quarta-feira, 30 de novembro de 2011

LEIS DO DESTINO: 7º CAPÍTULO

* Sensus Excitabat

Despertada pelos sentidos, despertando sentimentos.
Por Têmis





Diana parecia à vontade trajando aquela camiseta, exibindo suas pernas finas, mas, delineadas, pele alva, sem manchas, nem ficou tímida tentando esconder a calcinha, se espalhou no sofá-cama esperando Natalia que se trocava no banheiro.

Natália surgiu trajando um baby doll minúsculo, evidenciando suas pernas torneadas, impecáveis, só comparadas às pernas das cantoras de axé baianas. Diana paralisou bestificada com aquela visão. Nunca imaginara que as roupas comportadas da menina do interior, escondiam um corpo tão sensual e delicado ao mesmo tempo. A dona da casa sequer percebeu os olhos atentos e fixos de Diana em seu corpo, inocentemente ingeria um copo d’água, para Diana aquele gesto imprimiu uma sensualidade surreal, a loirinha conseguia até ver a cena em câmera lenta, tamanha era a perfeição do que via.

-- Você quer água? – Ofereceu Natália.

-- Han?

Diana foi desperta do transe.

-- Perguntei se você quer água.

-- Ah sim, por favor.

Natália educadamente serviu o copo à Diana, que bebeu com voracidade evitando olhar para o corpo da novata que não poderia imaginar a reação que provocara na outra.

-- Como você dorme? No escuro, ou prefere que eu deixe a luz da cozinha acesa?

-- Escuro total! Se você não se incomoda, claro.

Diana foi rápida na resposta. Pensava consigo mesma que a escuridão lhe daria a segurança de não ser denunciada pelo olhar de desejo que expressara ao ver Natalia naqueles trajes. Entretanto, mal sabia Diana, que Natália não despertaria só o seu sentido da visão, mas todos.

O perfume de Natalia quando espalhou seus cabelos no travesseiro inebriou o olfato de Diana, o simples fato da novata se remexer na cama, fazendo sua pele roçar na pele da loirinha, arrepiava-lhe, provocando um desejo quase incontrolável de tocar aquela pele tão macia, delicada, como se seu tato precisasse daquele contato.

A noite parecia não ter fim para Diana que lutou contra ela mesma para não dar vazão ao desejo até então escondido dela mesma, desde que conheceu Natália. A proximidade das duas, o lado determinado, confiante e maduro da menina do interior propiciou uma intimidade que Diana não estava preparada para entender.

Como uma típica interiorana Natália acordou cedo. Olhou para a janela percebeu que a tempestade era coisa do passado, o sol já dava sinais de um dia lindo pela frente. Do seu lado, Diana dormia tranqüila, serena. Não pode evitar olhar para a loirinha que daquele jeito nem parecia à moça petulante e irritante que estava sempre com uma piada na ponta da língua. Natalia pode prestar atenção em cada detalhe do rosto delicado, se não a conhecesse, diria até que Diana era uma moça meiga, dada a face de anjo que a veterana tinha.

Natália não conseguia compreender o porquê de estar tão presa à visão de Diana dormindo, mas passou minutos contemplando-a, antes de se assustar ao perceber sua hóspede se remexendo na cama. Levantou-se rapidamente e foi preparar o café-da-manhã das duas.

Caprichou e nem sabia o motivo de tanto esmero para agradar Diana. Espalhou pelo balcão pão-de-queijo, café, leite, torradas, até bolinho de chuva Natália preparou. O barulho das panelas e pratos naquele espaço minúsculo acabou por acordar Diana, que com um humor nada agradável saudou a dona da casa.

-- Puta que pariu caipira!

-- Bom dia pra você também Diana.

-- Bom dia? Caraca você trouxe um galo na mala que te acorda quando o sol nasce? – Diana retrucou esfregando os olhos.

-- O sol já nasceu há horas minha cara!

Diana espreguiçou-se, levantou e se espantou com a “mesa” posta.

-- Nossa! Tudo isso você fez pra mim?

-- Você se acha a última coca-cola do deserto não é? – Natália respondeu sem graça.

-- A última não, mas, a mais gelada e mais saborosa, com certeza sim.

Diana abriu seu sorriso mais faceiro.

-- Não fiz tudo isso pra você não! Fiz pra mim, mas acho que vai sobrar um pouco pra você.

Natália disfarçou.

-- Opa! Acho que se você não for rápida, não vai sobrar é pra você!

Diana avançou no pão-de-queijo sem a menor cerimônia.

-- Se o Direito te decepcionar, você já tem ofício garantido caipira, abre uma padaria!

-- Vindo de você vou entender como elogio. Pelo menos você não me disse de novo que minhas habilidades são de Amélia.

-- O que ninguém gosta em São Paulo, eu adoro!

-- A poluição? Os engarrafamentos?

-- Não né! Esse clima maluco, de uma hora pra outra uma tempestade cai e olha só o sol hoje, nem parece que a cidade se acabava em água na madrugada.

-- … verdade.

-- Com uma luz dessas, não posso ficar parada. Vem comigo?

-- Pra onde?

-- Ah, resposta errada! Quando eu te fizer um convite, você deve responder sim, vamos?

-- Imagina se vou aceitar cegamente ir com você pra qualquer lugar!

-- Eu devia ter imaginado que uma caipira como você é bicho do mato também!

Diana provocou, despertando a irritação de Natalia.

-- Vamos? – Natália disse levantando-se do banco.

-- Mas, você vai vestida assim?

-- Qual o problema?

Diana olhou e mais uma vez ficou desconcertada ao se deparar com o belo par de pernas de Natalia.

-- … que... Não sei se de onde você veio é comum sair de pijama... Mas, aqui não!

-- Ué, você está preocupada com convenções? – Natália perguntou sarcástica.

-- Não estou preocupada, mas a gente não vai poder passar perto de um canteiro de obras, os peões vão te atacar!

Natalia ruborizou.

-- Então, me dá vinte minutos e já me apronto.

-- Não demore, preciso passar no meu AP pra pegar umas coisas.

Em exatos vinte minutos, Natalia estava pronta. Calça jeans justa, camiseta de alça, tênis, com um moletom nas mãos. O visual da novata apesar de simples e nos padrões de meninas da sua idade, para Diana se apresentou como figurino da sensualidade, delineando suas formas tão femininas.

-- Vamos?

Diana acenou em acordo. Parou em sua casa no trajeto:

-- Não demoro, prometo só jogar uma água no corpo, trocar de roupa e pegar meu material.

Ao contrário da quitinete que Natália morava, o apartamento de Diana era bem mobiliado, organizado, bem ventilado, com uma varanda na sala. Bem ao estilo da loirinha. Decoração clean, sofá espaçoso, pilhas de CDs próximo a uma aparelhagem de som moderna, e nas paredes uma exposição de fotos de paisagens, rostos, objetos, todas de muito bom gosto, bem produzidas.

-- Fique à vontade caipira, prometo que não demoro mais de dez minutos.

Olhando em volta, Natália percebera que a realidade financeira da loirinha, era bem diferente da sua. Como prometera Diana não demorou.

-- Já voltei! Demorei mais de dez minutos?

Natália saiu de sua distração para balançar a cabeça negativamente.

-- Vamos? – Convidou Diana.

-- Não sei bem pra onde, mas vamos.

Diana sorriu, e caminhou em direção á porta, Natália esbarrou em uma escultura, e por pouco não espatifou a obra de arte no chão.

-- Desculpa Diana. – Natália disse sem graça.

-- Relaxa caipira, não seria um grande prejuízo não. Era só pedir a escultora ela faria outra pra mim.

-- Nossa que moral que você tem! O que o dinheiro não faz né?

Diana ficou séria, e Natália percebeu que abusou da ironia no comentário.

-- Minha moral com a escultora não tem nada haver com dinheiro, até mesmo porque o dinheiro não é meu, é da minha família.

-- Eu não quis ser desagradável Diana, desculpe-me.

-- Vamos esquecer isso, a gente está perdendo tempo aqui.

Em uma cidade repleta de paisagens tipicamente urbanas, não foi surpresa o destino das duas. Diana levou Natália a um dos poucos espaços naturais de São Paulo: o Parque do Ibirapuera.

Diana abriu sua mochila e montou sua câmera sofisticada rapidamente, e como se cumprisse uma missão, não parou de clicar a paisagem, as pessoas, sob o olhar atento de Natalia.

Natália estava mais interessada na veneração de Diana à fotografia, do que propriamente à bela paisagem. Sentou-se na grama e observou cada movimento, expressão e olhar da loirinha. Diana passou mais de uma hora fotografando sem parar, por momentos se afastou de Natália, até enfim sentar ao seu lado na grama e voltar ao seu comportamento normal.

-- E aí caipira? Gostou da surpresa? Esse é o máximo de mato que você vai encontrar em São Paulo, deu pra matar as saudades?

-- Até parece que você veio pra cá pra me agradar... Estava praticamente em transe enquanto fotografava.

-- Fotografia é minha paixão, por causa dessa paixão suporto o Direito.

-- O que tem Direito com fotografia?

-- Nada! Esse é um dos motivos pelos quais odeio tanto Direito.

Natalia sorriu e insistiu:

-- Então, pode me explicar?

-- Meus pais nunca aceitariam me manter longe deles, na verdade meu pai, pra estudar fotografia. Decidi prestar vestibular pra Direito aqui em São Paulo porque aqui, além de estar a quilômetros de distância da vigilância de meu pai, ainda é a cidade onde tem os melhores cursos de fotografia do país. Por isso enrolo tanto a faculdade, preciso me profissionalizar em fotografia, juntar uma grana pra me especializar fora do país, poder me manter, viver de foto, e não depender mais dos meus pais.

-- Agora entendo... E eles apóiam você estudar Direito?

-- Completamente. Desde criança colocam isso na minha cabeça. Meu pai é um apaixonado por leis, as conhece profundamente mesmo que seja só para passar por cima delas com sua empáfia e moral deturpada, eu acho que por ele, latim não era língua morta, vive com expressões em latim na ponta da língua, que ele parece ter aprendido na faculdade, mas nunca freqüentou uma.

-- Ah, ele então é da área?

-- Você não sabe quem é meu pai? Sério?

-- Eu deveria saber?

Diana ficou sem graça e mudou de assunto rapidamente.

-- Está com fome?

-- Nem vi as horas passarem... Acho que já é hora de almoço não é?

-- Eu esqueci a cesta de piquenique...

-- Sério? Você ia trazer uma cesta de piquenique? – Natalia perguntou surpresa.

-- Caipira só você mesmo... – Diana gargalhou – Olha minha cara de quem faz piquenique no Ibirapuera.

Natalia mostrou a língua para a outra, numa expressão completamente infantil.

-- Vamos almoçar, estou faminta!

O contato das duas na motocicleta despertava sensações desconhecidas para Natalia. Não sabia explicar, mas o corpo de Diana tão perto do seu, depois de conhecer uma face diferente da loirinha, menos pretensiosa, mais sensível, Natalia se via incapaz de sentir outra coisa que não fosse carinho e admiração pela loirinha, mas o carinho e a admiração eram confusos, escondiam sentimentos inéditos, que a menina do interior não se preocupava em decifrar, queria apenas desfrutar da companhia de Diana, sentir seu cheiro, escutar sua voz, rir com seu jeito despojado, ou simplesmente se encantar com as diversas faces que ela revelava.

Almoçaram em um restaurante de comida regional, Diana não se cansava de provocar Natalia, que nem ligava mais pras piadas as quais era alvo. A afinidade entre as duas era inegável, apesar de serem opostas em planos, gostos, e histórias de vida.

As horas passaram rápidas, e no final da tarde Natalia se viu obrigada pelo seu excesso de responsabilidade a por um fim no seu sábado de folga.

-- Diana, eu preciso voltar pra casa, tenho um trabalho de filosofia pra fazer...

-- Ah para com isso caipira! Filosofia?! Você escreve qualquer besteira e o professor vai achar super profundo! Filosofar é entrar em um quarto escuro, de olhos vendados e ainda conseguir achar um pontinho branco lá!

-- Posso usar essa definição no trabalho?

-- Fique à vontade! Imagina dispensar minha companhia pra filosofar!

Natalia riu. E quando se preparavam para um novo passeio, para um rumo desconhecido, outra tempestade surgiu, Diana acelerou a motocicleta para seu apartamento, já que era mais próximo dali.

LEIS DO DESTINO: 6º CAPÍTULO

Ad libitum


À vontade 
Por Têmis

 Diana deu quatro passos no apartamento virou-se em direção a Natália que estava encostada no balcão da cozinha e disse:

 -- Não é possível! Dei quatro passos em 10 segundos e já conheci toda sua casa!

 Natália apertou os olhos, indignada com a piada da veterana, fez uma careta lhe mostrando a língua e lhe entregou uma toalha.

 -- Para de fazer gracinhas, e se enxugue logo, antes que você fique resfriada e coloque a culpa em mim.

 -- Claro que a culpa será sua se eu adoecer, quem manda você morar onde o Judas perdeu as meias? Deu tempo se formar uma frente fria e cair um toró até chegarmos aqui!

 -- Ai que exagerada... Nem é tão longe assim, de ônibus e metrô não gasto nem duas horas.

 -- Nossaaaa, pertinho, aposto que uma viagem de duas horas era o máximo que você fazia nas suas viagens de férias na infância no cafundó de onde você veio. Natália abriu a boca e tentou falar algo, emendando sílabas, mas não respondeu, engolindo a provocação.

 -- Acertei não foi? – Diana zombou.

 Natália jogou a almofada do sofá-cama contra o rosto de Diana que se desviou a tempo de colher o objeto e arremessá-lo de volta, acertando em cheio o nariz de Natália.

 -- Aiiii. Sabia que posso te processar por agressão? – Natália dramatizou.

 -- Caraca! Uma semana de aula, quatro aulas de Madimbu e você já está com esse vício processual? Introduziram o direito direitinho em você heim... Natália franziu a testa.

 -- Ei! Você é uma caipira, ingênua, não acredito que você enxergou duplo sentido na minha colocação. – Diana disse empurrando Natália para lhe dar espaço no sofá.

 -- Você está falando demais em colocar, introduzir se não fosse você a falar essas coisas, entenderia como assédio sexual, seria outro processo.

 -- Meu Deus! Quem é você? Madimbu fez lavagem cerebral na caipira! Natália gargalhou.

 -- Você é muito boba.

 -- Então você me processaria por agressão e assédio?

 -- Sim, e com meu jeitinho de moça do interior, facilmente convenceria qualquer um da sua má conduta. – Natália falou fazendo cara de anjo.

 -- Você não conhece o meu poder de persuasão. Alegaria legítima defesa na agressão e quanto ao assédio sexual, seria fácil convencer que foi apenas um mal entendido, que você como moça do interior não conhecia as gírias da cidade grande e entendeu outra conotação nas minhas palavras.

 -- Pra quem não gosta de Direito e está repetindo a disciplina básica pela quinta vez, você é bem entendida de argumentação legal.

 -- Alguma coisa eu tinha que aprender...

 -- Como você conseguiu essa façanha? Repetir cinco vezes essa matéria?

 -- A primeira vez que cursei, eu ainda lutava para não cursar Direito. Mal aparecia na faculdade. Não fiz as provas, não tive nem o direito de ir para prova final, na metade do semestre já estava reprovada por faltas. Na segunda e terceira vez que cursei fui para prova final precisando de meio ponto para passar, Madimbu fez questão de preparar a pior prova de todos os tempos, com uma única questão, mas, para resolvê-la eu precisaria de no mínimo oito horas, ela só me deu duas horas, o que fiz nesse tempo ela não considerou, e me reprovou. Semestre passado, eu tinha nota suficiente para passar sem precisar sequer da última prova, mas, por causa de uma falta ela me reprovou, falta que ela me deu por que cheguei atrasada. Ela conseguiu empacar minha graduação por que IED é pré-requisito pra um monte de matérias dos semestres posteriores, mas quanto a isso ela me fez um favor.

 -- Ela te odeia mesmo! Você não pode fazer nada? Apelar pra instâncias superiores da universidade, fazer uma queixa no departamento contra essa perseguição?

 -- Dois semestres atrás eu poderia, mas não o fiz, hoje é impossível.

 -- Por quê?

-- Seria inútil, hoje ela é chefe do departamento, e membro do conselho acadêmico. Aquela vaca rosa tem prestígio até com a reitoria, seria perda de tempo.

 -- Que absurdo! Suas primeiras aulas com ela não começaram bem por minha causa não é?

 -- Pois é você tem uma dívida eterna comigo! – Diana arregalou os olhos numa expressão de cobrança.

 -- Por que será que eu acho que estou em apuros devendo a você?

 -- Por que você está minha cara! Até já sei como você vai me pagar essa dívida.

 -- Ah é? Posso saber como?

 -- Muito simples você vai me fazer passar em IED esse semestre.

 -- Ha ha ha! Você só pode estar brincando. Como eu teria esse poder?

 -- Seja a melhor aluna de doutora Dorothea, conquiste a velha, me coloque sempre nas suas equipes de trabalho, grupos de estudo, monitore minhas faltas...

 -- Basicamente, ser sua tutora em IED. – Ironizou Natália.

 -- Isso mesmo! Captou direitinho caipira!

 -- Já te disseram que você é muito abusada?

 -- Pelo menos duas vezes ao dia, que nem remédio pra infecção intestinal.

 Natália gargalhou mais uma vez. 

-- E por falar em tutoria, qual é a sua com o Pepê? – Diana perguntou.

 -- Ah, então você é mesmo o que parece? A tutora deles? Ou a orientadora espiritual dos gêmeos?

 -- Estou impressionada com sua perspicácia caipira. Mas, de orientadora não tenho nada, de espiritual então... – Diana revirou os olhos- Os meninos hoje são como irmãos pra mim, e não admito que ninguém os magoe, seja motivo de discórdia entre eles.

 -- E você está me acusando exatamente de que com esse olhar de censura? Acha que sou uma ameaça à paz fraternal? Acha que estou magoando seu protegido?

 -- Por enquanto não estou te acusando de nada, mas te advirto que estou de olho.

 -- Já estou me acostumando às pessoas ficarem de olho em mim, uma a mais não vai fazer diferença.

 -- Tá se achando né caipira? Diana sorriu ao perguntar. Natália deu de ombros e respondeu:

 -- Sobre sua pergunta, acho o Pedro um cara maravilhoso, mas, minha prioridade nesse momento é a faculdade, apesar de você me julgar uma caipira ingênua, sou muito focada no que quero qualquer relacionamento pra mim vem em segundo plano agora. Não se preocupe, quebrar o coração de seu protegido não está nos meus planos.

 -- Estamos conversadas então. Diana se levantou, caminhou até a janela e disse:

 -- Odeio essas tempestades de São Paulo. Seu bairro então é uma calamidade! Olha ali, tem até submarino saindo do Tietê! Natália foi para a janela imediatamente para conferir o que Diana observou.

 -- Onde? – Perguntou inocente.

 -- Mas é muito Jeca mesmo... Diana caiu no sofá às gargalhadas, apontando para Natalia.

 -- Você não se cansa de ser tão boba assim? – Natalia disse emburrada. Diana não conseguia falar, entregue ao riso, zombando da ingenuidade da novata. Natalia se aproximou da janela, contemplou a chuva e disse:

 -- Você sabe nadar?

 -- Han? Claro que sei por quê? – Diana enxugou as lágrimas perguntando.

 -- Por que você vai precisar nadar bem pra alcançar sua moto que está sendo levada pela correnteza... A reação de Diana foi instintiva: saltou e olhou pela janela, e foi a vez de Natália cair no sofá com uma crise incontida de risos.

 -- Ha ha ha, que idiotinha você é! Quem disse que eu acreditei? Diana pela primeira vez ficou sem graça diante de Natalia, e isso para a menina do interior só aumentava sua vontade de rir.

 -- Quer saber? Vai ficar aí rindo de mim? Vou embora!

 Diana pegou os capacetes e sua jaqueta de couro e avançou em direção à porta quando Natália a impediu de sair perguntando:

 -- Você está louca? Sair com essa tempestade? Você vai ser arrastada com moto e tudo!

 -- Então para de rir da minha cara!

 -- Tá bom esquentadinha! Vou preparar algo para comermos, senta lá. Diana sorriu vitoriosa, sentou-se na bancada que dividia a cozinha da sala e perguntou:

 -- O que você vai preparar? Deixe-me adivinhar? Sopa de legumes? Não, espera: galinha caipira? Pamonha? Leitão à pururuca?

 -- Gente como pode nascer só uma vez e nascer boba desse jeito? Devia te deixar com fome só por causa dessas gracinhas! Não vim do sítio não sua bobona! 

-- Então me diz: qual iguaria você vai me preparar? Natália abriu a geladeira, e retirou uma de suas dezenas de “tuperware” muito bem organizadas, destampou-a e disse:

 -- Risoto de frango.

 -- Ah que decepção caipira! Um prato tão urbano... Natália apertou os olhos insatisfeita com a ironia da outra. Aqueceu o prato no microondas enquanto Diana continuava a importuná-la:

 -- Você não tem algo que toque música? Um rádio de pilhas? Uma vitrola?

 -- Tem meu notebook, ali na escrivaninha.

 -- Nooossaaaa que moderno! Um notebook?

 -- É Diana! E antes que você pergunte, não, ele não funciona a carvão. Diana riu estralou os dedos num gesto despojado disse:

 -- Foi boa garota! Está aprendendo heim, fez a piada antes que eu fizesse, mandou bem, mandou bem. Jantaram o risoto, e Diana foi obrigada a dar o braço a torcer, se rendendo ao talento culinário da menina do interior.

 -- Mamãe te preparou direitinho pra casar heim? Também sabe costurar, lavar, passar? – Diana foi sarcástica. – Por que se você fizer tudo isso, tão bem quanto cozinha, esqueça o direito, seria um desperdício o mundo perder uma dona-de-casa como você!

 -- Eu não acredito que você pensa isso sobre a sina de uma mulher... Quer dizer que uma mulher só terá um grande carreira profissional se for um fracasso como “Amélia”? Diana encheu a boca com uma garfada para evitar responder a pergunta de Natália que insistiu:

 -- Não acha que posso ter sido bem criada, para cozinhar bem, saber lavar, passar, costurar, para ser uma mulher independente e que é capaz de se virar sozinha em qualquer situação? Diana se viu sem poder de argumentação, envergonhada pelo deboche machista que fez.

 -- Sabe de uma coisa caipira? Diana a encarou com um brilho no olhar diferente. Natalia esperou a conclusão do pensamento da outra atenta.

 -- Você é uma caixinha de surpresas. -- Esse é o melhor elogio que você consegue me fazer Diana? Diana sorriu divertida.

  -- Quem disse que foi elogio? Natalia riu convicta que não seria tarefa fácil fazer Diana dar o braço a torcer.

-- Está tarde caipira, preciso ir.

 -- Mas ainda está chovendo muito, não é seguro você ir.

 -- E o que você sugere? Que eu durma aqui?

 -- Se você não se incomodar em dividir o sofá-cama comigo... Diana olhou em volta, olhou para o sofá-cama e pra não quebrar a rotina disparou mais uma de suas pérolas:

 -- Você não dorme de bobs na cabeça e de camisola de bolinhas não né?

 -- Ai que garota mais chata! Não! Mas te empresto uma se você quiser!

LEIS DO DESTINO: 5º CAPÍTULO

*A non domino


  *Sem título de domínio ou de propriedade. Expressão utilizada para dizer que alguém não tem propriedade sobre a coisa. Mesmo que detenha a posse não gera o assenhoramento com animus definitivo 

Por Têmis


O restaurante universitário estava lotado. Como era de se esperar Natália parecia perdida, e ainda se sentia observada, seguida pelos olhos de muitos. A atitude de defesa de Diana, não parecia ter repercussão fora do primeiro semestre. Deu meia volta e se acomodou em uma das praças do campus, se contentando com um cachorro quente comprado em uma carrocinha como almoço.

 -- Sua mãe não te ensinou a não comer porcaria no almoço? Era Pedro trajado elegantemente com terno e gravata, segurando uma pasta executiva.

 -- Uau! Que estilo heim? O doutor está perdido por aqui? Natália brincou, arrancando um sorriso de Pedro.

 -- Não estou perdido não, na verdade, acabei de achar quem eu procurava,

 -- Estava me procurando?

 -- Pois é... Imagina minha surpresa quando meus colegas me mostraram isso aqui no escritório de prática jurídica... Pedro exibiu a foto que Natália estava exausta de ver.

 -- Pela sua cara estou vendo que não estou com um furo jornalístico nas mãos.

 -- Não mesmo Pedro, eu passei a manhã fugindo dos cochichos, risos, piadas...

 -- Posso imaginar. Mas, será passageiro.

 -- Já ouvi isso hoje.

 -- Quem te disse isso sabia o que estava falando. Natália acenou em acordo.

 -- O centro acadêmico ficou sabendo disso, se você quiser a gente pode tentar punir quem está promovendo isso...

 -- Ai, eu não quero mais mexer nessa história. Minha avó já me dizia: minha filha, quanto mais se mexe em cocô, mas ele fede. Pedro tapou a boca para esconder o riso.

 -- O que foi? Está rindo dos conselhos de minha avó?

 -- Não, estou rindo do seu jeitinho falando “cocô”. Você parece nunca ter falado um palavrão na vida! Natalia ruborizou.

 -- Você acertou, nunca falei mesmo. Sempre temendo que minha mãe lançasse a chinela dela contra minha boca se eu ousasse mencionar um.

 -- Esse seu jeitinho de menina certa do interior, é um encanto a mais sabia?

 A menina ficou tímida. Mas, o clima de flerte mais uma vez se fez. Pedro insistiu:

 -- Não consegui parar de pensar em você a noite toda, estava louco pra te encontrar hoje.

 -- Pedro...

 -- Sem forçação de barra ok? Mas, você não quer me acompanhar numa sobremesa depois de seu almoço tão saudável?

 -- Sobremesa?

 -- Não se preocupe, nada demais, um sorvetinho, que tal? Natalia aceitou o convite, e não foi difícil o rapaz descontrair a moça naquele dia tão intenso de tribulações.

 -- Preciso voltar para o escritório Natália. Será que eu posso te ligar, pra combinarmos algo, sei lá no final de semana?

 -- Pedro, o orçamento da lata de sardinha que moro não inclui uma linha telefônica.

 -- E celular? Você não tem?

 -- Ah meu celular ainda é daqueles analógicos... Preciso comprar um mais moderno, colocar um chip daqui, enfim, não estou usando. Pedro ficou pensativo.

 -- Você vai precisar de um celular funcional.

 -- Vou falar com meus pais, quem sabe eu ganhe um no meu aniversário.

 -- Quando é seu aniversário?

 -- Próximo mês.

 -- Até lá, como faço para falar com você?

 -- Acho que você vai ter que tomar sorvete mais vezes comigo...

 Natalia mordeu os lábios fazendo charme. Pedro se rendeu, se aproximou dos seus lábios, e se entregaram mais uma vez a um beijo.

******

 A semana passou rápida. E como Diana e Pedro previram, o escândalo dos primeiros dias que envolveram Natália, parecia ter caído no esquecimento. Todos os dias, Pedro e Natália se encontravam na hora do almoço, e assim, a moça ia se acostumando com sua rotina, depois das aulas da manhã, passava as tardes na biblioteca revendo os assuntos das aulas se aprofundando neles.

Não reviu Diana naquela semana, logo supôs que esse devia ser um dos motivos pelos quais a moça como ela mesma falava, permeava todos os semestres do curso. Pedro passou a ser para Natália seu amigo mais íntimo, mais que amigo na verdade, uma vez que seus encontros diários sempre acabavam aos beijos. Fazer amizades em sua sala a princípio seria difícil, Natália se mantinha com o pé atrás com as pessoas que fizeram tanta chacota. Entretanto, aos poucos, alguns colegas mais interessados no curso, percebendo a dedicação de Natalia aos estudos iam se achegando.

 Era sexta-feira, Pedro esperava Natália na saída da biblioteca.

 -- Pedro?! O que faz aqui?

 -- Hoje é sexta-feira! Até os nerds relaxam na sexta. Vamos encontrar a galera no Botecão.

 -- A galera? Botecão?

 -- Um bar aqui perto do campus, e a galera, são os meninos da república, e uns apêndices que vivem acampando por lá. Pedro explicou se desfazendo do nó da gravata e jogando o terno sobre os ombros. -- Pedro, eu não sei estou tão cansada, e nada disposta a servir de palhaça... Essas pessoas certamente estavam lá no trote...

 -- Natália, você não vai ficar fugindo das pessoas toda sua vida acadêmica não é?

 -- Mas, Pedro...

 -- Natália, as pessoas que estão lá, é pessoal do bem, meus amigos, a galera da Álibi, Diana, o centro acadêmico do curso, pessoas que não foram os responsáveis por aquela brincadeira de mal gosto que fizeram com você.

 -- Ah, seu irmão que também brincou comigo se passando por você pra me beijar, e a sua amiga que me chama de caipira?

 -- Não faça julgamento precipitado garota! Vamos lá, relaxar um pouco, além do mais, você vai estar comigo! Quer companhia melhor?

 Natália se rendeu, temerosa do que encontraria no tal bar. O nome Botecão não poderia ser mais apropriado, era mesmo um boteco grande. O clima de um estabelecimento de bairro só não era mais característico pelo fato do local estar lotado, dominado por estudantes. Duas mesas de bilhar, um balcão tradicional e dezenas de mesas e cadeiras de aço com emblemas de cerveja compunham os móveis do espaço.

 -- Pepê! Uma das meninas da mesa se atirou nos braços do rapaz abraçando-o. 

-- Chega aí parceiro!

 Rapidamente os amigos foram acolhendo o rapaz, cumprimentando com simpatia Natália quando ele a apresentou.

 -- Essa é Natália, novo membro do clã dos iluminados pelo direito.

 Acomodaram-se, aumentando mais uma mesa, enquanto nas mesas vizinhas, uma roda de samba era improvisada. E surpreendentemente Diana surgiu com uma bandeja na mão, repleta de “cabalitos”, os copos especiais para degustação de tequila, acompanhando a garota, o irmão gêmeo de Pedro, Lucas, com uma tigela cheia de rodelas de limão e um pote de sal.

 -- Já na tequila? – Pedro perguntou surpreso.

 -- Mano você chegou tarde, nossas tradicionais cinco rodadas de cerva já passaram, agora é a mexicana! Pedro sorriu, e nesse momento Lucas e Diana se deram conta da presença de Natália ali.

 -- Tem bicho perdido aqui gente! Aliás, um bicho gata! – Lucas falou acomodando a tigela e o pote que tinha nas mãos.

 -- Um bichinho do mato você quis dizer Luc! Olá caipira. Diana cumprimentou Natália, oferecendo um cabalito.

 -- Não obrigada. Diana franziu a testa e disse:

 -- Você acha que bicho aqui tem vontade própria? Quem você pensa que é para escapar do nosso ritual? 

Por mais irritante que aparentemente Diana se portasse, Natália não conseguia sentir raiva da moça, talvez por conta do último contato das duas, no qual, Diana a livrou de um constrangimento maior com a exposição das fotos.

 -- Ritual? – Natália perguntou segurando o cabalito.

 -- Isso, a cada cinco rodadas de cervejas no botecão, uma dose de tequila.

 -- Meu Deus! Vocês terão fígado quando se formarem?

 -- Isso não sei, mas, de qualquer forma, nosso ritual é parte de um acordo multidisciplinar.

 -- Hã? -- … caipira, a gente se compromete a manter os consultórios médicos cheios com nossos rituais, vida sedentária, comendo porcarias, e os médicos continuam a cometer erros sendo nossos clientes fixos.

 -- Ah, os estudantes de medicina estão sabendo desse acordo?

 -- Oficialmente não. Diana abriu um sorriso arrebatador para Natália, inédito, descontraído, desarmado.

 O sorriso foi o suficiente para Natália além de retribuir o gesto a altura, se convencer a ingressar no tal ritual. O “shot” estava armado e o coro ecoou no botecão:

 -- Arriba, abajo, al centro y adentro!

 Os veteranos saborearam o destilado, alguns fizeram caretas, outros só trincaram os dentes, Diana, mais ousada balançou a cabeça, segundo ela, “para misturar a tequila com os neurônios adormecidos”, Natália sentiu a garganta se rasgar, a bebida desceu queimando, as lágrimas surgiram instantaneamente como se acabasse de mastigar uma colher de pimenta dedo-de-moça com maxixe quente. A reação da caloura atraiu risos de Diana, Lucas e Pedro.

 -- Como vocês conseguem beber isso e depois rir? - Natália falou com dificuldade.

 A noite avançou nessa atmosfera festiva. A caloura já parecia à vontade entre os veteranos, até Diana que inicialmente antipatizou com a garota, já se mostrava mais amável a seu jeito. Pedro era todo atenção com ela, e foi esse fato que representou o fim do clima cordial entre Natália e Diana. A loira se afastou dos dois visivelmente insatisfeita com o romance óbvio entre eles. A beleza e o encanto de Natália não conquistavam só Pedro. Lucas, seu irmão gêmeo, apesar de ver o irmão derretido pela novata, não hesitou em jogar charme, e com seu jeito descontraído e bem humorado, estava arrancando boas gargalhadas de Natália. Se Pedro não conhecesse tão bem o irmão pensaria que toda aquela simpatia seria simplesmente para provocá-lo, mas tal atitude não combinava com o irmão, Lucas não ousaria disputar com ele uma mulher, não depois do que a relação deles com Diana os ensinaram, mesmo assim se incomodou com a proximidade dos dois.

 -- Você vai alugar minha gata por muito tempo Lucas? – Perguntou Pedro.

 -- Sua gata? – Lucas perguntou surpreso. Até Natália se surpreendeu com o vocativo recebido.

 -- Você ainda não notou que ela está comigo mano?

 -- Brow foi mal, mas acho que nem ela percebeu isso.

 Diana fingia estar distraída com a roda de samba, mas observava o embate entre o triângulo com atenção, com cara de poucos amigos. Os ânimos se exaltaram quando Lucas passou o braço em volta da cadeira que Natália estava sentada, envolvendo seus ombros.

 -- Então gatinha? Você está com ele, ou está na pista?

 Natália visivelmente desconcertada, procurava uma resposta a fim de evitar outro episódio de disputa entre os gêmeos, entretanto, a novata se sentia profundamente desconfortável pela precipitação de Pedro, anunciá-la como “sua”, e pelo comportamento inconveniente do seu irmão.

 -- Responde Natália, pra esse mané se colocar no lugar dele!

 Pedro já estava exaltado, colocando com violência o copo de cerveja sobre a mesa. Lucas não arredou do lado de Natalia, provocando ainda mais a ira do irmão que avançou em sua direção levantando-o pela gola da camisa. O gesto animoso causou alvoroço entre os amigos, e mais uma vez, Diana se colocou entre os irmãos.

 -- Ei, ei, ei, o que está acontecendo aqui heim? Porra de novo vocês se estranhando?! Diana falava esmurrando o peito de Pedro empurrando-o.

 -- Di, o Lucas está exagerando nessas gracinhas dele!

 --O Pepê é que anda se apropriando indevidamente de bens que não lhes são de direito!

 -- Vocês dois são ridículos sabia?! – Diana falou empurrando os dois para a calçada.

 Nesse momento Natália recolheu sua mochila, deixou o dinheiro que julgava ser sua parte na conta, e saiu em disparada do Botecão. Quando ouviu um berro de Pedro.

 -- Natália?! Aonde você vai?

 -- Para minha casa Pedro, aonde mais eu iria?

 -- Mas vai sair assim sem me dar explicações?

 -- Como é que é? – Natália perguntou franzindo a testa.

 --É, pow, você veio comigo, fica de azaração com meu irmão e agora vai embora sem dizer nada? Sem uma explicação?

 Pedro se aproximava indignado com Natalia , sob o olhar de Diana e Lucas.

 -- Olha só Pedro, eu não te devo explicações. Não te devo respostas, nem desculpas. Você é um cara maravilhoso, amigo incrível, está sendo super fofo comigo, mas nós não temos nada mais do que amizade. 

-- Mas a gente está ficando Natalia...

 -- Pois é, estávamos ficando, e você viaja nessa idéia de tomar posse de mim? Eu não sou “sua gata”, não sou propriedade de ninguém. Lutei muito para conseguir entrar nessa faculdade, me mudar pra cá, não só pelo sonho de cursar direito, mas principalmente pra galgar minha independência, fui até então, a Natália do seu Álvaro e da dona Fátima, não deixei o interior pra ficar conhecida de novo como a “Natália de alguém”.
-- Mas, Natália, eu não tive essa intenção...

 --É a segunda vez que você discute com seu irmão por minha causa em uma semana! A gente não tem nenhum compromisso, imagine se tivéssemos, você me colocaria uma coleira? Depois a caipira, a moça do interior sou eu! Vocês dois agem como se morassem no velho oeste! Natália saiu fumaçando em direção ao ponto de ônibus.

 -- Eu te acompanho até o ponto de ônibus então... – Pedro fez menção de segui-la.

 -- Não! Chega de confusão, de DR essa noite. Boa noite Pedro!

 Diana parecia encantada com a atitude firme da moça. Não enxergara até então a fortaleza, a determinação, a hombridade da moça do interior, aparentemente tão ingênua, quase boba. Natalia esperava impaciente a sua condução até o metrô, não só pela demora, mas pelo clima esquisito na rua pouco iluminada e com pouco movimento. Estava tomada de medo, relembrando todos os conselhos dos pais sobre os perigos de assaltos, seqüestros, estupros, todas aquelas tragédias divulgadas na mídia, cotidiano das grandes cidades.

 Ouviu um barulho ecoar, uma moto se aproximava. O piloto usando o capacete preto, jaqueta de couro na mesma cor, estacionou a moto colada ao meio fio, bem próxima a Natalia. A moça de trêmula passou a bater os dentes se imaginando na manchete das paginas policiais do dia seguinte, a adrenalina lhe impulsionava a correr, mas as pernas não respondiam aos reflexos químicos do corpo, e quando o medo lhe roubara a cor do rosto e o calor do seu corpo, e Natalia estava prestes a desmaiar tamanho o pavor que lhe assolara, o piloto retirou o capacete, sacudindo os cabelos loiros, exibindo um sorriso.

 -- E aí caipira? Vai ficar dando mole pra bandido, ou vai subir na minha garupa?

 Diana, convidou a moça com a cabeça para subir na motocicleta. Natalia soltou um suspiro de alívio, e retribuir o sorriso foi inevitável. Não hesitou. Montou na garupa, ajustou o capacete, e sentiu Diana puxar suas mãos para envolver sua cintura.

 -- Aperta com força, mas não me quebra, sou marrenta, mas sou magrinha!

Aconteceu Você : Quarto capítulo

CAPÍTULO 4: NOVOS AMIGOS

O lugar não era muito convencional, no percurso já percebi isso, seguimos por uma estrada de terra por cerca de meia hora, chegando numa espécie de chácara, ao entrarmos pelo portão, o aspecto era de um barzinho normal, estava lotado, as mesas estavam espalhadas dentro da casa e pelo jardim, ao final um palco com uma banda tocando rock dos anos 80, gente bonita e descontraída, desenhavam um agradável cenário para diversão.

De longe Daniel acenou para alguém em segundos um jovem bonito se aproximou, não devia ter mais de vinte e dois anos, músculos bem definidos, mas não exagerados, não era alto, e os traços do seu rosto moreno eram de uma beleza encantadora, especialmente seu sorriso que se abriu sincero para mim:

-- Alex, este é Diego, meu namorado.

-- Muito prazer Diego. Ops... Seu o quê Dandan?

Não consegui disfarçar minha surpresa, apertando a mão do rapaz, arregalei os olhos e quase me engasgo com minha própria saliva. Daniel sorriu, e Diego também.

-- Dan, não é assim que se faz esse tipo de revelação, sua amiga ficou assustada.

-- Gente me desculpe, não tenho nada contra, só me pegou de surpresa a revelação...

Muito constrangida tentei remendar minha reação, caminhamos até uma mesa onde outras pessoas estavam sentadas, entre os dois que me abraçaram na tentativa de me deixar à vontade. Na mesa, todos bebiam, riam de uma maneira leve, ao notarem nossa chegada, as atenções se voltaram para mim, quando Daniel me apresentou:

-- Pessoal essa é a Alexandra, podem chamar essa sardentinha de Alex, chegou hoje à nossa cidade, vai ser a editora chefe do jornal que vamos inaugurar. Minha amiga de infância!

-- Oi gente. -- Falei tímida.

Gentilmente um dos rapazes, deu seu lugar na mesa, oferecendo sua cadeira:

-- Sente aqui conosco Alex, seja bem vinda a nossa máfia! Muito prazer eu sou Leandro.

Sorri agradecida o gesto do rapaz negro que usava um cavanhaque charmoso e cabelo cheio de estilo, que lembrava um cantor de reggae. Sentada, fui escutando o Diego anunciar o nome das outras pessoas da mesa.

-- Alex esse cara chato ali no centro da mesa é o Mário, vizinho a ele a santa da namorada que agüenta ele a Lígia; perto dela as fofas Clara e Isabelle, Paulo e Luís, aí do seu lado: Danielle, Luíza e o Beto.

Todos sorriram uns mais simpáticos que outros, mesmo assim me senti acolhida. Não tive coragem de perguntar se haviam ali mais casais “especiais”, apesar de vir de uma cidade grande, meu meio sempre foi hetero demais, temi não saber agir naturalmente, puro preconceito confesso. Diego e Daniel se esforçaram para me integrar nos assuntos, falando do relacionamento deles e da vida deles na cidade.

-- Sou estudante de medicina Alex, minha família é super tradicional, e pelo fato do Dan ser uma pessoa pública, não tivemos como esconder nosso relacionamento por muito tempo. Mas procuro evitar o choque das pessoas, e nos refugiamos nesses lugares alternativos. Essa chácara é de um casal de amigas nossas, artistas da região sempre promovem eventos aqui, acabou sendo um espaço nosso se é que você me entende.

-- Mas então, se trata de um bar gay? -- Perguntei constrangida.

-- … um bar de gente inteligente Sardenta... Nem todos aqui são gays, mas gostam de boa música, curtem dança, teatro e um clima agradável aqui têm tudo isso. -- Respondeu Daniel.

A noite seguiu leve, senti falta das minhas amigas, àquela altura a Renatinha já estaria bêbada se queixando pelo tanto de homens lindos acompanhado de outros igualmente atraentes. Basicamente fui uma boa ouvinte na mesa, o Leandro tinha um astral maravilhoso e me arrancou muitas risadas enquanto Danielle tratava de aumentar o teor alcoólico do meu sangue me trazendo bebidas diversas.

O intervalo da banda deu lugar a uma apresentação acústica do Beto, a mesa toda se converteu rapidamente no fã clube particular do rapaz magro de aparência nerd da turma. Já meio tonta pedi licença e fui até o banheiro, mal sabia eu o que representava o banheiro em um “bar inteligente” como definiu meu amigo. Ao abrir a porta me deparei com duas mulheres trocando um beijo quente encostadas no espelho, não notaram minha presença, por um momento hesitei em entrar em um dos boxes andando para trás, visivelmente perturbada com a cena, e tonta, tropecei em um tapete, e fui salva de uma queda por braços firmes e ágeis.

-- Bem a tempo donzela!

A voz era suave, o cheiro cítrico que eu senti me arrepiou, virei-me devagar ainda envolvida naqueles braços de pele macia e encontrei os olhos castanhos claros e brilhantes mais lindos que eu já tinha visto em toda minha vida.

Com algum esforço me coloquei de pé ficando de frente para uma mulher tão bela quanto o par de olhos que me encantou, no mesmo momento que o casal que antes se beijava, interromperam o beijo dando atenção às “intrusas” naquele banheiro.

-- Você está bem? – Perguntou a mulher.

Balancei a cabeça afirmando que estava bem, fascinada pelos olhos castanhos brilhantes definidos por sombracelhas bem delineadas, boca bem desenhada, cabelos longos escuros e lisos, seu corpo, vestido num jeans justo e blusa decotada com uma jaqueta curta lhe davam um charme irresistível.

-- Muito prazer, Marisa Becker.

Aquela mulher encantadora estendeu sua mão delicada para mim, inexplicavelmente nervosa retribui o gesto:

-- O prazer é meu, Alexandra Castro

O aperto de mão firme me despertou uma sensação inédita, meu coração acelerou e minhas mãos suaram. Sem graça observei o casal de mulheres saírem do banheiro de mãos dadas, disfarçando meu nervosismo caminhei até a pia onde lavei minhas mãos, embaraçada pela vigilância daquela mulher incrível.

-- Está bem mesmo Alexandra? Você me parece tensa... Posso ajudar?

-- Estou bem obrigada Marina.

-- … Marisa.

Ela disse com um sorriso absolutamente arrebatador.

-- Desculpe-me Marisa... Obrigada pela gentileza, mas estou bem, só meio sem prática com bebida... Acho que já atingi meu limite por hoje.

Devo ter gaguejado em algumas palavras, mas no geral acho que me saí bem na desculpa. Sorri amarelo e saí pela porta esquecendo o motivo de ter ido até ali, apressada pela chegada de outras mulheres. No caminho de volta acabei percebendo que precisava mesmo usar o banheiro, voltei para lá, acabei tropeçando de novo na entrada e como se fosse uma grande piada do destino, outra vez caí nos braços de Marisa, dessa vez de frente, ficando a centímetros de sua boca absurdamente sensual.

-- Acho que tem algum ímã te trazendo pra mim...

Marisa me disse isso de uma maneira tão doce que nem me assustei com o tom de flerte. Certamente em outra situação me chocaria diante da paquera de uma mulher, mas Marisa era tão feminina, que seria hipocrisia de minha parte dizer que não estava lisonjeada pela delicadeza daquela mulher comigo.

-- Acho que é mesmo minha coordenação motora, na verdade a falta dela mesmo... Eu vivo tropeçando, me estatelando no chão, em parede...

-- Então é melhor você me dar seu telefone, você vai precisar muito de mim...

Sorri encantada com cada palavra que Marisa falava, estava impressionada com o charme exuberante e feminino dela, nenhuma mulher me chamara tanto à atenção até aquele dia. Fui caminhando de costas até um dos boxes do banheiro enquanto Marisa saía. Voltei à mesa onde Daniel e Diego estavam preocupados com minha demora.

-- Onde você estava sardenta? – Daniel perguntou.

-- No banheiro oras...

-- Viu passarinho verde por lá? Aliás, passarinho meio difícil por lá não é... -- Daniel disse segurando o riso.

-- Encontrou alguma sandalhinha perdida por lá querida? -- Perguntou Diego.

Olhei para meus pés sem nada entender, o que despertou a risada do casal. Não vou negar que passei boa parte do resto da noite procurando Marisa entre as mesas, sem sucesso. Os amigos do Dan pareciam ter uma fonte inesgotável de energia, altas horas da madrugada, ainda estavam no pique, dançando ao ritmo do rock da banda, ou até mesmo rindo uns dos outros e Marisa parecia ter evaporado entre as árvores dali.

Pouco antes do amanhecer Daniel resolveu vir embora, exausta dormi no banco traseiro do carro mesmo, nem percebi quando o Dan me colocou no colo e me deixou dormindo no sofá de minha nova casa.

Sociedade Secreta Lesbos: Capítulo 37

Capítulo 37



Amy permaneceu ali abraçada a Esther durante o resto da noite. Dormiram experimentando a paz que inexplicavelmente surgia quando estavam juntas. Mesmo com todos as dúvidas e mágoas que Esther tinha, a morena sentia-se refeita nos braços de Amy. E esta ignorava todas as interrogações acerca da misteriosa vida de Esther, contentava-se naquele momento em apenas estar ao seu lado.

No dia seguinte, Esther acordou primeiro. Ficou ali perdida em seu encantamento observando Amy dormir tranquila. Uma avalanche de pensamentos a invadiu: sua vingança, a conversa com Sandra Anderson, seu jugo diante de Michelle, e principalmente, o sentimento que nutria por Amy.

Tão logo Amy despertou, Esther beijou-lhe demoradamente, surpreendendo a loirinha que sorriu numa expressão de felicidade pura.

-- Nossa... acordar assim é a melhor forma de todas... bom dia meu amor.

-- Bom dia linda... dormi tão bem nos seus braços.

-- Eu também... pena que temos aula daqui a pouco, se não ficaria o dia inteiro aqui abraçada com você.

-- Mas temos que dar exemplo... toma banho comigo?

Amy saltou da cama e saiu puxando Esther para o banheiro entre pequenos beijos nos lábios e bochechas. Não tiveram pressa. Esther parecia sentir vergonha de seu corpo marcado. Amy, entretanto, fingiu ignorar aqueles machucados cobrindo a morena de carinho.

Na medida em que as carícias se tornavam mais quentes, Amy tentou tocar Esther, que instintivamente fez expressão de dor, ainda ferida pelo sadismo de Michelle há dois dias. Percebendo isso, Amy tratou de abraçá-la ternamente e beijá-la com toda delicadeza, comovendo Esther.

Enquanto arrumavam-se para tomar café juntas, Esther disse:

-- Amy eu sei que você merece algumas explicações, e eu quero te contar o que houve naquela noite... almoça comigo? Assim podemos conversar com calma.

-- Ai linda, tenho reunião do grupo de estudo no almoço. Podemos jantar juntas, o que acha?

-- Claro, tudo bem...

Durante todo o dia, mesmo separadas em classes diferentes na universidade, Amy e Esther permaneciam unidas: trocavam mensagens de texto apaixonadas pelo celular. A loirinha sentia apreensão e alívio por Esther querer revelar o que a deixara naquele estado na noite de sábado. Esther por outro lado, se perguntava o que fazer com as informações obtidas de Sandra. Procurou então seu avô no horário de almoço. Trocaram um abraço demorado. O amor do Sr. Antônio pela neta era tocante.

Tratava-se de um mexicano típico, alguns o chamavam de bruxo, mas na verdade Antônio Gonzalez era um curandeiro em sua vila natal, na cidade de Puerto Valverde. Homem generoso, simples e honesto, que só se aventurou a viver como imigrante ilegal no EUA para cuidar de sua única neta, quando esta perdeu seu pai em um acidente.

Compartilhava com ela uma grande mágoa por Sandra Anderson, uma vez que também testemunhou de perto o sofrimento da filha, que desde criança morava com a mãe americana no Texas.

Carmem perdeu a mãe antes de entrar na universidade, apesar de não morar com o pai, tinha uma relação muito afetuosa e de confiança com ele. Antonio Gonzalez e Elizabeth Newman se conheceram no México, onde a americana estava a trabalho, se apaixonaram e dessa paixão nasceu Carmem. Antonio não queria deixar sua vila, assim passou grande parte de sua vida distante fisicamente da filha, mas nunca espiritualmente.

O Sr. Antonio conhecia a neta como ninguém, notou a confusão que se instalara na alma de Esther e antes que a morena falasse qualquer coisa, se adiantou:

-- Quero saber de tudo minha ñina... o que aflige seu coração e nubla esses olhos?

-- Mi abuelo... -- Esther falou com a voz embargada.

-- Mi chica, fala-me tudo, enquanto lhe preparo um chá. Vai te ajudar a ver o melhor caminho, tenho certeza...

Esther sentou-se na cozinha e começou a desabafar com seu avô tudo que Sandra lhe revelara no dia anterior. Sr. Antonio escutava atentamente, até intervir.

-- Querida, me diga o que você viu nos olhos dessa mulher?

-- Vi pesar, vi mágoa... não tenho certeza abuelo, mas, em alguns momentos vi amor quando ela falava de mamacita.

-- Se você já consegue enxergar amor, mi chica, é sinal que ele já tem espaço no teu coração, e isso me alegra muito...

-- Não vim aqui para falar disso abuelo...

-- Não precisa falar, está na sua alma, que para mim é tão transparente... você acha que ela pode estar falando a verdade?

-- Como? Acha que mamacita é uma traidora? Que aplicou um golpe no meu pai? Não!

-- Minha querida, tudo que sabemos foi o que sua mãe nos contou, não acompanhei essa fase da vida dela, ela apareceu na vila grávida de você, profundamente magoada, humilhada, acredito que a tristeza de sua alma a fez adoecer e a levou tão cedo de nós. Mas sempre existem dois lados numa história. Nunca incentivei para você continuar nesse plano de vingança porque sei o quanto isso envenenou seu coração, mas minha esperança era que nessa busca você encontrasse a verdade do seu passado e enfim se libertasse... por isso nunca a impedi de nada, a vida está te dando essa oportunidade.

Esther tomou o chá preparado, ficou pensativa, e lembrou-se de perguntar ao avô:

-- Abuelo, como era mesmo o nome da amiga de Sandra que mamacita a ouviu no banheiro falando aqueles absurdos?

-- Não tenho certeza, mas tenho algo que pode lhe ajudar.

O Sr. Antonio voltou de seu quarto com um caderno de folhas amareladas, envolto numa fita azul de cetim, e entregou a Esther.

-- O que é isso, abuelo?

-- O diário de su madre...

-- Ahm? Ela tinha um diário? Por que o senhor nunca me disse isso? O senhor o leu? -- Esther retrucou irritada.

-- Por que não era o momento certo. E não, não o li. Os mortos sabem enviar sinais acerca de sua vontade, sei que a vontade de Carmencita era que seus segredos e pensamentos fossem revelados a você no momento certo...

Mistério parecia um traço genético para os Gonzalez. Sr. Antonio demonstrava uma sabedoria peculiar, por isso Esther respeitava tanto seu avô. A morena segurou aquele caderno velho como se fosse um grande tesouro, acomodou-o dentro de sua jaqueta, abraçou o avô e voltou para a mansão gama-tau, ansiosa para ler o conteúdo do diário de sua mãe.

Na mansão, colocou o diário sobre a cama experimentando o temor em abri-lo misturado à curiosidade em conhecer um pouco mais sobre sua mãe. No fundo, sua apreensão se devia ao fato de saber muito pouco sobre a própria mãe, e talvez Sandra Anderson tivesse alguma razão sobre o que lhe revelara. No meio desse dilema, Amy entrou no quarto, envolvendo sua cintura por trás acintosamente:

-- Morrendo de saudades de você meu amor... onde vamos jantar?

-- Que susto Amy!

-- Nossa... eu bati antes de entrar, Esther! Porque você está assim tão tensa?

-- Desculpa, nada demais... vamos então,estrear seu carro novo?

- Vamos!

Sociedade Secreta Lesbos- Capítulo 36

Capítulo 36



Michelle Roberts quase não se manteve de pé, o sangue parece ter fugido por inteiro da sua face.

Gaguejando, respondeu:

-- San... Sandra!

Sandra foi a sua direção abrindo os braços como se estivesse indo ao encontro de uma velha amiga, a expressão de Michelle, ao contrário, era de pavor.

Abraçaram-se por um tempo, até Michelle, receosa, indagar:

-- O que você está fazendo aqui?

-- Se eu te contar... Nossa, a vida nos faz de palhaços nesse teatro shakespeariano... Acabei de conversar com a filha de Carmem Gonzalez, que é presidente da Gama-Tau. A adivinha... Minha filha está nessa fraternidade e apaixonada por ela! Não é mesmo uma grande piada?

-- Sua filha, aqui? Apaixonada por Esther?

-- Então você conhece a filha de Carmem?

-- Não... Quer dizer... Você se referiu à presidente da Gama-Tau, e como estou no conselho de ação social de Prescott, conheci as presidentes de fraternidade... Não tive como não saber que se tratava da filha de Carmem. O mesmo sobrenome, e a semelhança, é assustadora, não acha?

-- Nem me fale... Depois do choque de saber que Amy estava nessa fraternidade, fiquei transtornada ao olhar para Esther, julgava que ela tivesse morrido no acidente com Wiliam... Mas o que você faz aqui?

-- Estou visitando as fraternidades, faz parte do meu trabalho como conselheira...

-- Em pleno domingo? Nossa, que dedicação...!

-- É... Você conversou com Esther?

-- Sim, e pelo que percebi, ela tem uma ideia bem deturpada do que fui para a mãe dela, falou até em se vingar de mim... Espero esclarecer as coisas. Apesar de tudo, só posso desejar o bem para essa menina que deve ter sofrido muito com a doença da mãe, a perda dos pais...

-- Esclarecer o quê? Carmem traiu você com Wiliam, engravidou e foi embora depois que ele confessou tê-la usado para se vingar de você... Ela, que pensava dar o golpe da barriga, quebrou a cara...

-- Acho que as coisas não foram bem assim, Michelle, vou averiguar as histórias. Devo isso a essa menina, especialmente se minha filha a ama. Foi um prazer rever você, espero colocar nosso papo em dia em breve, volto agora para Nova Iorque, mas devo voltar em alguns dias.

As duas se despediram, Michelle voltou para o carro, onde um segurança e o motorista a acompanhavam, e orientou para que o segurança pegasse as chaves do seu Mercedez com Esther.

Voltou para casa atordoada pelo encontro e por tudo que ouviu de Sandra. Primeiro por saber que agora ela sabia da existência de Esther, e por desconfiar de supostos mal entendidos do passado. Segundo, a filha de Sandra era uma Gama-Tau, e estava apaixonada por Esther. Deduziu imediatamente, que ela poderia ser o motivo da mudança de Esther nos últimos meses.

* * * *

Esther voltou para seu quarto em silêncio, ignorou o chamado de algumas irmãs para comer algo na cozinha. Vestiu a mesma roupa leve que estava anteriormente e deitou-se em sua cama, com um olhar vazio contemplando as luzes do campus pela janela de seu quarto.

Rachel apareceu então com um lanche leve para a amiga, e se colocou a disposição para escutá-la. Aproveitou para comunicar que o segurança de Michelle veio pegar o seu carro.

Esther beliscou alguma coisa da bandeja, mas se negou a falar algo naquele momento, só revelara que precisava pensar que Sandra Anderson contou sua versão dos fatos, mas que não a convenceu que era inocente no sofrimento de sua mãe.

Laurel fez o mesmo com Amy. A loirinha permaneceu no quarto, comeu algo apenas para não desagradar à amiga. Viu o Mercedez sendo levado pelo segurança de Michelle, mas não viu o encontro da sua mãe com a Sra. Roberts, julgava que sua mãe já estava em Nova Iorque.

Não falou muito, seu olhar ainda estava triste. Laurel então desejou boa noite e deixou Amy mais uma vez sozinha no seu quarto.

Já era madrugada, e Amy não conseguia dormir, sentia falta do corpo de Esther, se angustiava pelas coisas que tinha ouvido da morena.

* * * *

Não resistiu e subiu até seu quarto. Da porta, Amy teve uma visão que lhe tirou o fôlego, o corpo de Esther quase nu sob a luz da lua que entrava pela janela. Respirou fundo e com passos silenciosos foi se aproximando da morena que dormia. Diante da cama de Esther, Amy pôde observar mais atentamente as marcas do corpo da sua amada, e como aquilo lhe doeu... Chegou a encher os olhos d’água, imaginando o que poderia ter acontecido a Esther, que por sua vez pareceu perceber a presença de alguém perto dela e despertou do seu sono leve, se deparando com Amy, sentada ao seu lado, na cama.

Olharam-se por minutos, Esther baixou os olhos, como se sentisse uma profunda vergonha por Amy a ver daquele jeito.

A loirinha ergueu suavemente seu queixo deixando seus olhares mais uma vez fixos. Com o dorso de sua mão, acariciou o rosto machucado de Esther, notando uma lágrima percorrer sua face.

Tomada de compaixão e invadida pelo amor que sentia por Esther, Amy a abraçou com ternura, colocando a cabeça de Esther no seu peito. A morena chorou em silêncio, mas sentiu-se confortada, segura, amada de uma maneira incondicional por Amy, naquele gesto.

-- Amy... Me perdoa... Não queria dizer aquelas coisas...

-- Shi... Calma, meu amor... Sei que você não queria...

-- Quero contar o que houve, mas hoje não, Amy... Por favor, só me abraça...

-- Claro, meu amor... Estou aqui com você...