata! Não! Mas te empresto uma se você quiser!

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