segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Aconteceu Você : Quinto capítulo

CAPÍTULO 5: EU, EDITORA


Meu fim de semana foi inteiro curtindo minha nova casa, além de deixar as coisas mais parecidas comigo, do meu jeito. A Berta muito gentil, mas, muito bisbilhoteira, apareceu por lá com a típica política de boa vizinhança, trazendo uma torta feita por ela mesma, olhou a minha arrumação e deu pitaque em tudo.

Apesar de me manter ocupada, lembrei-me de ligar para meus pais e claro para minhas amigas inseparáveis que ficaram na capital, mas em todo instante minha memória trazia a tona o cheiro, a voz e a imagem de Marisa. Mas que coisa mais estranha, ter uma mulher ocupando meus pensamentos... Acho que a revelação do Dan me afetou mais do que eu pensava, e o ambiente alternativo contribuiu para meu suposto encantamento por Marisa, essa era a única explicação que eu inocentemente me enganava.

Logo na segunda-feira de manhã, minha equipe já me esperava no escritório improvisado dentro da secretaria de cultura. Minha grande equipe era animada, a mesa no centro da sala já estava repleta de guloseimas típicas do interior, e num clima bastante agradável rapidamente traçamos a pauta do que trabalharíamos na nossa primeira edição. Enviei nossa única repórter para fazer um levantamento das personalidades históricas da cidade junto com o Artur nosso fotógrafo, enquanto nosso estagiário, o Marcos, foi às escolas da cidade lançar o concurso de poesias proposto entre os alunos do nível fundamental.

Eu e Luiza fomos à universidade, lançar o desafio para os alunos de jornalismo, enviar uma crônica para nossa redação a fim de publicar na edição especial de estréia, registrando o centenário da cidade.

O campus da universidade era enorme, prédios diferentes para cada área, Nova Esperança tinha a característica de cidade universitária, talvez por isso fosse tão desenvolvida intelectualmente. Seguimos para o departamento de ciências humanas, Luiza já conhecia a maioria dos professores, uma vez que não fazia muito tempo que se formara ali, assim não foi difícil nossa proposta ser logo encaminhada aos últimos semestres dos cursos de jornalismo e comunicação social.

O coordenador do curso de jornalismo para meu constrangimento me reconheceu das revistas de fofoca, e foi colega de faculdade de meu ex-noivo Fernando, talvez por isso, se rendeu em gentilezas, estabanada como sempre fui, acabei derramando café na blusa, saí da sala em direção ao banheiro do andar para tentar minimizar o estrago em minha roupa.

Murphy sempre me perseguiu: fato! Escolhi justamente a pia com defeito, e a torneira liberou um potente jato d’água me banhando, piorando ainda mais a mancha que antes era só de café. Na minha luta corporal com o jato d’ água piorei minha situação, espalhando a água pela calça e pelo rosto, em meio a essa luta, de repente o jato foi cessado, enxuguei meus olhos com as mãos, e quando os abri diante de mim estava ela: Marisa.

Como se fosse possível, ela estava ainda mais linda. Com um sorriso enorme naquele rosto que não saiu da minha mente desde a noite de sexta, Marisa estendeu algumas folhas de papel toalha me dizendo:

-- Parece que estou mesmo conquistando meu papel de super heroína na sua vida... Sempre te livrando de apuros não é?

Peguei as folhas de papel e fui tentando me secar com elas, mas o estrago era grande. Sem graça eu sorri e sem pensar direito disse:

-- E nós precisamos parar de nos encontrar nos banheiros de Nova Esperança.

-- Concordo, quando podemos nos encontrar então?

Arregalei os olhos instintivamente, e quase escorrego na água derramada no chão pelo incidente da torneira, reação que despertou risos de Marisa:

-- Ei Alexandra, calma, foi só uma brincadeira... Não quero sair com você.

-- Não quer?

Minha expressão de decepção deve ter ficado evidente, tanto que Marisa calou-se por segundos sorriu discretamente afirmando:

-- Não. Minha função de super heroína não inclui esse tipo de encontro.

-- Ah... Ainda bem então, por que eu me sentiria obrigada a aceitar em agradecimento, e não quero sair com você também.

-- Então, estamos entendidas.

-- Claro.

Saí pela porta ainda ensopada, e atordoada com o fora que acabara de levar de Marisa, obviamente as pessoas olhavam para mim naquele estado, quando ouvi a voz suave que me marcara chamando meu nome no corredor:

-- Ei moça! Alexandra! Espere um pouco.

Parei irritada:

-- Pois não Marisa!

-- Você vai sair assim que nem um pinto molhado?

-- Acho que não tenho opção não é?

-- Pra que serve uma super heroína como eu se te deixasse assim nesse estado? Venha comigo, vou te emprestar pelo menos uma camiseta.

-- Não obrigada. Não quero mais incomodar você.

Eu estava irritada pela rejeição que meio sem querer recebi de Marisa, estava envergonhada por que supostamente dei a entender que queria me encontrar com ela em outra situação... Queria sumir da frente dela, Marisa me deixava insegura, nervosa, não sabia lidar com essas sensações diante de uma mulher.

-- Não vai me incomodar, vamos, minha sala é aqui no prédio de frente.

A contragosto, a segui, notando o ar de riso do seu rosto, certamente por causa de minha cara emburrada misturada a minha aparência de cachorro na chuva. Entramos no prédio de frente, ali funcionavam os cursos de saúde. No terceiro andar, na sala no fim do corredor, vi na porta: Dra. Marisa Becker – diretora do centro de ciências da saúde.

Seu escritório era elegante, um pequeno armário, uma estante com alguns livros, e na mesa seu notebook e poucos papéis. Um sofá de dois lugares com duas poltronas de couro com uma pequena mesa de centro, na parede clara um quadro com uma pintura de aspecto cubista acenava seu gosto requintado. Abriu o armário, retirou uma bolsa de academia, e me entregou uma camiseta justa de gola pólo.

-- Tome, está limpa e seca, ia usar para jogar tênis ao sair daqui, mas tenho outra guardada. Vista antes que você fique resfriada.

-- Obrigada, mas não quero incomodar, daqui a pouco minha roupa estará seca.

-- Não seja orgulhosa menina! Vista! Ali é um banheiro, pode se trocar lá.

Tímida, peguei a camiseta e fui até o banheiro, e vesti a peça que Marisa me deu, me deliciando o cheiro cítrico que a roupa tinha o cheiro dela... De volta à sala, agradeci a Marisa me comprometendo a devolver o quanto antes a tal camiseta.

-- Não há pressa, é só uma camiseta. Quer tomar alguma coisa? Café, água...

-- Nem café, nem água... Já tive o suficiente dos dois por hoje...

Sentei em uma das poltronas depois do convite de Marisa que me encantava ainda mais com seus gestos delicados.

-- Então, além de conhecer o banheiro da universidade de Nova Esperança, o que mais faz por aqui Alex?

-- Vim lançar uma espécie de concurso de crônicas sobre o centenário da cidade entre os alunos dos cursos de jornalismo e comunicação social para a edição de estréia do jornal de Nova Esperança.

-- Interessante... Você vai trabalhar nesse jornal?

-- Sim, fui convidada pelo secretário de cultura para ser a editora-chefe do jornal.

-- Então você deve ter chegado há pouco tempo na cidade não é?

-- E você é detetive, policial ou jornalista investigativa?
Disse demonstrando indignação.

-- Calma Alex, só estou tentando estabelecer um diálogo, conhecer mais de você.

-- Conhecer mais de mim? Estou me sentindo interrogada desde que entrei aqui.
Marisa balançou a cabeça negativamente e disse:

-- Você reage sempre assim na defensiva?

-- Não estou na defensiva... Mas se é um diálogo, então me fale de você. O que você faz aqui além de salvar donzelas de torneiras inconvenientes no banheiro?

-- Eu trabalho aqui. Estava no prédio de ciências humanas porque lá funciona a rádio do campus, e fui dar uma entrevista em um programa.

-- Interessante... E você é alguma celebridade aqui para conceder entrevistas?

Marisa abriu um sorriso irônico respondendo:

-- Não tão famosa quanto você, mas sou conhecida aqui no campus sim.

Imediatamente percebi a que Marisa se referia, certamente ela conhecia o escândalo que antecedeu minha vinda para Nova Esperança, e isso me irritou profundamente.

-- Deve ser famosa por sua indiscrição! Com licença Marisa, tenho trabalho a fazer.

-- Ei você é esquentadinha heim! Calma...

-- Olha só Marisa, obrigada pela camiseta, pelo salvamento de novo, tenha um bom dia.

Saí da sala de Marisa pisando forte, me enrolando toda na hora de abrir a porta, puxei com tanta força que acabei por me chocar contra ela. Nem deu tempo Marisa se aproximar, saí esfregando minha mão no rosto, certa que a marca da pancada estava evidente na minha testa. Encontrei Luiza na praça do campus de frente ao prédio das ciências da saúde, preocupada com meu sumiço.

-- Onde você estava chefinha? O que aconteceu com sua testa? Onde você conseguiu essa camiseta?

-- Tem certeza que você é diagramadora? Acho que vou aproveitar seu talento investigativo em reportagens! Quantas perguntas Luiza!

-- Nossa... Você está nervosa.

-- Vamos voltar ao jornal, temos muito que fazer por lá.

Luiza tinha razão, eu estava nervosa. Marisa definitivamente me provocava isso. No final do dia, nos reunimos mais uma vez e concluímos que foi um dia produtivo, cumprir o prazo que o Dandan nos impôs seria possível com algum sacrifício.

E a semana passou nesse ritmo, de plantões, de muito trabalho, minha equipe era de fato muito boa, todos se esforçaram para que na sexta-feira, a edição piloto da Folha de Nova Esperança estava nas mãos do Daniel.

A lembrança do meu novo encontro com Marisa volta e meia me distraía, e um misto de sentimentos surgia. Sentia raiva dela, pela rejeição que sofri, e por ela saber da minha fama exposta nas revistas de fofoca nacionais. Mas inexplicavelmente sentia uma vontade imensa de revê-la, de estar perto dela, eu a desejava? Não... Impossível! O que é isso Alexandra? Toma vergonha nessa cara mulher! Você não é lésbica!

O final de semana reservava uma grande festa na cidade. Era o início das comemorações do centenário de Nova Esperança. Daniel aprovou de cara nosso trabalho e a noite foi de trabalho para a gráfica oficial da prefeitura, para no sábado, como parte dos festejos, o nosso jornal fosse lançado.

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