terça-feira, 1 de novembro de 2011

Novo conto: Aconteceu você

Capítulo 1: O início do fim

Sabe aqueles dias que você acorda e acredita com todas as forças que tudo vai dar errado? O despertador não toca você levanta atrasada, de ressaca, tropeçando nos sapatos jogados perto da cama, do chuveiro só sai água fria, diante do espelho você percebe uma espinha monstra que parece ter o poder de canalizar seu cérebro no meio da sua bochecha! Aquele terninho de listras que tem o poder mágico de te emagrecer dois quilos parece simplesmente ter evaporado, no lugar dele, aquela calça que antes te deixava gostosa, agora denuncia seus indesejáveis pneuzinhos, que mais lembram as bordas de catupiry de uma pizza...

Foi mais ou menos assim que o dia que até então eu julgava ser o pior da minha vida começou. Uma reunião importantíssima no jornal que eu trabalhava já devia ter iniciado, enquanto eu me estressava em um engarrafamento típico de segunda-feira. As buzinas dos carros misturadas a gritos desaforados de motoristas revoltados com as “barbeiragens” dos motoboys que faziam zig zag entre os carros aumentavam ainda mais minha dor de cabeça resultante de algumas garrafas de vinho ingeridas na noite anterior. Nem atendi mais às chamadas do meu celular, desculpa típica de funcionário atrasado é o engarrafamento de início de semana no principal acesso ao centro da cidade, preferi poupar meus tímpanos dos gritos da minha chefe implorando para a Márcia justificar meu atraso.

Como eu maldizia interiormente minha amiga Renata pela idéia brilhante do clube das luluzinhas numa noite de domingo. Péssima idéia unir quatro mulheres solteiras, todas magoadas com seus respectivos namorados e ex-namorados e garrafas de vinho a disposição delas. Eu que curtia a forsa pelo bolo dado pelo meu noivo, que mais uma vez como que sugado por um buraco negro sumira todo o fim de semana e inexplicavelmente os dois celulares permaneceram desligados, afoguei minhas suposições no Porto trazido pela Eveline.

Uma hora e meia depois, consegui chegar ao prédio do jornal, equilibrando maleta do laptop, bolsa, e uma pilha de pastas com a pesquisa solicitada pelo meu editor para uma série de reportagens a ser desenvolvida pela equipe de política internacional. Nem preciso dizer que a reunião já havia sido encerrada, Marcinha correu em minha direção trincando os dentes dizendo com os olhos esbugalhados:

- - Onde você estava sua louca? Vou logo dizendo, a Cuca está fumando dois cachimbos pelas narinas!

- - Marcinha preciso me esconder! O que vou dizer a ela? Chefinha minhas amigas resolveram me dar um porre depois do bolo que seu querido sobrinho me deu no fim de semana, acordei de ressaca, perdi a hora e a reunião. Dessa vez a Cuca vai me pegar amiga!

Entre os funcionários, Izabel Carvalho de Alcântara, editora chefe do jornal O Dia, tinha o codinome de Cuca. Pois é, a Cuca, do sítio do Pica-Pau Amarelo, tudo isso por causa do seu humor de cão, unido ao avantajado quadril da senhora de cabelos com franja assanhada, lembrando a primeira versão da personagem do programa infantil da Globo.

Enquanto eu me desesperava no desabafo com Marcinha nem percebi os grandes olhos azuis de minha amiga arregalando-se ainda mais como se quisesse me dar algum sinal.

-- Que foi Marcinha? Fala garota!

-- Alexandra Castro! A senhorita pode me explicar por que não estava na reunião de duas horas atrás?

A voz irritante e cheia de fúria de Izabel surgiu me provocando pavor, apertei os olhos provando o amargo de uma bronca que eu receberia logo mais.

Segui a poderosa Cuca até seu escritório, senti os olhares da redação sobre mim no trajeto, nenhum sinal do meu digníssimo noivo, colunista daquele jornal. No escritório fui acomodando minha bagagem pelas poltronas sob o olhar aterrorizador da minha chefe.

-- Muito bem Alexandra, nem quero ouvir suas explicações absurdas, por que delas estou saturada. Vou ser curta e grossa.

O tom daquela mulher horrorosa não me surpreendia em nada, especialmente o fato de ser curta e grossa isso ela era sempre.

-- Esses anos que você trabalhou aqui me esforcei ao máximo para te dar todas as chances possíveis, fechei os olhos para suas mancadas, ignorei suas trapalhadas, como quando você enviou o nosso repórter policial para cobrir o assassinato de Belchior, quando o tal era ao invés do cantor, um touro de exposições.

-- Aquilo foi um terrível engano Izabel. Mas, eu achava que seria um furo jornalístico, já que ninguém se quer sabia que ele havia morrido.

-- Talvez por que ele continuasse vivo não é Alexandra!

-- …... Pode ser...

-- Continuando, eu mudei você de setor, troquei de cargo, mas não adiantou minha filha pra que você fez jornalismo? Você não nasceu para isso!

-- Izabel, já conversamos o que gosto é de escrever, você não me deixou passar da sessão de obituários.

-- Por que até lá você fez confusão Alexandra! Você trocou a folha de obituários pelos classificados de carros usados, a catedral lotou para a missa de corpo presente do Fusca 76!

-- … foi. Mas, o padre até que gostou, esse dia era missa do dizimista, aumentaram muito as ofertas.

-- Alexandra!

--Desculpe-me chefe, pode continuar.

-- O fato é que fiz tudo que estava ao meu alcance, não por sua causa, mas por causa do meu sobrinho Fernando, já que vocês ficaram noivos, fui déspota, e te mantive aqui. Mas dadas as circunstâncias, não vejo por que mantê-la aqui.

-- Que circunstâncias?

-- As circunstâncias que fatalmente farão meu sobrinho terminar o noivado com você, ou você se tiver um pingo de amor próprio fazer isso.

-- Mas por que eu terminaria o meu noivado com Fernando?

-- Como assim? Você não está sabendo? Que tipo de jornalista desinformada é você Alexandra?

-- Sabendo do que Izabel?

Que pergunta infeliz. Duro foi saber do que a Cuca estava falando, aliás, ela não falou, ela jogou na mesa, a revista de fofocas semanais da editora com uma capa escandalosa: meu viril noivo, o jornalista Fernando Alcântara, flagrado com um famoso cantor trocando carinhos no mínimo estranhos numa romântica pousada em Campos de Jordão.

-- Está nessa revista, e em muitas outras, por isso nem pude impedir a publicação, está na internet, até em programa de fofoca na TV isso foi divulgado.

Eu olhava embasbacada, ainda desacreditando no que estava diante dos meus olhos, e afinal, não era só eu a desinformada, minhas amigas eram tão alienadas quanto eu, já que nenhuma soube da fofoca do momento.

-- Quando essa foto foi tirada?

-- No último sábado, Fernando continua viajando, depois do escândalo, preferi dar uns dias de folga a ele... Vai me mandar por e-mail a coluna dele.

-- Mas ele não vai se quer me dar uma satisfação? Explicar essa foto?

-- Querida que explicação você precisa?

Nesse momento, a secretária de Izabel entra na sala, e avisa:

-- Dona Izabel, é melhor a senhora ligar a TV no canal 5, a senhora vai querer ver isso, e acho que Alexandra também.

Pronto, minha humilhação fora oficializada em cadeia nacional. O famoso cantor de Axé Music, Xandão Lemos, assumira sua homossexualidade e seu relacionamento com meu noivo numa entrevista a uma famosa apresentadora de programas de fofocas diário.

Eu apertava os olhos, ajeitando meus óculos de grau, duvidando dos meus sentidos, visão nunca foi meu forte, mas a audição também estava me traindo, escutar aquilo foi surreal para mim. Nem ao menos tive tempo de me apropriar da dor da humilhação, quando fui sugada pela delicada voz aguda de minha chefe:

-- Explicado o suficiente para você Alexandra?

-- Eu... Eu...

-- Bom, como eu estava dizendo antes de ser interrompida, dadas as circunstâncias, não tenho que dar emprego a ex-noiva de meu sobrinho gay, portanto Alexandra, você está demitida.

-- Hã?

-- É… isso Alexandra, passe no departamento de pessoal, recolha suas coisas, e boa sorte para você.

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