terça-feira, 6 de dezembro de 2011

LEIS DO DESTINO: 1ª FASE - 22º CAPÍTULO

Sem mencionar uma só palavra, mas tomada de uma fúria avassaladora, Diana empurrou Natalia para dentro do seu carro e seguiu para o apartamento da moça que não ousou quebrar o silêncio em todo percurso.

                De frente ao prédio de Natália, o silêncio foi quebrado por uma ordem expressa de Diana:

-- Desce do carro e vê se toma juízo!

-- Eu... Não sei o que dizer, não podia imaginar que ela...

-- Se não sabe o que dizer, desce calada, entre logo, é perigoso ficar parada aqui essa hora!

-- Diana...

-- Natalia entre em sua casa agora, você já extrapolou os limites da minha paciência hoje.

                Consciente de que Diana estava certa, Natalia desceu do carro e caminhou até a porta do prédio de cabeça baixa, enquanto Diana segurava o volante com força, descarregando sua raiva.          


                A raiva que sentia não era só de Natalia e Isadora. Era principalmente dela mesma, por não conseguir controlar seus sentimentos. Não conseguia ficar indiferente a Natalia, nem ao seu corpo, nem à sua voz, nem aos seus olhos, e muito menos às suas atitudes. Todas as emoções se misturaram naquela noite quando estava diante dela, e por mais que quisesse odiá-la por não ter acreditado na sua inocência no episódio das fotos, por ter ficado ausente em seu momento mais vulnerável, e ter se comportado levianamente na boate, tudo que Diana desejava era tomá-la em seus braços e matar a saudade de sua boca, de seu gosto, de seu cheiro.

                Natalia permaneceu parada à porta do seu prédio, nutrindo o fio de esperança de Diana descer daquele carro e tirar do seu corpo as impressões digitais de Isadora. Ao invés disso, uma chuva caiu de repente, no exato momento que Diana destravava suas mãos do volante e descia do carro.

                Como se não desse conta do seu corpo ensopado pela chuva, Diana permaneceu diante do seu carro, encarando Natalia parada à frente do prédio, imóvel. No interior de ambas o duelo entre desejo e racionalidade limitava os passos de uma em direção a outra. Fácil prever quem venceria essa luta. Bastou os olhos se encontrarem, e falarem por si sós. Cada uma deu um passo, cauteloso, lento, como se caminhassem em campo minado. E quando estava óbvia a vitória do desejo, ao mesmo apressaram os passos, e sob a chuva uniram suas bocas, lânguidos seus lábios se devoraram, suas línguas se enroscaram, enquanto seus braços puxavam com força uma contra o corpo da outra, deixando explícita a necessidade que estes tinham de se fundir.

                Aquele beijo intenso se prolongou o suficiente para Diana ter um lapso de arrependimento. Afastou-se de repente desvencilhando-se de Natalia, e correu para seu carro, partindo sem olhar para trás.

******

                Nem se Natalia passasse o resto da noite naquela chuva, o calor que sentiu naquele beijo cessaria. Não conseguiu dormir, sentindo seu corpo arder, ao ressentir as sensações que Diana lhe provocava.              

                Restavam duas horas de sono até a hora do treino de vôlei, quando Natalia conseguiu se acomodar. Sem a mínima disposição física ou mental para sequer levantar-se, Natalia seguiu para o ginásio de esportes da universidade, a fim de desvincular por alguns momentos seu pensamento de Diana.

                Causando estranheza nas suas companheiras de time, Natalia não rendeu como nos treinos anteriores, estava desconcentrada, pediu desculpas às meninas dando uma justificativa qualquer e saiu antes do treino acabar.

                Na quadra vizinha Lucas treinava basquete, ao ver Natalia passar cabisbaixa, lembrando-se do comportamento da moça na noite anterior, preocupou-se, seguiu a moça e essa foi a sorte de Natalia.

                Quando caminhava para a saída da universidade, passando perto do estacionamento, Natalia foi abordada mais uma vez por Sandro, seu colega, responsável pelas fotos no trote.

-- Olha só quem veio me dar bom dia! A gatinha feroz, que quis me devorar ontem...

                Natalia paralisou por um instante, e tentou apressar os passos em seguida, mas Sandro a segurou com violência.

-- Sempre apressada essa menina... Mas, hoje nossa conversa vai ser em um lugar mais aprazível do que a porta de um banheiro...

                Natalia esperneou, mas Sandro era alto e forte, as forças da moça não foram suficientes para evitar que o rapaz a empurrasse para dentro do seu carro no estacionamento. No momento em que bateu a porta, foi surpreendido por um soco poderoso no nariz, que o fez cair no capô do seu carro.

                Sandro não teve tempo de se refazer, e já recebeu outro golpe, se desequilibrou e caiu no chão. Lucas envolveu seu braço nos ombros de Natalia que tremia apavorada.

-- Está tudo bem agora Natalia, vou dar uma lição nesse cara...

-- Não Lucas...

                Sandro pôs-se de pé, ainda tonto, com o rosto ensanguentado tentou revidar os golpes que sofrera de Lucas, mas com facilidade foi empurrado por este.

-- Cara só vou te dizer uma vez: fique longe dela, não ouse encostar em um fio de cabelo, não ouse direcionar a palavra a ela, ou vou ter que ser menos cavalheiro com você, tenho certeza que não vai querer conhecer meu lado menos educado.

-- Você acha que tenho medo de você? Só me pegou desprevenido, mas isso não ficará assim! Não sabe com quem se meteu! Isso tem volta!

-- É só dizer quando você quer apanhar mais e vou estar pronto pra você!

                Sandro entrou no carro possesso de raiva arrancando dali. Lucas deu um abraço protetor em Natalia que permanecia pálida e trêmula.

-- Natalia, o que aconteceu aqui? O que esse cara queria?

--Foi ele que tirou e espalhou as fotos Lucas. Ontem ele me perseguiu no Botecão, tentou me agarrar, eu mordi os lábios dele quando me beijou, ficou violento comigo, me fez ameaças, disse que vai colocar na internet a foto, e que pode até fazer uma montagem com essa foto...

-- Ei ei ei! Calma aí? Esse cara está te assediando, fazendo chantagem e você não conta nada? Natalia isso é crime! Temos que tomar providências mais sérias contra ele, até conseguirmos expulsá-lo da universidade, isso é o mínimo que podemos conseguir.

-- Ele agora vai querer se vingar de você Lucas...

-- Ele é só um covarde que se aproveita de mulher, não se preocupe comigo, na segunda-feira falo com o coordenador do curso, vou pedir ajuda ao Pedro, pra ver o que podemos fazer para puni-lo, quanto às fotos, vamos pensar em algo que o impeça de fazer o que ameaçou. Agora vamos, vou te deixar em casa.

-- Você está se especializando em salvar donzelas... – Natalia brincou.

-- É verdade, acha que tenho futuro?

-- Acho que você é o melhor.

                Natalia sorriu tímida, enquanto Lucas fazia pose máscula.

-- Preciso passar na quadra para pegar minhas coisas, mas é rápido, vamos?

                A menina acenou em acordo e seguiu com Lucas até a quadra. No ponto de ônibus, sentados, a moça observou a mão machucada do rapaz, certamente pelos socos que deu em Sandro.

-- Deixe-me ver sua mão, está machucada...

                Satisfeito com a preocupação da moça, e com o contato de suas mãos, Lucas não se fez de rogado, permitindo ser cuidado por Natalia. Prevenida como sempre, a moça retirou de sua mochila uma garrafinha de água e uma toalha de rosto limpa.

-- Precisamos de gelo aqui... Você quer ir até a padaria para comprarmos?

                Querendo prolongar aquele cuidado, Lucas concordou, e com diversos pretextos, acabou por conseguir permanecer até o final da manhã com Natália, restando a alternativa de convidá-la para almoçar com ele. Grata por ser salva mais uma vez pelo rapaz, Natalia sentiu-se na obrigação de aceitar, e assim seguiram para um restaurante sugerido pelo rapaz.

                A companhia de Lucas era agradável, o que acabou distraindo Natalia de suas angústias e dilemas. Almoçou em clima ameno com o rapaz, até avistar entrando no mesmo restaurante o motivo de sua insônia e inquietação: Diana. E para piorar o desconforto, a loirinha chegou acompanhada de outro rosto conhecido, sua ex-namorada Júlia.

-- Olha só quem está chegando ali!

                Lucas comentou como se fosse surpresa para Natalia, que mudou imediatamente sua expressão descontraída.

-- Hum... E veio com a Julia, devem ter voltado a namorar, Diana nega, mas sei que ela está apaixonada, e vendo-a com a ex, acho que não me enganei. E por falar em Diana, como foi a balada com ela ontem?

                Natalia não conseguia desviar o olhar das duas, e não sabia o que responder a Lucas, foi vaga na resposta.

-- Foi normal, tranquila.

                Sabendo que o rapaz não se conformara com a resposta, desconversou falando do cardápio de sobremesas, quando notou a aproximação de Diana e Julia.

-- Olá meninas! – Lucas cumprimentou simpático.

-- Oi Lucas, há quanto tempo hein? – Julia retribuiu a simpatia.

-- Faz tempo mesmo Julia, surpresa boa encontrar vocês aqui.

                Diana continuou em silêncio, a exemplo de Natalia.

-- Olá. – Julia disse a Natalia.

-- Oi, como vai? – Natalia respondeu cordialmente.

-- Que mal educado que sou! Julia essa é Natalia minha amiga caloura da faculdade. Natalia, essa é Julia, uma das artistas plásticas mais talentosas do mundo!

-- É puro exagero de gentileza dele Natalia. Muito prazer.

                Natalia foi educada, apesar de demonstrar seu desconforto com a situação.

-- Parece que o restaurante está ainda mais lotado hoje. Não há uma mesa disponível, que tal irmos para outro lugar? – Diana saiu do seu silêncio.

-- Ah Diana, só escolhi esse restaurante por que estava com saudades da comida daqui! – Julia retrucou.

-- Sentem conosco, já estamos escolhendo a sobremesa, daqui a pouco vamos embora, e vocês já ficam com nossa mesa.

-- Ótimo!

                Julia aceitou feliz o convite. Lucas usando de seu cavalheirismo levantou-se e puxou a cadeira para Diana e Julia sentarem-se.

                O clima estranho na mesa, só não era mais evidente, para Lucas, que era o mais inocente naquela situação, por isso, manteve o diálogo animado com Julia, enquanto Natalia e Diana tentavam disfarçar a troca de olhares.

-- O que foi isso na sua mão Lucas?

                Julia perguntou, atraindo o olhar de Diana para o machucado do rapaz.

-- Coisas do ofício de salvador de donzelas em perigo. – Brincou.

-- Conta aí Lucas, isso ta me cheirando a briga de meio de rua... O que foi agora? – Diana perguntou desconfiada.

-- Foi algo que me fez lembrar que te devo um pedido de desculpas.

-- Han?

-- Natalia, tudo bem se eu contar? Ela pode ajudar também...

                Lucas segurou a mão de Natalia, que não sabia o que responder, não imaginava a reação de Diana.

-- Fala Lucas! Estou ficando preocupada.

                Natalia concordou com um gesto positivo, autorizando Lucas a contar. O rapaz narrou o que acontecera, e à medida que dava detalhes das ameaças de Sandro, o rosto e colo de Diana tomavam a cor vermelha, anunciando sua fúria, que se exteriorizou com um soco na mesa, ao ouvir Lucas contar que Sandro empurrou Natalia para dentro de seu carro à força.

-- Filho da mãe!

-- Calma Diana! – Julia apertou a mão no ombro de Diana, alertando-a sobre sua reação exagerada diante de Lucas.

-- Eu acusei Diana injustamente Natalia, pensei que ela tivesse aprontado isso com você, por isso, acho justo que ela saiba. Desculpa Di.

-- A gente tem que fazer alguma coisa. Lucas isso é um absurdo, quem esse cara pensa que é?

-- Tenho uma ideia do que fazer vou precisar de sua ajuda, posso contar com você?

                Mais contida nos seus ânimos, Diana tentou esconder sua ira e interesse em resolver essa questão.

-- Quando foi que te neguei ajuda? – Diana pausou diante do olhar de Lucas que indicava uma resposta positiva para aquela indagação. – Ok, quando recusei ajuda em questões importantes?

                O rapaz sorriu.

-- Vou entender isso como um sim.

                Natalia sentia uma alegria enorme ao ver Diana preocupada com ela, entretanto, a presença de Julia ali minava qualquer esperança a respeito de um possível entendimento entre elas duas.

-- Bom, acho que a mesa é de vocês, terminamos nosso almoço, vamos Natalia?

-- Sim, vamos.

                Lucas e Natalia se levantaram juntos, Diana os acompanhou com os olhos, mastigando o ciúme pela notória intimidade entre os dois. Natalia se sentia observada por Diana, e por isso, não impôs resistência às gentilezas do rapaz.

-- Por mais que você os olhe, fuzilando-os com seu ciúme, não adianta você não conseguirá derrubá-los só com o poder da mente.

-- Ha ha, é uma piadista minha ex-namorada!

-- Diana, você é patética tentando esconder seus sentimentos sabia?

-- Ah é? O que você acha que eu deveria fazer?Eu te contei o que houve. Está vendo como o Lucas está caído por ela? E ela continua dando trela pra ele! Julia, como se não bastasse tudo que ela fez, agora volta a dar mole pro meu melhor amigo...

-- Ei! De onde saiu tanta intransigência de você? Por que você é tão dura pra julgar essa garota? Diana você já se colocou no lugar dela? Já pensou o quanto ela está apavorada? Se Lucas não tivesse livrando-a desse cara hoje, sabe-se lá o que ela teria sofrido nas mãos dele!

-- Eu quero matar esse filho da mãe!

-- Diana a cabeça dessa menina deve estar a mil! Não só pelo fato de estar se descobrindo lésbica, como essa sucessão de exposição, encarar uma vida adulta sozinha numa cidade estranha, a perseguição de um psicopata, e ainda por cima, a garota que ela está apaixonada parece não saber o que quer com ela!

-- Ah não Julia, você não vai me convencer que a culpa é minha, não mesmo!

-- Diana não se trata de achar um culpado, me diz, o que importa de quem é a culpa? Você errou, ela errou, não foi a primeira vez e nem será a última que duas pessoas que se gostam se desentendem. Há tempos em que a gente cai no erro de super dimensionar os fatos que por vezes nem os são porque não passam de meras hipóteses, atribuímos importância a palavras e discursos que nunca tiveram a pretensão de entrar pra história quando mencionados, e as transformamos em sentenças absolutas, em regras inquestionáveis, e até em castigos irreversíveis.  

-- Muito profundas suas palavras, como sempre Julia, mas, elas não mudam o que me separa da Natalia. Não gosto do jeito como ela me tira a razão e o senso, não gosto dessa sensação de não ter o controle das coisas. Perdi o controle, te traí, acabei com um relacionamento estável que me fazia feliz, estou enganando meus melhores amigos, e vivo numa luta sem fim para não agarrá-la todas as vezes que a encontro. Julia isso é absurdo, eu durmo e acordo pensando nela, não pode ser bom isso, definitivamente, não pode acabar bem, sendo assim, melhor que nem comece.

-- Você está tentando convencer a mim ou a você disso?

-- Julia não sei por que você é tão condescendente com as coisas da Natalia, você deveria odiá-la!

-- Por que odiaria a menina? Não foi ela que ofendeu, foi você! Sequer a conhecia. E ao contrário do que você afirma, não sou condescendente, apenas a compreendo, por que já tive dezoito anos, você deveria entendê-la também.

-- Nossa diferença de idade nem é tão grande, uns quatro anos só...

-- Ah para né Diana! Vai querer mesmo comparar? Esses quatros anos são toda diferença, por que você os viveu de maneira praticamente independente, um deles em Nova Iorque! Essa menina viveu a vida inteira com os pais no interior!

-- Ah... Não é bem assim... Você sabe que o que passei com meu pai não foi e não é nada fácil...

-- Cada um com seus problemas... Mas, pra encerrar essa questão, por que nosso almoço já está chegando: para de ficar aí alisando suas mágoas, para de fazer drama e trate de se entender com a Natalia, por que já tem gente na fila, esperando a caipirinha abrir um espacinho! Acorda mulher!

*************

                Lucas foi educado e cuidadoso com Natalia até deixá-la em casa, respeitando a recusa da moça em permitir sua entrada no apartamento.

-- Tudo bem, vamos deixar pra outro dia, entendo que tem o lance do seu namorado...

-- Nem sei se ainda tenho namorado Lucas, há dias não nos falamos. Mas, estou cansada, dormi muito pouco, gostaria de descansar um pouco, só isso.

-- Não posso negar que essa dúvida sobre seu namoro me anima um pouco. – Brincou – Só por isso não vou insistir pra te colocar pra dormir. Mas, em troca quero que aceite meu convite.

-- Você e suas trocas... Sempre me deixando sem condições de recusar seus convites...

-- Amanhã nossa turma vai pro sítio da Cacau, super maneiro lá, de vez em quando a gente relaxar um pouco, fazer trilha, vamos?

-- E tem jeito de dizer não depois do que fez por mim hoje?

                O rapaz comemorou.

-- Amanhã passo cedinho por aqui então.

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