domingo, 1 de abril de 2018

CAPÍTULO 28: LIÇÃO 24 – Cresça, independente do que aconteça



Marcela continuava parada diante da porta com os olhos arregalados, e eu, com o coração galopando pelo esforço e pelo medo de ser rejeitada mais uma vez, e em uma fração de segundos pensei que ela poderia não estar sozinha no apartamento, o que me deixou ainda mais apavorada.

-- Desculpa Marcela, eu não devia ter vindo, é que fui tão estúpida com você, e enfim, eu tinha que te pedir desculpas...

-- Como a senhora me encon... Como sabia que eu estava aqui?

Marcela tentava entender e eu reticente em revelar minha espionagem.

-- Eu... Bem, eu te segui e...

-- Seguiu? Mas...

-- Agora estou me sentindo uma psicótica, eu vou embora, era só para te pedir desculpas.

-- Desculpas aceitas.

-- Que bom, ótimo. – Sorri amarelo, esfreguei as mãos suadas na calça e fui caminhando em direção a escada. – Então amanhã nos falamos na faculdade.

Marcela acenou em acordo, visivelmente surpresa com minha presença e imagino que com minha atitude de segui-la. Quando eu pus os pés no primeiro degrau da escada, ouvi a voz dela no corredor.

-- Professora, espera.

-- Olha Marcela, eu tenho que me desculpar também por invadir assim sua privacidade...

-- Professora Luiza, calma. Devia escutar um pouco antes de fazer comentários precipitados.

-- Eu sei... O Lucas me falou e...

-- Ah, o Lucas... Bem eu só ia dizer, que, já que a senhora se deu ao trabalho de me seguir e me descobrir aqui, eu ia pedir que entrasse um pouco.

A surpresa dessa vez foi minha, e pela terceira vez na noite eu me senti uma imbecil.

-- Estou me superando hoje... Quantas mancadas...

-- Por favor, venha.

Marcela segurou a porta e fez um gesto para que eu entrasse. Aquela quitinete não parecia tão pequena. Talvez por que estava vazia, nenhum móvel na sala conjugada com a cozinha separada por um balcão em granito, ali, poucos utensílios, um forno micro-ondas, um frigobar e um fogão de duas bocas. Olhei em volta, e Marcela sem graça, prendendo os cabelos disse:

-- Não posso pedir que se sente, por que como pode ver, minha decoração é minimalista.

Sorri, e completei:

-- Dizem que é a tendência mais moderna. Deu mais espaço ao ambiente. Você tem bom gosto.

-- Ajuda a me concentrar, sem distrações.

Alguns segundos em silêncio, e eu nem sabia mais o que falar a sós com Marcela depois de tanto tempo, em um lugar tão íntimo. Tanto a dizer, e tudo tão mascarado.

-- Bom, eu...

-- Aceita água?

Falamos ao mesmo tempo e obviamente sorrimos tímidas.

-- Eu aceito água se não for incômodo, eu estou meio fora de forma, os lances de escadas me confirmaram isso... – falei ainda ofegante.

-- Pelo menos água eu tenho.

-- Como eu ia dizendo, vim te pedir desculpas, como você mesma disse, me precipitei e descarreguei em você aquele monte de asneira.

-- É compreensível, a senhora passou por alguns maus bocados esses dias.

-- Mas, você foi gentil comigo nesse tempo, não tinha esse direito. Fui uma estúpida.

Marcela me entregou o copo de água, e nossas mãos roçaram uma na outra e uma troca de olhares aconteceu, forte o suficiente para me tirar o ar.

-- Acho que também consigo entender o que é estupidez. Foi só um mal entendido, professora. Está tudo bem, não precisava vir aqui por isso.

-- É, agora você deve me julgar uma doida de pedra perseguidora. Eu não pensei direito...

Marcela dessa vez sorriu mais levemente, e aquele sorriso era uma covardia comigo, minhas pernas voltaram a tremer e não era por falta de atividade física.

-- Não esperava isso da senhora, confesso. Mas, nunca a julgaria como doida...

-- Menos mal. – Bebi o copo de água avidamente. – E sobre seu assunto, eu vou tentar resolver isso amanhã mesmo, se eu já soubesse, teria feito antes.

-- Ficamos constrangidos em importunar no meio dessa confusão que foram esses dias para a senhora.

-- Mas, é minha obrigação como orientadora, sei que contam com essa bolsa.

-- É, eu só fui falar por que acho que sou a que mais está sentindo a falta desse dinheirinho.

Marcela abriu os braços revirando os olhos.

-- Desculpe-me ser tão invasiva, mas, já estou aqui... O que houve com seu antigo apartamento?

-- Estou morando sozinha agora, para arcar com esse custo, vendi meu carro, por que meus pais não concordaram com minha decisão. Preferi morar perto do campus, e aqui não tem garagem, enfim... O carro seria mais uma despesa também...

-- Entendi... Mas, naquele dia que me deu carona, estava com seu carro ainda, se mudou agora, recentemente?

-- Na verdade, eu já tinha vendido o carro, é que vendi a Jessica, e naquele dia, pedi emprestado a ela...

-- Ah sim, e... Jessica também se mudou?

-- Não, só eu. Uma prima da Jessica está na minha antiga vaga lá.

-- Só você se mudou?

Marcela sorriu só com o canto dos lábios e se antecipou:

-- A senhora quer saber se a Laura continua morando lá? Se é isso, a resposta é sim, e eu saí de lá por que estava intolerável nossa convivência sob o mesmo teto depois que terminamos o namoro.

Respirei fundo, segurando a vontade de abrir um grande riso ao ouvir a última informação.

-- Era isso, que queria saber, não era?

-- Desculpa, Marcela. Juro que não sou tão intrometida e curiosa assim, nunca fui, assim, nunca com ninguém antes de você...

-- Antes de mim?

-- Antes de te conhecer, de me apa...

Autocensura. Foi automático, assim como o sorriso se fazendo nos olhos e lábios de Marcela.

-- Então, não foi depois da Cléo Moraes?

-- Ah Marcela! Até você?

Ela não segurou o riso.

-- Desculpa vai, foi mais forte que eu.

O silêncio de novo se fez, entretanto, dessa vez de uma maneira mais leve, nos encaramos com brilho nos olhos, desarmadas.

-- Eu tenho que ir, deixei meu carro, minhas coisas no campus e... Já tomei seu tempo, invadi seu espaço, enfim, está na minha hora.

-- Espaço eu tenho de sobra, como você pode ver.

-- Bom saber.

Marcela mordeu o lábio inferior, e eu, provavelmente senti o equivalente a um micro orgasmo, se é que isso existe. Nossa troca de olhares estava tão intensa, minha vontade era de avançar na boca dela e sentir seu gosto de novo, me contive, simplesmente me faltou coragem ou na melhor hipótese meu instinto de autopreservação clamava “Keep calm”, esse terreno exige cuidado.

-- Boa noite, Marcela.

-- Boa noite, professora Luiza.

Bandeira branca hasteada, e no coração um rio de esperança de finalmente seguir minha história com Marcela.
***************

Almoço de sábado com Cris no verão era uma tradição que eu protelei para cumprir depois dos meus quinze minutos de fama. Nossos almoços sempre se estendiam até a noite, com direito a caminhada pelo calçadão até o melhor ponto da praia para ver o pôr do sol.

-- Então, vai me contar o motivo da animação? Não me deu bolo, está aí parecendo uma gazela saltitante batendo os dedinhos na mesa...

-- Cris! Samba, feijoada, sente o clima! – Bati no ombro da minha amiga.

-- Sei, esse clima está me desidratando, isso sim, que chopp quente!

-- Xi, está de mau humor, heim? Por que isso?

-- Meu humor está bem normal, não sou imune a esse calor, Luiza! Já você... Desembucha criatura! Isso tem algo com a volta de uma certa atriz para o território brasileiro?

-- Atriz? Ah desencana, Cris. Vamos pedir cerveja, pode ser que esteja mais gelada.

-- Luiza, você não me enrola! Isso é alegria de piriquita, te conheço!

-- Só me faltava essa! Você conhecer a alegria da minha piriquita, olha aí uma coisa que você não sabe sobre, e nunca vai saber.

-- Eu farejo isso, entendo tudo de piriquita, da sua inclusive. Não é preciso ir no Japão pra saber que lá tem japonês de olho puxado!

-- Oi? Cris você está passando bem?

-- Teu cu! Fala, quem é que está te deixando assim, piriquita cantora?

-- Ela está estressadinha... Ninguém está alegrando minha piriquita não, Cris, mas... Quem sabe possa me dar uma alegria um dia desses...

-- Sabia! Se não é a Cléo, então... A novinha?

-- Cris para com esses apelidos, até parece letra de funk! Você sabe o nome dela.

-- Ui, ui, tem que respeitar a Marcela, olha como ela fica ofendida!

Gargalhamos, não me contive diante dos olhos de Cris piscando rápido como um personagem de desenho animado.

-- Você e a Marcela, se entenderam?

-- Talvez estejamos caminhando para isso.

Resumi o que aconteceu para Cris e ela logo manifestou sua torcida a favor.

-- Luiza, que tal uma conversa sincera entre vocês agora? Chega de drama, de lenga-lenga, você precisa viver isso, se for paixão, atração ou algo mais sério, não dá pra fugir mais!

-- Eu nunca quis tanto viver algo de maneira inteira e intensa como quero com a Marcela. Eu voltei a adolescência com esse frenesi de sentimentos, mas, quem vai viver essa história, vai ser a mulher Luiza.

-- Brindemos a isso!

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