quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

LEIS DO DESTINO: 11º e 12º CAPÍTULOS

CAPÍTULO 11 Potestatem Argumentandi
*O poder da argumentação
Por Têmis

                Diana não se conformava com o término da relação com Julia. Tentou falar com sua ex-namorada diversas vezes durante o dia, mas foi ignorada em todas as tentativas. Não suportava lembrar que decepcionara de maneira drástica alguém tão importante em sua vida. Mas, não era só a culpa por magoar Julia que tirou a paz e o sorriso da loirinha naquele dia.
               
                Natália não saia da sua cabeça.

                Diana reviveu cada momento em sua mente, as risadas, as conversas, o sorriso, o olhar, o gosto, o cheiro, os beijos, e pior, a ira, a mágoa dela em cada palavra, nos olhos marejados, calavam fundo os sentimentos confusos da loirinha.

                Evitou o andar do primeiro semestre naquele dia, não poderia ficar imune à presença de Natália, não era capaz de encará-la. Entretanto, na terça-feira, o encontro seria inevitável: aula de IED, não podia perder aula da doutora Dorothea, esse semestre precisava passar nessa disciplina, sua situação acadêmica estava insustentável.

                Sem seu brilho peculiar, adentrou na sala do primeiro período, o primeiro rosto a encontrar foi o que ocupou seu pensamento nos últimos dias: Natália.

                Os olhos se encontraram e se mantiveram fixos, mesmo à custa da razão ditar o contrário, se buscaram se conectaram. Diana sabia que estava sendo lida por Natalia, e esta, detestava entender o que os olhos da outra denunciavam, por que não queria se sentir tão incomodada, tão inquieta com isso, com a presença de Diana.

                Foram apenas segundos, mas foi tempo o suficiente para provocar em ambas a avalanche de respostas fisiológicas que levam o corpo a se questionar sobre duas atitudes: lutar ou correr. Corações acelerados, respirações sobressaltadas, tremores, palidez, suores, voz travada.

                Natália foi a primeira a decidir lutar. Desviou o olhar, abriu um livro e o folheou com dificuldade, disfarçando suas mãos trêmulas. Diana por sua vez, optou pela luta, não fugiria da presença de Natalia, uma vontade incontrolável de ficar perto dela lhe fez escolher a cadeira paralela, uma das primeiras cadeiras da fila.

                Doutora Dorothea entrou na sala e imediatamente notou a presença de Diana, em uma disposição incomum na aula.

-- Não há vida social sem a presença de regras que venham a reger, com rigor, o procedimento das pessoas. É isso que nos difere dos animais, o homem precisa estar submetido a normas de conduta social. Normas de conduta social são regras que disciplinam o agir, o comportamento do homem na sociedade. As regras jurídicas são uma das espécies de normas de conduta social. Quando essas normas são desrespeitadas, cabe ao homem uma sanção, uma punição. Diana, você que já é praticamente uma estudiosa de IED, me diga, quando essas normas de conduta social são passíveis de sanção?

-- Quando as regras jurídicas são contrariadas.

-- E quem cria essas regras?

-- O homem.

-- Então o homem sanciona a ação do próprio homem?

-- Sim, o homem cria as regras jurídicas, que também são regras éticas.

-- Você chegou a um ponto interessante: regras éticas! As normas éticas preocupam-se com os fins da ação humana, com o que o indivíduo pode ou não pode fazer a fim de comportar-se de modo adequado aos padrões socialmente estabelecidos. A ética rege os princípios morais, então, descumprir as regras éticas, se configura em crime?

-- Não. O cumprimento das regras éticas é facultativo.

-- Entretanto, quem não as cumpre, são imorais não concorda?

-- Depende de quem julga a ética de outra pessoa.

-- Moral é algo que deveria ser obrigatório, não facultativo para quem cria e administra às regras jurídicas, a ética no Direito não é pessoal.

-- Concordo. E ainda afirmo que o Direito deve ser instrumento para aplicação da justiça e bem comum, não um meio para obtenção de vantagens individuais.

                O embate entre a professora e Diana se transformaria discretamente em uma discussão de cunho pessoal, deixando claro que a antipatia recíproca não era gratuita, e aquele semestre era um round importante a ser vencido na vida acadêmica de Diana doutora Dorothea não facilitaria, especialmente porque Diana sabia onde e como atingi-la nas discussões.

-- Justiça e bem comum pode implicar em benefícios pessoais, desde que a ética seja respeitada, e preconceitos sejam subjugados, concedendo os benefícios a quem os são por direito. Isso é fazer justiça. – Com as bochechas mais rosadas, a professora tentou rebater.

-- Realizar a Justiça é tratar “os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida em que se desigualam eis o Princípio da Equidade baseado na visão de Aristóteles a respeito da igualdade”. É dar a cada um o que é seu, conforme o seu merecimento. Praticar isso derruba a empáfia, cessa o poder de quem não sabe regê-lo, ou seja, enaltece a ética e suas normas.

                Diana parecia ter se preparado para deixar Dorothea sem argumentação. O resto da sala ignorava o teor da discussão, exceto os alunos, como Natália, que reconhecia o conteúdo da disciplina implícito em cada argumento, por ter se adiantado no estudo da disciplina depois da primeira semana de aula.

-- Vejo que o Direito não lhe é mais tão desprezível como em semestres anteriores Diana.

                Dorothea disse disfarçado sua frustração por não ter conseguido humilhar a aluna na discussão.

-- Nunca achei o Direito desprezível meritíssima, desprezíveis são alguns que o usam como ferramenta de opressão, manobras ilícitas e imorais, a serviço de seus próprios interesses ou de terceiros.

-- Alguém mais concorda com a colega?

                Silêncio na sala. Ninguém teria a coragem de tomar partido contra a professora. Natália que observava intrigada e principalmente, encantada com a desenvoltura de Diana que não se intimidou com a sabatina da professora, num impulso disse:

-- Eu concordo.

                Não só Dorothea fixou os olhos em Natália, Diana também o fez, surpresa com o apoio solitário da moça.

-- Pois muito bem. As duas que acham que concordam nesse ponto, estão responsáveis por trazerem na próxima aula, casos dos últimos cinco anos, nos quais princípios éticos e morais foram desrespeitados em sentenças, ou foi como a digníssima aluna definiu: “manobra imoral, ferramenta de opressão” caracterizaram a prática do Direito no Brasil, para discutirmos em sala.

                Natalia manifestou o arrependimento imediato com uma careta ao ouvir a “sentença” da professora, punindo-a por ir contra suas regras no seu embate pessoal contra Diana, esta por sua vez recebeu com um sorriso a sanção, por que para ela, naquele momento, se configurava como prêmio por ter vencido a argumentação com a professora, teria alguns momentos mais perto de Natália.

                Concluída a aula, o buchicho entre os alunos era um só: a discussão acirrada entre Dorothea e Diana. Protagonista do debate, a loirinha se aproximou de Natália puxando assunto:

-- Quando podemos nos reunir para prepararmos o trabalho?

-- Por mim, você faz sozinha, foi você quem a provocou.

-- Eu posso fazer sozinha, mas sou obrigada pela ética a relatar isso na ocasião da apresentação.

                Natalia bufou. Apertou os olhos e disparou:

-- Sua ética envolve delatar colegas?

-- Não, minha ética envolve ser fiel aos meus desejos, e meu desejo é fazer essa pesquisa com você.

                Natalia não sabia dizer se sentiu mais raiva ou prazer com a declaração, se deu por vencida e disse:

-- Hoje, depois do almoço na biblioteca, não se atrase!

-- Mas, tenho compromisso, não posso hoje.

-- Imagino seus compromissos... Desmarque seu compromisso com sua namorada, e não se atrase, tenho muito que fazer!

                Diana conteve o riso de satisfação, por sentir o ciúme embutido na exigência da moça, nem explicitou que o compromisso não era com Julia, deixando Natalia acreditar que acertara na suposição.

                Quando saía da sala, sendo seguida de longe por Diana, Natalia foi abordada por uma jovem que perguntou:

-- Você é a Natalia não é?

                Ainda descontrolada pelo curto diálogo com Diana, e receosa pelo escândalo que lhe expôs nos primeiros dias como caloura, Natalia foi agressiva na resposta:

-- Por que você quer saber?

                A moça se assustou com o tom da novata e se defendeu:

-- Ei menina, calma aí! O Lucas me pediu pra te procurar, ele me disse que você estava querendo entrar no time de vôlei do curso.

-- Ah! – Natalia se desarmou e pediu constrangida. – Desculpe-me, como sou grossa, perdoe-me, por favor. Você é a Carla?

-- Sim.

-- Estou nervosa com um trabalho que a professora passou, desculpe-me.

-- IED não é?

-- Isso mesmo.

-- Não se estresse tanto no começo, por que vai ficar muito pior! E a Dorothea adora causar o terror.

-- Percebi. – Natalia disse convicta.

-- Bem, sobre o time, treinamos aos sábados no ginásio poliesportivo, a partir das 7 da manhã, apareça por lá, estamos nos preparando para os jogos universitários que acontecerá próximo mês.

-- Estarei lá!
                Diana observou a conversa de rabo de olho e não se conteve quando Carla se despediu.

-- Você andou falando com o Lucas?

                Natalia viu a oportunidade de plantar a desconfiança em Diana, e lhe provocar:

-- Não que isso te interesse, mas conversamos muito sim, e descobri que ele é um cara maravilhoso, além de fofo.

-- Mas... E o Pedro?

-- O que tem o Pedro? Não tenho nada com o Pedro, nem com ninguém, estou completamente livre.

                Visivelmente irritada, Diana retrucou:

-- Você está brincando com os dois não é?

-- Se eu estiver os dois são bem grandinhos pra decidir se querem ou não brincar.

-- Não vou permitir isso!

-- Quem é você pra permitir algo? Além do mais, não tem moral pra falar de quem brinca com os outros, você é especialista nisso.

                Diana sentiu o ataque, baixou os olhos e respondeu:

-- Acho que me enganei a seu respeito.

-- Possivelmente... Não sou nem a moça inocente que todo mundo engana, nem tampouco a menina do interior que se faz de santa.

                Diana percebeu que Natalia usara as mesmas palavras as quais ela mesma a definiu para Pedro.

-- Santa ou não, você não vai usar meus amigos para me atingir, tenha certeza disso.

                Diana saiu a passos rápidos, obrigando Natalia a engolir o discurso que preparara para rebater a acusação da outra, só pode então berrar:

-- Não se atrase!


CAPÍTULO 12 Cooperantur
*Trabalhar em conjunto

Por Têmis 

                Diana entrou na biblioteca depois de conferir seu visual usando como espelho a porta de vidro, encontrou Natalia com aparência emburrada, conferindo a hora no relógio.

-- Você está uma hora atrasada!

-- Eu não! Você marcou depois do almoço, acabei de almoçar!

-- São duas horas da tarde!

-- Ah caipira, dá pra você ser menos chata por alguns momentos?

-- Você é muito abusada, estou te fazendo um favor sabia?

-- Não mesmo! Madimbú passou a trabalho para nós duas!

                Natalia bufou e disse irritada.

-- Vamos terminar logo isso! Achei algumas reportagens, acho que podem render uma boa discussão.

                Diana analisou o material que Natalia organizou, em sua mente, buscava algum defeito na pesquisa da novata, intencionando prolongar a reunião de estudo entre elas.

-- Muito fracos esses casos. Madimbu vai nos massacrar, derrubar fácil nossos argumentos.

-- Fracos? Temos argumentos de sobra de quebra de decoro, de corrupção...

-- Sem nenhuma prova caipira! Com a máxima mais conhecida do Direito ela nos deixará sem qualquer argumentação: todos são inocentes até que se prove o contrário.

-- Mas há uma gravação provando o suborno... Como não há provas?

-- Não autorizada pela justiça, não tem peso como prova porque é ilícita.

-- Então eu passei uma hora aqui trabalhando em vão!

                Natalia se exaltou indignada e ouviu um coro de “shiiiii” dos outros estudantes na biblioteca. Diana riu e disse:

-- Aqui não vamos encontrar o que precisamos, vem comigo.

-- Pra onde?

-- Resposta errada de novo!

                Natalia revirou os olhos.

-- Não vou com você pra canto nenhum sem saber onde!

-- Da outra vez que te levei, te meti em alguma encrenca?

-- Não, mas...

-- Não enrola então caipira, vamos logo!

                Diana levantou-se, colocou as mãos na cintura e repetiu:

-- Vamos logo caipira!

                Feito criança contrariada, Natalia recolheu as coisas resmungando, e saiu pisando firme, seguida de Diana, que continha o riso. Sair mais uma vez com Diana não estava nos planos de Natalia, especialmente estreitando o contato físico inevitável na garupa da motocicleta da loirinha.

                Diana se deliciava com as mãos da novata envolvendo sua cintura, por isso, fazia questão de dar freadas bruscas, obrigando Natalia a se aproximar ainda mais. Chegaram até um pomposo prédio na Praça da Sé.

-- Que lugar é esse?

-- Tribunal de Justiça de São Paulo.

-- Mas o que estamos fazendo aqui?

-- Pensei que nosso trabalho envolvia processos, onde achar mais processos do que aqui?

                O tom sarcástico de Diana irritou ainda mais Natalia, mas a loira não se intimidou.

-- Não fique muito longe de mim, se não você se perde.

                Diana disse evitando encarar Natalia para não rir na frente dela.

                Chegaram até uma sala no fundo de um longo corredor em um dos últimos andares do prédio. Diana cumprimentou uma das funcionárias com intimidade.

-- Oi Lu! Tudo bem lindona?

-- Di! Menina sumida! Tudo bem sim, e você o que faz por aqui?

-- Precisando de um favorzinho seu...

                Natalia observava curiosa e com cara de poucos amigos a proximidade das duas, que trocavam sorrisos, afagos nos braços e ombros uma da outra.

-- Você manda!

                Diana fez questão de cochichar bem perto da moça, tinha certeza de estar sendo vigiada por Natalia, não podia deixar de provocá-la.

-- Você vai ter muito trabalho, mas vou te dar uma força, entre aqui.

                A suposta amiga íntima de Diana trabalhava no setor de arquivos do tribunal, e autorizou a entrada das estudantes para realizar a pesquisa.

-- Nessas prateleiras tem os processos cíveis, naquelas lá de trás, os processos criminais, pra sua sorte, iniciamos a digitalização dos processos, e alguns, os mais bizarros que encontramos, estão separados naquele monte lá no canto.

-- Aquela pilha do meu tamanho? – Natália perguntou assustada.

-- Isso mesmo... Divirtam-se!

                Natalia se aproximou da pilha de pastas e espantada disse:

-- Não sairemos daqui nunca mais!

-- Deixa de exagero caipira. Não somos obrigadas a ler todos! Escolhemos uns dois casos interessantes, depois elegemos o mais adequado e pronto.

-- Você faz tudo parecer tão simples!

-- Porque é simples! Deixa de enrrolação e vamos trabalhar!

                Acomodaram-se no chão mesmo, e começaram a ler as intermináveis pastas com processos igualmente extensos. Natalia franzia a testa ao se deparar com toda aquela linguagem técnica e rebuscada que Diana já tinha aprendido a decifrar.

-- Esse é interessante, olha só: o juiz julgou a favor da requerente, concedendo-lhe o direito de se masturbar três vezes ao dia durante o trabalho, depois de um laudo comprovando a necessidade fisiológica da mulher, portadora de uma síndrome rara que exige uma quantidade mínima de orgasmos diários para manter sua homeostase.

                Diana gargalhou após resumir o que leu.

-- Mas isso pode? – Natalia perguntou com cara de espanto?

-- Pode o que? Masturbar-se no trabalho? Ou o juiz autorizar isso?

-- As duas coisas!

-- Ah sei lá! Mas já imaginou conviver com uma mulher dessas em um ambiente de trabalho? Dá licença, hora do meu cafezinho, e ela responde: dá licença minha hora de gozar!

                Natalia tentou segurar o riso, mas não conseguiu. E o clima de risos entre relatos de processos bizarros ditou as horas de pesquisa entre as duas. As horas avançaram e elas só perceberam o quanto já era tarde, quando a leitura ficou difícil pela pouca luz natural que aos poucos se desfizera na sala.

-- Acho que está muito tarde, precisamos nos apressar. – comentou Natalia.

-- A Luciana virá nos chamar, sossega, acho que encontramos nosso caso, olha só que louco: O juiz estadual Antônio Souto ganhou ação no Tribunal de Justiça de São Paulo para obrigar o porteiro e os condôminos do prédio em que mora, em São Bernardo do Campo, a tratá-lo por "doutor" ou "Excelência". A decisão favorável ao juiz Antônio Souto, em caráter de liminar, foi concedida pelo desembargador Gilberto Dias.

-- Que absurdo! – Exclamou Natália.

-- Bem típico da Madimbú, por ela, seria regulamentado, chamá-la apenas de Meritíssima.

                Natalia gargalhou.

-- Pode ser esse caso então?

-- Sim! – Natalia concordou.

-- Então, vamos embora.

                Ao tentarem abrir a porta, a surpresa, estavam trancadas, e para o desespero de ambas, o silêncio do lado fora, mesmo depois de chamarem muitas vezes a funcionária e amiga de Diana.

Nota de Capítulo 1: Processo baseado em um fato real, modificado apenas os nomes e o lugar. O juiz estadual Antônio Marreiro ganhou ação no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para obrigar o porteiro e os condôminos do prédio em que mora, em São Gonçalo, a tratá-lo por "doutor" ou "Excelência". A decisão favorável ao juiz Antônio Marreiro, em caráter de liminar, foi concedida pelo desembargador Gilberto Dutra. 
O presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, Octávio Augusto Brandão Gomes, se disse estarrecido com a informação divulgada e a considerou esdrúxula.
Notícia publicada no Boletim N.º 222 - em 8/11/2004.

Nota de Capítulo 2: O caso da mulher que conseguiu o direito de se masturbar no trabalho também é verídico, foi registrado em uma Vara de Justiça do Trabalho em Vila Velha –ES. A título de informação, nunca poderia estar nos arquivos do Tribunal de Justiça, mas, nos arquivos do Tribunal Regional do Trabalho.

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