CAPITULO 10: Faciem aliis
*O rosto do outro
Pedro esperava Natália na porta da biblioteca no final da tarde de segunda-feira. Natalia lhe deu um sorriso insosso e o cumprimentou friamente.
-- Ainda chateada comigo?
-- Não, só estou cansada Pedro, não dormi bem esta noite, e foi um dia puxado.
-- Aceita lanchar comigo, um sorvete talvez?
-- Vai ficar pra outro dia Pedro, desculpe-me.
Natalia falou apressando os passos saindo do prédio.
-- Posso te acompanhar até em casa?
-- Você mora a quinze minutos daqui e está se oferecendo pra atravessar a cidade em horário de pico pra me acompanhar?
-- Gosto de sua companhia oras!
-- Pedro, hoje eu não sou boa companhia nem pra mim mesma, combinamos qualquer coisa outro dia.
Natália se despediu de Pedro apressadamente, deixando o rapaz decepcionado, e seguiu para o ponto de ônibus. Como esperado, estava lotado, os ônibus então, impossível enfrentar o desafio de entrar em algum deles.
Em meio ao tumulto das pessoas tentando se espremer para entrar no ônibus, Natalia foi empurrada, caiu no asfalto, e um trombadinha se aproveitou para afanar sua mochila para o desespero da moça.
Testemunhas alertaram sobre o assalto, e heroicamente, Lucas derrubou o trombadinha no chão, o rendeu, enquanto uma viatura policial se aproximava. O jovem recolheu a mochila de Natalia e correu em direção à moça para ajudá-la:
-- Você está machucada gatinha? – Lucas perguntou.
-- Está tudo bem, só uma escoriação mesmo.
-- Suas jóias, donzela.
Lucas brincou entregando a mochila a Natalia.
-- Lucas, nem tenho como agradecer pelo que fez.
-- Fica de boa gatinha, não fiz mais que minha obrigação de defensor da lei.
O jeito brincalhão de Lucas arrancou um sorriso de Natalia.
-- Vamos dar um jeito nesse machucado? Ali tem uma farmácia. – Lucas indicou.
-- Não é preciso, tenho um band-aid e água aqui na mochila.
-- Que menina prevenida! Mas não acha melhor lavar com água e sabão? Ou você também tem sabão na mochila?
-- Na verdade tenho... – Natalia exibiu a saboneteira guardada dentro da mochila.
Lucas tapou o rosto com as mãos, balançando a cabeça.
-- Ai gatinha, você é uma figura. Vou ser seu enfermeiro, e vou cuidar disso aí, me dá o material.
O rapaz foi atencioso, e durante todo o tempo que prestava o cuidado, fazia Natalia sorrir com alguma careta engraçada ou piada, inclusive soprando no machucado.
-- Prontinho!
-- Quanto devo ao senhor enfermeiro?
-- Deixe-me calcular os custos... – Colocou a mão no queixo, olhando para cima – Exposição a agentes de risco contaminantes, a pagação de mico por fazer isso em público, mais meus honorários... Isso vai dar... Um café na padaria!
-- Ah jura? Vejo que seus serviços são baratos, será que você vai ser um daqueles advogados que recebem galinha, bode, ticket refeição como pagamento?
-- Olha se for de uma cliente linda como você... Aceitarei sim.
-- Sei... Um mulherengo liso basicamente!
Lucas gargalhou e retrucou:
-- Mas feliz por cumprir meu dever com a justiça.
Sorriram juntos. Caminharam em direção à padaria, a poucas quadras dali. O mau humor de Natalia se dissipou com o astral contagiante de Lucas.
-- Gatinha, você precisa provar o sonho que tem aqui, um absurdo de recheio de doce de leite!
-- Vou ter que passar fome o resto do dia se comer isso!
-- Por quê? Vai me dizer que você é como essas meninas chatas que vivem de dieta!
-- Não, mas vou ter que começar a ser.
-- Ah para com isso! Com um corpo monumental como o seu, pra quê se preocupar com isso?!
-- Deixa de exagero! Não sou gorda até hoje porque sempre pratiquei esportes, mas, como exageradamente, adoro comer! Mas, aqui, estou completamente sedentária.
-- Que esportes você praticava?
-- No colégio eu nadava e jogava handball. Depois que saí, eu e um grupo de amigas nos encontrávamos pra jogar vôlei uma vez por semana.
-- Ah, porque você não entra no time do curso de Direto da faculdade?
-- Nem sabia que tinha!
-- Ah, mas tem sim, posso te apresentar às meninas do time, uma delas vive lá na república vizinha a nossa.
-- Ai Lucas, eu quero sim!
-- Então fica combinado, falo com a Carlinha, e peço pra ela te procurar na sua sala.
Lucas tinha a mesma docilidade que Pedro. Mas, era mais simpático, mais descontraído, talvez por isso, fosse mais popular entre os colegas. A conversa bem humorada do rapaz fez Natalia perder a hora, quando se levantava apressada a fim de seguir para o ponto de ônibus, foi surpreendida por Pedro, que num tom irritado indagou:
-- Estava cansada demais pra mim ou já tinha encontro marcado com meu irmão Natalia?
-- Pedro?!
Natália exclamou desconcertada.
-- Esperava isso do palhaço do meu irmão, que cismou de querer tudo que é meu agora, mas de você? De menina boba do interior você não tem nada!
-- Opa! Que é mano?! Para de ser grosso! Você tá vacilando! – Lucas tentou acalmar o irmão.
-- Cala a boca Lucas! Pensei que nosso papo de ontem tinha esclarecido as coisas, mas vejo que não!
Lucas acenou em desacordo. Natália que odiava exposição preferiu o silêncio, recolheu sua mochila e saiu do local, sendo seguida pelos gêmeos. Foi alcançada a poucos metros, Pedro insistia em cobrar explicações.
-- Você está ficando boa nisso, em dar mole pro meu irmão e sair sem me dar explicações. – Pedro disse ironizando.
Natalia ignorou apressando os passos.
-- Bem que a Diana me preveniu sobre meninas como você!
O fato de Pedro citar Diana chamou a atenção de Natalia, que parou imediatamente e indagou exasperada:
-- O que a Diana disse sobre meninas como eu?
-- Disse naquela noite do trote que essas meninas do interior se fazem de inocentes e santas, mas são muito piores que as da cidade grande! Você beijou o Lucas naquela noite, sabendo que não era eu!
-- É isso que você acha?
-- É!
Natália agora mais furiosa encarou Pedro nem um pouco intimidada com as ofensas do rapaz. Deu-lhe as costas e caminhou altiva até Lucas que até então assistia a discussão calado, envolveu seus braços no pescoço do rapaz, avançando na sua boca, roubou-lhe um beijo avassalador.
Pedro apertou os olhos e cerrou os punhos na tentativa de conter sua raiva, quando Natalia se afastou de Lucas, e disse:
-- Agora eu beijei sabendo que não era você, e quer saber? Ele beija bem melhor! E só pra sua informação, nunca dei uma de santa nem de inocente, vocês me rotularam assim, posso ser muito pior do que inclusive, a sua queridinha Diana! E que fique claro de uma vez por todas: NÃO SOU SUA! NÃO LHE DEVO EXPLICAÇÕES!
Saiu pisando firme, Lucas contendo o riso a seguiu, deixando o irmão mergulhado na própria ira, chutando o que encontrava pela frente.
-- Natalia espera! Vou te acompanhar até o ponto!
-- Não é preciso Lucas!
-- Se estava perigoso aquela hora, imagine agora! Prometo que vou ficar calado, serei apenas seu guarda-costas.
Natalia consentiu. Enquanto esperava sua condução foi sincera com Lucas:
-- Eu quero te agradecer pelo que fez hoje Lucas, você foi maravilhoso. Desculpe-me pelo beijo, queria ferir seu irmão, que não sei por que tomou posse de mim.
-- Opa gatinha! Sempre que precisar me usar, fique à vontade!
O rapaz brincou.
-- E outra coisa: não brigue com o Pedro por minha causa, não quero problemas com a tutora de vocês.
-- Você está falando da Diana?
-- Sim.
-- Ah relaxa gata. A Diana é só uma amiga, se sente responsável por nós, mas é bobeira, eu e Pedro sempre encrencamos assim um com o outro, mas sempre nos entendemos, ele é meu companheirão sabe, desde que nosso pai morreu ele assumiu essa postura mais séria, mais madura, está sempre cuidando de mim.
-- Por isso mesmo, não vale a pena se desentender com ele.
-- Sossega ta? O Pedro tem que aprender a te tratar melhor, mereceu essa lição. Agora entendo por que ele está tão encantado por você, não é só linda, é forte, divertida, não é difícil se apaixonar por você.
Natalia ruborizou e antes que um clima de flerte se configurasse claramente, desviou o olhar para o veículo que se aproximava, enfim, era seu ônibus. Despediu-se do rapaz depois de ganhar um beijo na testa e seguiu para casa ainda mais confusa que no dia anterior.
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