sexta-feira, 26 de novembro de 2010

1ª temporada: Porque sei que é amor - SEGUNDO CAPÍTULO

CAPÍTULO 2 : UMA NOVA CIDADE, UMA NOVA VIDA

Era, enfim, o início de um novo ciclo. Nunca saí da proteção da minha família que, de tão acolhedora, por vezes sufocava com tanta proteção. Nada mais natural, dadas as circunstâncias que tornaram minha adolescência uma sucessiva história de perdas e recomeços. Se esse período já consiste em uma fase de luto pela perda da infância, indecisão quanto ao seu papel na sociedade e todos os conflitos de idéias e das mudanças inevitáveis, imagina então o que é enfrentar perder os pais abruptamente nessa fase...

Mas enfim, eu não era mais uma adolescente, atravessara essa fase com algumas marcas, mas alcancei os objetivos que até então eu traçara pra minha vida. Sentia por ter me ausentado por muito tempo da vida de minha querida Lívia, que se transformara em uma jovem linda, centrada e que seguia os passos de tia Sílvia, fazendo faculdade de Direito. 

Ao contrário de mim, era cercada de amigos e dividia muito bem o tempo de estudo com saídas pra baladas. Mantinha um namoro de um ano com Afonso, jovem estagiário de informática do escritório de tia Sílvia. Mesmo com limitações, Lívia e eu zelávamos pela nossa relação de confiança, proteção, tínhamos pouco tempo juntas, mas sempre fomos honestas em tudo o que me dava a sensação de ter cumprido bem meu papel de irmã mais velha.

O dia da minha mudança para o Rio de Janeiro se aproximava. Tia Sílvia, como sempre, fez questão de me acompanhar em tudo. Tão logo recebemos o resultado da minha aprovação na prova, viajou comigo ao Rio para alugar apartamento e acertar detalhes da mudança. Como qualquer mãe preocupada, Tia Sílvia estava apavorada por eu sair da segurança de uma pequena cidade universitária de Minas, para uma cidade violenta como o Rio de Janeiro. Apreensiva ela tratou de me presentear com um carro, temendo minha disposição em andar de ônibus. 

Alugamos um apartamento de dois quartos na Ilha do Governador, de carro não gastaria mais de quinze minutos para chegar ao Fundão – onde ficava o hospital universitário. Era um apartamento razoável, não tinha o espaço e o conforto da casa de Tia Sílvia, mas para morar sozinha, tinha espaço mais que suficiente: uma sala de estar espaçosa com saída pra uma varanda, conjugada com a sala de jantar dividida por um balcão que dava acesso a cozinha e a área de serviço. Mais a frente das salas conjugadas, um corredor com um banheiro social, um quarto, e ao final uma suíte que seria meu quarto.

Gastamos uma semana para comprar tudo, Lívia veio nos ajudar, ela sempre teve um excelente gosto pra decoração, puxou isso da mãe, tio Roberto sempre dizia. Mobiliamos o segundo quarto com uma estante de livros, uma escrivaninha para ser minha pequena biblioteca e um sofá cama, na intenção de abrigar hóspedes quando necessário. Em cada cantinho do apartamento tia Sílvia e Lívia deixaram sua impressão, nos detalhes dos abajures, quadros, louça, roupas de cama... Tudo pra me deixar mais “perto de casa”, apesar de que mesmo com todo carinho maternal que eu tinha na casa de tia Sílvia, a última vez que me senti de fato em casa, foi na chácara onde morávamos antes da morte de papai e mamãe.

Era março de 2001 e, como dizem, o ano no Brasil só começa depois do carnaval... Em uma cidade como o Rio, essa afirmação caía muito bem. Sempre preocupada com minha saúde, como não podia ser diferente, já que desde criança, apresentava constantes crises de asma, tia Sílvia, providenciou alguém para fazer faxina e cozinhar pra mim. A senhora fora indicada por um casal de advogados amigos, que moravam no Rio há alguns anos. Dona Lúcia era uma senhora de seus quarenta e poucos anos, muito simpática, era baixa, morena, com peso avantajado, com traços fortes, visivelmente marcados pelo sofrimento de uma vida cheia de sacrifícios.

Cheguei ao apartamento no sábado, queria me acostumar com o bairro, com o clima, o caminho até o Fundão. Minha intenção era até a segunda-feira estar ambientada no meu novo espaço, mas foi inútil, porque demorei cerca de um mês pra acertar o caminho sozinha. Saía de casa quase uma hora antes para não correr o risco de chegar atrasada, porque sempre pegava uma rua errada. Após enfim aprender o caminho, ria do quão absurdo era isso, pois se tratava de um percurso bastante simples

No programa da residência, contava com quatro colegas, e facilmente desenvolvemos um clima amigável, somente um era carioca, os demais, como eu, eram provenientes de outros estados. 
Eramos três homens e duas mulheres na residência: Jessica, era descendente de chineses, porte elegante, tímida, mas bastante educada, era fácil gostar dela, tinha um olhar meigo, acolhedor, quando permitia que víssemos esse olhar; Carlos era um negro com um corpo escultural percebia-se isso pelas roupas justas que ele fazia questão de exibir, com um sotaque baiano gostoso, extremamente simpático; Eduardo o carioca da turma, um rato de praia, tinha pele visivelmente bronzeada, e cabelos queimados pelo sol, preferia ser chamado de Dudu por nós, o que era motivo de repreensão dos preceptores que faziam questão que nos tratássemos com o “doutor” na frente... pra nós isso era estranho, mas atendíamos a orientação dos preceptores, o que não evitava de escorregarmos vez por outra... E por fim Marcos, sujeito estranho a primeira vista, sisudo, mas no fundo era muito desajeitado nas palavras e nos gestos, brincávamos com ele pra que ele andasse com os braços juntos do corpo pra não causar nenhum acidente nos corredores do hospital... Tinha olhos verdes doces, disfarçados por óculos que lhes dava um aparência de “nerd”.

A residência era exaustiva, trabalhávamos até quatorze horas por dia, às vezes mais, tudo era avaliado pelos preceptores. A pouca quantidade de médicos nos obrigava vez por outra atender no pronto socorro, as vezes em casos que não eram específicos de neurologia. Em uma dessas vezes, eu e Dudu fomos encaminhados para ajudar no atendimento de vítimas de um acidente com uma van ocorrido na linha vermelha. 

O pronto socorro estava uma loucura, o acidente envolvera mais de um veículo, como o Fundão era o hospital mais próximo os casos foram todos encaminhados para lá, dezenas de pessoas feridas, alguns inconscientes, a frenética correria das equipes de enfermagem, a gritaria dava aquele cenário o aspecto de um seriado americano...eu olhava pro Dudu meio perdida:

- Por onde a gente começa Du?

- Caraca Belinha... Eu ia te perguntar a mesma coisa... – Dudu respondeu com aparência de pavor.

Enquanto nós estávamos perdidos olhando aquela cena, o Dr. Jorge Porto, um dos nossos preceptores, nos surpreendeu falando alto:

- Dra Isabela, Dr Eduardo, vocês foram chamados para assistir não para assistir entenderam?

Pelo tom da voz notamos que se tratava de uma chamada de atenção, mas ficamos tão confusos quanto o cenário a cerca de qual o sentido de cada verbo assistir que deveríamos praticar... Dudu olhou pra mim com cara de interrogação cochichando:

-A gente assiste prestando assistência, ou a gente fica parado vendo, assistindo?

Eu não consegui responder nada só ri, até mesmo porque não daria tempo... A cara de reprovação do Dr Jorge pra nossa inércia respondeu nossa dúvida... Fomos em direção a uma ambulância que chegava, desembarcou junto com uma paciente na maca, uma mulher, com as roupas cobertas de sangue, ela pressionava um ferimento no tórax da paciente, gritando informações sobre os sinais vitais da paciente de quanrenta e seis anos, chamando atenção para a escala de coma que a paciente se encontrava, provavelmente por conseqüência de traumatismo craniano.

Em meio àquela confusão de vozes, aquele tumulto de pessoas correndo, aquela mulher, apesar de estar coberta de sangue, suada, cabelos despenteados, chamou-me a atenção de uma maneira insana! 

Eu não entendi por que não conseguia tirar os olhos dela, por alguns segundos houve um silêncio e os movimentos dela se desenhavam como se fossem em câmera lenta, com meus olhos fixos nela, apesar de toda aquela confusão que o cenário fazia dela, me detive nos seus traços, nas suas expressões, e desci meus olhos pelo corpo dela, enquanto ela saía de cima da maca, retirando o casaco sujo, deixando visível seu colo perfeito e sua cintura ajustada por baixo daquela blusa colada ao seu corpo definidos com um jeans apertado... Se Bernardo visse aquela calça logo comentaria: “querida, Deus é justo, mas essa calça...”

Saí daquele momento de êxtase com o Dudu sacudindo meu braço dizendo:

-Belinhaaaaaa, alouuuu, onde você tá? Vamos lá avaliar a paciente antes o Jorge sugue nosso cérebro pelos olhos dele...

-Hã? Ah... Tah... Claro... Vamos sim... -ainda recuperando meu fôlego da imagem daquela mulher. 

Mas quem seria aquela mulher? Seria parente da vítima? Estava ela também envolvida no acidente? Estaria machucada? Aquele sangue era seu? Mas ela dominava termos técnicos e procedimentos... Deveria ser do meio da saúde... Em meio a tantos questionamentos, segui o Dudu até o ambulatório e ficamos ali atendendo a paciente em questão.

Enquanto esperávamos os resultados dos exames realizados, a porta da sala de tomografia foi aberta e uma linda mulher adentrou de cabelos presos, usando um jaleco e imediatamente lembrei de quem se tratava... Era ela! Ela andou até nós de maneira confiante, olhando nossos crachás, ela nos indagou:

- Vocês estão acompanhando o caso da Sra. Fátima da Silva?

- Sim e você quem é? – cheio de graça o Dudu se apressou em responder, olhando aquela mulher da cabeça aos pés...

- Dra. Suzana Andrade, nova chefe da emergência – com ar de superioridade a bela morena respondeu olhando o prontuário que trazia nas mãos.

Eu não consegui balbuciar uma palavra olhando completamente hipnotizada para aquela imagem. Dra. Suzana Andrade era alta, os cabelos chegavam nos ombros, eram lisos, mas as pontas tinham algumas ondulações, tinha olhos amendoados, uma boca muito bem desenhada, que ficava evidente enquanto ela mordia os lábios, lendo com atenção as informações por nós colhidas no prontuário da paciente. Imaginei que tivesse mais de trinta anos, pelo fato de já ser chefe de um hospital daquele porte, mas não aparentava mais de vinte e oito anos... Não entendia minha reação diante dela, até aquele momento nenhuma mulher despertou tal atenção, era mais que atenção, era encantamento...

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