EPISÓDIO 3 – PERTO DEMAIS
Fernanda
chegou ao local acompanhada de Leticia. Um velho galpão na Zona Leopoldina, próxima
a antiga estação do mesmo nome.
De
longe Beto acenou para a colega, o local já estava cercado de outros policiais
e peritos.
-- Outra menina, mulher branca,
28 anos, foi encontrada por pedintes, garantem que ela estava sem bolsa ou
qualquer outro pertence, ou seja, não sabemos quem ela é. – Beto resumiu.
Fernanda
se aproximou do corpo junto com Leticia, arregalou os olhos e com a voz trêmula
disse:
-- Nós sabemos sim, eu a conheço.
-- Você a conhece? – Beto indagou
surpreso.
-- Conheço, quer dizer, conhecia.
Nara Medeiros, ela trabalhava em uma multinacional, era gerente de RH. Voltou
ao Rio há três dias. Estive com ela ontem. Meu Deus...
Os
policiais se encararam, Leticia fez os primeiros exames no corpo ali mesmo,
supondo a causa da morte.
-- Aparentemente ela foi
estrangulada. As marcas do pescoço indicam que foi utilizado um fio com
diâmetro pequeno. Ela não lutou, o que me faz acreditar que a exemplo da outra
vítima, ela foi dopada para ser trazida para cá, a marca da seringa reforça
minha suspeita, exatamente no livro de Catherine Morgan, a segunda vítima foi
vítima de estrangulamento. – Leticia explanou.
Nitidamente
abalada, Fernanda acariciava o rosto da vítima, quando a médica disse:
-- Ela era muito bonita.
Fernanda
acenou em acordo.
-- Encontraram mais alguma pista
aqui Beto? – Fernanda perguntou.
-- Temos alguns rastros, marcas
de solado de calçado na lama. Mas isso não nos ajudará, muitos pedintes
passaram por aqui. – Beto respondeu.
-- Nenhum deles viu nada? –
Fernanda insistiu.
-- Se viram negaram. – Beto respondeu. - O rabecão chegou.
-- Doutora, a senhora se incomoda
se eu assistir a autópsia do corpo? – Fernanda indagou.
-- Tem certeza que você terá
estrutura para isso? Não é nada agradável, especialmente você a conhecendo. –
Letícia interrogou complacente.
-- Eu quero e preciso, não quero
deixar que nenhum detalhe escape, eu quero pegar esse louco assassino o mais
rápido possível.
Letícia
balançou a cabeça positivamente concordando com o pedido da policial.
-- Vamos começar hoje mesmo
então.
Saíram
juntas, logo após o corpo ser removido.
-- Preciso avisar a família dela,
tenho que fazer isso pessoalmente. Incomoda-se de ir com o Beto para a
delegacia doutora Letícia?
-- Claro que não investigadora
Garcia.
Antes
de deixar o local, Fernanda avisou um movimento suspeito por trás de uma das
colunas do galpão. Andou apressada nessa direção, surpreendendo Dulce que
inutilmente tentava se esquivar.
-- Dulce?! Porra de novo?!
Fernanda
puxou a amiga pela jaqueta.
-- Qual seu problema?! Acaso está
trabalhando de agente funerário? Agora vive cercando cena de homicídio?! –
Fernanda berrava indignada.
-- Calma aí Nanda... Estou
precisando trabalhar! Pow eu fui demitida, preciso de boas reportagens “freela”
pra pagar minhas contas! Segui você quando falou de outra vítima do assassino
do livro.
-- Ainda não sabemos se é o mesmo
assassino. – Fernanda disse irritada.
-- Tinha que ser a primeira
noticiar isso, tem um louco caçando mulheres por aí, eu fui a primeira a
noticiar isso, quero continuar acompanhando esse caso, facilita aí Nanda...
-- Você é doida! Não quero
apavorar a população, tudo que menos preciso é uma repórter intrometida fazendo
sensacionalismo.
-- Uma repórter que tem uma
testemunha te interessa?
-- Testemunha? Não foi encontrada
nenhuma testemunha...
-- A policia não encontrou, mas
eu sim.
-- Desembucha Dulce!
-- Em troca eu ganho cobertura
exclusiva?!
-- Em troca eu não te prendo!
-- Se você me prender não falo o
que descobri com a testemunha...
Fernanda
encarou Dulce furiosa.
-- Dulce não me provoca...
-- É pegar ou largar.
-- Tá! Desembucha sua mala!
-- Um dos mendigos viu um homem
sair daqui acerca de duas horas.
-- Ele tem alguma descrição desse
homem?
-- Nada muito específico, exceto
que o homem tinha uma mão seca. Não entendi o que ele quis dizer com mão seca,
ele só explicou que o homem tinha uma mão esquisita, com os dedos tortos.
-- O Capitão Gancho...
**************
Fernanda
chegou ao laboratório de necropsia nitidamente abalada. O rosto denunciava que
chorara há pouco tempo. Letícia não notou sua chegada até a policial quase
derrubar a bandeja de instrumental da pericia, ao ficar tonta diante do corpo
aberto da vítima.
-- Investigadora Garcia?! Você
está bem?
Leticia
perguntou se aproximando de Fernanda que se apoiava em um balcão.
-- Estou é que...
Fernanda
continuava tonta, desviou o olhar do corpo exposto. Leticia se aproximou mais e
a policial se afastou com cara de nojo. A médica franziu o cenho estranhando a
reação da morena que apontou para as luvas de Leticia sujas de sangue.
-- Oh! Desculpe-me. – Leticia
retirou as luvas.
-- Tudo bem, você está
trabalhando, eu não quero atrapalhar...
-- Você está pálida, vamos para
minha sala, beber uma água, sentar-se um pouco, vai te fazer bem.
Fernanda
assentiu. Em sua sala, Leticia serviu um copo de água para a policial que
permanecia com um olhar triste, abalado, encarando o chão.
-- Ainda não consigo acreditar
que ela está morta. Eu sempre tive medo que na minha profissão um dia isso
acontecesse: investigar o assassinato de alguém que eu amei.
-- Vocês eram muito amigas? –
Leticia perguntou se sentando ao lado da policial.
-- Sim... Éramos muito intimas.
Fernanda
pausava procurando as melhores palavras.
-- Eu sinto muito.
Letícia
segurou a mão de Fernanda suavemente. A policial sentiu seu corpo estremecer
com aquele gesto delicado. Fernanda correspondeu a manifestação gentil da
legista com um sorriso discreto e um olhar desarmado.
-- Obrigada doutora.
-- Tem certeza que ainda quer
assistir a autópsia?
-- Realmente não é um bom
programa para essa hora da noite.
Fernanda
brincou tentando minimizar o clima triste.
-- Vou tentar agilizar o máximo
que puder a conclusão, e mantenho você informada, te prometo.
-- Não vou deixar você sozinha
aqui a essa hora da noite com um cadáver, pela sua boa vontade de colaborar
com sua competência e rapidez, vou te fazer companhia e providenciar algo para
comermos.
-- Não precisa se preocupar
agente Garcia. Não estou com fome.
-- Doutora eu sei que seu
trabalho tira o apetite, eu até agora estou com o estômago meio embrulhado, mas
imagino que a senhora precise comer uma hora. Estou com você desde a hora do
almoço, nem eu, nem você comemos nada, deixe eu te trazer ao menos um
sanduíche...
-- Mas...
-- Ah doutora! A senhora come não
é? Você tem cara de só comer folha e vento, posso trazer um “cheese salada”.
Leticia
sorriu e acenou em acordo.
-- Então segura as pontas aí que
vou providenciar nossa bóia.
**********
Fernanda
voltava para a delegacia com sacolas na mão quando Carol a encontrou no
corredor que dava acesso ao laboratório de necropsia onde Leticia estava.
-- Nanda! Eu fiquei sabendo
agora! É verdade sobre a segunda vítima do Capitão Gancho? Era a Nara?
-- Era sim Carol.
-- Meu Deus! Que coisa horrível!
Como você está amiga?
-- Chocada Carol. A Nara estava
tão bem, cheia de planos, acabou de ser promovida na empresa, você sabe como
ela dava o sangue pela carreira dela, a ponto de sacrificar até nosso
relacionamento... Quando a vi ali estendida...
Fernanda
pausou com sua voz travada. Carol a abraçou.
-- O que você está fazendo aqui?
Por que não vai para casa?
-- Estou aqui para ajudar a
doutora na autópsia, quero saber de qualquer coisa que me leve a esse monstro!
-- Nanda eu não acredito nisso!
Você quer ver o corpo de sua ex-namorada ser remexido, cortado, está louca?!
-- Shi... Fala baixo! Quer que
todos saibam que a segunda vítima de um serial killer já foi minha namorada? Era
tudo que o pulha do Wellington precisa pra me tirar do caso!
-- Nanda você não precisa passar
por isso...
-- Eu não preciso, mas quero,
devo isso a Nara.
Da
sua sala, Leticia escutou sem querer a conversa das policiais. Carol olhou para
as sacolas nas mãos de Fernanda e indagou curiosa.
-- O que são essas sacolas?
-- Jantar para mim e para
doutora.
-- Dogão do Aguiar? Você trouxe
um dogão do trailer da esquina para a mulher que usar Dior e Gucci para
trabalhar?!
-- O que é que tem? É o melhor
cachorro quente do bairro!
-- Nanda você não existe...
Fernanda
deu de ombros e entrou na sala da legista.
-- Nosso jantar doutora.
Fernanda
sentou-se no sofá, e foi tirando os embrulhos da sacola, dispondo na mesa de
centro.
-- Eu não sabia do que você
gostava então pedi um completo.
Leticia
sentou-se vizinho a policial no sofá, olhando com estranheza o tamanho e a
forma do sanduíche. O amontoado de ingredientes coloridos empilhado sobre uma
baguete gigantesca.
-- Salsichão, carne moída, purê
de batatas, milho verde, cenoura ralada, azeitona fatiada, batata palha, molho
e mostarda.
Fernanda
listou, entregando o hot dog para a médica. Leticia encarou o sanduíche se
questionando mentalmente como comeria tamanha “iguaria”, duvidava que coubesse
em sua boca aquela montanha de ingredientes. Enquanto pensava, Fernanda mordeu
o cachorro quente deixando escapar pelo canto da boca molho e as sobras que
obviamente não cabiam numa só mordida.
-- Delícia! Não vai provar o seu?
Sem
cerimônia, limpando a boca Fernanda disse com a boca cheia. Desajeitada,
Letícia se preparou para morder o sanduiche da melhor forma, mas, conseguiu se
sujar mais do que Fernanda, sujando além da boca, o queixo e o nariz. Fernanda
não se conteve, vendo o rosto da médica pintado do amarelo da mostarda,
vermelho do molho de tomate e branco do purê, sorriu divertida.
-- Oh... Isso é mesmo delicioso.
Nunca comi nada parecido.
Leticia
notou os risos de Fernanda e perguntou depois de morder mais uma vez o cachorro
quente:
-- O que foi? Do que você está
rindo investigadora?
-- Nada não... É que você está
parecendo o Ronald McDonald...
Leticia
parou de mastigar imediatamente, sem graça pegou um dos guardanapos e limpou a
boca.
-- Não é só sua boca que está
suja... – Fernanda disse sorrindo.
-- Não?!
Fernanda
balançou a cabeça negativamente, e a limpou ela mesma o rosto de Leticia
delicadamente. Os olhos se cruzaram por segundos. A atração desconhecida que
mantinha aqueles olhares unidos era tão forte que fez Leticia recuar, a ruiva
desviou o olhar perguntando:
-- Limpou tudo?
Fernanda
baixou os olhos depois de acenar em acordo.
-- A mulher do Dior já provou esse cachorro quente?
Letícia perguntou inocentemente. Fernanda sorriu.
-- Isso não está registrado na biografia dele com certeza...Mas, não deixa de ser uma possibilidade.
-- Mas nem sei se ele foi casado...
Quando
Leticia começava a argumentar Fernanda sorriu mais uma vez balançando a cabeça
negativamente.
-- Ah... Você não estava se
referindo ao estilista Dior não é?
-- Não, falava do vestido que
você usava quando nos conhecemos...
Letícia
sorriu tímida.
-- Aquela mancha saiu? Ou te devo
alguns meses de salário por um vestido novo? – Fernanda perguntou.
-- Saiu sim, não precisa se
preocupar. E sobre sua impressão de quão improvável seria eu comer um cachorro
quente pitoresco da rua, bem, confesso que nunca fui adepta dessa culinária,
mas a julgar por esse sabor...
-- Descobriu que perdeu muito
tempo da sua vida comendo folha e vento com azeite né?
Leticia
acenou em acordo com a boca cheia.
-- Hurrum.
Fernanda
sorriu mais uma vez, mas agora, com encantamento encarando a legista.
********
Leticia
prosseguiu com a necropsia, tendo Fernanda como espectadora. Gravou no seu mp3
o que via, em detalhes: as marcas e hematomas, as escoriações, tudo corroborava
para a tese de que se tratava do mesmo assassino.
-- Ela também foi arrastada? –
Fernanda quis saber.
-- Sim, mas, por uma distância
pequena.
-- Algum palpite sobre arma do
crime? – Fernanda perguntou.
-- Isso é curioso. Nesse ponto, o
assassino fugiu do padrão do livro.
-- Como assim?
-- No livro o assassino usa um
fio de nylon para estrangular a vítima, mas nesse caso, o fio não era desse
material. Vê essas marcas aqui? Foram pequenos cortes, encontrei resquícios de
uma espécie de pó cortante. Isso é compreensível porque ele não teria forças
para estrangulá-la devido a sua lesão.
-- Cerol? O cara usou uma linha
com cerol?
-- Cerol?
-- É uma mistura com pó de vidro
que os irresponsáveis que usam nas linhas das rabiolas...
-- Rabiolas?
-- Pipas, conhece?
-- Ah!
-- Então, essa mistura corta a
linha das outras empinadas...
-- Entendi. Então, o assassino usou
cerol na linha que estrangulou a vítima. Certamente usou uma luva resistente
para não se cortar.
-- Doutora esse monstro não
deixou um vestígio na roupa, no corpo dela? Algo que nos leve a identidade
dele?
-- Hum... Não quero te dar falsas
esperanças, mas encontrei na pulseira do relógio da vítima fragmentos de
células da pele, se tivermos sorte, essa pele não é dela.
-- Pode ser do assassino não é? O
relógio pode ter arranhado o assassino enquanto ele a arrastava não é isso?
-- Exatamente investigadora!
-- E o resultado daquela ponta de
cigarro que a Gisele me entregou?
-- Amanhã teremos o resultado.
-- Então amanhã é o dia que
avançaremos nessa investigação finalmente.
-- Vou terminar a autópsia para
liberar o corpo. – Leticia disse.
*************
Fernanda
chegou nitidamente abalada ao departamento. Cumprimentou rapidamente os colegas
e subiu para o laboratório onde Leticia estava analisando lâminas no
microscópio.
-- Investigadora Garcia! Estava
mesmo querendo falar com você... Mas, o que houve? Você não me parece bem.
-- Estou chegando do sepultamento
da Nara.
-- Oh...
-- Doutora eu preciso de boas
notícias! Por favor, me diga que você tem boas notícias!
-- Acho que as tenho. Conseguimos
extrair o DNA da ponta de cigarro e das células epiteliais presas no relógio da
segunda vítima, e se tratam da mesma pessoa.
-- Yes!
-- E não é só isso... Agora temos
a idade aproximada do assassino, quero dizer, do suspeito, o que vai nos ajudar
a filtrar os resultados do SINAN, amanhã nós teremos um relatório com os casos
notificados de hanseníase com grau de incapacidade, tendo a faixa etária, nos
dará uma margem para filtrarmos os resultados.
-- E aí colhemos amostras para
comparar com o DNA que temos e...
-- Pegamos o Capitão Gancho! – Leticia
falou empolgada.
Foi
inevitável para Fernanda não sorrir com a reação da médica.
-- Não temos motivo para
comemorar?
Leticia
indagou sem jeito.
-- Acho que devemos comemorar
quando prendermos esse monstro.
Leticia
acenou em acordo, afastou-se da bancada do microscópio e no trajeto até um dos
armários, tropeçou, sendo amparada por Fernanda. Ficaram tão próximas, que
podiam sentir a respiração uma da outra. Tão perto uma da outra não havia como
fugir daqueles olhares cheios de uma atração tão intensa que chegavam a
confundi-las.
O
contato que não demorou mais do que segundos, mas estes foram suficientes para
acender em ambas um turbilhão de sensações inéditas. No entanto, aquele clima
foi devidamente interrompido, pela chegada de Wellington.
-- Doutora Letícia? O que está
acontecendo aqui Garcia?!
-- Ow... Delegado... A doutora ia caindo e... Eu só segurei...
Fernanda
se atrapalhou para explicar, se apoiou na mesa que abrigava um cadáver.
-- Aiii!
A
policial sacudiu a mão apavorada. Letícia segurou o riso e Wellington mudou de
assunto.
-- Eu só passei aqui para saber
dos avanços da investigação...
-- Ah! Sim, avançamos bastante,
já temos amostras de DNA para comparar com uma lista de possíveis suspeitos que
teremos amanhã. - Leticia informou empolgada.
-- Ótimo doutora! Sabia que a sua
competência e inteligência extraordinárias, era o que precisávamos para colocar
esse departamento no time dos melhores!
Fernanda
fez careta de nojo ao ouvir a rasgação de seda do chefe.
-- Obrigada delegado, mas o
sucesso do meu trabalho só é possível quando trabalho com os melhores
investigadores, e o senhor tem isso no seu departamento.
Wellington
não deu importância a observação da legista.
-- Bom, eu vim também para
confirmar nosso encontro de mais tarde. Tudo certo para nosso happy hour
doutora?
--Er... Ah, eu... – Leticia
gaguejava desconcertada olhando para Fernanda.
-- Não vá me dizer que se
esqueceu doutora! – Wellington disse franzindo o cenho.
-- Não, é que estou com tanto
trabalho...
Fernanda
mantinha os olhos baixos, brincando com uma liga de elástico.
-- Doutora Leticia, hoje é
sexta-feira, foi uma semana muito cansativa, vamos lá, relaxar um pouco. Não
aceito um não como resposta!
Leticia
tentou argumentar, mas foi inútil. Wellington encerrou o assunto avisando:
-- Espero você em meia hora. Ah!
Garcia, a dona Gisele da Silva acabou de depor, quer falar com você. Você
aprontou algo com ela? Garcia ela é sobrinha do secretario de segurança do
estado, não faça besteira!
-- Não torra Wellington! Vá lá
pro seu happy hour – Fernanda fez um gesto caricato – E me deixa em paz!
Fernanda
saiu irritada do laboratório e encontrou Gisele assinando o seu depoimento com
Carol.
-- Gi? Queria falar comigo?
-- Oi Nanda!
-- O delegado disse que você
queria falar comigo. Aconteceu alguma coisa?
-- Será que tem um lugar que
possamos conversar a sós?
-- Claro. Carol a sala de
reuniões está desocupada?
-- Sim, está. – A escrivã
respondeu.
Gisele
dispensou seu advogado e seguiu Fernanda até a sala de reuniões.
-- E então? Aconteceu algo? –
Fernanda indagou preocupada.
-- Nanda, eu não tenho dormido
desde o assassinato em Itatiaia. Tenho pesadelos todos os dias com aquela moça.
Eu me sinto tão culpada Nanda...
-- Ei! Para com isso Gi! Você não
tem culpa de nada! O cara é um louco! Você poderia estar morta também!
-- Mas ele está se inspirando nos
meus livros Nanda!
-- Gisele tem maluco de todo
jeito nesse mundo! Se você soubesse o tanto de doido que já prendi! Eles nem
precisam de inspiração não, acredite!
-- Nanda, eu preciso fazer algo
para ajudar a prender esse assassino. É minha obrigação!
-- Gisele você já está fazendo.
Tem colaborado incondicionalmente nas investigações.
-- Nanda, eu quero e posso fazer
mais. Eu escrevi aqueles livros, eu sei criei aqueles assassinatos, eu posso
ajudar a esclarecer, analisar a personalidade do assassino.
-- Uma espécie de consultoria?
-- Chame como quiser, só me deixa
ajudar em algo Nanda, eu preciso disso.
-- Tudo bem Gi. Fique tranquila,
vou ter que comunicar ao delegado, e outra condição: não quero que você se
exponha, nem se arrisque ok? Esse assassino te conhece, e se ele for um fã
maluco seu... Enfim, você promete que vai me obedecer?
-- Ok, eu prometo.
Fernanda
sorriu segurando o braço da amiga que correspondeu ao sorriso. Saíram da sala e
avistaram Wellington e Letícia saindo em direção ao elevador. O delegado com a
mão na cintura da legista visivelmente constrangida.
-- Aquela dali não é a doutora
gracinha que estava com você em Itatiaia?
-- É.
Fernanda
disse aborrecida. Carol se aproximava olhando da mesma direção.
-- Quem diria que o delegado ia
partir na frente... – Carol comentou.
-- Que pena a ruiva gata não
jogar no mesmo time que eu... – Gisele lamentou.
Fernanda
acompanhou com o olhar o delegado e Leticia esperando o elevador e antes de
entrar, a médica encontrou os olhos atentos da policial. Fernanda desviou o
olhar com um convite inusitado:
-- Gisele, você quer sair pra
beber alguma coisa comigo?
--Eu?!
-- Tem outra Gisele aqui?
Carol
apertou os olhos lendo intenções da amiga.
-- Opa! Vamos lá! – Gisele aceitou animada.
********
Fernanda
levou Gisele a um barzinho na orla da praia de Copacabana. Lá, as amigas de
infância relembraram suas histórias, riram com as lembranças confusas,
principalmente as armações delas no colégio de freiras.
-- A irmã Conceição caía
direitinho nessa sua cara de santa oriental! – Fernanda disse depois de
gargalhar.
-- Não tenho culpa da minha
carinha de anjo. Além do mais, alguma de nós tinha que ter alguma
credibilidade. A Dulce era uma mentirosa compulsiva, toda semana ela matava uma
tia pra justificar os atrasos dela nas aulas de educação física.
-- Morta de preguiça de acordar
mais cedo isso sim! Isso quando ela não fingia uma crise de asma pra não correr
em volta da quadra...
As
duas gargalharam de novo relembrando.
-- E você Nanda, era a rainha das
peças. E era também a mais sortuda! Nunca foi pega! Você passou pó de mico no
terço da Irmã Paulina antes da prova final de matemática! A coitada ficou toda
empolada, só conseguiu voltar às aulas uma semana depois!
-- Ah eu não sabia que ela era
alérgica pow! Só queria desconcentrá-la pra gente colar com mais calma... –
Fernanda tentou se justificar.
-- Você quase mata a velha isso
sim!
Riram
de novo e beberam mais uma tulipa de chopp. A vigésima da tarde que já virara
noite. Quando deram por si, já nem sabiam mais contar quantos chopps haviam
tomado. Estando mais perto do flat de Gisele, tomaram um táxi e seguiram para
lá.
-- Caraca Gi fazia muito tempo
que eu não bebia assim...
Fernanda
falava com a voz pesada, entre risos, jogada no sofá.
-- Vem dançar comigo Nanda? Você
ainda se lembra da nossa coreografia do final de ano de Lua de Cristal?
-- Caracaaaa!
Fernanda
foi arrastada pela amiga e com dificuldade se equilibrou para acompanhar Gisele
na letra e na coreografia.
--“ Tudo pode ser, se quiser
seráaaa sonhos sempre vem pá quem sonhaaar, tudo pode ser só basta sonhar, tudo
que quiser pra ser lutarrrrr”
Gisele
errava a letra da música fazendo movimentos hilários com as mãos, sendo imitada
por Fernanda que mais ria do que dançava.
--“Vamos com você nós somos
invisíveis pode crer! Todos somos um e tudo não existe só mais ummm... Lua de
cristal que me faz chorar cai a minha estrela que eu já sei pulaaaar”
Fernanda
pulou como a nova versão da música cantada por Gisele pedia, mas o salto duplo
twist carpado da policial acertou em cheio a coreógrafa e as duas caíram juntas
no chão.
-- Não me lembro dessa parte da
coreografia... – Gisele deixou escapar.
-- Se tivesse essa parte, garanto
que nosso sucesso estava garantido, pelo menos dariam risada da nossa queda e
não da sua fantasia mijada!
Gisele
fez bico, segurando o choro, como fazia quando criança. Fernanda retrucou:
-- Ah não Gi! Engole esse choro!
-- Por que você tinha que falar
nisso agora?!
Gisele
falou chorando aos soluços.
-- Tudo bem, chora, mas não molhe
as calças!
O
berreiro de Gisele foi maior, Fernanda só conseguia rir, até que os risos
contagiaram a amiga chorona que intercalava choro e gargalhada.
-- Como eu vivi tanto tempo sem
você?!
Gisele
disse encarando a policial.
-- Deixe-me ver... Tendo uma
carreira de sucesso como a maior autora de romances policiais da atualidade,
ficando fica e ainda mais linda... Acho que você se saiu bem sem mim todo esse
tempo sim.
Fernanda
disse afastando uma mecha de cabelo do rosto da escritora.
-- Eu senti sua falta Nanda,
pensava em você sempre.
-- Eu também Gi, afinal a gente
nunca esquece o primeiro beijo não é?
-- Pelo menos não o primeiro
beijo em uma mulher...
Gisele
disse mordendo os lábios. Fernanda olhou para a boca da escritora e não
resistiu, puxou o rosto de Gisele para um beijo lânguido. Sobre o corpo de
Fernanda, Gisele encaixou os joelhos na cintura da policial, investindo em
outro beijo igualmente voluptuoso, enquanto a morena arrancava as roupas da
escritora.
Sem
as roupas, Gisele ofereceu seus mamilos eriçados à boca de Fernanda, que em
pouco tempo depois de lamber com voracidade o que era ofertado, sentiu o peso
do corpo de Gisele sobre o seu.
-- Gi, você continua deliciosa...
– Fernanda sussurrou ofegante.
-- Hurrum...
O
murmúrio de Gisele excitou ainda mais Fernanda que insistiu enquanto suas mãos
passeavam pelas costas e bumbum da escritora:
-- Quero seu corpo todo nu sobre
o meu, sentir você inteira Gisele...
Fernanda
não teve a resposta esperada. O que ouviu foi um sonoro:
-- Roooonc...
-- Não acredito! Puta que pariu!
Gisele!
Não
adiantou o brado. Gisele roncava, em um sono profundo, tão profundo que não se
incomodou ao ser jogada ao chão por Fernanda, que a deixou dormir no chão e
tomou posse da cama espaçosa sozinha, como se aquilo representasse alguma
vingança pelo tesão naufragado naquela noite.
************
O
barulho da campainha acordou Gisele como se fosse uma buzina de um
transatlântico.
-- Calma aí! Já vai!
Do
jeito que estava só de lingerie Gisele se levantou, envolveu-se na camisa de
Fernanda sobre uma cadeira e abriu a porta.
-- Dulcinha?!
-- Oi amiga, desculpa te acordar
assim, mas é uma emergência. Nossa, que trajes são esses Gi? Ai meu Deus! Estou
interrompendo algo?!
Sem
cerimônia, Dulce foi entrando no flat com suas malas olhando em volta,
analisando a bagunça instalada.
-- Dulcinha que emergência? O que
aconteceu? E o que são essas malas? Você está fugindo de alguém?!
-- Mais ou menos... Fui despejada
amiga, preciso de um abrigo.
-- Han?!
Enquanto
Gisele se dava conta da surpresa que Dulce lhe preparara, Fernanda aparecia na
sala com sua típica calcinha box e top.
-- Nanda?! Ai meu Deus! Vocês?!
Nãaaaao?! Juraaa?
Dulce
abria e fechava a boca com os olhos arregalados.
-- Nãao. Não né?
Gisele
perdida olhava para Fernanda em busca de respostas. Com um tom de irritação a
morena respondeu:
-- Não Gisele. O que é que essa
doida está fazendo aqui essa hora?
-- Está quase na hora do almoço
tá! Estou aqui por que não podia contar com mais ninguém! Fui demitida, sem
emprego, o dono do meu apartamento não renovou meu contrato, me despejou, e não
tenho grana pra ir pra hotel. – Dulce explicou.
-- E sua família Dulce? Sabe que
era uma coisa que eu queria te perguntar mesmo... Como você vive nessa pindaíba
com o dinheiro que sua família tinha? – Gisele interrogou.
-- Você disse quase hora de
almoço?! Droga! Estou atrasada, tenho que encontrar a doutora Letícia! –
Fernanda disse procurando suas roupas.
-- Minha família continua cheia
da grana, mas não quero pedir dinheiro ao meu pai. – Dulce foi evasiva.
-- E sua mãe? – Gisele insistiu.
-- Minha mãe é uma alienada que
torra o dinheiro do divórcio com uns boyzinhos mais novos que eu, nem sei onde
ela está morando agora.
-- Mas Dulce, seu pai tem
obrigações com você, é hora de deixar esse orgulho pra trás e pedir ajuda...
-- Olha aqui Gisele, se você não
puder me ajudar fala tá? Eu vou pra debaixo da ponte, mas não procuro meu pai!
– Dulce interrompeu.
-- Sempre dramática... Devia ter
aproveitado esse talento nato para o teatro, você escolheu a carreira errada...
Fernanda
disse chegando à sala já vestida.
-- Tudo bem Dulcinha, pode ficar.
Mas isso aqui é um flat, não tem muito espaço, vai ter que dormir no sofá
quando eu estiver aqui.
-- Claro Gi! Não se preocupe,
você nem vai notar minha presença aqui.
-- Sei... Espaçosa do jeito que
você é Dulce, até na casa da Gisele em Itatiaia faltaria espaço para ela mesma!
Fernanda
disse, em resposta Dulce lhe mostrou a língua, despertando o riso da policial.
-- Gi, eu estou indo, mantenho
você informada. E cuidado com essa daí viu, reviste-a, procure por alguma
câmera escondida nela...
Dessa
vez Dulce atirou uma almofada contra a policial que escapou mostrando a língua.
-- E então amiga, vamos pedir
almoço?! Ouvi falar que o restaurante daqui é maravilhoso!
Gisele
suspirou pressentindo que sua paz estava seriamente ameaçada pelo presente de
grego que acabara de receber.