segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

1ª TEMPORADA: PORQUE SEI QUE É AMOR - capítulo 16

CAPÍTULO 16: DANDO A VOLTA POR CIMA EM CAMILA


A semana começava com uma reunião do grupo de pesquisa, o final de semana me fez um bem enorme, cheguei com ótimo humor, estava segura, e disposta a mudar de atitude no projeto, antes de subir para a reunião marcada para as nove da manhã, passei no quarto dos pacientes que estávamos acompanhando a fim de me atualizar acerca da evolução clínica, já que fazia dois dias que não os via.

Na reunião, Camila começou provocando como sempre:

-Mineira, já providenciou café e água?

- Acho que o Lucas pode pedir a Dona Josefa da cantina para trazer, não pode Lucas?

-Eu? Mas... E’ posso sim – falou meio sem graça.

Camila estranhou, mas não contestou, sentei junto à mesa, colocando sobre ela meu notebook e algumas anotações numa prancheta. Aline, uma biomédica, começou a explanar resultados dos exames dos pacientes que tratamos, com algumas interrupções de Camila, que não hesitou em ordenar de novo:

- Mineira, anota pra mim o nós vamos fazer.

- A letra da Carla é bem mais organizada, doutora Camila, você pode anotar Carla?

- Posso claro.

Camila parecia intrigada com minha postura, ninguém ousou questionar minhas sugestões porque estavam todos visivelmente sem graça. A discussão dos casos continuou e, seguramente, dei opiniões, sugeri procedimentos, respondi todas as perguntas que Camila nos fez.

- Parece que tem gente que andou estudando...

Ignorei a observação dela, continuei a discussão trazendo os dados atualizados da evolução clínica dos pacientes, comparando-os aos pacientes com quadros semelhantes na pesquisa de Camila em Seattle. Ela parecia bestificada, olhava para mim com os olhos brilhando, não soube decifrar se era de raiva ou admiração. Deixei que Camila concluísse a avaliação de nossas atividades, até que ela me perguntou:

- Mineira, você pode ficar aqui até a noite hoje? Sei que pelo cronograma você está de folga hoje, mas, gostaria que você detalhasse suas comparações. Pode ser?

- Sim, posso sem problema, Dra. Camila. A propósito, sou mineira com orgulho, mas meu nome é Isabela.

Saí da sala deixando todos sem ação. Camila me alcançou no corredor e pediu que a acompanhasse até seu consultório. Respondi positivamente com a cabeça e a segui.

- Sente-se Mi... Isabela. Você não me surpreendeu hoje, pelo contrário, você até demorou a tomar uma atitude...

- Como assim? – fiz cara de interrogação.

- Isabela, como você sabe, escolhi minha própria equipe, e li com atenção seus artigos, inclusive os da sua época de faculdade, seu desempenho na residência, conversei por telefone com seus preceptores, professores, os que orientavam seu projeto de pesquisa da faculdade. Você não está à toa no meu grupo... Sei de sua competência.

- Mas por que você me tratava como sua secretária sabendo da minha capacidade?

- Isabela, você estava apagada, intimidada, eu precisava te provocar pra que você ficasse motivada a me provar algo... Mas você não precisa me provar nada, precisa confiar em você, na sua capacidade... Se destacar, e isso sei que você pode.


Sorri incrédula, mudei de assunto e começamos a falar sobre os casos clínicos. Notei que o olhar de Camila mudou, não era mais frio e distante a mim, olhava-me com atenção, sem dizer muita coisa, o máximo que fazia era concordar, ou fazer perguntas. Perdemos a hora ali, até alguém bater a porta:

- Dra Camila, peço seu almoço? Já passa das 14h e a senhora não saiu pra almoçar, devo pedir o de sempre?

Afinal, ela tinha uma secretária, uma senhora de seus 50 anos, baixinha e franzina, que parecia cuidar bem dos horários de Camila.

- Ai Eliza... – bateu na testa. – Esqueci completamente, você ainda consegue nesse horário?

- Sim, doutora vou providenciar, devo pedir pra Dra. Isabela também?

- Ah, pra mim não precisa, obrigada – e cochichei para Camila: - Ela sabe meu nome?
- Sabe sim, ficou até com medo de perder a vaga pra você – Camila sorriu. – Eliza, peça para Dra. Isabela também, temos muito trabalho e ela não sai daqui antes de terminarmos.

Eliza se retirou e Camila pediu que fizéssemos uma pausa esperando o almoço. Sentamos em um sofá perto da janela com persianas, retirou o jaleco, e engrenou um papo que eu não esperava:

- Então, deixou algo pendente no Rio de Janeiro?

- Como?
- Perguntei se você deixou alguém te esperando no Rio de Janeiro.

- Ah... Tenho bons amigos no Rio, é só.

- Sua boa amiga te espera? Ela é o motivo de seu bom humor hoje? Falaram que você viajou no fim de semana.

- Você tem costume de vigiar os membros de sua equipe? Como sabe que viajei?

- Calma aí mineira... Ops, desculpa, Isabela, precisei de você no fim de semana para substituir a Aline nas rondas, e fui informada, por acaso, por alguma enfermeira da urgência que Bernardo viajaria com você.

- Ah... Então foi isso...

- E’... Mas então vai responder minha pergunta?

- Ninguém me espera no Rio, não viajei pra lá, fui aqui do lado, em São Paulo.

- Então... A sua companhia daquele dia na boate... Vocês não estão mais juntas?

- Bom... Se você investiga pessoalmente a vida da sua equipe, deveria saber que não, eu e Suzana não estamos mais juntas.

Nesse momento, Eliza entrou com duas bandejas empilhadas, colocando-as sobre a mesa de centro em frente ao sofá que estávamos. Abriu o frigobar da sala e serviu dois copos de suco, retirando-se em seguida, educadamente. Comida simples, da cantina mesmo, mas como o melhor tempero é a fome, devoramos o conteúdo daquela bandeja tranquilamente.

Camila sorria pra mim e eu retribuía sem graça, ficou contrariada quando percebeu que na sua bandeja não havia sobremesa, comi o pudim provocando-a, não demorando para que ela invadisse minha sobremesa com o garfo que comera a refeição, rimos disso, parei de rir ao me lembrar que Suzana tinha essa mania também de pegar comida do meu prato.

Saímos dali após alguns minutos de silêncio, para visitar os pacientes que assistíamos. Percebi que Camila não era só um gênio da medicina, mas também uma médica atenciosa, carismática, ela sabia de detalhes da vida dos pacientes, chamava os familiares pelo nome, em uma paciente em especial com Alzheimer, Camila se desdobrava em cuidados, o que me encantou. Sugeri a adição de algumas medicações com base em estudos, e ela aceitou, voltamos ao seu consultório por voltas às 17h, e voltamos às discussões dos casos clínicos.

Já era noite e notava que Camila insistia em alguns assuntos, como se quisesse me prender em sua presença mais tempo, como não me incomodava, me deixei enganar. Eliza veio se despedir alertando sobre o avançado da hora, voltamos ao sofá e Camila me fitava com atenção, sentamos bem próximas e ela falou mantendo fixos seus olhos claros em minha boca:

- Nosso dia foi produtivo, Isabela, sinto que teremos muitos assim daqui pra frente.

- Espero que sim doutora.

- Pode me chamar de Camila.

- Tudo bem dou... Camila.

- Escuta Isabela – ajeitou o braço por cima do sofá, me deixando envolvida nele. – será que qualquer dia dessa semana você não gostaria de sei lá, ir ao cinema, jantar comigo? – falou enquanto colocava meus cabelos por trás da orelha.

Camila sem dúvida era uma mulher sedutora, sabia exatamente como usar o tom de voz, sabia onde e como tocar a pele - “acidentalmente” ou não. Seu olhar era intrigante, o jeito de jogar seus cabelos cacheados, era praticamente uma arma mortal...

Eu estava quase invadindo sua boca que estava ali bem próxima da minha, aquela boca pedia pra ser beijada, seus lábios bem desenhados, que sabor eles teriam?

Mas eu tinha receio em me envolver com ela, não tinha compromisso com Laila, mas praticamente firmamos um acordo de nos conhecermos melhor e eu queria mesmo investir nisso, Camila era uma tentação, por sua inteligência, sensualidade, beleza e tínhamos muito em comum, temia que me deixasse ainda mais confusa, Laila, Camila... E o pior, Suzana não me saía do pensamento por mais esforço que eu fizesse.

- Camila, eu adoraria... Mas essa semana estou com os horários todos preenchidos... Como viajei no fim de semana passado, terei que trabalhar nesse para compensar... Mas podemos combinar qualquer dia, faz tempo que não vou ao cinema.

Camila não escondeu sua decepção, mas continuou encarando meus lábios. Senti que não conseguiria fugir dos lábios dela, quando meu celular tocou nos afastando abruptamente.

“Alô, oi Bê... estou indo pra casa agora sim, jantamos juntos sim, beijo.”

- Camila, sua companhia é muito agradável, mas tenho que ir. Até amanhã.

Recolhi minhas coisas e fui andando em direção a porta, sob os olhares de Camila. Antes de sair, parei junto à porta, olhei para trás e lá estava ela de braços cruzados me olhando com aquele mesmo olhar que me deixou de pernas bambas no barzinho, e depois na boate, saí trocando as pernas, batendo minha bolsa nas paredes, a trapalhona dava o ar da graça mais uma vez.

Pela primeira vez depois de quase quatro meses, voltei para casa depois do trabalho sem pensar em Suzana, meu pensamento era dela: Camila. O cheiro doce dela estava no meu corpo, ainda podia sentir o cheiro dos seus cabelos que emanava quando ela se aproximava para ver algo no meu notebook, era lavanda talvez... Não tinha certeza, mas aquele aroma me inebriou até chegar ao meu prédio.