sábado, 13 de janeiro de 2018

CAPÍTULO 24: LIÇÃO 20: QUANDO VOCÊ BAIXA A GUARDA, PODE SANGRAR

Se Marcela já tomava de conta dos meus pensamentos mesmo sem eu querer, sem ter esperanças vivas, imagina depois da chama acesa por nossa aproximação e o melhor, a proximidade do início concreto de nossa história? Eu sonhava dormindo e acordada com os momentos que dividiria com ela, em nenhuma hipótese eu imaginava intemperes, tudo daria certo.

Não poupei sorrisos, distribui bom humor, Clarisse atribuía esse comportamento a minha suposta volta de namoro com Celina, Ed acabara de voltar de Nova Iorque e cobrava explicações sobre a nova lady que fazia “minha periquita cantarolar”, e quanto a Cris, bem, ela já tinha certeza sobre o que poderia ter acontecido, pediu prioridade para conhecer os detalhes, tão logo chegasse de uma viagem de trabalho.

Eu, estava tão abobada, que não percebi o tempo passar e a conversa que Marcela teria com Laura para que enfim o namoro delas chegasse ao fim acontecesse. Continuávamos a trocar mensagens carinhosas, com menos frequência, e nossos encontros eram muito raros, atribui isso a loucura de final de semestre. Melhor do que ninguém eu entendia o que era isso para os alunos, por que tanto quanto eles, quanto para os professores, ambos praticamente entravam em colapso nesse período.

Beatriz parecia um zumbi. Lembrava muito meu estado quando ela me deixou. As vezes eu sentia compaixão, até tentei conversar com ela uma ou duas vezes, mas, ela foi categórica em me dizer que não precisava da minha piedade. Paciência, eu também não ia querer no lugar dela.

Chegara enfim a última reunião semestral do GRUFARMA, uma lista de tarefas para os bolsistas desenvolverem nas férias, mas, nada que atrapalhasse o descanso merecido, a cobrança maior era com os mestrandos, especialmente os que estavam perto da qualificação. Encerrada a reunião, esperava que Marcela ficasse, era uma desculpa para que conversássemos sem despertar maiores suspeitas, entretanto, para minha surpresa, a vi saindo junto com os demais, meio atordoada intervi:

-- Marcela, por favor, pode ficar um pouco mais, preciso repassar uns artigos para seu artigo de revisão.

Com um carinha de desconfiada, Marcela acenou em acordo, e me seguiu até o gabinete. Aproximei-me dela, e a abracei, beijei sua testa demoradamente e disse:

-- Que saudades suas... Então, está de férias?

-- É... Estou, quer dizer, falta sair uma nota ainda, mas, acho que passei.

-- Já sabe quando vai para a cidade dos seus pais? Na verdade, sua mãe e seu padrasto, não é isso?

-- É, isso. Meu pai, morava aqui, comecei a morar aqui com ele quando vim no começo do semestre, mas ele foi embora também. Eu não sei ainda, estou esperando aí uma definição...

-- Por falar em definição... Como estão as coisas com a... Laura, é esse o nome?

A face de Marcela mudou. E eu senti um gelo percorrendo minha corrente sanguínea. A sensação não era boa, aquele olhar furtivo nunca me trouxe boas perspectivas.

-- Marcela? Há semanas você me falou sobre conversar com ela, que estava tudo praticamente terminado, faltava só oficializar, e então?

-- Aconteceu que... Bem, a gente conversou sim, Luiza. Uma conversa franca, honesta, e a gente se acertou.

-- Vocês se acertaram? Isso quer dizer o que exatamente? Que está tudo certo? Cada uma pra seu lado, e vão seguir a vida? Está livre para nossa história agora?

-- Não, Luiza. A gente, vai tentar mais uma vez, ela me pediu uma chance...

-- O que? E eu? O que você está fazendo comigo, Marcela?

-- Eu queria ter conversando com você antes, mas, não tive coragem, eu sou uma covarde, me desculpa, Luiza.

-- Ah, você é mesmo! Uma tremenda covarde. Quis me manter presa a você, e continuar com sua namorada, parabéns! Você conseguiu me enganar direitinho, não que seja um grande feito, por que eu, sou uma grande idiota, qualquer uma me faz de boba.

-- Você acha que fiz de caso pensado?

-- Não fez? Você me pediu para te esperar! Pediu um pouco mais de paciência para fazer as coisas do jeito certo, esse é seu jeito certo de fazer as coisas? Ludibriando as pessoas? Traiu sua namorada, me enrolou e agora pede desculpas e acha que está tudo bem?

-- E você que estou bem? Acha que não estou sofrendo com isso? Acha que quero te fazer sofrer? Não imagina o quanto dói saber que estou te machucando.

-- Você é que não imagina o que está causando. Quer ficar com as duas? Não dá, uma você vai perder, mas, na verdade, você já fez essa escolha mais de uma vez... Eu nunca fui sua escolha.

-- Vou perder as duas... – Marcela disse com o rosto banhado em lágrimas.

-- Como eu pude me enganar tanto com uma pessoa como me enganei com você? Amei você sem ter nada, sem impor uma condição, de coração limpo e livre, tinha tanto a perder e me coloquei em suas mãos, Marcela. E eu não fui suficiente para você.

-- Você não sabe o que está falando. O problema é o contrário, você é muito pra mim. Muito mais do que eu posso dar, não tenho nada pra te oferecer.

-- Só te pedi uma coisa: para que ficasse comigo. E mais uma vez, você escolheu ela. Quer saber Marcela? Fica no seu namoro acertado, com sua namoradinha perfeita, ela não pode ser magoada, mas a mulher que é muito, essa aguenta mais um solavanco, só mais um percalço. Esquece que eu existo, finge que eu sou só uma professora, por que a partir de hoje, de mim, você será vista unicamente como aluna, orientanda do grupo de pesquisa, possivelmente eu te transfira para outro pesquisador.

-- Nossa, você está sendo cruel... Luiza, essas palavras doem.

-- Doem? Faz quanto tempo que você está de boa com sua namorada, e continua me mandando mensagem me chamando de “meu bem”? Você ia me dar um fora por mensagem também, quando estivesse no interior na casa de seus pais? Espera, essa definição que você estava se referindo, é por que está esperando para ir com ela para a cidade de vocês?

-- Os pais dela estão vindo, vou de carona...

-- Ah meu Deus! Quem está sendo cruel?!

-- Estou sendo honesta, não preciso mentir para você!

-- Sabia que omitir as vezes é misericordioso, Marcela?

Eu já estava descontrolada, chorava a ponto de quase perder o fôlego. Aquela conversa me destruía a cada palavra, a cada lágrima. Não me lembro de uma discussão tão dolorosa quanto aquela, tão intensa, a que mais se assemelhava, foi quando Beatriz me deixou, mas, naquela ocasião, eu não esbravejei, eu só afundei. Diante de Marcela, eu lutava, mostrava minha ferida exposta, era minha mágoa falando, quando dizem que ódio e amor estão em uma linha tênue, talvez esteja no campo da intensidade, da mesma forma que eu tinha forças para gritar que amava Marcela, eu queria berrar minha dor, por ela me deixar de novo.

-- Eu não queria que as coisas fossem assim, Luiza, eu merecia mesmo ficar sozinha, se tem alguém que tinha que sofrer era eu, só eu...

-- Mas, você vai seguir sua vida com sua namorada, e eu vou ficar na merda! Basta, Marcela! Some, vai embora, não tem mais problema de consciência, já se livrou do problema que atormentava seu namoro, não teremos mais contato.

-- As coisas não precisam ser assim, Luiza, nunca falei que você é um problema pra mim... Não coloque palavras na minha boca.

-- Marcela, vai embora!

-- Você está nervosa, não posso te deixar assim...

-- Não sou mais uma preocupação sua.

Abri a porta do gabinete e fiz o gesto para que ela saísse dali. Marcela pegou a mochila e limpando o rosto das lágrimas abundantes, deixou a sala, e eu fechei aquela porta com tanta força que os vidros dos armários estremeceram. Joguei-me no chão, devo ter chorado por mais de uma hora seguida, ignorei as chamadas de Ed, e quase sem forças, liguei para Cris:

-- Cris, você pode vir aqui na universidade me pegar? Estou precisando de você.

A lealdade de Cris era inquestionável. Sabia que ela me entenderia. Sem fazer muitas perguntas, ela me levou para casa, e me colocou no colo, esperando que eu chorasse tudo que eu tinha para chorar, até que eu conseguisse desabafar em palavras o que acontecera.

Antes que meu amigo rivotril, administrado pela Cris, fizesse efeito, uma notificação de mensagem chegou ao celular, era dela:

“Eu não queria causar tanto sofrimento a você, não estou imune à dor. Não me odeie, eu não suportaria isso. Cuide-se.”

Eu não conseguia enxergar nenhum afeto nas palavras de Marcela, entendia tudo como egoísmo, covardia, decepção, frustração. Aliadas a todas essas más companhias eu tinha minha fértil imaginação, que realizava cenas, construía situações, supunha como seria o comportamento dela com Laura, no meio social que era comum às duas, um meio que não me cabia, a história delas, o passado que eu não pertencia, e que ela demonstrara com atitudes que não cabia no presente também.

O que eu experimentava agora era um poço profundo, escuro de mágoa. Cris, por mais compreensiva que fosse, e por mais que me apoiasse se minha situação com Marcela fosse favorável, não conseguiu ficar passiva vendo meu estado, que se estendeu por dias. Nem sabia mais o que responder ao Ed, que insistia em marcar a festa de “Returned” e eu com mil desculpas adiando minha presença que ele fazia questão.

Encerrei o semestre com ajuda de Clarisse, que por ela mesma deduziu que meu “namoro” com Celina havia acabado. Ela ficou responsável por preencher notas no sistema, entregar relatórios, e providenciou um atestado médico com um amigo nosso do hospital universitário.

Mas, aí, veio a intervenção: Ed, Cris e Clarisse, no meu quarto, tomando da minha mão a terceira garrafa de vinho do dia, e ainda era 11 da manhã de sábado.

-- O que a patrulha do AA está fazendo aqui essa hora? Ou será a liga da justiça? – Disse com a língua embolada.

-- Já chega não é, Luiza? Vai ser um festival de autodestruição por semestre? – Clarisse foi a primeira a falar.

-- Você estava tão bem Amapô, qualquer uma vai te derrubar assim? Fizemos progressos maravilhosos esse ano, não volta pra merda, racha, não quero pisar lá de novo pra te arrastar! – Ed foi mais dramático.

-- Luiza é o seguinte, não vamos deixar você se afundar de novo, a gente te ama demais pra ver você se torturando por causa de quem não te merece. Vamos começar com uma viagem para um paraíso, primeiro, você vai pisar no inferno, vai passar o natal com seus pais, e eu com os meus, vamos juntas, não se preocupe, depois, um luxo de viagem de Réveillon em Fernando de Noronha, pacote comprado, vamos os quatro!

-- Vocês estão loucos? Isso é uma fortuna!

--O Ed conseguiu um desconto bom, por que agora é blogueiro das estrelas, está todo patrocinado pelas maquiagens caras. – Clarisse retrucou

-- Super vale a pena o investimento gata! Só gente linda, como... Eu, claro. – Ed, fez bico.

-- Nem adianta nos contrariar, não tem reembolso, amanhã vamos às compras! – Cris decretou.

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