Sorri amarelo. Clarisse conseguia me ler muito bem, por mais que eu relutasse em lhe contar a verdade, essa hora fatídica iria acontecer.
-- Você está me seguindo, amiga?
-- Não, Luiza. Acabaram minhas aulas, estou indo para o estacionamento, você está com tanta pressa, por isso imaginei que estivesse indo a outro lugar.
-- Então, a pressa é de ir para casa mesmo.
-- Hoje é dia de rodízio de sushi, que tal? Assim, podemos continuar nossa conversa, você me deve uma longa história, não é?
-- Devo, Clarisse, odeio esse seu olhar investigativo e o tom de censura, sabia?
-- Olha aí você sendo paranoica, eu te censuraria por quê?
-- Não sei, com você eu sempre tenho a impressão de não corresponder às suas expectativas.
-- Ai Luiza! Para com isso!
-- A gente vai conversar, mas hoje não.
-- Luiza, eu sou sua amiga, não sua mãe, ou sua chefe, para estar avaliando e julgando você, não se esquece disso.
Abracei Clarisse e saí com uma fagulha de esperança que ela me apoiasse no meu novo relacionamento, aliás, um relacionamento que eu ainda lutava para que fosse real. De frente ao prédio de Marcela, experimentei pela primeira vez o receio de ser vista por pessoas conhecidas da universidade, antevi constrangimentos e possíveis difamações, talvez o medo de Marcela não fosse um exagero da parte dela.
Por mais pessimistas ou racionais que fossem meus sentimentos ou indagações nos meus momentos de reflexão, o mais louco e inexplicável, era o fato de que tudo se desfazia quando eu estava diante de Marcela. Bastava olhar para ela, e ver seu sorriso e eu ganhava o oxigênio para mergulhar o mais profundo oceano.
-- Oi, meu bem!
-- Oi, Malu...
-- Malu?
-- Maria Luiza? Ma-Lu?
-- Ah... Juro que pensei que você estava “shippando” eu e você.
Sorrimos juntas. Aquele sorriso em entorpecia, respirei fundo desejando selar meus lábios nele.
-- Marcela, eu preciso te beijar...
-- E o que você está esperando?
Não esperei mais. Avancei na boca de Marcela com voracidade, empurrando seu corpo contra a porta, imprimindo força nos quadris, o suficiente para ouvir um gemido escapar. Virei-a de costas contra a parede e não tardei em sentir a umidade que invadia seu sexo, tão molhado quanto o meu. Brinquei com meus dedos ali, me deliciando com o calor que sentia no meu tato e a pulsação crescente. Estávamos ofegantes, e aquela respiração descompassada na nuca de Marcela e excitava mais, a medida que eu pressionava meus dedos e suspendia os quadris dela, os gemidos dela se intensificavam me deixando completamente louca.
-- Não para meu bem... Eu... Ah... Vai... Isso... Aí Luiza...
Entre os meus dedos o gozo de Marcela jorrava fácil, e isso parecia um combustível para meu desejo insaciável por ela. Sentindo seus músculos tremerem, segurei Marcela pela cintura, deixando de frente para mim, com sua face corada e absurdamente linda, irradiando paixão e prazer. Beijei-a na mesma intensidade que nossos corações batiam, mas, dessa vez, saboreei sua língua, chupei, mordisquei seus lábios, lambi seu pescoço, e logo estava caminhando com minhas mãos de novo para o sexo de Marcela, parecia um ímã para meus dedos aquele cheiro, aquela umidade.
Queria mais espaço e consegui. Abri o botão e o zíper do seu short, ela ergueu uma de suas pernas, permitindo que meus dedos deslizassem fluidamente naquela cavidade que parecia se ajustar a cada investida, a cada movimento do meu corpo e boca. Meus quadris acompanharam os movimentos, sentia as unhas de Marcela cravando meu dorso, até que o gemido que era incipiente ganhou potência explodindo um rugido de prazer.
Abracei-a ofegante, sentindo os espasmos no corpo dela e os meus em cada músculo, sorri com uma satisfação inexplicável, talvez por que ainda enxergasse avidez nos olhos de Marcela, e eu queria mais, nossos corpos se comunicavam, se entendiam, ultrapassando todas as indagações racionais que nos afastavam.
-- Marcela, você é deliciosa... – sussurrei sentindo o arrepio dos poros de sua pele.
-- Eu sou tão sua, meu bem... – Marcela beijava meu rosto, trêmula.
-- Por que a gente não vai para cama? Quero tanto de você ainda...
Minha boca já buscava os lábios de Marcela, arrancando pequenos gemidos entre sorrisos.
-- Eu preparei algo para você, acho que não vai ficar bom se esfriar.
-- Algo esfriar com você? Não, meu bem... Você tem fogo... É quente... – Remexi meus quadris contra a cintura de Marcela.
-- Malu...
Marcela sorria tímida, eu me divertia com aquela reação, e me apaixonava mais pela dubiedade entre a timidez e a paixão que seu corpo manifestava.
-- Você e esse fogo todo... Eu nem sei o que fazer direito... – Marcela sorria ao falar.
-- Discordo, você sabe direitinho.
-- Ah Luiza!
Marcela cobriu o rosto ruborizado, aquela face de menina ficava evidente quando a timidez falava mais alto. Segurei suas mãos e beijei sua testa, contemplei seus olhos que brilhavam contra a luz, meu Deus! Menina e mulher em um corpo só, que encrenca eu estava me metendo!
-- Então, você fez um jantar para nós?
-- Jantar é exagero. Com um fogão de duas bocas, não tem como fazer um jantar à sua altura... É só um risoto de camarão...
-- Nossa! Amo risoto, amo camarão, amo você!
Deixei escapar, e acho que a surpresa de Marcela foi proporcional a minha. Queria fazer um “Ctrl+z”, mas, no mundo real isso não era possível. O silêncio se instalou, desviamos os olhares, com algum constrangimento, me afastei, praticamente denunciando meu arrependimento.
-- Você se incomoda em comermos na minha mesa imaginária?
Marcela apontou para o canto da sala. Duas velas aromáticas, duas almofadas, e um paninho de prato bordado no centro. Eu me emocionei, e talvez por isso, incidi no que eu julguei precipitado falar:
-- Eu amo você.
Para minha decepção, Marcela não me disse o esperado: “eu também te amo”.
-- Isso é um sim? Aceita?
-- Claro. Vamos ver se você me conquista pelo estômago também.
Respondi com um sorriso amarelo. Do que eu estava lamentando? Marcela me falou depois de nos amarmos pela primeira vez que me amava, e eu não correspondi à sua declaração, talvez ela tenha pensado que era precipitado, o que no fundo eu também achava que era.
-- Sem pressão, tudo bem!
Marcela me serviu o risoto sob meu olhar atento. Observei sua delicadeza, as vezes baixava os olhos quando se deparava com minha vigilância. Sentamos no chão, na sua suposta mesa imaginária, à primeira garfada, eu senti sua apreensão, fiz mistério, não esbocei reação. Mal sabia ela, que eu poderia comer terra com pimenta, se preparada por ela, eu iria lamber o prato, os beiços e dizer que estava estupendo. Não sei se o momento alterou meu paladar, mas estava tudo tão quente e salgado, que nem senti o sabor direito, escondendo a Paola Carosela que vivia em mim, disparei minha avaliação:
-- Hum, tem personalidade heim... Está interessante, forte, muito bom, meu bem.
Marcela apertou os olhos, franziu a testa, e deu a sua primeira garfada e logo derrubou minha máscara:
-- Malu, como posso confiar em você? Está horroroso!
Marcela tomou o prato de minhas mãos e se levantou.
-- Deixa de exagero, me dá aqui meu prato. Está bom!
-- Bom? Você reclama da comida do RU que para mim, é maravilhosa, imagina isso daqui que até pra mim está intragável, e olha que você nem provou o camarão, está completamente passado.
-- Meu bem, não seja tão dramática...
A essa altura eu já estava na cozinha, tentando acalmar a situação. Roubei um camarão da panela, e bem... Estava mesmo muito ruim, escondi a careta:
-- Onde você comprou esse camarão?
-- Malu! Larga isso, vamos pedir uma pizza.
Enquanto Marcela alcançava seu celular para pedir a pizza, abracei-a por trás, repousando meu queijo em seu ombro e lhe disse:
-- A gente pode voltar ao meu plano? E ir direto para cama?
Rocei meus lábios no seu pescoço afastando os seus cabelos.
-- E a gente vai ficar com fome?
-- Se depender de mim não... Não fico saciada tão fácil, e... Bem, estou aqui para você.
Marcela ruborizou mais uma vez. Afastei-me e comecei a abrir os botões da minha camisa, soltei meu cabelo, tirei os óculos. Não demorou para Marcela avançar em minha boca e me empurrar até o quarto me despindo vorazmente.
***********
Passaram-se duas semanas e o primeiro teste para meu relacionamento com Marcela surgiu. Nossos mundos tinham uma agenda diferente, o meu o aniversário da Cris, o dela, uma festa da turma, aquela do tipo que se firmava como tradição, na metade do curso de medicina, eles faziam a tal festa dos 50% médicos.
Apesar dos dias tranquilos e apaixonados que tivemos, nos esquivando dos assuntos que eram pontos de tensão entre nós, os planos diferentes para o final de semana nos colocou de novo na pauta: dois mundos.
Estávamos no meu gabinete, no final da tarde de sexta, quando o assunto veio à tona:
-- Meu bem, não sei se está sabendo, mas, amanhã vai ter festa da minha turma, vou dormir na casa da Jessica, por que vou de carona com ela.
-- Hum, na casa da Jessica, quer dizer na casa que ela divide com sua ex-namorada?
-- É, Malu. Jessica divide com ela, e com outra menina lá do trabalho da Laura.
-- Então, você vai à uma festa, sem mim, e de quebra, vai dormir na casa de sua ex-namorada. Você pensou ao menos em discutir comigo antes?
-- Não vou dormir na casa da minha ex, eu vou dormir na casa de Jessica, que vai me dar carona. A festa não aconteceu ainda, estou agora discutindo com você.
-- Está me comunicando só, já decidiu, deve ter combinado tudo com Jessica, não foi?
-- Luiza, eu não sabia que tinha que te pedir permissão para ir a festa da minha sala.
-- De repente some o “meu bem” o “Malu”, ficou nervosa, por quê?
-- Ah pronto! Não estou nervosa, mas, você ficou. Estou falando com você sobre uma festa que terá amanhã, vou de carona, não posso pedir que além de me dar carona a Jessica venha me deixar em casa.
-- Pensou que eu poderia ter planos para nós? Ou que sei lá, eu poderia te dar outra solução ao invés de você dormir na casa de sua ex?
-- Outra solução?
-- É... Além do mais, eu te falei que tinha o aniversario da Cris esse sábado, esqueceu?
-- Não esqueci, por isso decidi ir para a festa da minha turma, você tinha planos.
-- Planos de te levar comigo para o aniversário da minha amiga.
-- Espera, Luiza, você queria me levar para uma festa onde deve estar a maioria dos seus amigos, e nem perguntou se eu ia querer isso?
-- Mas... Eu quero te levar pra onde eu for, quero você do meu lado. Seria uma ótima oportunidade de você conhecer todo mundo, até para acabar com essa cisma que vivemos em mundos diferentes.
-- Luiza, vivemos em mundos diferentes. A prova disso é que não posso te levar para a festa da minha turma. Como explicaria sua presença lá?
-- Então nem passou pela sua cabeça me chamar? Tem vergonha de mim?
-- Vergonha? Luiza! Não é o RU, que você aparece e fica meia hora, socializa e ninguém nota os sete erros da imagem!
-- Eu sou um jogo dos sete erros no seu cenário de vida?
-- Nossa, você consegue distorcer as palavras heim...
-- Ué, estou tentando entender o que me diz. Saiu da sua boca essa analogia.
Marcela respirou fundo, juntou as mãos e lançou uma pergunta que equivaleu a um empurrão contra a parede:
-- Como você me apresentaria na festa da sua amiga? Essa é minha aluna? Essa é minha orientanda? Ou uma amiga?
-- Precisa de um título? Não poderia te apresentar pelo seu nome?
Minha resposta esquivada respondeu ao que Marcela indagava nas entrelinhas.
-- Você está lançando essa hipótese agora que eu te falei que ia a festa e dormirei na casa de Jessica, ou você considerou de fato me convidar para te acompanhar a esse aniversário?
-- Claro que considerei.
-- E deixou para me convidar um dia antes? Eu só estou te falando hoje, por que só hoje decidimos nossa ida, Jessica não ia poder ir por que iria para a casa dos pais, só hoje desistiu.
-- Marcela eu já te apresentei ao Ed, a Cris sabe sobre nós também, seria uma oportunidade de conhece-la, lógico que estava contando que ia te levar...
Enquanto eu dissertava minha argumentação, ouvi passos e a voz familiar de Clarisse:
-- Luizaaa, você está aí?
Arregalei os olhos e empalideci. Marcela percebeu, escondeu-se atrás da porta e eu segui ao encontro de Clarisse no laboratório.
-- Oi Clarisse! Como você entrou?
-- Ah, pedi ao Marcos para colocar a senha, ele estava na reunião do colegiado comigo. Estava te ligando, mas você não atendeu, ele me disse que você estava aqui.
Clarisse estava acostumada a me visitar no laboratório, no gabinete, por isso, foi seguindo para o escritório sem cerimônia. Se eu tentasse impedir despertaria a desconfiança dela, e pior, Marcela saberia sobre minha insegurança em falar dela a minha amiga docente.
Como quem se prepara para o impacto de um mergulho, fechei os olhos quando Clarisse entrou no escritório, e logo ouvi o tom de surpresa dela na saudação:
-- Oi! Não sabia que você estava acompanhada, Luiza! Eu te conheço, já te vi por aqui, tudo bem?
-- Oi, tudo bem.
Ouvi o diálogo com eco, como se eu estivesse bem longe dali. Tinha que decidir rápido, era a hora de mostrar para Marcela que eu estava disposta a trazê-la para meu mundo, mas para que isso acontecesse, tinha que enfrentar o julgamento e a sentença de Clarisse.
Histórias e estórias, contos e romances, delírios e sonhos, fantasias para mulheres que acreditam no amor.
domingo, 1 de abril de 2018
CAPÍTULO 31: LIÇÃO 27 – RÓTULOS SÃO REMOÍVEIS
O minúsculo apartamento de Marcela foi cenário de uma tórrida noite de amor, aos poucos ela se entregou a mim sem reservas, se permitiu, podia senti-la inteira em minhas mãos e boca.
-- Sei que essa cama nem se compara à sua, mas, nesse momento ela me parece o melhor lugar do mundo, por que você está aqui.
-- Essa cama está perfeita, meu bem, estamos juntas nela.
Beijei sua testa e a abracei.
-- E apesar de estar tudo perfeito, eu tenho que ir.
-- Mas, Luiza, o combinado não era de passarmos a noite juntas aqui?
-- Meu bem, não trouxe roupas, como vou de short curto para a universidade amanhã?
-- Pode usar uma roupa minha, professora.
-- Marcela, mesmo que coubesse em mim, tenho material de aula para pegar, não dá.
Visivelmente decepcionada, Marcela se afastou do meu corpo.
-- Meu bem, teremos outras oportunidades de passarmos a noite juntas. Eu prometo.
-- Teremos? Amanhã começa a vida real. Como será?
-- Quer conversar sobre isso agora? A gente já discutiu isso hoje a noite, já se arrependeu?
-- Você deve me achar instável. Como se a cada hora eu pensasse algo diferente, mas não é, sou realista, só isso.
-- O que isso quer dizer? Vamos voltar a história que somos de mundos diferentes?
-- Luiza... Vai dizer que não somos?
-- Só acho que não precisamos nos precipitar, arrastando pesos desnecessários para nossa história. Uma coisa de cada vez. Tenta esquecer esse clichê rotulador de idades diferentes, mundos diferentes. O que temos aqui é maior do que isso, não acha?
Marcela acenou em acordo, e para não prolongar um clima desconfortável, decidi que era hora de voltar para casa. As preocupações e indagações de Marcela me incomodavam, contudo, as sensações que eu ressentia ao lembrar do nosso encontro me mantinham eufórica, otimista e com um sorriso bobo nos lábios.
Mal podia esperar para encontrar Marcela na universidade, a troca de mensagens denunciava que aquele brilho no olhar era resultado de um amor novo nascendo. Entretanto, Marcela demonstrava sua insegurança em uma escala muito maior do que eu calculava, isso ficou claro quando telefonei para ela no final da manhã.
-- Almoça comigo, meu bem?
-- No restaurante universitário? Professores nunca estão por lá. Apesar do cardápio ter “top”.
-- Que tal eu comprar algo, e comermos no seu apartamento?
-- Tem vergonha de almoçar comigo no RU?
-- Vergonha de almoçar no restaurante universitário com você? Por que teria? Só não sou fã da comida de lá, e queria aproveitar o intervalo com você.
-- Hum, certeza?
-- Marcela, quero te beijar, te abraçar, e não posso fazer isso no RU.
Nesse momento, podia avistá-la no final do corredor, e meu coração já acelerava pelo desejo, pela vontade de tê-la em meus braços de novo.
-- Eu também quero te beijar, sentir seu perfume mais de perto, de onde estou posso senti-lo.
-- Então, aceita meu convite?
-- Não posso. Marcaram reunião de equipe para um trabalho, justamente no RU agora no almoço.
-- Tudo bem então, bom almoço.
Chateada, mal esperei para me despedir, e dei as costas para Marcela que me olhava de longe, me senti testada por ela, quando me perguntou sobre almoçar no restaurante universitário, mesmo tendo compromisso marcado para o mesmo horário. De cabeça baixa, nem vi Clarisse à minha frente, ela me esperava para me cumprimentar e eu apenas desviei.
-- Ei! Educação mandou lembrança! Luiza?
-- Desculpa Clarisse, não te vi! – Abracei-a.
-- É, você não veria nem sua sombra andando assim. Aconteceu alguma coisa?
-- Não... Quer dizer, muita coisa aconteceu.
-- Vamos almoçar, e a gente conversa, estou precisando conversar também.
Não sabia se era o melhor momento para revelar a Clarisse minha relação com Marcela, mas, fugir não era uma opção.
-- Então Clarisse, o que você conversar?
-- Queria te pedir desculpas, eu fiz de novo...
-- Amiga, eu não sei do que você está falando, fez de novo o que? Está se desculpando pelo que exatamente?
-- Fiz de novo aquilo que você sempre me chamou a atenção.
Imediatamente lembrei-me das vezes que exortei Clarisse sobre seu comportamento quando estava apaixonada, ela se mudava para o mundo da outra pessoa, era praticamente um universo paralelo onde só cabia ela e sua respectiva namorada, esquivava-se dos amigos. Todavia, naquele momento, esse era meu desejo, ficar isolada do mundo, vivendo meu amor com Marcela.
-- Relaxa, Clarisse. O importante é que você esteja feliz. Está tudo bem?
-- Na verdade, não. Fiz de tudo para corresponder as expectativas dela, mas parece que sempre falho em algo, o que como está errado, compro coisas demais, consumo combustível demais, poluo em excesso o planeta...
-- Nossa! Você está namorando uma vegana pacifista e ambientalista?
Perguntei em tom jocoso, e para meu constrangimento, acabara de descrever a Renata, namorada ou ex-namorada de Clarisse, por que minha amiga, balançou a cabeça confirmando os adjetivos.
-- Clarisse! Você nunca me disse que ela era tão radical, ela foi conosco para Fernando de Noronha, e não me parecia que ela estava desconfortável naquele luxo de resort.
-- Ah Luiza, nem me fala disso! Até ontem ele usou aquela viagem de munição para uma DR daquelas! Ela topou a viagem para conhecer os projetos ambientais, não curti nada do luxo, e pior, depois me arrependi das festas que perdi...
Não aguentei e gargalhei.
-- Eu juro que pensei que você estava sumida por estar numa lua-de-mal caliente!
-- Acho que em Noronha, a pessoa a ficar o mais próximo disso foi você, com a Cléo! Aliás, você inspirou a mulher né, até cantora ela virou...
-- Ela já tinha esse projeto, estava em Nova Iorque para isso, para de falar bobeira. Voltemos a você e sua “serumaninha”. Você está desanimada, acha que não vai dar certo? Mas, gosta dela?
-- Não está dando certo, Luiza. Nem sei se gosto dela, ou me apaixonei pela capa sabe...
-- Amiga, para. Daqui a pouco você cita a Marilia Mendonça: “me apaixonei pelo que inventei de você”.
-- Jura que ela canta isso? Vou ter que concordar com ela!
-- Para tudo! Você concordando com o “sofrenejo”?
-- Não foi você que disse que ela era a Adele brasileira?
-- E quase apanhei de você e do Ed.
-- Falando sério, não gosto de ser essa pessoa que está comigo agora, e gosto menos de mim também. E eu preciso comer um grande pedaço de carne ao ponto hoje! Meu Deus como carne é bom! Que saudade!
Gargalhei, estava me divertindo imaginando os meses de Clarisse na base de soja e tofu.
-- E quanto a você? Está bem? Recuperada da fase paparazzi?
-- Totalmente. Voltei a ser só uma professora anônima.
-- Você está parecendo feliz. Algum motivo especial?
-- Tem alguém que conheci e... Na verdade, é uma história meio longa, não é tão nova...
-- Luiza, você não sabe me enrolar, me conta, juro que não vou sumir mais.
-- Temos pouco tempo, vamos marcar outra hora? Tenho aula em meia hora, como te disse, é uma longa história.
-- Tenho a sensação de que você está querendo ganhar tempo...
-- Seu tornedor chegou, olha aí que belo corte! Vamos comer!
Ganhei tempo, ela estava certa. Não me senti segura em falar sobre Marcela naquele momento. Naquela tarde, ministrei as aulas com a mente dispersa, queria uma mensagem de Marcela para acalmar meu coração, estava chateada, percebi que estava no mundo diferente que Marcela se referia: estava voltando a um novelo adolescente de emoções, meias-palavras e deduções, definitivamente, Marcela despertava um comportamento pueril o qual eu não sabia se queria reviver.
Na reunião do GRUFARMA no final da tarde, ansiava por ver Marcela e resolver aquela situação incômoda. No final das orientações, contava que Marcela ficaria no meu gabinete, mas uma mensagem dela derrubou minha esperança:
-- Precisamos conversar, mas hoje tem uma atividade da Liga de Pediatria, posso te ligar mais tarde?
-- Ok, eu aguardo.
Eu aguardei. Naquela ânsia adolescente, de conferir o celular a cada trinta segundos, com a respiração sobressaltada a cada notificação que surgia na tela. Qual não foi minha surpresa ao receber outra mensagem de Marcela:
-- Luiza, o pessoal está combinando de jantar depois da atividade aqui, devo chegar tarde.
Não queria parecer desesperada, ansiosa, respondi a mensagem tentando disfarçar meu estado:
-- Tudo bem, não tem pressa, amanhã conversamos, preciso dormir cedo, divirta-se.
Dormir cedo? Luiza, sua tonta! Não deu o braço a torcer e ficou andando pela casa feito zumbi, supondo mil situações, criando cenas as quais Marcela estava no tal mundo diferente onde não me cabia. Especulando sobre a possibilidade de que ela estaria me evitando ou tendo as certezas de que não funcionaríamos como um casal. A chuva de pensamentos me impulsionou a fazer algo que me levava a uma zona muito perigosa: usar meu perfil fake para buscar Marcela.
Lorena estava sendo muito útil para mim, era um escudo para me proteger e uma ponte segura para alcançar o caminho até Marcela de uma maneira sutil.
-- Oi Marcela, está por aí?
Alguns minutos (longos 6 minutos) e a resposta na tela apareceu:
-- Oi Lorena, agora estou. Chegando em casa na verdade. Tudo bem?
-- Sim, tudo bem, e você?
-- Vivendo literalmente um sonho, um sonho daqueles que a gente não quer acordar, quer dormir mais um pouco para continuar sonhando, já passou por isso?
-- De não querer acordar de um sonho? Com certeza já. Por que acordar então?
-- É preciso acordar.
-- Da ultima vez que me falou de sonho, se referia a professora Luiza, ela ainda é seu sonho?
-- Definitivamente, ela é um sonho. Estar com ela, é um sonho. Mas, como eu acreditei que poderia dar certo? Lorena, ela é uma mulher, eu sou uma estudante, que mora em um quarto-sala, que só posso pagar até o final do ano. Tivemos um final de semana maravilhoso, mas chegou a segunda-feira, evitei-a hoje para não encarar o fato de que a realidade não cabe eu e ela no mesmo sonho.
-- Acha que fugir da realidade é o mais justo?
-- Estou encarando a realidade. Ela está com a vida feita e eu? Conheci um amigo dela ontem, também está com a vida feita, eu mal sabia conversar, é muito Eduardo e Mônica minha história com Luiza.
-- Eduardo e Mônica fizeram dar certo. Existem casais com mais diferenças que vocês, por que você desiste fácil dos sonhos?
-- Por que ela merece mais, e eu tenho medo de me machucar. Quando passar a paixão, ela pode descobrir que não valho a pena o esforço nem a espera.
-- Do jeito que fala, parece que a professora Luiza é alguém superficial, que está em busca de aventura, é o que pensa?
-- Claro que não. Mas ela é uma mulher! Eu sou uma “porqueirinha” de nada.
-- Acho que você pode ir além dos rótulos, Marcela.
Não tive paz naquela noite. Marcela estava desistindo de mim, e eu não sabia como lutar. Já começava a aceitar aquela rotulação que ela defendia, antevendo situações desagradáveis: aquelas sociais com os amigos, como seria? Eu no meio dos alunos? Ed e Cris não seriam indelicados, mas Clarisse não esconderia a desaprovação. Nem imaginava eventos maiores, os buchichos se espalhando sobre me aproveitar de uma aluna mais nova.
Todos aqueles pensamentos perturbadores se desfizeram quando vi Marcela no corredor da sua sala. Respirei fundo e abri um sorriso, ela me retribuiu, e isso foi o suficiente para me devolver uma chama de esperança.
Talvez por isso, na hora do almoço, a surpreendi, cheguei ao restaurante universitário e logo estava com meu bandejão na mesma mesa que ela, Jessica e Lucas estavam.
-- Tudo bem se eu sentar aqui? – Perguntei.
-- Claro, professora! – Lucas respondeu prontamente.
Marcela segurava o riso largo, isso estava evidente. Antes disso, ficou pálida, deve ter faltado a voz e esta não voltou até que provoquei:
-- O que temos no cardápio TOP de hoje, Marcela?
-- Deixe-me ver, temos um clássico da cozinha contemporânea: arroz salteado com legumes, frango agridoce com redução de shoyo, e vinagrete de cebolete.
-- Nossa, que visão gastronômica! Juro que vi arroz refogado com cenoura, frango xadrez e um vinagrete muito do mixuruca, isso não é cebolinha, é coentro, não é? Inclusive tem um pedaço grudado no seu dente!
Marcela e seus amigos gargalharam, e uma série de comentários descontraídos se desenlaçaram com fluidez, estava molhando meus pés no mundo de Marcela, tentando mostrar que nossa história não era impossível de ser vivida. Saímos do refeitório, juntas, trocando mensagens e olhares apaixonados.
-- Saudade do seu beijo...
-- Quero você, agora.
Meio que no susto, Marcela me empurrou para o canto, um recuo estratégico, em baixo de um lance de escadas e me roubou um beijo cheio de volúpia, mordiscou meus lábios, apertou minha cintura contra a dela e cochichou:
-- Não pode ser agora, mas eu te espero na minha casa, hoje.
Saiu com um sorriso malicioso nos lábios, me deixando ali, com a calcinha molhada, certamente com o rosto ruborizado, ardendo de desejo por ela. Bendita hora para Clarisse me encontrar:
-- Luiza? O que faz aqui? Eu te mandei mensagem te chamando para almoçar, você me disse que não teria tempo...
-- Não teria tempo de sair daqui, almocei por aqui mesmo no RU.
Tentava controlar minha respiração, mas, eu falava rápido, preocupada em limpar meus lábios, certamente mais vermelhos pelas mordidas de Marcela.
-- No RU? Você odeia essa comida! Luiza, você está com uma cara que está me escondendo algo...
-- Você está paranoica, Clarisse.
-- Espera...
Clarisse se aproximou de mim, como uma esposa ciumenta, ou cão farejador, e cheirou meu pescoço.
-- Clarisse, o que é isso? Tá doida?
-- Luiza, esse não é seu perfume!
-- Desde quando você sai fungando meu pescoço?!
-- Desde quando você se agarra pelos cantos desse campus no caminho do RU? Luiza, você voltou com a Beatriz?
-- Quê? Que Beatriz?
-- Claro que não é a Beatriz, é outra mulher, mas, quem? No RU? Meu Deus! Luiza, você está saindo com uma estudante?
Fiquei pálida e gaga também. Meu telefone tocou, era o gerente do meu banco e eu inventei uma urgência para atender, para fugir dali.
-- Tenho que atender amiga, depois nos falamos.
**************
A tarde passou lenta, ansiava correr para os braços de Marcela, tão logo minhas obrigações se encerraram, não tardei em seguir para o prédio dela, mas antes de chegar ao estacionamento, minha querida amiga e mais nova candidata a detetive, Clarisse, me abordou na saída do Campus.
-- Está indo a algum lugar, amiga?
-- Sei que essa cama nem se compara à sua, mas, nesse momento ela me parece o melhor lugar do mundo, por que você está aqui.
-- Essa cama está perfeita, meu bem, estamos juntas nela.
Beijei sua testa e a abracei.
-- E apesar de estar tudo perfeito, eu tenho que ir.
-- Mas, Luiza, o combinado não era de passarmos a noite juntas aqui?
-- Meu bem, não trouxe roupas, como vou de short curto para a universidade amanhã?
-- Pode usar uma roupa minha, professora.
-- Marcela, mesmo que coubesse em mim, tenho material de aula para pegar, não dá.
Visivelmente decepcionada, Marcela se afastou do meu corpo.
-- Meu bem, teremos outras oportunidades de passarmos a noite juntas. Eu prometo.
-- Teremos? Amanhã começa a vida real. Como será?
-- Quer conversar sobre isso agora? A gente já discutiu isso hoje a noite, já se arrependeu?
-- Você deve me achar instável. Como se a cada hora eu pensasse algo diferente, mas não é, sou realista, só isso.
-- O que isso quer dizer? Vamos voltar a história que somos de mundos diferentes?
-- Luiza... Vai dizer que não somos?
-- Só acho que não precisamos nos precipitar, arrastando pesos desnecessários para nossa história. Uma coisa de cada vez. Tenta esquecer esse clichê rotulador de idades diferentes, mundos diferentes. O que temos aqui é maior do que isso, não acha?
Marcela acenou em acordo, e para não prolongar um clima desconfortável, decidi que era hora de voltar para casa. As preocupações e indagações de Marcela me incomodavam, contudo, as sensações que eu ressentia ao lembrar do nosso encontro me mantinham eufórica, otimista e com um sorriso bobo nos lábios.
Mal podia esperar para encontrar Marcela na universidade, a troca de mensagens denunciava que aquele brilho no olhar era resultado de um amor novo nascendo. Entretanto, Marcela demonstrava sua insegurança em uma escala muito maior do que eu calculava, isso ficou claro quando telefonei para ela no final da manhã.
-- Almoça comigo, meu bem?
-- No restaurante universitário? Professores nunca estão por lá. Apesar do cardápio ter “top”.
-- Que tal eu comprar algo, e comermos no seu apartamento?
-- Tem vergonha de almoçar comigo no RU?
-- Vergonha de almoçar no restaurante universitário com você? Por que teria? Só não sou fã da comida de lá, e queria aproveitar o intervalo com você.
-- Hum, certeza?
-- Marcela, quero te beijar, te abraçar, e não posso fazer isso no RU.
Nesse momento, podia avistá-la no final do corredor, e meu coração já acelerava pelo desejo, pela vontade de tê-la em meus braços de novo.
-- Eu também quero te beijar, sentir seu perfume mais de perto, de onde estou posso senti-lo.
-- Então, aceita meu convite?
-- Não posso. Marcaram reunião de equipe para um trabalho, justamente no RU agora no almoço.
-- Tudo bem então, bom almoço.
Chateada, mal esperei para me despedir, e dei as costas para Marcela que me olhava de longe, me senti testada por ela, quando me perguntou sobre almoçar no restaurante universitário, mesmo tendo compromisso marcado para o mesmo horário. De cabeça baixa, nem vi Clarisse à minha frente, ela me esperava para me cumprimentar e eu apenas desviei.
-- Ei! Educação mandou lembrança! Luiza?
-- Desculpa Clarisse, não te vi! – Abracei-a.
-- É, você não veria nem sua sombra andando assim. Aconteceu alguma coisa?
-- Não... Quer dizer, muita coisa aconteceu.
-- Vamos almoçar, e a gente conversa, estou precisando conversar também.
Não sabia se era o melhor momento para revelar a Clarisse minha relação com Marcela, mas, fugir não era uma opção.
-- Então Clarisse, o que você conversar?
-- Queria te pedir desculpas, eu fiz de novo...
-- Amiga, eu não sei do que você está falando, fez de novo o que? Está se desculpando pelo que exatamente?
-- Fiz de novo aquilo que você sempre me chamou a atenção.
Imediatamente lembrei-me das vezes que exortei Clarisse sobre seu comportamento quando estava apaixonada, ela se mudava para o mundo da outra pessoa, era praticamente um universo paralelo onde só cabia ela e sua respectiva namorada, esquivava-se dos amigos. Todavia, naquele momento, esse era meu desejo, ficar isolada do mundo, vivendo meu amor com Marcela.
-- Relaxa, Clarisse. O importante é que você esteja feliz. Está tudo bem?
-- Na verdade, não. Fiz de tudo para corresponder as expectativas dela, mas parece que sempre falho em algo, o que como está errado, compro coisas demais, consumo combustível demais, poluo em excesso o planeta...
-- Nossa! Você está namorando uma vegana pacifista e ambientalista?
Perguntei em tom jocoso, e para meu constrangimento, acabara de descrever a Renata, namorada ou ex-namorada de Clarisse, por que minha amiga, balançou a cabeça confirmando os adjetivos.
-- Clarisse! Você nunca me disse que ela era tão radical, ela foi conosco para Fernando de Noronha, e não me parecia que ela estava desconfortável naquele luxo de resort.
-- Ah Luiza, nem me fala disso! Até ontem ele usou aquela viagem de munição para uma DR daquelas! Ela topou a viagem para conhecer os projetos ambientais, não curti nada do luxo, e pior, depois me arrependi das festas que perdi...
Não aguentei e gargalhei.
-- Eu juro que pensei que você estava sumida por estar numa lua-de-mal caliente!
-- Acho que em Noronha, a pessoa a ficar o mais próximo disso foi você, com a Cléo! Aliás, você inspirou a mulher né, até cantora ela virou...
-- Ela já tinha esse projeto, estava em Nova Iorque para isso, para de falar bobeira. Voltemos a você e sua “serumaninha”. Você está desanimada, acha que não vai dar certo? Mas, gosta dela?
-- Não está dando certo, Luiza. Nem sei se gosto dela, ou me apaixonei pela capa sabe...
-- Amiga, para. Daqui a pouco você cita a Marilia Mendonça: “me apaixonei pelo que inventei de você”.
-- Jura que ela canta isso? Vou ter que concordar com ela!
-- Para tudo! Você concordando com o “sofrenejo”?
-- Não foi você que disse que ela era a Adele brasileira?
-- E quase apanhei de você e do Ed.
-- Falando sério, não gosto de ser essa pessoa que está comigo agora, e gosto menos de mim também. E eu preciso comer um grande pedaço de carne ao ponto hoje! Meu Deus como carne é bom! Que saudade!
Gargalhei, estava me divertindo imaginando os meses de Clarisse na base de soja e tofu.
-- E quanto a você? Está bem? Recuperada da fase paparazzi?
-- Totalmente. Voltei a ser só uma professora anônima.
-- Você está parecendo feliz. Algum motivo especial?
-- Tem alguém que conheci e... Na verdade, é uma história meio longa, não é tão nova...
-- Luiza, você não sabe me enrolar, me conta, juro que não vou sumir mais.
-- Temos pouco tempo, vamos marcar outra hora? Tenho aula em meia hora, como te disse, é uma longa história.
-- Tenho a sensação de que você está querendo ganhar tempo...
-- Seu tornedor chegou, olha aí que belo corte! Vamos comer!
Ganhei tempo, ela estava certa. Não me senti segura em falar sobre Marcela naquele momento. Naquela tarde, ministrei as aulas com a mente dispersa, queria uma mensagem de Marcela para acalmar meu coração, estava chateada, percebi que estava no mundo diferente que Marcela se referia: estava voltando a um novelo adolescente de emoções, meias-palavras e deduções, definitivamente, Marcela despertava um comportamento pueril o qual eu não sabia se queria reviver.
Na reunião do GRUFARMA no final da tarde, ansiava por ver Marcela e resolver aquela situação incômoda. No final das orientações, contava que Marcela ficaria no meu gabinete, mas uma mensagem dela derrubou minha esperança:
-- Precisamos conversar, mas hoje tem uma atividade da Liga de Pediatria, posso te ligar mais tarde?
-- Ok, eu aguardo.
Eu aguardei. Naquela ânsia adolescente, de conferir o celular a cada trinta segundos, com a respiração sobressaltada a cada notificação que surgia na tela. Qual não foi minha surpresa ao receber outra mensagem de Marcela:
-- Luiza, o pessoal está combinando de jantar depois da atividade aqui, devo chegar tarde.
Não queria parecer desesperada, ansiosa, respondi a mensagem tentando disfarçar meu estado:
-- Tudo bem, não tem pressa, amanhã conversamos, preciso dormir cedo, divirta-se.
Dormir cedo? Luiza, sua tonta! Não deu o braço a torcer e ficou andando pela casa feito zumbi, supondo mil situações, criando cenas as quais Marcela estava no tal mundo diferente onde não me cabia. Especulando sobre a possibilidade de que ela estaria me evitando ou tendo as certezas de que não funcionaríamos como um casal. A chuva de pensamentos me impulsionou a fazer algo que me levava a uma zona muito perigosa: usar meu perfil fake para buscar Marcela.
Lorena estava sendo muito útil para mim, era um escudo para me proteger e uma ponte segura para alcançar o caminho até Marcela de uma maneira sutil.
-- Oi Marcela, está por aí?
Alguns minutos (longos 6 minutos) e a resposta na tela apareceu:
-- Oi Lorena, agora estou. Chegando em casa na verdade. Tudo bem?
-- Sim, tudo bem, e você?
-- Vivendo literalmente um sonho, um sonho daqueles que a gente não quer acordar, quer dormir mais um pouco para continuar sonhando, já passou por isso?
-- De não querer acordar de um sonho? Com certeza já. Por que acordar então?
-- É preciso acordar.
-- Da ultima vez que me falou de sonho, se referia a professora Luiza, ela ainda é seu sonho?
-- Definitivamente, ela é um sonho. Estar com ela, é um sonho. Mas, como eu acreditei que poderia dar certo? Lorena, ela é uma mulher, eu sou uma estudante, que mora em um quarto-sala, que só posso pagar até o final do ano. Tivemos um final de semana maravilhoso, mas chegou a segunda-feira, evitei-a hoje para não encarar o fato de que a realidade não cabe eu e ela no mesmo sonho.
-- Acha que fugir da realidade é o mais justo?
-- Estou encarando a realidade. Ela está com a vida feita e eu? Conheci um amigo dela ontem, também está com a vida feita, eu mal sabia conversar, é muito Eduardo e Mônica minha história com Luiza.
-- Eduardo e Mônica fizeram dar certo. Existem casais com mais diferenças que vocês, por que você desiste fácil dos sonhos?
-- Por que ela merece mais, e eu tenho medo de me machucar. Quando passar a paixão, ela pode descobrir que não valho a pena o esforço nem a espera.
-- Do jeito que fala, parece que a professora Luiza é alguém superficial, que está em busca de aventura, é o que pensa?
-- Claro que não. Mas ela é uma mulher! Eu sou uma “porqueirinha” de nada.
-- Acho que você pode ir além dos rótulos, Marcela.
Não tive paz naquela noite. Marcela estava desistindo de mim, e eu não sabia como lutar. Já começava a aceitar aquela rotulação que ela defendia, antevendo situações desagradáveis: aquelas sociais com os amigos, como seria? Eu no meio dos alunos? Ed e Cris não seriam indelicados, mas Clarisse não esconderia a desaprovação. Nem imaginava eventos maiores, os buchichos se espalhando sobre me aproveitar de uma aluna mais nova.
Todos aqueles pensamentos perturbadores se desfizeram quando vi Marcela no corredor da sua sala. Respirei fundo e abri um sorriso, ela me retribuiu, e isso foi o suficiente para me devolver uma chama de esperança.
Talvez por isso, na hora do almoço, a surpreendi, cheguei ao restaurante universitário e logo estava com meu bandejão na mesma mesa que ela, Jessica e Lucas estavam.
-- Tudo bem se eu sentar aqui? – Perguntei.
-- Claro, professora! – Lucas respondeu prontamente.
Marcela segurava o riso largo, isso estava evidente. Antes disso, ficou pálida, deve ter faltado a voz e esta não voltou até que provoquei:
-- O que temos no cardápio TOP de hoje, Marcela?
-- Deixe-me ver, temos um clássico da cozinha contemporânea: arroz salteado com legumes, frango agridoce com redução de shoyo, e vinagrete de cebolete.
-- Nossa, que visão gastronômica! Juro que vi arroz refogado com cenoura, frango xadrez e um vinagrete muito do mixuruca, isso não é cebolinha, é coentro, não é? Inclusive tem um pedaço grudado no seu dente!
Marcela e seus amigos gargalharam, e uma série de comentários descontraídos se desenlaçaram com fluidez, estava molhando meus pés no mundo de Marcela, tentando mostrar que nossa história não era impossível de ser vivida. Saímos do refeitório, juntas, trocando mensagens e olhares apaixonados.
-- Saudade do seu beijo...
-- Quero você, agora.
Meio que no susto, Marcela me empurrou para o canto, um recuo estratégico, em baixo de um lance de escadas e me roubou um beijo cheio de volúpia, mordiscou meus lábios, apertou minha cintura contra a dela e cochichou:
-- Não pode ser agora, mas eu te espero na minha casa, hoje.
Saiu com um sorriso malicioso nos lábios, me deixando ali, com a calcinha molhada, certamente com o rosto ruborizado, ardendo de desejo por ela. Bendita hora para Clarisse me encontrar:
-- Luiza? O que faz aqui? Eu te mandei mensagem te chamando para almoçar, você me disse que não teria tempo...
-- Não teria tempo de sair daqui, almocei por aqui mesmo no RU.
Tentava controlar minha respiração, mas, eu falava rápido, preocupada em limpar meus lábios, certamente mais vermelhos pelas mordidas de Marcela.
-- No RU? Você odeia essa comida! Luiza, você está com uma cara que está me escondendo algo...
-- Você está paranoica, Clarisse.
-- Espera...
Clarisse se aproximou de mim, como uma esposa ciumenta, ou cão farejador, e cheirou meu pescoço.
-- Clarisse, o que é isso? Tá doida?
-- Luiza, esse não é seu perfume!
-- Desde quando você sai fungando meu pescoço?!
-- Desde quando você se agarra pelos cantos desse campus no caminho do RU? Luiza, você voltou com a Beatriz?
-- Quê? Que Beatriz?
-- Claro que não é a Beatriz, é outra mulher, mas, quem? No RU? Meu Deus! Luiza, você está saindo com uma estudante?
Fiquei pálida e gaga também. Meu telefone tocou, era o gerente do meu banco e eu inventei uma urgência para atender, para fugir dali.
-- Tenho que atender amiga, depois nos falamos.
**************
A tarde passou lenta, ansiava correr para os braços de Marcela, tão logo minhas obrigações se encerraram, não tardei em seguir para o prédio dela, mas antes de chegar ao estacionamento, minha querida amiga e mais nova candidata a detetive, Clarisse, me abordou na saída do Campus.
-- Está indo a algum lugar, amiga?
CAPÍTULO 30: LIÇÃO 26 – RECONHEÇA QUE SORTE É OPORTUNIDADE CONQUISTADA
Por mais clichê que soe, naquele domingo acordei antes de Marcela, só para ter aquela visão que beirava uma paisagem natural das mais exuberantes: aquela mulher linda, na minha cama, em um sono tão tranquilo que até parecia sorrir com o canto dos lábios. Meu sorriso foi imperativo, afastei uma mecha de cabelos do seu rosto só para sentir a pele quente dela e me assegurar que não era um sonho o que estava diante de mim.
Alguns minutos ali foi tempo suficiente para ressentir o que nossa noite nos reservou: o banho juntas, quando Marcela permitiu que eu sentisse o sabor do seu gozo na minha boca, nossa ceia improvisada no quarto, regada ao Cabernet que eu estava bebendo antes de ir ao encontro dela. O tempo também abriu brechas para questionamentos inevitáveis sobre como seria nossa vida a partir daquele dia, uma coisa era certa: estava ainda mais apaixonada por Marcela e ia viver essa paixão com toda intensidade merecida.
O momento de meditação foi interrompido pelo barulho da campainha acordando Marcela também.
-- Quem é?! – Marcela perguntou assustada.
-- Ei, bom dia! Eu vou abrir a porta, deve ser o porteiro, por certo não ouvi o interfone– Tentei acalmá-la.
-- Bom dia. – Marcela respondeu sem graça, cobrindo o rosto com o cobertor.
-- Ué, está se escondendo por quê? – Tentei puxar o cobertor – Ei, vem cá, me dá beijo...
-- Não! – Marcela falou colocando as mãos no rosto.
-- Está me negando um beijo?
-- Ah, estou com bafo! Não vou te beijar não! – Marcela se curvou na cama.
Sorri e tentei puxar o cobertor para alcançar minha boca na dela, mas foi em vão. Brincamos rolando na cama, até a campainha tocar de novo, dessa vez impaciente, e junto com ela meu celular vibrava na cabeceira da cama. No celular a chamada era o Ed, na porta, eu só podia imaginar que era alguém muito próximo para abusar da campainha daquela forma.
Atendi o celular e o Ed respondeu aos berros:
-- Ah finalmente! Apareceu a margarida! Onde você flor do dia? Estou na sua porta, virando fóssil aqui, com calo no meu lindo dedo de tanto apertar essa campainha.
-- Oi Ed! Mas o que você faz aqui essa hora? E por que não para de apertar a campainha se eu já atendi o celular?
-- Ah desculpaaaaa, talvez seja por que você ainda não abriu a porta!
-- Calma, Ed!
Enquanto falava com Ed, catava o roupão para atende-lo, atenta ao olhar apavorado de Marcela.
-- É só um amigo, não precisa se assustar, vou lá saber o que ele quer.
-- Minhas roupas, onde estão?
-- Meu bem, suas roupas estão molhadas ainda, na parte de cima do closet tem outro roupão limpo, pega um, depois te empresto uma roupa seca.
Aproveitei a distração de Marcela, e roubei o beijo e disse:
-- A propósito, bom dia!
Corri para abrir a porta, e Ed adentrou o apartamento com seu jeito espalhafatoso.
-- Olha você vai pagar viu?
-- Oi meu amigo, estou bem também, obrigada por perguntar. E você? Mas, eu vou te pagar o que ainda? Já te paguei todas as reformas de visual, ou não?
-- Ai, quem falou em me pagar por serviços, para com isso! Você vai pagar o procedimento para tirar as varizes que nasceram hoje, eu ficando plantado aqui na sua porta. Andou abusando do rivotril de novo?
-- Qual é... Hoje é domingo, até Deus descansou no domingo, por que eu não posso acordar um pouquinho mais tarde? E você está vindo da balada? Madrugou? Aconteceu alguma coisa?
-- É quase meio-dia! Pera... – Ed apertou os olhos, como quisesse ler minha mente.
-- Meio-dia?
-- Aaaah Luiza, sua safada!
-- Que?
-- Você de roupão, acordando tarde e com esse bom humor? Transou!
-- Ed, o que você está fazendo aqui?
-- Quem é a da vez? É a Cléo? Ela está no Brasil, aliás, acho que você danificou a mulher, trate de consertar.
-- Oi? Cléo? Não, e não quebrei nada dela não.
-- Não me diz que você está com aquela sampira!
-- Que sampira, que diabos é isso?
-- Luiza, se liga, sapa mais vampira, dá sampira... A Beatriz. – Ed falou fazendo careta.
-- Ai meu Deus, não fala nesse nome que me dá náuseas.
-- Se não é Beatriz, nem a Cléo, então é a Celina?
-- Ed, ainda não me disse o que está fazendo aqui...
-- Esqueceu que marcamos de almoçarmos juntos hoje? Aquele temporal de ontem me deixou preso na casa minha madrinha ontem e era aqui perto, decidi passar por aqui. Mas, não me enrola, quem está aí com você, safadinha?
-- Ed, eu esqueci, juro! Que cabeça!
-- Esqueceu? Luiza, não sabe quem está na sua cama?
-- Que? Claro que sei!
-- Te peguei! Está com alguém sim! Acabou de assumir.
-- Não assumi nada, você está especulando!
-- Parou! Pecado primeiro: esquecer um compromisso marcado comigo há dias. Segundo pecado: esconder de mim a identidade da próxima mulher que vai destruir seu coração e eu vou te consolar. Não sei como te penitenciar.
-- Credo! Não sabia dessa sua frustração sacerdotal aí... Desde quando você acredita em pecado e penitência?
-- Olha Luiza, você está abusando da minha paciência angelical. Já estou sentindo meu botox rachar aqui na minha testa. Desembucha, criatura!
Ed estava visivelmente impaciente, e eu sabia que ele não sairia dali sem as respostas. Eu não tinha o menor problema em falar sobre a Marcela depois daquela noite, entretanto, sequer conversei com ela sobre nossa condição, não sabia como seria nosso status, senti medo de assustar, assumindo um compromisso por nós duas.
-- Ed, a gente pode marcar esse almoço pra amanhã? Ou outro dia que você possa, não é um bom momento para conversarmos.
-- Luiza, você não confia em mim? Se essa mulher for casada, ou famosa, foragida da polícia, eu sei guardar segredos... A não ser que seja de alguma facção de Bangu, ou da máfia, eu não suportaria tortura...
-- Para de falar bobagem! A máfia italiana ou japonesa teria que fazer um intensivão aqui no Brasil para aprender sobre bandidagem.
Gargalhamos.
-- Então você vai continuar escondendo de mim, sua nova aventura?
-- A Marcela não é uma aventura, Ed.
-- Marcela? Por que esse nome não é estranho para mim?
Ed franziu a testa, parecendo um emoticon pensativo. Para minha surpresa, Marcela apareceu na sala, vestida em um roupão com o cabelo preso, parecia ainda mais menina do que era na realidade.
-- Ai meu Deus... é um girino!
Ed pensou alto, e eu não sabia se batia nele, se abraçava Marcela e a apresentava ao meu amigo, ou se ria da reação dele. Na dúvida, caímos na gargalhada, exceto Marcela que parecia não entender a risada.
-- Desculpa Marcela, vem cá meu bem. – Estendi a minha mão. – Este é o Ed, um dos meus melhores amigos. Ed, essa é Marcela.
Tímida, Marcela se aproximou enquanto Ed se recompunha da crise de risos.
-- Oi baby girl! Eu sou mais do que um dos melhores, sou o melhor amigo da Luiza! O melhor em qualidade, por que não vim ao mundo a passeio!
Marcela sorriu, apesar de estar notoriamente desconcertada com a situação, mal se ouvia sua voz.
-- Ed, sobre o almoço, pode ficar pra outro dia? – Quase supliquei com olhar.
-- Não, não pode! Vocês tem que comer não é? Digo, não dá pra viver de amor, é uma oportunidade de conhecer melhor a Marcela.
Ed foi direto, e eu não sabia bem o que responder, olhei para Marcela e acenou em acordo.
-- Então tá, vamos almoçar então.
-- Luiza, pode vir aqui um instante? – Marcela cochichou.
No corredor, Marcela disse preocupada:
-- Não quero ser antipática com seu amigo, mas, é que não tenho roupas para ir, e, acho que é cedo para conhecer seus amigos...
-- Marcela, a gente dá um jeito se o problema for a roupa, alguma que tenho deve servir em você... E sobre ser cedo, bem, não quero forçar a barra, mas, é só um almoço com o Ed, não estou pedindo para casar comigo...
-- A gente tem que conversar, as coisas não são assim tão simples.
-- Tudo bem, se você não quer, não vou te pressionar, me deixa ao menos ir te deixar em casa.
--Não precisa, não quero atrapalhar seus planos com seu amigo. Chamo um Uber, nos falamos depois.
Ed conhecia bem as complicações de uma relação lésbica, e se antecipou:
-- Chamando o brejo... Oie... Meninas, sei que vocês mulheres, adoram uma DR, mas, eu já estou com fome, podemos nos apressar? Baby girl, ninguém diz não a um convite meu, sem dramas, vamos lá!
Para simplificar a discussão, Marcela concordou, e o almoço foi leve, divertido. Ao contrário do que imaginei, Ed não nos sabatinou, apenas narrou suas histórias hilárias da sua epopeia em Nova Iorque, acho que o intuito dele era conquistar a confiança de Marcela, e deixa-la à vontade, o interrogatório seria comigo depois, disso, eu tinha certeza.
Depois do almoço, sem permitir que Marcela se opusesse, fui deixa-la em casa, à porta do seu prédio, estávamos de novo em um impasse, intimidadas talvez pelo que viria no nosso futuro próximo.
-- Então, nos falamos amanhã, quem sabe, pode jantar comigo, lá em casa se você não quiser sair, topa? – Convidei.
-- Luiza, como vai ser isso?
-- Isso? Isso o que?
-- A gente.
-- Marcela, você chama nosso relacionamento de “isso”?
-- Temos um relacionamento? Eu não sei como definir o que há entre nós.
-- Eu estou aqui, com você, depois de meses esperando enfim, uma chance com você, há quase um ano estamos nessa história confusa, e não desisti de você, apesar de seu namoro com aquela menina. Isso não é um relacionamento?
-- Até uma noite atrás, eu era só sua orientanda e aluna.
-- Isso é o que você acha? Não sejamos ingênuas, nunca fomos só aluna e professora.
-- É muito complicado. Você é muito pra mim... O que sinto é muito maior do que já senti por alguém na minha vida, depois dessa noite então, vi o quanto é grande esse sentimento, mas...
-- Mas o que, Marcela?
-- Tenho muito medo de me machucar. Estou me dando conta que sou só uma menina, e você é uma mulher feita. Como isso pode dar certo?
-- O que você está querendo me dizer com tudo isso, Marcela? Você não me quer? Não pode dar uma gente para nosso relacionamento acontecer como ele merece acontecer?
-- Olha o que eu estou te obrigando a fazer, tendo uma DR dentro de um carro, Luiza, você merece mais do que isso.
-- Então, me dá mais.
Marcela me encarou com os olhos marejados.
-- Quero mais de você, Marcela. Você me disse ontem, que me amava, quero seu amor, dentro de um carro, na minha casa, na sua casa, na rua, quero seu amor todos os dias.
-- Não sei se tenho tanto para oferecer.
-- Se acha que não vale a pena, se não reconhece a sorte que tivemos de nos entregarmos uma a outra ontem, eu acho mesmo que você não pode me amar como mereço.
Marcela deixou uma lágrima escorrer no seu rosto, e enquanto isso meu coração palpitava de medo de ser rejeitada mais uma vez.
-- Acho que precisamos pensar direito no que aconteceu, saber se estamos prontas.
-- Eu estou pronta para você há tempos.
-- Você não sabe disso, Luiza. Não mediu as consequências ainda. Sou sua aluna, e sua bolsista, sou um girino, a baby girl...
-- Chega Marcela... Você está aceitando os rótulos e os colocando como desculpa para seu medo. Não estou assustada, mas não posso ter coragem por nós duas, decida o que você quer, mas não vou te esperar a vida toda, tenho pressa em ser feliz.
Marcela continuou derramando lágrimas, mas as palavras não fluíam com a mesma intensidade. Balançou a cabeça positivamente e desceu do carro. Aquela atitude me desestruturou, era mais “um fora” que Marcela me dava, como aquilo consumia minhas energias, estava exaurindo minhas forças para lutar por ela toda aquela argumentação. Por isso, não esbocei esforço que não fosse o de girar a chave do carro para sair dali.
Olhei pelo retrovisor, a essa altura já estava entregue a um pranto dolorido, e avistei Marcela pegar seu celular, e imediatamente olhei para o meu celular que vibrava, era a própria:
-- Eu te amo Luiza, não desiste de mim.
Não respondi. Freei e fiz uma manobra louca, dei a ré no carro, e parei diante de Marcela, desci do carro e lhe falei olhando para seus olhos que brilhavam junto com a noite que caía:
-- Eu nunca desisti de você.
-- Vamos ver se você continua assim, depois de uma noite no meu apartamento.
Alguns minutos ali foi tempo suficiente para ressentir o que nossa noite nos reservou: o banho juntas, quando Marcela permitiu que eu sentisse o sabor do seu gozo na minha boca, nossa ceia improvisada no quarto, regada ao Cabernet que eu estava bebendo antes de ir ao encontro dela. O tempo também abriu brechas para questionamentos inevitáveis sobre como seria nossa vida a partir daquele dia, uma coisa era certa: estava ainda mais apaixonada por Marcela e ia viver essa paixão com toda intensidade merecida.
O momento de meditação foi interrompido pelo barulho da campainha acordando Marcela também.
-- Quem é?! – Marcela perguntou assustada.
-- Ei, bom dia! Eu vou abrir a porta, deve ser o porteiro, por certo não ouvi o interfone– Tentei acalmá-la.
-- Bom dia. – Marcela respondeu sem graça, cobrindo o rosto com o cobertor.
-- Ué, está se escondendo por quê? – Tentei puxar o cobertor – Ei, vem cá, me dá beijo...
-- Não! – Marcela falou colocando as mãos no rosto.
-- Está me negando um beijo?
-- Ah, estou com bafo! Não vou te beijar não! – Marcela se curvou na cama.
Sorri e tentei puxar o cobertor para alcançar minha boca na dela, mas foi em vão. Brincamos rolando na cama, até a campainha tocar de novo, dessa vez impaciente, e junto com ela meu celular vibrava na cabeceira da cama. No celular a chamada era o Ed, na porta, eu só podia imaginar que era alguém muito próximo para abusar da campainha daquela forma.
Atendi o celular e o Ed respondeu aos berros:
-- Ah finalmente! Apareceu a margarida! Onde você flor do dia? Estou na sua porta, virando fóssil aqui, com calo no meu lindo dedo de tanto apertar essa campainha.
-- Oi Ed! Mas o que você faz aqui essa hora? E por que não para de apertar a campainha se eu já atendi o celular?
-- Ah desculpaaaaa, talvez seja por que você ainda não abriu a porta!
-- Calma, Ed!
Enquanto falava com Ed, catava o roupão para atende-lo, atenta ao olhar apavorado de Marcela.
-- É só um amigo, não precisa se assustar, vou lá saber o que ele quer.
-- Minhas roupas, onde estão?
-- Meu bem, suas roupas estão molhadas ainda, na parte de cima do closet tem outro roupão limpo, pega um, depois te empresto uma roupa seca.
Aproveitei a distração de Marcela, e roubei o beijo e disse:
-- A propósito, bom dia!
Corri para abrir a porta, e Ed adentrou o apartamento com seu jeito espalhafatoso.
-- Olha você vai pagar viu?
-- Oi meu amigo, estou bem também, obrigada por perguntar. E você? Mas, eu vou te pagar o que ainda? Já te paguei todas as reformas de visual, ou não?
-- Ai, quem falou em me pagar por serviços, para com isso! Você vai pagar o procedimento para tirar as varizes que nasceram hoje, eu ficando plantado aqui na sua porta. Andou abusando do rivotril de novo?
-- Qual é... Hoje é domingo, até Deus descansou no domingo, por que eu não posso acordar um pouquinho mais tarde? E você está vindo da balada? Madrugou? Aconteceu alguma coisa?
-- É quase meio-dia! Pera... – Ed apertou os olhos, como quisesse ler minha mente.
-- Meio-dia?
-- Aaaah Luiza, sua safada!
-- Que?
-- Você de roupão, acordando tarde e com esse bom humor? Transou!
-- Ed, o que você está fazendo aqui?
-- Quem é a da vez? É a Cléo? Ela está no Brasil, aliás, acho que você danificou a mulher, trate de consertar.
-- Oi? Cléo? Não, e não quebrei nada dela não.
-- Não me diz que você está com aquela sampira!
-- Que sampira, que diabos é isso?
-- Luiza, se liga, sapa mais vampira, dá sampira... A Beatriz. – Ed falou fazendo careta.
-- Ai meu Deus, não fala nesse nome que me dá náuseas.
-- Se não é Beatriz, nem a Cléo, então é a Celina?
-- Ed, ainda não me disse o que está fazendo aqui...
-- Esqueceu que marcamos de almoçarmos juntos hoje? Aquele temporal de ontem me deixou preso na casa minha madrinha ontem e era aqui perto, decidi passar por aqui. Mas, não me enrola, quem está aí com você, safadinha?
-- Ed, eu esqueci, juro! Que cabeça!
-- Esqueceu? Luiza, não sabe quem está na sua cama?
-- Que? Claro que sei!
-- Te peguei! Está com alguém sim! Acabou de assumir.
-- Não assumi nada, você está especulando!
-- Parou! Pecado primeiro: esquecer um compromisso marcado comigo há dias. Segundo pecado: esconder de mim a identidade da próxima mulher que vai destruir seu coração e eu vou te consolar. Não sei como te penitenciar.
-- Credo! Não sabia dessa sua frustração sacerdotal aí... Desde quando você acredita em pecado e penitência?
-- Olha Luiza, você está abusando da minha paciência angelical. Já estou sentindo meu botox rachar aqui na minha testa. Desembucha, criatura!
Ed estava visivelmente impaciente, e eu sabia que ele não sairia dali sem as respostas. Eu não tinha o menor problema em falar sobre a Marcela depois daquela noite, entretanto, sequer conversei com ela sobre nossa condição, não sabia como seria nosso status, senti medo de assustar, assumindo um compromisso por nós duas.
-- Ed, a gente pode marcar esse almoço pra amanhã? Ou outro dia que você possa, não é um bom momento para conversarmos.
-- Luiza, você não confia em mim? Se essa mulher for casada, ou famosa, foragida da polícia, eu sei guardar segredos... A não ser que seja de alguma facção de Bangu, ou da máfia, eu não suportaria tortura...
-- Para de falar bobagem! A máfia italiana ou japonesa teria que fazer um intensivão aqui no Brasil para aprender sobre bandidagem.
Gargalhamos.
-- Então você vai continuar escondendo de mim, sua nova aventura?
-- A Marcela não é uma aventura, Ed.
-- Marcela? Por que esse nome não é estranho para mim?
Ed franziu a testa, parecendo um emoticon pensativo. Para minha surpresa, Marcela apareceu na sala, vestida em um roupão com o cabelo preso, parecia ainda mais menina do que era na realidade.
-- Ai meu Deus... é um girino!
Ed pensou alto, e eu não sabia se batia nele, se abraçava Marcela e a apresentava ao meu amigo, ou se ria da reação dele. Na dúvida, caímos na gargalhada, exceto Marcela que parecia não entender a risada.
-- Desculpa Marcela, vem cá meu bem. – Estendi a minha mão. – Este é o Ed, um dos meus melhores amigos. Ed, essa é Marcela.
Tímida, Marcela se aproximou enquanto Ed se recompunha da crise de risos.
-- Oi baby girl! Eu sou mais do que um dos melhores, sou o melhor amigo da Luiza! O melhor em qualidade, por que não vim ao mundo a passeio!
Marcela sorriu, apesar de estar notoriamente desconcertada com a situação, mal se ouvia sua voz.
-- Ed, sobre o almoço, pode ficar pra outro dia? – Quase supliquei com olhar.
-- Não, não pode! Vocês tem que comer não é? Digo, não dá pra viver de amor, é uma oportunidade de conhecer melhor a Marcela.
Ed foi direto, e eu não sabia bem o que responder, olhei para Marcela e acenou em acordo.
-- Então tá, vamos almoçar então.
-- Luiza, pode vir aqui um instante? – Marcela cochichou.
No corredor, Marcela disse preocupada:
-- Não quero ser antipática com seu amigo, mas, é que não tenho roupas para ir, e, acho que é cedo para conhecer seus amigos...
-- Marcela, a gente dá um jeito se o problema for a roupa, alguma que tenho deve servir em você... E sobre ser cedo, bem, não quero forçar a barra, mas, é só um almoço com o Ed, não estou pedindo para casar comigo...
-- A gente tem que conversar, as coisas não são assim tão simples.
-- Tudo bem, se você não quer, não vou te pressionar, me deixa ao menos ir te deixar em casa.
--Não precisa, não quero atrapalhar seus planos com seu amigo. Chamo um Uber, nos falamos depois.
Ed conhecia bem as complicações de uma relação lésbica, e se antecipou:
-- Chamando o brejo... Oie... Meninas, sei que vocês mulheres, adoram uma DR, mas, eu já estou com fome, podemos nos apressar? Baby girl, ninguém diz não a um convite meu, sem dramas, vamos lá!
Para simplificar a discussão, Marcela concordou, e o almoço foi leve, divertido. Ao contrário do que imaginei, Ed não nos sabatinou, apenas narrou suas histórias hilárias da sua epopeia em Nova Iorque, acho que o intuito dele era conquistar a confiança de Marcela, e deixa-la à vontade, o interrogatório seria comigo depois, disso, eu tinha certeza.
Depois do almoço, sem permitir que Marcela se opusesse, fui deixa-la em casa, à porta do seu prédio, estávamos de novo em um impasse, intimidadas talvez pelo que viria no nosso futuro próximo.
-- Então, nos falamos amanhã, quem sabe, pode jantar comigo, lá em casa se você não quiser sair, topa? – Convidei.
-- Luiza, como vai ser isso?
-- Isso? Isso o que?
-- A gente.
-- Marcela, você chama nosso relacionamento de “isso”?
-- Temos um relacionamento? Eu não sei como definir o que há entre nós.
-- Eu estou aqui, com você, depois de meses esperando enfim, uma chance com você, há quase um ano estamos nessa história confusa, e não desisti de você, apesar de seu namoro com aquela menina. Isso não é um relacionamento?
-- Até uma noite atrás, eu era só sua orientanda e aluna.
-- Isso é o que você acha? Não sejamos ingênuas, nunca fomos só aluna e professora.
-- É muito complicado. Você é muito pra mim... O que sinto é muito maior do que já senti por alguém na minha vida, depois dessa noite então, vi o quanto é grande esse sentimento, mas...
-- Mas o que, Marcela?
-- Tenho muito medo de me machucar. Estou me dando conta que sou só uma menina, e você é uma mulher feita. Como isso pode dar certo?
-- O que você está querendo me dizer com tudo isso, Marcela? Você não me quer? Não pode dar uma gente para nosso relacionamento acontecer como ele merece acontecer?
-- Olha o que eu estou te obrigando a fazer, tendo uma DR dentro de um carro, Luiza, você merece mais do que isso.
-- Então, me dá mais.
Marcela me encarou com os olhos marejados.
-- Quero mais de você, Marcela. Você me disse ontem, que me amava, quero seu amor, dentro de um carro, na minha casa, na sua casa, na rua, quero seu amor todos os dias.
-- Não sei se tenho tanto para oferecer.
-- Se acha que não vale a pena, se não reconhece a sorte que tivemos de nos entregarmos uma a outra ontem, eu acho mesmo que você não pode me amar como mereço.
Marcela deixou uma lágrima escorrer no seu rosto, e enquanto isso meu coração palpitava de medo de ser rejeitada mais uma vez.
-- Acho que precisamos pensar direito no que aconteceu, saber se estamos prontas.
-- Eu estou pronta para você há tempos.
-- Você não sabe disso, Luiza. Não mediu as consequências ainda. Sou sua aluna, e sua bolsista, sou um girino, a baby girl...
-- Chega Marcela... Você está aceitando os rótulos e os colocando como desculpa para seu medo. Não estou assustada, mas não posso ter coragem por nós duas, decida o que você quer, mas não vou te esperar a vida toda, tenho pressa em ser feliz.
Marcela continuou derramando lágrimas, mas as palavras não fluíam com a mesma intensidade. Balançou a cabeça positivamente e desceu do carro. Aquela atitude me desestruturou, era mais “um fora” que Marcela me dava, como aquilo consumia minhas energias, estava exaurindo minhas forças para lutar por ela toda aquela argumentação. Por isso, não esbocei esforço que não fosse o de girar a chave do carro para sair dali.
Olhei pelo retrovisor, a essa altura já estava entregue a um pranto dolorido, e avistei Marcela pegar seu celular, e imediatamente olhei para o meu celular que vibrava, era a própria:
-- Eu te amo Luiza, não desiste de mim.
Não respondi. Freei e fiz uma manobra louca, dei a ré no carro, e parei diante de Marcela, desci do carro e lhe falei olhando para seus olhos que brilhavam junto com a noite que caía:
-- Eu nunca desisti de você.
-- Vamos ver se você continua assim, depois de uma noite no meu apartamento.
CAPÍTULO 29: LIÇÃO 25 – Seja refém apenas da sua felicidade
Naquela noite, após o almoço com Cris, a forte chuva de verão interrompeu nossos planos da famosa esticada, tão típica da minha amiga. O pensamento em Marcela só se intensificava, revivi nossa última conversa olhando pela varanda aquele temporal, bebericando o Cabernet de estimação.
O pensamento intenso, o desejo aceso pelo vinho, e minha covardia me fez procurar Marcela com minha máscara virtual.
-- Oi Marcela, está por aí?
-- Oi Lorena! Sobrevivendo ao temporal?
-- Uma chuva dessas deixa todo mundo de castigo, trancado em casa, em pleno sábado.
-- Bom seria se estivesse assim, mas acompanhada, não é mesmo Marcela?
-- Outra categoria aí! Quem dera curtir esse castigo acompanhada de uma certa pessoa do outro lado da cidade...
A última fala de Marcela me deixou insegura, e ao mesmo tempo intrigada. A outra pessoa seria eu? Precisava saber.
-- Essa pessoa do outro lado da cidade, seria uma certa professora?
-- Uma professora linda, que se deu ao trabalho de me seguir para descobrir onde estou morando, acredita? Bateu à minha porta.
-- Jura? Que bafo! Meio louco isso, não acha?
-- Seria, se fosse qualquer outra mulher do mundo, não ela. Achei fofo, vindo dela, foi fofo.
-- E por que você não retribui a visita? Poderia ficar de castigo bem acompanhada...
-- Ah Lorena! Com que desculpa eu chegaria em pleno sábado à noite na casa dela? Sem contar que eu nem tenho como chegar lá no meio dessa chuva, ônibus nem pensar...
-- Chama um uber! – Sugeri toda animada.
-- Está louca, Lorena? “Oi professora, estava nadando por aqui, e pensei se a senhora teria um remo sobrando para me emprestar”.
-- Inventa algo, vá atrás do que você quer, aliás, de quem você quer!
-- Você está maluca! Não posso correr o risco de assustar a professora, aparecer assim na porta dela, no meio de uma tempestade, especialmente depois do que já aconteceu entre nós.
-- Está perdendo tempo heim!
Eu digitei como um conselho a mim mesma. Fui tomada de uma vontade insana de ir ao encontro de Marcela, sim, eu estava perdendo tempo! Iniciei uma pequena maratona ridícula de escolha de melhor roupa, deveria ser o que menos me importava, entretanto, demorei quase uma hora para tomar uma decisão tão estúpida.
A garagem do prédio estava com água até a altura da metade dos pneus do carro, nem supunha como estaria nas ruas. O zelador do prédio ao me ver tentar sair com o carro advertiu:
-- Dona Luiza, está perigoso sair, estão falando que o centro está alagado.
Eu nem conseguia raciocinar direito, só pensava em chegar ao bairro universitário, e bater à porta de Marcela.
-- Mas é urgente, tenho que ir à universidade.
-- Tenho que abrir o portão para a senhora, está emperrado, o motor deve ter sido danificado pela água.
E o portão não abriu, parecia que o universo conspirava contra mim, ou me advertia quanto ao perigo de sair de casa. Teimosa, tentei à força junto com o zelador, abrir o portão da garagem, em vão.
-- Sinto muito dona Luiza, está emperrado.
Como se fosse minha última chance de ver Marcela, saí na chuva na esperança inocente de achar um táxi, e já encharcada, e obviamente sem sucesso nesse objetivo, fiquei ali, parada em frente ao meu prédio, tomada por um sentimento de perda inexplicável. Foi quando eu tive uma visão a qual nunca mais vou me esquecer.
Marcela estava ali, assim como eu, completamente encharcada, e linda! Os braços cruzados certamente por causa do frio, seus lábios tremiam, e mesmo assim, eles se abriram em um sorriso estonteante. Retribui o sorriso e isso parece ter sido suficiente para fazer Marcela abrir os braços e caminhar em minha direção e eu que até então estava inerte naquela calçada, fui ao seu encontro, como que hipnotizada pelo rosto desenhado pelo sorriso que se fazia não só nos lábios, mas também nos olhos dela.
-- O que você está fazendo aqui? – Perguntei para me assegurar que não estava sonhando ou delirando.
-- Eu... Vim ver você.
Minha vontade era de toma-la ali mesmo em um beijo de novela, mas, aquilo era vida real, os pingos densos da chuva, o frio, e os raios acompanhados de trovoadas alertavam sobre a necessidade de sair dali. Segurei sua mão e corremos para dentro do prédio, mal podia esperar por um teto para proteger Marcela. O hall de entrada estava cheio de moradores e visitantes se abrigando do temporal, tudo parecia adiar a hora de saciar minha sede em ter a boca de Marcela na minha. Não soltei sua mão, ansiosa para sentir o encaixe do nosso corpo todo, não só dos nossos dedos.
O elevador enfim se abriu, mas nossa sorte não nos acompanhou, outras pessoas entraram e a cada andar que ele parava, os segundos se transformavam em pedaços de eternidade até chegar ao nosso destino.
Dentro do meu apartamento enfim, a sós, pude contemplar com calma o rosto dela, aquele sorriso que me desestruturava, estava ali e aquecia minha alma.
-- Vou pegar uma toalha para secar você.
Avisei, mas, não consegui sair do canto. Marcela segurou minha mão e me puxou.
-- Não enfrentei essa chuva toda pra ficar seca...
Marcela me sorriu tímida depois de ver a volúpia que meus olhos expressaram. Puxei-a pela cintura e respirando bem perto da sua boca, não resisti quando ela sussurrou ofegante:
-- Te quero.
Foi o “play” para o sonho começar. Nossas bocas se encontraram em uma sincronia alucinante de desejo. Tudo estava quente: lábios, línguas, pele. Parecia o primeiro beijo pela ânsia de acontecer inteiro, mas, ao mesmo tempo era um encontro, aliás um reencontro, sabíamos o ritmo, a intensidade.
-- Também te quero muito, Marcela.
Ela abriu um sorriso diferente, nada tímido. Investiu em outro beijo cálido, mordiscou meus lábios, a guiei para meu quarto, diante da minha cama empurrei-a, e comecei a me despir diante dela.
-- Espera! – Marcela me pediu.
Ela ficou sentada na cama, e beijou minha barriga, me acendendo ainda mais, puxou minha calcinha com os dentes, e eu, praticamente rasguei suas roupas que estavam grudadas no seu corpo. Em meio a risos, espalhamos as peças de roupas pelo quarto, e deixei meu corpo cair sobre o dela, finalmente nossas peles se eriçavam juntas, roçando uma na outra, de maneira inteira.
Nossas bocas se devoravam, enquanto nossos quadris se remexiam, enchendo nosso sexo da volúpia ardente que escorria por nossas coxas. Raspei os dentes pelo seu pescoço, arrancando gemidos altos que me enlouqueciam ainda mais. Marcela era uma mulher pronta para se entregar, era óbvio que algumas sensações para ela eram novas, e fiz questão de não me apressar e dar ao corpo dela a cadência na medida certa para viver o que surgia de novo naquela entrega.
Suas mãos deslizavam nas minhas costas, algumas vezes senti suas unhas arranhar meus braços. Encaixei minha perna entre as suas, e gradualmente intensifiquei meus movimentos sobre seu sexo, ensandecida pelas expressões de prazer que seu rosto me dava, eu gozei junto com ela, me deliciando com nossos orgasmos acontecendo em sintonia. Aquela abundância de gozo no sexo de Marcela me entorpeceu, queria sentir mais, e delicadamente coloquei meus dedos sobre seu clitóris inchado e sorri com malícia.
Massageei sem demora, lendo as respostas do corpo de Marcela, até entrar com intensidade, explorando aquela cavidade encharcada, quente, arrancando mais alguns gemidos até um grito de prazer, vendo o ápice acontecer mais uma vez, ao sentir o tremor dos músculos dos nossos corpos se irradiar como uma grande onda.
Deixei meu corpo sobre o dela, e beijei seu rosto, me deliciando com os espasmos resultantes daqueles orgasmos. A respiração acelerada, e os corações igualmente descompassados anunciavam que o prazer ainda percorria nosso corpo.
-- Eu te amo, Luiza.
A declaração de amor foi sussurrada, e ela me surpreendeu, me deixando sem palavras. Não sei por que não respondi que também a amava, algo maior que eu, me impediu. Apenas sorri, e beijei sua testa.
-- Aceitaria um convite meu agora? – Tentei desviar o foco.
-- Não sei se nesse momento eu possa te negar qualquer coisa, mas não sinto minhas pernas, como levanto dessa cama?
Não resisti, gargalhamos.
-- Vem tomar banho comigo? – Convidei.
-- Eu e você? Juntas?
-- Sim, eu não quero desgrudar de você, nunca mais. E depois de tanta chuva, acho que precisamos de um banho quente.
Marcela ficou tímida de repente.
-- O que foi, Marcela? Não quer tomar banho comigo?
-- É que, eu nunca... Nunca tomei banho com ninguém...
-- Então, quer perder sua virgindade de banho comigo?
-- Quero... Quero tudo com você.
Preparei o banheiro, e voltei vestida em um roupão, estendi minha mão para Marcela e chamei:
-- Vem, minha menina?
Com o sorriso de menina tímida ela segurou minha mão aceitando o convite. Acionei minha playlist no celular, e para marcar aquele momento, tomamos banho, nos amando mais uma vez ao som de Anavitória.
Ô dengo, me fala tudo sobre o mundo
Que eu não consigo debater
Me apresenta tuas opiniões
Deixa eu lhe convencer
Que tu é o ser mais bonito
Que eu tive a sorte de conhecer
E agora que tá aqui comigo
Não vai mais não
Ô dengo, se tu prometer ficar
Te canto todos os dias
Todas as alegrias
Que você me presentear
Juro café da manhã preparar
Dar-te mil beijos pra te acordar
Me deixa cumprir
É só não ir
É que, dengo
Em você encontrei o meu melhor, e não
Consigo amarrar um outro nó com alguém
Além de ti, meu bem, não sei por que
Meu dengo
Eu consigo planejar todo um futuro
Do teu lado e parece tão seguro
Me envolver
E sentir
E querer
Teu dengo
Se tu não quiser ficar
Te canto todos os dias
Todas as alegrias
Que não vamos compartilhar
Juro não mais tentar te encontrar
Dar-te o espaço pra me apagar
Não me deixa cumprir
É só não ir
É que, dengo
Em você encontrei o meu melhor, e não
Consigo amarrar um outro nó com alguém
Além de ti, meu bem, não sei por que
Meu dengo
Eu consigo planejar todo um futuro
Do teu lado e parece tão seguro
Me envolver
E sentir
E querer
Teu dengo
CAPÍTULO 28: LIÇÃO 24 – Cresça, independente do que aconteça
Marcela continuava parada diante da porta com os olhos arregalados, e eu, com o coração galopando pelo esforço e pelo medo de ser rejeitada mais uma vez, e em uma fração de segundos pensei que ela poderia não estar sozinha no apartamento, o que me deixou ainda mais apavorada.
-- Desculpa Marcela, eu não devia ter vindo, é que fui tão estúpida com você, e enfim, eu tinha que te pedir desculpas...
-- Como a senhora me encon... Como sabia que eu estava aqui?
Marcela tentava entender e eu reticente em revelar minha espionagem.
-- Eu... Bem, eu te segui e...
-- Seguiu? Mas...
-- Agora estou me sentindo uma psicótica, eu vou embora, era só para te pedir desculpas.
-- Desculpas aceitas.
-- Que bom, ótimo. – Sorri amarelo, esfreguei as mãos suadas na calça e fui caminhando em direção a escada. – Então amanhã nos falamos na faculdade.
Marcela acenou em acordo, visivelmente surpresa com minha presença e imagino que com minha atitude de segui-la. Quando eu pus os pés no primeiro degrau da escada, ouvi a voz dela no corredor.
-- Professora, espera.
-- Olha Marcela, eu tenho que me desculpar também por invadir assim sua privacidade...
-- Professora Luiza, calma. Devia escutar um pouco antes de fazer comentários precipitados.
-- Eu sei... O Lucas me falou e...
-- Ah, o Lucas... Bem eu só ia dizer, que, já que a senhora se deu ao trabalho de me seguir e me descobrir aqui, eu ia pedir que entrasse um pouco.
A surpresa dessa vez foi minha, e pela terceira vez na noite eu me senti uma imbecil.
-- Estou me superando hoje... Quantas mancadas...
-- Por favor, venha.
Marcela segurou a porta e fez um gesto para que eu entrasse. Aquela quitinete não parecia tão pequena. Talvez por que estava vazia, nenhum móvel na sala conjugada com a cozinha separada por um balcão em granito, ali, poucos utensílios, um forno micro-ondas, um frigobar e um fogão de duas bocas. Olhei em volta, e Marcela sem graça, prendendo os cabelos disse:
-- Não posso pedir que se sente, por que como pode ver, minha decoração é minimalista.
Sorri, e completei:
-- Dizem que é a tendência mais moderna. Deu mais espaço ao ambiente. Você tem bom gosto.
-- Ajuda a me concentrar, sem distrações.
Alguns segundos em silêncio, e eu nem sabia mais o que falar a sós com Marcela depois de tanto tempo, em um lugar tão íntimo. Tanto a dizer, e tudo tão mascarado.
-- Bom, eu...
-- Aceita água?
Falamos ao mesmo tempo e obviamente sorrimos tímidas.
-- Eu aceito água se não for incômodo, eu estou meio fora de forma, os lances de escadas me confirmaram isso... – falei ainda ofegante.
-- Pelo menos água eu tenho.
-- Como eu ia dizendo, vim te pedir desculpas, como você mesma disse, me precipitei e descarreguei em você aquele monte de asneira.
-- É compreensível, a senhora passou por alguns maus bocados esses dias.
-- Mas, você foi gentil comigo nesse tempo, não tinha esse direito. Fui uma estúpida.
Marcela me entregou o copo de água, e nossas mãos roçaram uma na outra e uma troca de olhares aconteceu, forte o suficiente para me tirar o ar.
-- Acho que também consigo entender o que é estupidez. Foi só um mal entendido, professora. Está tudo bem, não precisava vir aqui por isso.
-- É, agora você deve me julgar uma doida de pedra perseguidora. Eu não pensei direito...
Marcela dessa vez sorriu mais levemente, e aquele sorriso era uma covardia comigo, minhas pernas voltaram a tremer e não era por falta de atividade física.
-- Não esperava isso da senhora, confesso. Mas, nunca a julgaria como doida...
-- Menos mal. – Bebi o copo de água avidamente. – E sobre seu assunto, eu vou tentar resolver isso amanhã mesmo, se eu já soubesse, teria feito antes.
-- Ficamos constrangidos em importunar no meio dessa confusão que foram esses dias para a senhora.
-- Mas, é minha obrigação como orientadora, sei que contam com essa bolsa.
-- É, eu só fui falar por que acho que sou a que mais está sentindo a falta desse dinheirinho.
Marcela abriu os braços revirando os olhos.
-- Desculpe-me ser tão invasiva, mas, já estou aqui... O que houve com seu antigo apartamento?
-- Estou morando sozinha agora, para arcar com esse custo, vendi meu carro, por que meus pais não concordaram com minha decisão. Preferi morar perto do campus, e aqui não tem garagem, enfim... O carro seria mais uma despesa também...
-- Entendi... Mas, naquele dia que me deu carona, estava com seu carro ainda, se mudou agora, recentemente?
-- Na verdade, eu já tinha vendido o carro, é que vendi a Jessica, e naquele dia, pedi emprestado a ela...
-- Ah sim, e... Jessica também se mudou?
-- Não, só eu. Uma prima da Jessica está na minha antiga vaga lá.
-- Só você se mudou?
Marcela sorriu só com o canto dos lábios e se antecipou:
-- A senhora quer saber se a Laura continua morando lá? Se é isso, a resposta é sim, e eu saí de lá por que estava intolerável nossa convivência sob o mesmo teto depois que terminamos o namoro.
Respirei fundo, segurando a vontade de abrir um grande riso ao ouvir a última informação.
-- Era isso, que queria saber, não era?
-- Desculpa, Marcela. Juro que não sou tão intrometida e curiosa assim, nunca fui, assim, nunca com ninguém antes de você...
-- Antes de mim?
-- Antes de te conhecer, de me apa...
Autocensura. Foi automático, assim como o sorriso se fazendo nos olhos e lábios de Marcela.
-- Então, não foi depois da Cléo Moraes?
-- Ah Marcela! Até você?
Ela não segurou o riso.
-- Desculpa vai, foi mais forte que eu.
O silêncio de novo se fez, entretanto, dessa vez de uma maneira mais leve, nos encaramos com brilho nos olhos, desarmadas.
-- Eu tenho que ir, deixei meu carro, minhas coisas no campus e... Já tomei seu tempo, invadi seu espaço, enfim, está na minha hora.
-- Espaço eu tenho de sobra, como você pode ver.
-- Bom saber.
Marcela mordeu o lábio inferior, e eu, provavelmente senti o equivalente a um micro orgasmo, se é que isso existe. Nossa troca de olhares estava tão intensa, minha vontade era de avançar na boca dela e sentir seu gosto de novo, me contive, simplesmente me faltou coragem ou na melhor hipótese meu instinto de autopreservação clamava “Keep calm”, esse terreno exige cuidado.
-- Boa noite, Marcela.
-- Boa noite, professora Luiza.
Bandeira branca hasteada, e no coração um rio de esperança de finalmente seguir minha história com Marcela.
***************
Almoço de sábado com Cris no verão era uma tradição que eu protelei para cumprir depois dos meus quinze minutos de fama. Nossos almoços sempre se estendiam até a noite, com direito a caminhada pelo calçadão até o melhor ponto da praia para ver o pôr do sol.
-- Então, vai me contar o motivo da animação? Não me deu bolo, está aí parecendo uma gazela saltitante batendo os dedinhos na mesa...
-- Cris! Samba, feijoada, sente o clima! – Bati no ombro da minha amiga.
-- Sei, esse clima está me desidratando, isso sim, que chopp quente!
-- Xi, está de mau humor, heim? Por que isso?
-- Meu humor está bem normal, não sou imune a esse calor, Luiza! Já você... Desembucha criatura! Isso tem algo com a volta de uma certa atriz para o território brasileiro?
-- Atriz? Ah desencana, Cris. Vamos pedir cerveja, pode ser que esteja mais gelada.
-- Luiza, você não me enrola! Isso é alegria de piriquita, te conheço!
-- Só me faltava essa! Você conhecer a alegria da minha piriquita, olha aí uma coisa que você não sabe sobre, e nunca vai saber.
-- Eu farejo isso, entendo tudo de piriquita, da sua inclusive. Não é preciso ir no Japão pra saber que lá tem japonês de olho puxado!
-- Oi? Cris você está passando bem?
-- Teu cu! Fala, quem é que está te deixando assim, piriquita cantora?
-- Ela está estressadinha... Ninguém está alegrando minha piriquita não, Cris, mas... Quem sabe possa me dar uma alegria um dia desses...
-- Sabia! Se não é a Cléo, então... A novinha?
-- Cris para com esses apelidos, até parece letra de funk! Você sabe o nome dela.
-- Ui, ui, tem que respeitar a Marcela, olha como ela fica ofendida!
Gargalhamos, não me contive diante dos olhos de Cris piscando rápido como um personagem de desenho animado.
-- Você e a Marcela, se entenderam?
-- Talvez estejamos caminhando para isso.
Resumi o que aconteceu para Cris e ela logo manifestou sua torcida a favor.
-- Luiza, que tal uma conversa sincera entre vocês agora? Chega de drama, de lenga-lenga, você precisa viver isso, se for paixão, atração ou algo mais sério, não dá pra fugir mais!
-- Eu nunca quis tanto viver algo de maneira inteira e intensa como quero com a Marcela. Eu voltei a adolescência com esse frenesi de sentimentos, mas, quem vai viver essa história, vai ser a mulher Luiza.
-- Brindemos a isso!
CAPÍTULO 27: LIÇÃO 23 – ENTRE O PRETO E O BRANCO, EXISTE O CINZA
Não acreditava que estava ali, do lado de Marcela, depois de tanto tempo sem vê-la, depois daquela amarga conversa que tanto me machucou, justamente ela, me socorreu naquela balbúrdia pública que minha vida estava naquele momento. Ela não falou nada no trajeto, eu muito menos. Vez por outra trocávamos olhares indecifráveis, talvez por que existia uma confusão de sentimentos que ambas não saberiam expressar em palavras.
Quase chegando ao meu prédio, Marcela quebrou o silêncio no carro:
-- Professora Luiza, a senhora quer ir direto para sua casa, ou quer parar um pouco, deseja que eu deixe a senhora em outro lugar?
-- Só quero ir para casa, obrigada.
Marcela acenou em acordo, e seguiu o trajeto. Quase chegando ao meu prédio, ela mais uma vez saiu do silêncio:
-- Tem alguma chance de ter jornalistas na porta do seu prédio?
-- Acho que não, quer dizer, o que aconteceu agora pouco, já deve estar na internet, pode ser que tenha algum urubu...
-- Prefere que eu entre pela garagem? A senhora tem o controle do portão?
-- Não...Eu deixo sempre no carro...
-- Então eu vou lá pedir ao porteiro que abra quando eu buzinar, já é no próximo quarteirão, tudo bem ficar aqui por um instante para eu ir lá?
-- Não precisa, Marcela. Eu tenho o telefone, deixa que eu ligue.
Marcela concordou, e como sugeriu, entrou pela garagem, enquanto eu me abaixava no banco do carona, de fato, havia dois fotógrafos na espreita.
-- Agora, você está segura. Em casa, precisa de mais alguma coisa, professora?
-- Preciso saber por que está sendo tão gentil comigo.
-- Por que não seria?
-- Não sei, para não desagradar sua namorada perfeita... – Saiu quase que involuntariamente o comentário magoado.
-- Está com muita raiva de mim, ainda não é?
-- Não sei se o sentimento é raiva.
-- Eu só queria que a senhora não me odiasse, não suportaria isso.
-- Não te odeio, não teria como odiar alguém só pelo fato de não me querer.
Marcela respirou fundo, balançou a cabeça como se sufocasse uma avalanche de palavras.
-- Bom saber que não me odeia.
Alguns segundos em silêncio dentro do carro, e eu já tinha vontade de começar uma nova discursão, contudo, eu não tinha mais energias, depois de um dia como aquele.
-- Obrigada Marcela, boa noite.
-- Boa noite, professora.
****************
Novo dia, e eu não sabia o que iria enfrentar, liguei para Clarisse pedindo carona, explicando a situação, e as coisas ocorreram como na noite anterior, saí pela garagem no carro da minha amiga, escondida, como se fosse a mais nova denunciada da operação Lava jato.
-- Amiga, que confusão, eu ouvi alguns boatos entre os alunos, mas não imaginava isso tudo, até...
-- Até o que?
-- Viralizaram as fotos, recebi em vários grupos, tem blogs, até vídeo no youtube...
-- Meu Deus, que pesadelo!
-- Você falou algo com a Cléo?
-- Por que eu falaria? Isso só ia piorar a situação, é mídia, é coisa de aluno, o que a Cléo poderia fazer?
-- É, tem razão, mas, não vai parar tão cedo, Lu. Sabe como é cabeça de aluno... Não quer pedir uns dias de atestado médico, sei lá...
-- Quando eu voltar, o problema vai continuar lá. Daqui a pouco tem carnaval, tomara que isso acalme os ânimos, me esqueçam.
Clarisse acenou em acordo e me acompanhou até a sala dos professores, sentiu o mesmo clima de vigilância de olhares pelos corredores, se incomodava a ela, imagina como eu estava me sentindo. Duvidei que aquela boataria e observação constantes passassem com o feriado de Carnaval, por alguns momentos desejei o que Beatriz me pediu: ficar invisível.
Enfrentei na sala de aula as mesmas piadas do dia anterior. De repente, meu whatsapp se tornou público, e eu recebia avalanches de fotos, montagens, memes. A última aula do dia, no curso de medicina, foi a mais desgastante, por que simplesmente não consegui ministrar. Todos os slides que eu preparei, não pude projetar, uma vez que o quadro branco estava completamente lotado do refrão da paródia da Cléo, por mais que eu tentasse apagar, usaram pincel de tinta não remomível, só a tentativa de limpar sem sucesso me desestabilizou.
Desliguei o projetor, e tentei ministrar a aula sem nenhum recurso, coisa que eu fazia sem problemas, mas naquele dia não.
-- Vocês conseguiram! Era o que queriam? Tirar a professora do sério? Impedir minha aula? Parabéns, vocês são geniais, estão perdendo um conteúdo importantíssimo, e vou me lembrar disso ao avaliar a sala. Para quem escreveu isso no quadro e danificou patrimônio, serão punidos, ou vocês acham que essas câmeras são enfeite? Para quem estava sentado aqui, se omitindo mesmo sem concordar, são coniventes, terão a professora que estão pedindo. Agora, se retirem da sala! Todos!
Era inédito tal discurso na minha carreira acadêmica, aliás eu condenava esse tipo de conduta de alguns colegas que apelavam para a punição de um grupo inteiro, contudo, eu estava fora de mim, exausta dos combates silenciosos. Contive as lágrimas enquanto o lugar se esvaziava. Riam alto no corredor eu ouvia as risadas de dentro da sala, e isso foi o bastante para me fazer desabar.
Ouvi o barulho da porta bater e já me armei para uma nova batalha, mas, eram Jessica e Marcela.
-- A gente vai limpar isso, professora. – Jessica disse ao se aproximar.
Marcela se aproximou com detergente, uma esponja e uma garrafa de água enquanto Jessica avisou:
-- Vou pegar mais água.
Sentei-me e observei Marcela esfregando com força o quadro, espalhando a tinta do pincel, transformando a piada em um imenso borrão. Jessica logo apareceu com mais água, acompanhada de uma faxineira do prédio. Eu não consegui sair dali, fiquei inerte, enquanto Marcela recolhia minhas coisas sobre a mesa e junto com Jessica chegou perto de mim:
-- Professora Luiza, vamos acompanha-la até seu carro, ou a senhora prefere ir para outro lugar? – Marcela perguntou.
Eu só balancei a cabeça e segui para o carro, acompanhada das minhas alunas. Não consegui falar muito, só agradeci. Dessa vez, meu carro estava sendo vigiado de perto por um dos seguranças do estacionamento, saí do campus decepcionada comigo mesma, e constrangida por ter me deixado mostrar tão vulnerável para alunos, especialmente para Marcela.
Em casa, amargando aquele dia como uma derrota, uma chamada no Skype me tirou do buraco negro que estava mergulhada tentando corrigir o artigo do Vinicius, meu mestrando piadista.
-- Lu? Que bom te ver!
Era a Cléo, com aquele sorriso largo e sexy, tão destruidor.
-- Oi Cléo, bom te ver também. Como está Nova Iorque?
-- Big city baby! Você deveria ter vindo nas férias, estava tão perto! Já que levou a fama, era pra ter vindo deitar na cama, na minha!
-- Tem razão, convite tentador que eu fui burra em não ter aceitado. Ganhei mesmo a fama, como você aguenta isso?
-- Levar um não de uma mulher? Já superei – ela gargalhou.
-- Não, eu me referia a fama...
-- Está difícil, não é? Recebi o link do vídeo, Luiza, eu sinto muito. Eu não posso te ajudar muito, na verdade, estou voltando para o Brasil, terminamos as gravações do filme, pelo menos as externas, queria te encontrar.
-- Cléo, não sei se é uma boa ideia...
-- É, você tem razão... Eles não te deixariam em paz por mais algum tempo. Talvez te deixem em paz se eu divulgar que estou namorando.
-- Ah, você está namorando? – não soube disfarçar o desconforto.
-- Não, mas adorei sua cara de urso me perguntando – gargalhou de novo – Mas, eu poderia inventar um, fácil, só para distrair.
-- Pela sua experiência, isso ajuda?
-- Sinceramente, não. Iam querer saber como você se sentia com meu novo namoro, iam fazer piadas de mal gosto da mesma forma. Infelizmente, só o tempo, e a forma como você consegue lidar com a situação.
-- Acho que estou fazendo tudo errado.
-- Não tem fórmula pronta, seu ambiente é diferente dos que tenho familiaridade, Lu. Uma coisa posso te dizer, não deixem que tirem sua paz, altere sua rotina, não esqueça quem você é, não dê mais poder a eles.
A conversa com a Cléo me deixou ainda mais pensativa sobre meus próximos passos, precisava agir com sabedoria, não podia me permitir perder a cabeça como naquele dia.
************
Sem fórmulas mágicas, sem grandes feitos, segui meus dias, fazendo ouvido de mercador para as piadas, até começar a ridicularizar os trotes, e com isso fui ganhando apoio dos alunos. A volta da Cléo para o Brasil ainda provocou o surgimento de jornalistas esporadicamente, e os ignorei.
Comecei a retomar minha rotina, logicamente com dificuldades. O calor infernal me motivou a cumprir quase que um ritual no verão perto do campus: açaí com frutas no meio da tarde. Eu não tinha mais aulas, e me dei a esse luxo, a loja já era tradicional entre alunos e professores. Enquanto estava lá, voltando a minha personalidade anônima, vi Marcela entrando em um prédio em frente.
O prédio era de quitinetes, bem simples, mas, os alunos costumavam optar por imóveis assim, por ser tão próximo ao campus, que não precisaria de carro ou transporte público, o deslocamento podia ser feito a pé mesmo.
Uma chuva de hipóteses veio à minha cabeça, fiquei inquieta. Aquela inquietação me levou a uma atitude ridícula. Na segunda-feira, após a reunião do GRUFARMA, segui Marcela de maneira sorrateira, e para minha surpresa, ela saiu pela porta principal do campus, não pelo estacionamento como de costume. A pé, Marcela caminhou até o mesmo prédio no qual a vi no outro dia.
Minha curiosidade me jogou de volta ao mundo do face fake. Lorena precisava voltar, colher informações e assim o fiz.
-- Marcela, está por aí?
-- Oi Lorena, tudo bem?
-- Sim, e você? Como anda sua situação com a professora Luiza?
-- Isso é muito complicado. Minha vida é complicada, e a vida da professora Luiza, também ficou, não posso levar mais bagunça pra vida dela.
-- Bagunça?
-- Estou tentando arrumar as coisas, mas estou no meio de uma mudança. Pelo menos, dei um grande passo, preciso estar menos enrolada para sonhar de novo com a professora Luiza, se é que posso sonhar ainda com ela...
-- Que passo você deu? Parece algo importante.
-- Para mim foi importante. Mudei de casa também, faz parte da bagunça. Lorena, eu preciso ir, tenho uns artigos para fazer fichamento.
Eu já tinha a confirmação da minha suspeita, Marcela agora morava perto do campus. O que mais estaria por trás daquela bagunça a qual ela se referia? Não tardei a buscar minhas respostas. Meu pensamento voltou a ser Marcela, nem me lembrava com tanta intensidade o que nos separou, gostava mais de reviver o cuidado que ela teve comigo nos últimos dias. Como se o universo agisse ao meu favor, naquele dia, no meu gabinete no laboratório, Marcela me procurou:
-- Professora Luiza, podemos conversar?
-- Oi Marcela, pois não.
-- É meio constrangedor, mas, eu já tentei por outros canais, pensei que seria bom a senhora saber.
-- O que houve, Marcela? Mais alguma fofoca sobre a Cléo? Quer uma informação mais precisa?
-- Não, professora, eu só...
-- Olha, eu não sei nada da Cléo, ela voltou para o Brasil, mas eu não preciso falar da minha vida pessoal, não é? O que as pessoas estão falando agora?
-- Eu não quero saber da sua vida com essa Cléo! Por que está falando isso comigo? Para me machucar? Quer pisar em mim?
-- Não, Marcela...
Foi tarde demais para me desculpar, Marcela bateu a porta e saiu correndo do laboratório. Quando tentei alcançar, Lucas, outro membro do grupo de pesquisa me abordou:
-- Oi professora, a Marcela já falou com a senhora?
-- Han? Você sabe que a Marcela foi falar comigo? O que está acontecendo?
-- É que ela ficou de falar com a senhora. Nossa bolsa, está atrasada, está com um mês de atraso. Tentamos o departamento financeiro da agência, mas, não conseguimos...
-- Era isso? Eu vou cuidar disso, Lucas.
Com um enorme peso na consciência, não hesitei e fui até o prédio que eu sabia ser a nova residência de Marcela. E pateticamente esperei alguém sair do prédio para que eu pudesse entrar, já que não sabia qual era o apartamento dela para interfonar. Mais ridículo ainda, foi eu bater em todas as portas, até enfim, Marcela atender.
-- Professora Luiza?!
-- Oi Marcela, podemos conversar? - Perguntei ofegante.
CAPÍTULO 26: LIÇÃO 22 – MUDE O CURSO, MUDE O PRUMO, AJUSTE AS VELAS
Ainda me restavam dias de férias, aproveitei a maré alta para mudanças, e aceitei o convite de Celina, e viajei para Montreal, no Canadá, para um curso de aperfeiçoamento do inglês. Quem sabe abriria portas para passar um semestre por lá como professora visitante, ou na Universidade Vermont nos EUA, já que estávamos na fronteira.
E para nosso bem, meu e o de Celina, em nenhum momento ultrapassamos o limite da amizade, ambas estávamos focadas em qualquer coisa que não fosse do território romântico, apesar de não ter escapado da sabatina dela, sobre meu affair com a Cléo. Bom, pelo menos eu estava comprometida só com o curso de inglês, Celina já estava em um nível mais avançado, e se deu ao luxo de se aventurar em treinar o idioma em relações sociais.
Eu, naquele frio, parecendo um astronauta, toda coberta, perto do aquecedor, em um momento de deslize, solitária, entrei no meu perfil fake do facebook, stalkeei as fotos de Marcela, e não tinha muitas novidades. Até que a janela piscou, era a própria:
-- Lorena? Você está por aí?
Hesitei por alguns segundos, mas, não resisti, respondi:
-- Oi, Marcela, tudo bem?
-- Mais ou menos. Você estava sumida, não apareceu mais por aqui.
-- A pressão dos prazos, do mestrado, tive que dar uma parada nas redes sociais.
-- Entendo, não deve ser fácil mesmo. Você viu que a professora Luiza agora é uma celebridade?
-- A professora Luiza? Uma celebridade? Não sei do que você está falando.
-- Ela é a nova namorada da Cléo Moraes, estão até fora do Brasil, tem fotos delas no réveillon.
Eu fiquei por alguns minutos sem saber o que responder, por que eu mesma fui pega de surpresa. Mexi em alguns sites, e as notícias eram as mesmas da época do réveillon, algum site de fofoca, não sei como, descobriu que eu estava fora do país, talvez, algum vizinho ou até um colega de trabalho fofoqueiro soltou essa informação e virou especulação que eu estaria com a Cléo fora do país. Pensei em mandar uma mensagem para a Cléo, mas, o mais urgente estava ali, piscando em vermelho, na tela do meu notebook:
-- Lorena?
-- Oi Marcela, eu estava olhando os sites, não sabia dessa novidade.
-- Posso te contar uma coisa? Eu sei que não temos muita intimidade, mas, eu não posso falar sobre isso com ninguém, eu estou tão perdida...
-- Pode falar, Marcela.
Eu tinha todos os motivos para não querer nenhum contato com Marcela, mas, eu não conseguia nutrir raiva, ou desafeto por ela. Meu sentimento por ela era muito maior, pude sentir sua solidão, sua fragilidade.
-- Eu sou completamente apaixonada pela professora Luiza, ela é um sonho pra mim, sabe? Ela é a mulher mais incrível que já conheci, acho que finalmente alguém a altura dela, viu isso, ela merece. Meu sonho acabou.
-- Você está falando da Cléo Moraes? Você acha que elas tem algo tão sério?
-- Que mulher imbecil perderia alguém como a Luiza? Só alguém muito covarde, estúpida, que tem medo de tudo.
-- Marcela, você sabe algo mais da vida amorosa da professora Luiza?
Eu tentava me manter no personagem, mas, já deletava o que escrevia várias vezes, me confundindo com as pessoas verbais.
-- Lorena, eu ferrei tudo. Sou muito imbecil, agora já é muito tarde, eu a perdi. Ela é, ou foi um sonho, ou sempre será só um sonho mesmo.
-- Eu não sei o que aconteceu entre vocês duas, mas, se você gosta tanto dela, que tal você lutar por ela, ao invés de se lamentar e se diminuir? E daí se é a Cléo Moraes? Acha que você pode amar a professora Luiza e fazê-la feliz? Então mostre isso, é seu sonho? Vai deixar morrer?
Não poderia ser mais ridículo da minha parte. Dar conselhos para Marcela lutar por mim. Eu deixei meu desejo me guiar, era tudo que eu mais queria: que Marcela mostrasse seu amor, tivesse coragem de ficar ao meu lado e largasse aquele namoro fracassado. A mágoa ainda estava ali, sentia meu peito apertar quando relembrava nossa última discussão, contudo, o amor latejava, como uma inquietação, algo inacabado por que se quer teve a chance de acontecer, porém, não caberia nas condições que Marcela limitou no nosso último encontro.
***************
Cheguei ao Brasil uma semana antes das aulas começarem. O inverso da maioria das pessoas que estavam em clima de verão, eu estava saindo de um freezer: pálida, e suando picas desde o desembarque. Sofri com o jet lag e a abrupta mudança de temperatura, Cris me aguardava no aeroporto como se eu estivesse há meses no Canadá.
-- Minha amiguinha! Você voltou! Luiza, que estava no Canadá!
Cris me abraçou como se eu fosse um enorme bicho de pelúcia, com essa piadinha irritante que viralizou há anos atrás.
-- Ok, ok, provavelmente eu ter ouvido você me chamar de amiguinha foi um delírio, é o calor do verão que está provocando isso, nem peguei sol e já estou sofrendo uma intermação?
-- Porra que chata que você é! Eu aqui me esforçando para ser fofa...
-- Cris, você sendo fofa é tão natural como usar casaco de pele em uma reunião do Greenpeace.
-- Trouxe toda essa frieza do Canadá com você? A propósito, de nada, por ter vindo te buscar no meio do meu expediente...
-- Ah... Cris, meu ursão, você está carente de mim?
Abracei-a beijando suas bochechas sem parar, até ela corar de vergonha.
-- Para, Luiza! Está me babando toda, mais do que filhote de yorkshire!
-- Então me diz onde você estacionou o caminhão?
-- Vá se fuder, Luiza! Piada mais sem graça, você nunca perde a oportunidade, né?
Cris voltou a ser ela, sorrimos. Almoçamos em um restaurante na orla, apesar do meu cansaço, precisava agradecer e deixar minha amiga tranquila quanto ao meu estado emocional.
-- Então, você está bem? Próxima semana recomeçam as aulas e, você vai reencontrar a Marcela, vocês tem se falado?
-- Eu já te respondi essa pergunta pelo menos uma dezena de vezes só essa semana, Cris. Praticamente te ofereci a senha do meu iCloud para você ler minhas mensagens, não, não falei com ela, e eu estou bem, sério, estou bem.
-- Desculpa, Lu. Excesso de zelo, não é? Você não precisa da minha ajuda, poxa, está aí conhecida como a namorada da Cléo Moraes, você conseguiu isso sozinha, nem acredito nisso. – Cris fez piada.
-- Ah é, por que grande parte das mulheres que arrumei na vida, foi você que me ajudou a pegar né? Grande guru!
Cris fez uma careta ridícula, enquanto eu jogava lenços de papel na cara dela.
-- Você sabe que, como essa fofoca aí ganhou público, você pode enfrentar umas piadinhas dos alunos, os jornalistas podem te importunar ainda... Já imaginou como será com a louca da Beatriz?
-- Sinceramente Cris, acho que isso já passou, ninguém vai falar nisso, e eu, juro que não pensei na Beatriz uma única vez, muito menos como ela ia reagir a essas fofocas que tem um pouquinho de verdade.
-- Mas, pensou em como a Marcela ia reagir?
Olhei para o mar, balancei a cabeça e chamei o garçom.
-- Vamos pedir sobremesa? Está muito quente, quero aquele sorvete de manga maravilhoso que tem aqui.
Cris percebeu minha recusa em falar no assunto, pedimos a sobremesa, e finalmente em casa, comecei a tomar pé da situação, estava de volta do exílio, e meus sentimentos estavam todos ali de volta comigo. Minha realidade que estava dormente, dava as caras, e toda autoafirmação e discurso de que eu estava bem, teria que virar um mantra para meus próximos dias.
************
E como diria a bruxa do episódio do Pica-Pau, novo semestre: E LÁ VAMOS NÓS. Novas turmas, calouros, trotes, alguns veteranos que decidem por si mesmos se dar mais uma semana de férias, reencontro dos colegas professores, e o campus no verão mais parecendo o calçadão de uma praia, as meninas com minisaias e microshorts, e os meninos com o mesmo visual praiano, acho até que alguns vinham ou iam para a praia com as mesmas camisetas regatas e chinelos de dedo.
Tudo exatamente igual, exceto por alguns olhares e cochichados nada discretos dos ex-alunos, certamente não era por saudade de farmacologia, me sentia vigiada pelos corredores, melhor dizendo, eu parecia estar exposta em uma jaula invisível para apreciação de curiosos. Eu repetia mentalmente meu mantra: eu estou bem. Todavia, pela primeira vez eu me sentia desconfortável e pressentia que não seria tão fácil como eu deduzi.
Na sala dos professores, eu senti um impacto mais de perto, o de Beatriz então foi imediato. Passou por mim, que inocentemente enchia meu squeeze de água e ordenou:
-- Na minha sala imediatamente, professora Luiza.
Qual criança que fez travessura, segui para o gabinete de Beatriz de cabeça baixa, não saberia arriscar que face dela eu ia enfrentar.
-- Pois não, Beatriz, em que posso ser útil?
-- Tem a capacidade de se tornar invisível? Isso seria bastante útil.
-- Olha, juro que adoraria ter essa habilidade, mas, meu laboratório ainda está testando em animais essa super tecnologia, quem sabe, daqui a uns cinquenta anos. – Respondi com sarcasmo.
-- Vejo que seu humor está muito bom, aprendeu a ficar engraçadinha assim no meio artístico?
-- Tenha santa paciência! Beatriz, o que você quer afinal? Entro em sala de aula após o intervalo e quero ir ao laboratório primeiro, dá pra ser objetiva?
-- Você quer objetividade? Então vamos lá! Eu quero que você se livre das merdas que você faz na vida pessoal e deixe bem longe desse campus!
-- Oi? Que merdas? Do que você está falando?
-- Você não sabe? Deixa eu te mostrar essa lista aqui – jogou na mesa dela uma folha preenchida – Isso é o número de vezes que a segurança foi acionada para retirar jornalistas, blogueiros, sei lá que mais tipo de gente, importunando funcionários, até mesmo o pró-reitor de pesquisa e a de graduação, querendo saber informações suas.
-- Olha Beatriz, eu não fiz nada que ferisse ética, conduta, ou qualquer coisa que desabonasse a universidade. É minha vida pessoal, e isso, é coisa de mídia, passa, tem alguma repercussão administrativa contra mim? Eu sequer estava no campus.
-- Mas, a universidade foi exposta, por sua causa!
-- Por que beijei uma atriz em uma ilha no feriado? Mas o que isso tem com a universidade? Um mar de corrupção envolvendo reitores, governador, deputados, com escândalos e eu expus a universidade? Conta outra Beatriz! Você foi encarregada de me dar algum recado dessas pró-reitorias?
-- Eu fui apenas informada, e quero lhe advertir, que isso não será tolerado, a universidade tem coisas mais importantes para lidar, do que com a segurança de uma professora.
-- Mas, eu estou pedindo escolta? Olha Beatriz, não estou entendendo muito bem o recado.
-- Os alunos podem ser importunados, isso ficar fora de controle e nós termos problemas maiores como processos de assédio...
-- Você está louca, aliás, você piorou, por que louca você já estava ano passado.
-- Luiza! Acorda! Você acha mesmo que ninguém vai te importunar com esse assunto? Como uma pesquisadora do seu naipe, vira manchete de tablóide de fofocas e nem se preocupa com isso? Era essa publicidade que você queria? Sempre tão discreta? Imaginou a fantasia que você despertou na cabeça desses alunos?
-- Parece que eu não preciso me preocupar, você se preocupou o suficiente, está longe aí nas deduções. Mas, nada do que você falou é um problema da universidade, seja lá o que eu for enfrentar, é um problema meu, não vou deixar que seja seu, tudo bem?
Saí da sala de Beatriz batendo forte a porta, pisando firme, no entanto, as coisas que Beatriz falou, ecoaram na minha cabeça, eu não tinha parado para analisar a repercussão da minha aventura com a Cléo, por esse prisma.
Meu primeiro desafio em sala de aula foi um pesadelo: os risos, e não me perguntem como, mas, certamente por bluetooth ou algum aplicativo, a projeção do meu slide, enquanto eu me distraía respondendo uma dúvida de um aluno, mudou para uma foto sensual da Cléo, no ensaio de uma campanha publicitária. Aquele funk infame do “créu” virou paródia, e de repente, eu ouvia pelos corredores por onde passava:
--Pra pegar a Cléo tem que ter habilidade... Cléo, Cléo, cléo, Cléo...
As aulas à tarde foram no mesmo clima, e eu, ainda nem tinha enfrentado, talvez o olhar que eu mais temia: o de Marcela. Essa eu encontraria na reunião do grupo de pesquisa, e por mais que eu pudesse tentar me convencer que eu não devia nada a ela, meu coração pensava diferente, ele nunca foi muito habilidoso em separar as estações.
À porta do laboratório outro desapontamento desastroso me aguardava, os meninos do grupo de pesquisa, repetiam o refrão da paródia, e sem notarem minha chegada quando entrei na sala, um dos meninos comentava com a colega:
-- Quem vai nos patrocinar agora? A Globo? Vamos publicar nossos artigos na Playboy, imagina nosso fator de impacto? Nossa orientadora e a Cléo em um ensaio sensual, eu colocaria isso no meu lattes, alguém conferiu se a professora Luiza atualizou o currículo lattes dela depois do réveillon?
Enquanto alguns riam, outros só me olhavam em desacordo com a piada do amigo, ou por já estarem envergonhados o suficiente pela minha chegada. Respirei fundo para não descer do salto, uma olhada em volta, e vi Marcela acompanhada de Jessica, com o notebook aberto, ao menos ela não fazia parte dos piadistas.
-- Vamos começar a reunião, pessoal? A propósito, meu lattes está atualizado Vinícius, ao contrário do seu, que continua medíocre, não teve competência para corrigir os erros do seu artigo, e atrasou seu prazo de qualificação, já sabe que sua entrada no doutorado pode ser comprometida, não é?
Com um ar de superioridade bastante falso, apelando para uma chamada de atenção em público direcionada a Vinícius, um dos meus orientandos do mestrado, coisa que não era do meu feitio, iniciei a reunião de maneira um tanto autoritária, até separar em pequenos grupos, deixando os outros docentes orientarem os alunos.
Meus olhos cruzaram com os de Marcela algumas vezes, e eu sentia meu coração acelerar todas as vezes que ela perguntava algo, ou respondia algo a uma colega, parecendo estar completamente concentrada na atividade, e não em mim. Naquela noite, não fiquei até tarde como de costume, por que nenhum dos meus orientandos teria coragem de me enfrentar a sós provavelmente, incluindo Marcela.
Caminhei até o estacionamento exausta, parece que o mundo estava nos meus ombros, cada olhada, cada cochicho, risada, que no começo do dia só me deixavam desconfortável, agora pareciam flechas de irritação. Parecia que o dia ainda tardaria a acabar, por que no estacionamento, fui abordada por um desconhecido:
-- Doutora Luiza Antero?
-- Pois não?
-- Estou esperando há dias encontrar a senhora, Cássio Arruda, repórter do jornal Novidade, pode me responder algumas perguntas sobre seu relacionamento com a Cléo Moraes?
-- Olha, me desculpe, mas, não tenho nada a declarar. Boa noite.
Andei apressada, e o repórter me seguia, fazendo fotos:
-- Doutora, até agora a senhora não deu sua versão a mídia, não gostaria de parar com os boatos sendo honesta com um jornal de credibilidade? Minha coluna é bem avaliada.
-- Eu não tenho interesse, obrigada. Não há nada a ser dito.
De frente ao meu carro finalmente, achava que dali eu fugiria e deixaria aquele pesadelo de dia, não acreditei quando encontrei meu carro pintado, certamente com as tintas usadas no trote dos calouros, em letras gigantescas:
-- CLÉO NA VELOCIDADE 5
Pelo resto da lataria do carro, tinha o nome de Cléo pintado, ou metralhado como na música. Era tinta lavável, que saía com água, mas, o repórter eternizou o momento, e se não fosse ele, os alunos, certamente que nem eram os meus, já deviam tê-lo feito, tirando várias fotos. Os seguranças chegaram no momento e afastaram o jornalista, outro funcionário se aproximou tentando me acalmar:
-- Professora, não vimos isso acontecer, mas já pedi que trouxessem água para remover essa tinta.
Eu, estava zonza, perdida, só acenei em acordo com os olhos marejados, as vozes, os risos, e quem estava em volta, com os celulares erguidos, me deixaram completamente atordoada, até que senti um braço me envolver, e uma voz familiar me dizer:
-- Baixa a cabeça, e vem que eu te levo.
Marcela me conduziu praticamente em escondendo em seu peito, abriu a porta do seu carro para mim, e me tirou do alvoroço como um cavalheiro salvava uma donzela. Arrancou com o seu carro da universidade, e disse em um tom tranquilo:
-- Vai ficar tudo bem, ninguém vai te fazer mal aqui comigo.
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