quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Aconteceu você

Capítulo 2: Meu mundo caiu

Eu mal tinha forças para me levantar daquela poltrona, de repente me senti uma anã que mal alcançava o chão, afundada naquela cadeira, de tão pequena que me sentia pela dupla humilhação. Lentamente fui tateando minhas coisas, a ponto de pedir que a própria Cuca me beliscasse e me fizesse acordar daquele pesadelo. Saí do escritório da minha ex-editora chefe atônita, meio tonta, ainda assim percebi que cada passo meu era vigiado pelos meus antigos colegas por certo penalizados com minha situação. No fundo do corredor, Marcinha estampando na face um óbvio: “Tadinha...”.

-- Amiga, e aí? Você assistiu? Precisa de ajuda?

-- Eu... Eu... Onde é o departamento de pessoal?

--Ela te deu férias? Enfim alguma bondade nessa bruxa!

--Não... Ela me demitiu.

-- Meu Deus!

-- Eu... Preciso ir Marcinha.

Eu nem ao menos sabia que caminho seguir pelo prédio, que dirá pra minha vida dali por diante. Entrei no elevador deixando cair pastas, e ignorando-as no chão. Caminhando pela calçada mais parecia um zumbi, ironicamente, eu só conseguia ver as pessoas folheando as revistas de fofoca com minha humilhação estampada.

Minha volta pra casa pareceu nem acontecer, dirigi de uma forma automática, pra minha sorte não ultrapassei nenhum sinal vermelho, e suponho que algumas buzinas insistentes e desaforadas eram para chamar minha atenção, mas eu sequer me incomodei. Subi para meu apartamento pelas escadas, para continuar meu dia de cão, o elevador do meu prédio acabara de emperrar. Fingi não perceber os cochichos do porteiro e de algumas vizinhas fofoqueiras que conheciam meu noivo, a essa altura meu ex-noivo.

A repercussão do meu “chifre” teve proporções de Big Brother. Os meus telefones não pararam de tocar um instante, recebi telefonemas de amigos, de revistas de fofocas, e pra meu constrangimento total, de minha família.

Meus pais depois de aposentados resolveram assumir a condição de turistas profissionais, e mesmo numa excussão de pescadores ao Pantanal, souberam da minha tragédia sentimental, minha mãe famosa por falar pelos cotovelos ao telefone só chorava penalizada com minha situação, e meu pai berrava do outro lado xingando o meu ex-noivo Fernando.

Não me faltava nada pior acontecer, ao menos era isso que eu pensava. Afundada entre os travesseiros e o edredom, gastei uma caixa de lenços chorando minha decepção. Exausta acabei dormindo, acordei no susto com a campainha sendo tocada insistentemente. Aos tropeços levantei, e eis que abro a porta pras luluzinhas... O trio das meninas super-poderosas, as minhas melhores amigas desesperadas por notícias minhas:

-- Alex! Menina pensei que você estivesse morta! Imaginei o pior! Que você tinha se afogado no chuveiro, eletrocutada pelo secador, se intoxicado com coca-cola... -- Disse Marcinha enxugando o suor do rosto.

-- Ai falou a exagerada! Amiga como você está? -- Perguntou Renatinha preocupada, me abraçando.

-- Como vocês acham que estou? -- Perguntei já me deitando no sofá.

-- Ai tadinha da minha amiga...

Eveline já se aproximou do sofá me dando colo, as três ficaram levantando possibilidades, variaram do xingamento ao Fernando, até o escracho com a Izabel. Acomodaram-se pelo meu apartamento e naquela noite dormiram comigo. Naquela noite eu precisava mais do que nunca da loucura adorável das minhas amigas para acreditar que o dia enfim precedia outro melhor.

Os dias seguintes ainda me reservaram outra desagradável surpresa. A dona do apartamento que eu morava me ligou comunicando que não renovaria meu contrato de locação, uma vez que precisava do apartamento para seu filho que estava se mudando para a cidade com a mulher. ”timo: traída, sem noivo, sem emprego e sem teto.

Era hora de sair do casulo que se transformou meu apartamento e correr atrás do prejuízo, procurar emprego e agora outro lugar para morar. E quem achava que a notícia de hoje embala o peixe do mercado amanhã quebrou a cara... Descobri que minha humilhação pública ainda era manchete, e minhas entrevistas de emprego se tornaram entrevistas de fofocas, suspeitei também que minha credibilidade como jornalista fora abalada pela demissão do jornal o Dia.

Um mês se passou, e nada na minha vida mudou, exceto a minha despensa, que agora estava vazia, meu estoque de chocolates estava agora depositado na minha cintura, e as caixas de valium, pondera, e todos mais de tarja preta que eu guardava no meu armário não bastavam para devolver meu bem estar.

Até que, recebi um telefonema inesperado:

-- Alexandra?

-- Sim.

-- Não está reconhecendo minha voz?

-- Desculpe-me, mas não, e vou adiantando, se for algum colega de faculdade querendo entrevista, não tenho nada a declarar.

-- Ei sardenta! Calma aí!

O apelido de infância me chamou a atenção.

-- Quem está falando?

-- Pensei que eu fosse mais marcante... Não lembra mesmo Alex?

-- Ai... Não...

-- Sardenta, sardentinha, onde mais você tem essas pintinhas?

O refrãozinho infame me reportou à minha infância no interior, não podia ser outra pessoa que não o meu amigo Daniel.

-- Dandan?

-- Ai finalmente! Eu mesmo Alex! Como vai minha amiga?

-- Se eu te contasse você não acreditaria Dan...

-- Não precisa me contar, sua mãe me falou tudo...

-- Por que não herdei esse talento jornalístico de minha mãe? Ela te achou e ainda atualizou você sobre minha desgraça?

-- Não seja tão maldosa com sua mãe sardenta! Ela está preocupada com você, normal, e nos encontramos num cruzeiro pelo nordeste, só por isso eu estou sabendo do que aconteceu.

-- Ah entendi... Mas então Dandan, por isso você me ligou?

-- Na verdade amiga, estou ligando pra te fazer uma proposta.

-- Que proposta?

-- De trabalho... Não sei se você sabe, mas atualmente sou o secretário de cultura da cidade, e estou com um projeto de abrir um jornal local, e gostaria que você fosse minha editora chefe. O que acha?

A proposta era estranha, mas não poderia ter chegado à melhor hora. Mas mudar-me para o interior nem de longe estava nos meus planos. O interior fora cenário de minha infância, onde meus avós tinham um belo sítio. Daniel era um dos maiores motivos das boas lembranças de lá. Um amigo divertido e leal, não mantivemos contato nos últimos cinco anos, desde o final da minha faculdade, quando visitei o interior para o enterro de minha avó. Entretanto, nada me prendia aquela cidade, e a oportunidade de fugir do escândalo e começar uma vida nova. Meio que de supetão respondi:

-- Acho ótimo! Quando começo?

-- Assim que se fala sardenta!

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