terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Aconteceu Você : Sexto capítulo

CAPÍTULO 6: FESTA NO INTERIOR


A cidade estava linda. Decoração interiorana típica, palanque enfeitado na praça principal, povo alegre, bem vestido, a bandinha de música já animava o público, e perto da igreja várias barracas com comida regional foram armadas. Um parque de diversões também estava pronto atraindo centenas de crianças. O clima agradável da cidade contribuiu para o aspecto festivo e o humor de todos ali.

Daniel já estava na praça com alguns funcionários da secretaria de cultura quando cheguei. A Berta fez questão de me elogiar, o que claro levantou minha auto-estima, especialmente porque enfim as minhas calças 38 entraram no meu corpinho depois de meses de tentativas. Depois de alguns minutos de espera, a solenidade foi iniciada no final da manhã com a chegada do prefeito, discursos de autoridades até finalmente o Dan fazer seu pronunciamento, enfatizando o lançamento da Folha de Nova Esperança, nesse momento funcionários da secretaria de cultura além de mim e minha enorme equipe nos espalhamos entre a pequena multidão distribuindo os exemplares.

Não posso negar que me esforcei para ficar perto das pessoas que folheavam o jornal ansiosa pela reação delas. Insegura, não esquecia as palavras da minha ex-chefe ao me demitir, quando afirmou que eu não tinha vocação pro jornalismo. Meu editorial foi lido pelo Daniel no palco, o que me deixou particularmente nervosa, entretanto meu alívio se deu quando os aplausos tomaram de conta da praça.

Minha carreira como editora-chefe estava oficialmente lançada, a sensação de otimismo que me preencheu se tornou visível para minha equipe e especialmente para meu amigo Daniel que me abraçou, demonstrando todo seu orgulho. Diversas atrações da região se apresentaram no palco armado, enquanto as pessoas caminhavam pelas ruas em festa. Daniel me apresentou ao prefeito, a vereadores, todos me parabenizando pela qualidade do jornal.

-- Pronto amiga, agora começa nosso trabalho de fato! Correr atrás de notícias, e próxima semana lançar outro número, quero cobertura completa da festa heim! -- Disse Daniel animado.

-- Pode deixar amigo, minha equipe já está por aí trabalhando.

-- Vamos almoçar na casa do prefeito, depois encontramos o Diego e o resto da turma no Aconchego, para nossa festa de verdade.

-- Aconchego?

-- Sim, é um hotel fazenda, perto da serra, você vai gostar de lá.

E assim aconteceu, para cumprir o protocolo, almoçamos na casa do prefeito da cidade, homem muito simples, assim como sua família, extremamente popular, mas muito culto, nossa conversa sobre grandes escritores foi bastante agradável, especialmente por que o Sr. Joaquim Lopes não poupou elogios para o editorial que escrevi. Depois do almoço seguimos para a serra, para o tal hotel fazenda Aconchego, onde a turma de amigos do Dan estava reunida numa comemoração mais íntima.

O clima serrano do hotel fazenda era maravilhoso, perto de um lago, uma palhoça com uma grande área para churrasco abrigava a turma animada do Dan, todos que estavam na noite que os conheci, e mais alguns rostos conhecidos da secretaria de cultura, inclusive parte da minha equipe do jornal.

O Beto já estava com o violão na mão, tocando seu repertório de muito bom gosto, Leandro fez aquela festa ao me rever, parecia um amigo de longa data, e logo tratou de me deixar à vontade entre os que já estavam lá enquanto Daniel ia ao encontro de Diego que estava numa cachoeira perto dali.

Há muito tempo não me sentia tão leve, dei boas risadas com meus mais novos amigos, já nem me chocava mais com os selinhos trocados entre Clara e Isabelle. No final da tarde, o filho do dono do hotel, namorado do Beto, chegou oferecendo um passeio a cavalo pelos campos da fazenda. Não sei de onde me veio à inspiração de aceitar o convite, afinal há mais de 15 anos não montava. Talvez tenha sido o excesso de otimismo que aquele dia estava me proporcionando.



Eis que meu contato com o campo foi iniciado, montei no cavalo, e segui com Beto, Leandro, Tarcísio o namorado do Beto e a Luísa. Tudo estava muito tranqüilo, até que, excessivamente confiante com meu bom desempenho na montaria, acelerei o galope, e como era de se esperar dada minha destreza sempre “impecável”, perdi as rédeas do animal, quando enfim as tive de volta, puxei o arreio com força e fui lançada por cima do cavalo, caindo por cima de um amontoado de ração.

A última imagem que tenho lembrança foi à vista de cima enquanto eu era lançada pelo ar. Ao cair e bater a cabeça desmaiei imediatamente. Segundo o relato das testemunhas a queda teria sido cômica se não fosse à apreensão que todos sentiram ao me verem cair inconsciente. Chamaram Diego a fim de que ele como acadêmico de medicina, desse as orientações corretas diante do meu estado. Em pouco tempo, Daniel conseguiu que uma ambulância me removesse dali, a essa altura eu já esboçava alguma consciência, percebia que eu estava sendo conduzida numa maca para um veículo, mas não conseguia abrir os olhos, e mesmo ao conseguir, não via as coisas com nitidez.

Não sei exatamente em que momento, nem quanto tempo depois, mas minha consciência retornou aos poucos, e a primeira imagem embaçada que identifiquei diante de mim foi a do rosto de Marisa bem próximo do meu, sua voz que tanto mexeu comigo tinha um som incompreensível, deduzi que pudesse ser algum delírio meu, ou alucinação sei lá... O fato é que fui apertando os olhos e gradualmente minha visão ficava mais nítida, e tive a certeza, não era delírio, Marisa estava ali na minha frente.


Vestida num jaleco justo, cabelos presos, Marisa me perguntava:

-- Alexandra? Você está me ouvindo?

A voz parecia tão longe, e responder era difícil, mas Marisa insistiu:

-- Alexandra, você está no hospital, sofreu uma queda, se você estiver me entendendo, aperte minha mão.

Segui a orientação de Marisa mesmo não entendendo o porquê de ela estar ali, após apertar a mão dela, escutei alguns burburinhos de comemoração, e aos poucos eu começava a voltar a minha consciência, abri os olhos e vi claramente em volta de mim o Dan, Diego, Beto, Leandro e Luiza, além de Marisa ao meu lado.

-- Consegue falar Alexandra? – Perguntou Marisa.

-- Sim.

Notei o suspiro aliviado de todos na sala quando falei.

-- Vou fazer algumas perguntas a você. Qual o seu nome completo? – Perguntou Marisa.

-- Alexandra Alcântara Torres.

-- Que dia é hoje?

-- Não faço a menor idéia... Sei que hoje é sábado, e estamos no mês de maio, mas o dia não lembro.

-- Onde você mora?

-- Em Nova Esperança, interior do estado.

-- Você sabe quem é o presidente do Brasil?

-- Deeer, claro né, sou uma jornalista, não ia saber disso? Luiz Inácio Lula da Silva. O interrogatório terminou? O que mais você quer saber de mim Marisa?

Notei o espanto de todos quando me dirigi a Marisa pelo nome dela.

-- Calma Alexandra, essas perguntas fazem parte do exame neurológico, você sofreu um trauma na cabeça, esses testes são protocolo.

-- E quem é você pra fazer esses testes comigo?

-- Sua médica Alexandra, estou de plantão hoje aqui na urgência.

Que idiota eu sou! Claro que ela era médica! Chefe do departamento de ciências da saúde era isso que estava escrito na placa na porta da sala dela na universidade. Completamente constrangida pela minha estupidez, não consegui me desculpar, notei um sorriso de canto de boca em Marisa, e fui salva daquele momento mico pelo Dan que se aproximou de mim falando:

-- Sardenta você me mata do coração assim! O que deu em você pra sair galopando daquele jeito?

-- Dandan aquele cavalo era maluco! Tudo bem que me empolguei, e perdi as rédeas também... Mas que ele era maluco, isso ele era!


Todos riram do meu jeito desajeitado de me justificar, inclusive Marisa, e foi ela mesma que falou em seguida:

-- Bom você aparentemente está bem, mas para nos assegurarmos vamos fazer uma tomografia cerebral, e um raio x do seu tórax.


-- … preciso mesmo doutora? – Perguntou o Beto.

-- Sim é.

-- Não vai doer nada Alex, tira essa cara de espanto! – Diego disse apertando minha mão.

Diego e Dan ajudaram a me transferir para a maca, e Marisa fez questão dela mesma me levar até o setor de imagens do hospital. Meu comportamento beirava o ridículo, deitada olhava para cima observando Marisa empurrando aquela maca, e ao notar que ela desviava o olhar para mim eu fechava os olhos rapidamente, como se fingisse dormir.

Chegando enfim para fazer os tais exames, Marisa me deixou sozinha, o que claro me assustou, obrigando-me a falar:

-- Você vai me deixar sozinha aqui?

-- Ué, pensei que você estivesse dormindo. – Marisa falou sorrindo.

Fingi ignorar o comentário irônico de Marisa e insisti:

-- Você vai me deixar mesmo sozinha nessa sala branca e fria?

-- Nossa que dramática! Tem certeza que você é jornalista? Tem talento para atriz... Já para amazona...

-- E você tem certeza que é médica? Tem talento para humorista!

-- Eu que não vou ficar aqui nessa sala com uma criatura tão mal-humorada assim!

Marisa saiu da sala me deixando irritada. Entrei naquele tubo que era o tal tomógrafo, ansiosa, ouvi a voz de Marisa me pedindo:


-- Não se mova Alexandra, não vai demorar muito.

Em outro momento eu pensaria que era mais uma alucinação ou delírio meu, mas se assim o fosse, não era bem isso que eu ouviria... Os minutos ali naquela posição pareceram uma eternidade, até enfim a plataforma se mover e eu reencontrar Marisa do meu lado:

-- Você teve muita sorte, eu não estava lá para lhe salvar dessa queda, mas os sacos de ração protegeram essa cabeça dura que você tem, não há lesão no seu cérebro.

Mantive meu bico qual menina mimada fazendo birra. Recusei ajuda dela para me levantar, tonta acabei caindo mais uma vez nos braços de Marisa, por alguns segundos nossos olhos se encontraram, parecia que uma força me atraía para os lábios daquela mulher ainda mais linda tão de perto.

-- Estava me perguntando quanto tempo mais ia demorar até você cair nos meus braços de novo.

Nosso momento de intimidade foi interrompido pelo técnico de radiologia que já me aguardava no setor de raios-X, já trazia uma cadeira de rodas, não era mais necessária a maca. Marisa continuou me conduzindo, e pra contribuir para meu momento constrangimento total, fui obrigada a tirar a parte de cima da minha roupa para realizar o exame, na frente de Marisa.

-- Não precisa ficar tímida Alexandra, não há nada aí que eu não tenha visto antes.

-- Hã! Como assim?

-- Alexandra eu precisei examinar você, esqueceu?

-- Então você se aproveitou de mim enquanto eu estava inconsciente para tirar minha roupa?

-- Alexandra assim você me ofende! Sou médica! Vou chamar um colega para atender você. Célio quero um raio X de tórax posterior, anterior e de perfil, por favor, leve-a ao ambulatório depois que concluir o exame, o Dr. Marcos a atenderá.

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