segunda-feira, 20 de novembro de 2017

CAPITULO 31 - 1ª FASE LEIS DO DESTINO

CAPÍTULO 31 A fortiori ratione
* Por causa de uma razão mais forte

Natália não sabia ao certo o que lhe doía mais, se o seu corpo, marcado pelo seu ato corajoso de autodefesa, ou as lembranças que insistiam em ecoar, trazendo de maneira vívida e incômoda a voz e as mãos agressivas de Sandro sobre ela. Sentia asco ao relembrar seu hálito, seu cheiro, o tom da sua voz, a repulsa era tanta que seu corpo rejeitava a lembrança, o reflexo era a ânsia de vômito que lhe sufocava.

Sentimentos angustiantes mesclados às dores da alma e do corpo tomavam Natalia quando ela retomou a consciência e tudo que desejou era ter Diana ao seu lado. Por mais que se sentisse sozinha e desprotegida, não foi a segurança de seus pais, de sua família que a jovem desejou, era a presença de sua namorada sua maior necessidade.

Não demorou a concluir que estava em um hospital. Ao abrir os olhos na esperança de encontrar Diana ao seu lado, identificou um rosto desconhecido, mas de expressão complacente:

-- Olá Natália, como se sente?

-- Bem... Bem mal...

-- Pelo menos, seu humor está preservado... Bem, deixe-me apresentar, sou Rosana Barros, psicóloga do hospital, estou aqui para conversar um pouco com você, claro se você quiser.

Natalia não esboçou reação, acenando que não estava disposta a conversar sobre o que lhe acontecera.

-- Há quanto tempo estou aqui? – Perguntou.

-- Há algumas horas. Você passou por alguns exames, felizmente, nada de mais grave aconteceu, apenas alguns ferimentos leves.

-- Onde estão minhas coisas? Preciso do meu celular.

-- Suas coisas estão aqui, mas seu celular sinto muito, na queda, ele se espatifou, deve ter caído da mochila...

-- Mas, eu preciso ligar para alguém... - Natalia se angustiou, imaginando que Diana sequer sabia o que se passara.

-- Calma Natalia, seus amigos já estão sabendo onde você está, certamente avisarão aos seus pais.

-- Amigos? Que amigos?

-- Um rapaz e uma moça estão lá fora, esperando para te ver, logo você poderá recebê-los.

-- Quero vê-los então.

-- Antes disso, você não gostaria de me falar algo? Você passou por uma situação de estresse, um trauma, às vezes ajuda desabafar um pouco...

-- Não quero nunca mais falar nisso... Só quero esquecer!

-- Natalia é normal sentir isso, mas, acredite, você vai precisar falar sobre o que aconteceu, até mesmo com a polícia.

Natalia permaneceu calada, deixando as lágrimas escorrerem pelo seu rosto, revivendo a angústia daquelas lembranças recentes.

-- Vou chamar seus amigos, volto mais tarde, você vai ficar essa noite aqui em observação, se estiver disposta, estarei aqui para te ajudar.
******

Pedro encontrou Diana com os olhos fixos no vazio, diante de uma janela de vidro com vista para os fundos do hospital.

-- Di?

-- Oi. – Diana respondeu ainda distraída.

-- Acabei de falar com o Lucas, seu pai foi rápido, já estão a caminho da casa do Sandro, para o azar dele, e nossa sorte, o cara já é fichado, não vai escapar de pelo menos passar essa noite na prisão.

-- Pelo menos isso... Mas, temos que conseguir mais, ordem de restrição para que ele nem se aproxime da Natalia, expulsão da faculdade, qualquer coisa!

-- Claro, vamos fazer algo a respeito sim.

Pedro estranhava a revolta da amiga, mas conteve seus comentários desconfiados. Rosana, a psicóloga se aproximou informando:

-- Natália já pode receber visitas, mas não demorem, ela precisa descansar.

Diana e Pedro caminharam apressados até o quarto indicado por Rosana. Pedro foi o primeiro a se aproximar de Natalia, segurando sua mão, falando bem próximo ao seu rosto, exasperado.

-- Natalia! Que bom te ver! Nem sei dizer o que senti quando me ligaram daqui do hospital, como está se sentindo?

Natalia estava quase assustada com o comportamento de Pedro, que não largava sua mão, e muito menos se afastava de seu rosto, tomando sua visão, impedindo até mesmo Diana de olhar para Natalia.

-- Estou bem.

Natalia respondeu, tentando manter distância de Pedro, que insistiu:

-- Eu não posso adiar mais, tenho que falar o que guardo em meu coração: Natalia eu te amo! Percebi isso hoje, quando imaginei como seria minha vida se algo ruim te acontecesse. Eu sei que errei com você, mas me perdoa, me dá uma chance, prometo que serei o melhor cara, vou te proteger, vou ser o que você precisa, por que eu estou completamente apaixonado por você!


Afobado, Pedro segurou o rosto de Natalia, forçando um beijo, despertando uma reação de pânico na garota, que não conseguiu oferecer resistência, nem tampouco retribuiu o beijo. O que sentiu por Pedro, foi nojo, repulsa, associando a ansiedade do rapaz com a obsessão de Sandro, por mais que racionalmente soubesse que Pedro nunca faria o que Sandro lhe fizera.

Entretanto, Diana não reagiu da mesma forma. Não ficou imóvel, pelo contrário, moveu-se dali rapidamente, deixou o quarto depois da declaração de amor de Pedro e do beijo entre o amigo e a namorada dela, tomada pelo sentimento controverso, surreal, de ciúme misturado confusão que se instalara entre o medo de perder a amizade de Pedro e o medo de perder sua namorada para esse mesmo amigo. Perderia de uma forma ou de outra, perderia por deixar Pedro acreditar que tinha chances com Natalia, ou perderia se assumisse seu namoro com ela. O fato é que ela já estava perdendo. Perdendo seu direito de estar ao lado de Natalia quando ela tanto precisava, perdendo a oportunidade de declarar o quanto ela era importante, do quanto a amava. Tal oportunidade, Pedro aproveitou ignorando a repulsa que sua amada sentia agora dele.

O barulho da porta interrompeu o momento que para Pedro seria seu momento mais romântico até então.

-- Não se preocupe, era Diana, ela entrou comigo, mas deve ter saído ao ouvir o que eu te disse.

-- Diana? – Natalia perguntou com os olhos arregalados.

-- É, mas, não se preocupe, ela só está um pouco enciumada, mas não temos mais nada, te juro!

-- Diana estava aqui?

-- Estranho não é? Mas ela foi super legal, fez algo que não esperava dela. Pediu ao pai para intervir, e a essa altura o filho da mãe que te atacou já deve estar preso. Acho que ela vai parar de te encher, você certamente a conquistou, por que merecer que a Diana peça algo ao pai, só sendo pra alguém muito importante para ela...

Natalia ficou pensativa, e quando Pedro tentou se aproximar de novo, dessa vez a moça o impediu, afastando-o.

-- Pedro, muito obrigada por estar aqui, você é um bom amigo. Mas, nunca mais faça isso, não consigo nem imaginar um homem me tomando a força como você acabou de fazer, e já sinto náuseas...

Foi então que Pedro percebeu que sua afobação foi completamente inapropriada, mesmo que tenha sido carregada de carinho.

-- Natalia desculpa não foi minha intenção...

Outra vez a moça pediu distância com um gesto, visivelmente tensa.

-- Pedro, por favor, eu gostaria de ficar sozinha.

-- Mas, Natália... Eu disse que te amo...

-- Não insista, por favor. É um lisonjeiro para qualquer mulher ter um homem como você apaixonado, mas, não posso retribuir esse sentimento, porque eu estou...

Quando Natalia se preparava para revelar seu namoro a Pedro, foi interrompida por Lucas que entrou no quarto igualmente ansioso.

-- Natalia minha linda! Que bom ver você bem!

-- Oi Lucas.

-- Trago boas notícias...

-- Prenderam o Sandro? – Pedro perguntou.

-- Ele está oficialmente foragido. Pelo que conheço desses filhinhos de papai, deve estar montando uma defesa, certamente se apresentará com advogado e tudo mais, mas, ele não vai se livrar, te garanto Natalia!

O tema da conversa atormentou Natalia. Agitada, as lágrimas deram lugar a uma crise de ansiedade e pânico que só se acalmou quando foi administrada uma medicação calmante. Orientados pela psicóloga, Lucas e Pedro foram embora, uma vez que Natalia dormiria o resto da noite.
***********

Na capela do hospital, Diana se recolheu buscando uma decisão sábia sobre como proceder com seus amigos e sua namorada. Não rezava, não era adepta a rituais, nem ao menos sabia se acreditava em uma figura sobrenatural, divina. Sentou-se ali com o único intuito de se refugiar e chorar sem que precisasse dar explicações.

Notou alguém se sentar ao seu lado, e reconheceu a psicóloga que lhe avisara sobre a liberação para visitar Natalia. Enxugou as lágrimas, tímida deu um sorriso discreto para Rosana que cochichou:

-- Não precisa ficar com vergonha, eu também venho aqui para chorar.

Diana sorriu.

-- Não quis entrar para visitar sua amiga?

-- Entrei, mas não demorei como a senhora recomendou.

-- Natalia vai precisar muito dos amigos para enfrentar esse trauma...

-- Eu sei...

-- Vai precisar de carinho, segurança, paciência, precisa se sentir à vontade para chorar, para desabafar.

-- Ela terá isso dos amigos, mas a senhora também vai ajudar não é?

-- Claro, a ajuda profissional é muito importante. Mas, não estarei sempre ao lado dela, até agora ela não falou uma palavra sobre o que aconteceu, vai levar um tempo ainda...

-- Entendo. Ajudarei como puder doutora...?

-- Rosana e você seria...? – a psicóloga completou se apresentando.

-- Diana, mas sem o doutora.

Diana estendeu a mão sorrindo.

-- Muito prazer Diana. É bom saber que Natalia pode contar com você.

Rosana se levantou depois de se despedir formalmente, mas, antes de deixar a capela disse:

-- Ah! Diana! Seus amigos já foram, se você quiser passar a noite com sua amiga acompanhando-a... Ela está sozinha na enfermaria por recomendação médica, mas, ela precisa de acompanhante.

Rosana sorriu cúmplice para Diana, como se adivinhasse o que se passava.

Se a psicóloga foi um sinal dos céus para mostrar um caminho para Diana, isso a loirinha não tinha certeza, mas, lhe deu o sinal verde que precisava para ficar ao lado de sua namorada, como ela desejava.

Entrou no quarto e encontrou Natalia dormindo, com sua fragilidade exposta nas marcas, curativos espalhados. Em um relance, Diana viu o beijo entre ela e Pedro, e a declaração dele ecoava por sua mente. Entretanto, o que foi mais forte diante de Natalia, foi o sentimento sufocante de perda que Diana experimentara. Não queria, não podia perder Natalia, diante da namorada, enxergou tudo tão claramente: estava apaixonada, mais que isso, sentia por ela o que sempre duvidou que existisse com a intensidade, dramaticidade e magia que escritores, poetas e músicos descreviam. Apavorou-se por ter a idéia da dimensão do que sentia por Natalia e mais ainda, imaginando sua reação se acontecesse algo pior a ela.

Puxou uma cadeira para perto do leito, segurou a mão machucada de Natália, e chorou copiosamente, permitiu-se desabar finalmente, por um emaranhado de sentimentos confusos: medo, alívio, paixão, temor, revolta, carinho, angústia. Seu pranto persistiu até suas energias se esgotarem, dormiu ali mesmo, sentada, com seu rosto colado com a mão de Natalia.
**********

Natalia acordou se certificando que continuava no hospital olhou para seu braço direito, com um acesso venoso instalado, estranhou sua mão esquerda presa e ao olhar se deparou com Diana com metade do corpo repousando sobre o leito, sobre sua mão.

Mesmo ressentida por Diana supostamente tê-la deixado com Pedro na noite anterior, Natalia abriu um sorriso sincero, tenro. Mexeu sua mão despertando o leve sono da namorada.

-- Nat? Faz tempo que você acordou?

-- Não, acabei de acordar...

Diana fez uma careta de dor ao se levantar.

-- Como você está se sentindo? – Perguntou a Natalia.

-- Acho que com menos dor do que você...

Diana ajeitava os cabelos disfarçando sua desconfiança, temendo a mágoa de Natalia.

-- Vou procurar a enfermeira, seu soro acabou...

-- Diana! Você está fugindo de mim?

-- Por quê? Deveria?

-- Claro que não... Já fugiu ontem não é? Agora de novo...

-- Não fugi Nat...

-- Então vem cá, senta perto de mim...

Natália expôs sua vulnerabilidade, com lágrimas nos olhos chamou Diana como se procurasse proteção do carinho de sua namorada. Diana não pestanejou, lançou-se sobre a cama, acolhendo a namorada em um abraço apertado, consolando-a, transmitindo todo carinho e segurança que seu sentimento por ela era capaz de proporcionar.

-- Eu vou cuidar de você, não vou sair do seu lado, te prometo... Não serei covarde.

Diana repetia enquanto beijava a cabeça de Natalia recostada no seu peito. A promessa não era só para Natalia, era principalmente a verbalização da decisão que Diana tomara, no momento em que encarou os olhos marejados da namorada a chamando para sentar perto dela.

-- Foi um pesadelo Di...

-- Eu imagino minha linda... Mas, você não está sozinha, estou com você, ele não te fará mal!

O momento de carinho e conforto entre o casal foi interrompido por Rosana que delicadamente disse:

-- Acho que o Dr. Miranda não vai gostar muito de ver duas pessoas no mesmo leito, diria que é um absurdo a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar não fiscalizar os quartos logo cedo...

Diana se levantou tímida.

-- Desculpe-me doutora Rosana.

-- Vocês se conhecem? – Natalia perguntou intrigada.

-- Somos colegas de fé por assim dizer não é Diana?

Diana acenou em acordo, enquanto Natalia arqueava uma das sombracelhas insatisfeita com a resposta misteriosa.

-- Resolvi passar cedo aqui, por que sabia que o Dr. Miranda lhe daria alta ao sair do plantão, então, vim te entregar meu cartão, atendo aqui no ambulatório, se você quiser conversar, liga pra marcar horário, você pode precisar uma hora dessas.

Enquanto Rosana orientava Natalia, o médico que a atendeu entrou no quarto comunicando sua alta. Ouviram as recomendações do médico atentamente, Diana se comprometeu a cuidar de Natalia e convencê-la a ingressar na terapia com Rosana. Antes de se despedir, a psicóloga chamou Diana em particular e alertou:

-- Os primeiros dias serão complicados Diana, possivelmente Natalia terá pesadelos, pode ter dificuldades em contar o que aconteceu, vai evitar contato com outras pessoas... O médico prescreveu um ansiolítico, mas, o mais importante é que Natalia se sinta segura, não se sinta pressionada, se puder evitar encontros com esse agressor, na delegacia, por exemplo, é fundamental.

-- Pode deixar doutora, vou me assegurar disso. Obrigada por tudo.

-- Fique você também com meu cartão, caso você precise de outras orientações.

-- Obrigada.

Natalia observava atenta a intimidade das duas, visivelmente incomodada.

-- Vamos pra casa? – Diana ajudou Natalia a se levantar.

-- Vamos! Antes que você paquere as enfermeiras desse turno.

-- Não acredito que você está com esse bico por puro ciúme Nat!

-- De onde veio essa amizade de infância com essa psicóloga?

-- Ela me encontrou na capela do hospital e me trouxe pra você sua boba!

Natalia sorriu sem graça.

-- Agora vamos, antes que seus admiradores e heróis cheguem.

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