sábado, 13 de janeiro de 2018

CAPÍTULO 23: LIÇÃO 19 – O PASSADO É UMA ROUPA QUE JÁ NÃO SERVE MAIS

Em cada canto da sala da minha casa estava eu e Marcela. Um silêncio de ansiedade, medo, mesclado a uma vontade gigantesca de abraça-la e sentir o gosto dos seus lábios nos meus de novo. Era um vulcão de sensações fervilhando, e os pensamentos mais diversos. A esperança de que algo enfim tivesse mudado e Marcela estivesse ali para mudar minha vida com um sim para mim, seja qual fosse as consequências que iríamos enfrentar.

-- Marcela, aceita algo para beber, um suco, uma água?

-- Água, aceito água, por favor.

Marcela bebeu a água com avidez, disfarcei para não deixá-la sem graça, mas, percebi que não era só eu que experimentava o caldeirão de sensações fervendo.

-- Então, quer se sentar um pouco? Você disse que precisávamos conversar, estou ouvindo.

-- Você está namorando? Aquela médica da palestra, a Dra. Celina?

Marcela não fez rodeios, não se sentou, nem ao menos terminou me devolveu o copo vazio que segurava. Foi direta, como se colocasse para fora algo engasgado.

-- Nossa, mais direta, impossível. -Tentei ganhar tempo.

-- A pergunta é simples, resposta simples, sim ou não.

-- Posso te devolver com outra pergunta: você ainda está namorando?

-- A sua resposta depende da minha? Por que eu te perguntei primeiro, é tão complicado me responder isso?

-- A questão é: por que eu deveria te responder isso, Marcela? Por que você falou que precisávamos conversar? Se era isso que tinha para me perguntar, poderia me perguntar lá na faculdade mesmo.

-- Poderia? Por acaso você se lembra de como me trata naquela universidade?

-- Como uma aluna? Não é assim que deveria te tratar? Você não me deu escolha, Marcela, eu me dei a você, me coloquei em suas mãos, pedi que me escolhesse, e você disse que não podia.

-- E não tem um meio-termo nisso?

-- Quer que eu seja “a outra”? Sério, Marcela?

-- Para com isso! Eu não sou assim, não faria isso com você, e nem...

-- Ah claro, nem com a sua namorada perfeitinha, ela não merece isso, aquilo que nem merece ser denominado, você definiu como “isso”.

-- Você se apega em cada detalhe, super dimensiona uma bobagem, piora tudo. Eu me referia a amizade, por que eu adoro sua companhia, foi o que me segurou aqui no inicio do semestre, você me inspira, me fez sorrir, cuidou de mim...

-- Não dá Marcela, eu não te quero só como amiga, te quero como mulher.

Eu não sei se fui eu, ou se foi ela, ou se foi algum imã invisível, mas, depois dessa frase, minha boca já estava devorando os lábios de Marcela, beijei-a com todo desejo contido, na minha cabeça uma estrofe de uma música do Charle Bronw Jr fazia todo sentido:

“Eu vou fazer tudo que eu puder, eu vou roubar essa mulher para mim(...) Se não eu, quem vai fazer você feliz?”

Nossos beijos não cessavam, queria sentir o sabor, o cheiro que vinha do seu pescoço quando eu levantava seu cabelo e roçava o nariz ali, ela retribuía, e ali, deitadas no sofá, excitadas, parecia que não havia outro caminho a percorrer pelo nosso desejo. Mas, lá vem o “mas”, aquele fantasma sabia meu endereço, e tocou meu interfone.

-- Abre essa porta, Luiza, saí de casa, deixei Alicinha, voltei para você meu amor.

-- Beatriz, nada mudou nas duas últimas horas, não tem volta entre nós.

Rapidamente liguei para o porteiro e alertei que não deixasse a Beatriz subir, que podia chamar a segurança do condomínio se necessário. Se Beatriz subisse e encontrasse Marcela ali o dano seria desastroso.

-- Você mandaria prender sua ex-namorada?

-- Marcela, você não sabe nada da Beatriz, não sabe da minha história com ela... Além do mais, ela não está no juízo perfeito dela, chega de passado atrapalhando minha vida.

-- Mas, você voltou com outra ex-namorada sua, não é passado também?

-- Danadinha, você! Tudo isso foi jogo para arrancar essa informação?

Brinquei com Marcela abraçando-a por trás, beijando seus ombros. Ela sorriu e insistiu:

-- Voltou ou não?

-- Não.

-- Mas, vocês, ficaram?

-- Marcela... O que está acontecendo aqui hoje? Você ainda está namorando a Laura?

-- A gente não está bem, por vários motivos, e você é um deles.

-- Eu?

-- Sempre foi... Desde que te conheci as coisas mudaram, mas não podia deixar que você fosse a culpada... Mas, eu estou sofrendo, Luiza, do jeito que as coisas estão... Você praticamente me ignorando, saindo com essa Celina, devem ter ficado, pelo jeito que a Beatriz estava irritada...

-- E agora? O que acontece?

-- Preciso ficar livre para vivermos esse sentimento que existe entre nós, pode esperar um pouco mais?

Abracei-a, se ela soubesse que eu já a esperava sem ela saber...

-- Acho melhor te deixar em casa, tenho medo da Beatriz louca estar lá em baixo esperando, e quer saber? Vou pedir o carro de um colega que mora no andar de cima, assim ela não vai seguir o carro.

-- Sério? Ela está assim?

-- Está, ela fez isso no final de semana, foi meio tenebroso sabe, não quero te traumatizar, bebê.

Assim feito, usei o carro emprestado para deixar Marcela em casa. No trajeto, estávamos desarmadas, contive minha vontade de acaricia-la, temi que qualquer gesto do tipo, desrespeitasse a espera que ela me pediu. Mas, ao parar de frente ao prédio dela, em um endereço que eu ainda não conhecia, a iniciativa foi dela de segurar a minha mão e beijar a palma, e em seguida coloca-la em seu rosto, deslizei meus dedos com delicadeza, enquanto ela fechava os olhos, saboreando aquele momento. E no mesmo ritmo selou meus lábios com um beijo doce, encostou sua testa na minha, e sussurrou:

-- Eu te quero muito, de verdade.

-- Eu também te quero, Marcela, de verdade.

Minha alma estava leve enfim. Não fazia a menor ideia de como eu iria agir na universidade, como manter nosso relacionamento em segredo, como seria no grupo de pesquisa, teríamos que esconder de muitas pessoas, mas, o que era o mais importante para mim, era viver aquele sentimento que me tomava inteira, estava me dando conta, que valia a pena arriscar minha zona de conforto para mergulhar em um novo amor, inédito, cheio de novas experiências, e sensações que me enchiam de esperança.

Retornar a universidade tinha um dilema chato: reencontrar Beatriz, no momento louca de pedra, possuída pelo personagem da Glen Cloose em Atração Fatal, e rever minha menina, do sorriso mais lindo e doce do mundo: Marcela. Nessas horas, a gente sabe o valor do amor, ele ganha de todos os percalços menores, Beatriz era um deles.

Até a hora do almoço não vi Marcela, mas, bastou uma mensagem de bom dia, me chamando de “meu bem”, já me fez flutuar pelas nuvens como um duende encantado. Já a Beatriz, essa me achou, na sala dos professores, e pediu que a secretária me convocasse para uma reunião.

-- Pois não, professora, o que deseja falar comigo? – Fui, formal.

-- Que palhaçada foi aquela ontem, Luiza? Fui na sua casa e você não autorizou sequer que eu subisse para conversarmos, eu tinha acabado de deixar a Alicinha, e você, pediu ao porteiro que ele não deixasse eu subir? Acha que sou uma ameaça a você?

-- Sim, você é. Uma ameaça à minha tranquilidade. Beatriz, você precisa entender, não há mais uma história a ser continuada entre nós duas. Tudo que aconteceu entre nós, está no passado.

-- Luiza, eu terminei com a Alicinha, tomei uma atitude. Não era isso que a gente precisava? Não estou te propondo para que tenhamos um romance escondido, eu tive coragem, planejei tudo, demorei por isso.

-- Muita coisa aconteceu nesse tempo, Beatriz, acho que você declarou nosso fim, quando me deixou pela primeira vez. E depois aquela sequência de humilhações com a Alicinha. Sabe aquela roupa que você insiste em usar, antiga, por mais que você reforme, não te cabe mais, não cai bem, você não se reconhece mais. Eu mudei, as coisas mudaram.

-- Está falando da Celina, esse namoro à distância com ela? Luiza, ela vai te trair na primeira oportunidade!

-- Beatriz, você me traiu e nem foi morando em outra cidade. Eu só quero uma coisa de você: paz. Podemos ser maduras, e agir como adultas e profissionais?

-- Não vou desistir tão fácil.

-- Essa é sua escolha, a minha já está tomada.

Sai da sala de Beatriz e recebi uma mensagem daquelas que te arrancam um sorriso dos lábios:

-- Laboratório vazio, capuccino com pão de queijo quentinho no seu gabinete, posso te esperar, meu bem?

-- Voando pra te encontrar

Mal abri a porta do meu gabinete e abracei Marcela, como se não a visse há semanas.

-- Saudades...

-- Eu também, meu bem.

-- Acho que posso me acostumar com isso, que tal virar rotina?

-- Eu ia gostar.

Marcela sorriu, e me serviu os pacotes de pão de queijo, e nos trancamos no gabinete para trocarmos uns beijos antes das aulas da tarde.

-- Você já conversou com a...

-- Calma, Luiza, não estamos bem, é questão de tempo, ainda não nos encontramos por questão de horário de trabalho e faculdade.

-- Não vejo a hora de poder te sequestrar para algum lugar que possamos namorar à vontade, sem medo, livres,

-- Namorar?

-- Acha que sou uma mulher de aventuras?

-- Acho que não mereço uma mulher como você.

-- Eu já acho que te esperei a minha vida toda.

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